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A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista

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7. JURISDIÇÃO E TUTELA JURISDICIONAL

A jurisdição é a realização do direito em uma situação concreta, por meio de terceiro imparcial, de modo criativo e interpretativo (caráter inevitável da jurisdição), com aptidão para tornar-se indiscutível.

É preciso perceber que a jurisdição sempre atua em uma situação concreta; mesmo nos processos objetivos de controle de constitucionalidade, há uma situação concreta, embora não relacionada a qualquer direito individual, submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal, em que se discute a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de algum ato normativo específico. [22]

A jurisdição é função criativa. Cria-se a regra jurídica do caso concreto, bem como cria-se, muitas vezes, a própria regra abstrata que deve regular o caso concreto. Como visto no pensamento de Luhmann, o dever de decidir, imposto aos órgãos jurisdicionais, confere-lhes, por conseqüência, o poder de criar a solução do caso concreto, à luz do sistema jurídico, principalmente à luz do texto constitucional.

Diz-se que a decisão judicial é um ato jurídico que contém uma norma jurídica individualizada, ou simplesmente norma individual, definida pelo Poder Judiciário, que se diferencia das demais normas jurídicas (leis, por exemplo) em razão da possibilidade de tornar-se indiscutível pela coisa julgada material. Para a formulação dessa norma jurídica individualizada, contudo, não basta que o juiz promova, pura e simplesmente, a aplicação da norma geral e abstrata ao caso concreto. Em virtude do chamado pós-positivismo que caracteriza o atual Estado constitucional, exige-se do juiz uma postura muito mais ativa, cumprindo-lhe compreender as particularidades do caso concreto e encontrar, na norma geral e abstrata, uma solução que esteja em conformidade com as disposições e princípios constitucionais, bem assim com os direitos fundamentais. Em outras palavras, o princípio da supremacia da lei, amplamente influenciado pelos valores do Estado liberal, que enxergava na atividade legislativa algo perfeito e acabado, atualmente deve ceder espaço à crítica judicial, no sentido de que o magistrado, necessariamente, deve dar à norma geral e abstrata aplicável ao caso concreto uma interpretação conforme a Constituição, sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade se for necessário, bem como viabilizando a melhor forma de tutelar os direitos fundamentais. [23]

7.1 Do surgimento das tutelas de urgência

No revogado Código de Processo Civil de 1939, já existia o instituto da tutela cautelar, esta inominada. Entretanto, somente com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 é que esse instituto passou a ser explorado, provocando um movimento de constante expansão de sua aplicabilidade prática.

Fenômenos sociais e históricos contribuíram para essa mudança de perspectiva, mas, igualmente, fatores normativos de enorme importância, associaram-se aos primeiros para exacerbar a busca das formas de tutela urgente. Dentre os primeiros, basta recordar o processo de modernização da sociedade brasileira, com o crescente e acelerado desenvolvimento das comunidades urbanas e o correlativo surgimento de uma sociedade de ‘massa’, em constante processo de mudança social, a exigir instrumentos jurisdicionais adequados e efetivos, capazes de atender às aspirações de uma sociedade moderna e democrática. [24]

Assim, esse processo de modernização da sociedade levou à perturbação na paz social. Conseqüentemente, surgiram lides entre os indivíduos que, por sua vez, procuravam o poder judiciário para pacificar a demanda instaurada.

A contribuição oferecida pelo próprio Código de Processo Civil de 1973 para a expansão da tutela de urgência (cautelar ou não) tem duas causas principais: a primeira delas foi desejada pelo legislador e está representada pela importância e dignidade que o Código emprestou ao Processo Cautelar, destacando-o para formar um Livro especial, com cerca de cem artigos, contra os apenas treze existentes no Código anterior.

A segunda razão para o crescimento extraordinário da tutela de urgência, em nosso direito atual, deve-se igualmente a essa mesma opção do legislador, mas decorre de um premissa ideológica sobre a qual o legislador de 1973 não teve, em consciência, muito nítida. [25]

As tutelas de urgência são evocadas quando se está diante de um risco plausível de que a tutela jurisdicional não se possa efetivar,caso em que medidas devem ser promovidas imediatamente, para garantir a execução ou antecipar os efeitos da decisão final, sob pena da impossibilidade de execução futura e do direito em lide.

Várias são as razões que conspiram contra a celeridade, a requererem medidas garantidoras de que a tutela será devidamente útil no futuro. Pode-se listar, dentre outras razões, a dilapidação do bem, promovida pelo réu, quebrando o equilíbrio da relação, a urgência na provisão de meios de subsistência, a necessidade de obstar o que o réu se desfaça de seus bens para eximir-se da execução futura.

O comprometimento da prestação jurisdicional, pelo risco ou perigo de dano, demanda uma espécie de tutela apropriada imediata, para combater aquelas circunstâncias. Essa espécie de tutela é a tutela de urgência. [26]

Portanto, o surgimento das tutelas de urgência podem ser confundidos com os motivos do seu nascimento. Apareceram para evitar a perda ou deterioração do direito do demandante, seja pelo decurso do tempo, seja por outro meio lesivo, já que o vagaroso trâmite do procedimento comum vinha causando danos permanentes ao direito do autor.

Desse modo, tem-se o aparecimento das tutelas de urgência, que são procedimentos de ritos especiais, mais ágeis e aptos a antecipar, durante o trâmite do processo, o objeto da ação até a decisão final da lide. Atualmente, são divididos na legislação brasileira em duas modalidades: a tutela cautelar e a tutela antecipatória.


8. TUTELA CAUTELAR

Na lição de Cintra, Grinover e Dinamarco, a atividade cautelar:

Foi preordenada a evitar que o dano oriundo da inobservância do direito fosse agravado pelo inevitável retardamento do remédio jurisdicional (periculum in mora). O provimento cautelar funda-se antecipadamente na hipótese de um futuro provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni iuris): verificando-se os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, o provimento cautelar opera imediatamente, como instrumento provisório e antecipado do futuro provimento definitivo, para que este não seja frustrado em seus efeitos

. [27]

Uma questão-chave da tutela cautelar é o conceito de satisfação das pretensões, pois constitui o ponto de partida a separação dogmática entre satisfação e cautela. [28]

Sob o prisma jurídico processual, o termo satisfação abriga várias acepções, pois permite aceitar seu uso para designar satisfação do interesse genérico processual. Este se apresenta em todas as demandas que são asseguradas por medidas cautelares, portanto tais medidas serão satisfativas se considerado o escopo que ostentam de garantir o resultado útil ao processo. Assim, a satisfação não estaria vinculada ao direito material ou à pretensão autônoma.

Segundo ensinamentos de Ovídio Baptista:

A tutela cautelar é uma forma particular de proteção jurisdicional predisposta a assegurar, preventivamente, a efetiva realização dos direitos subjetivos ou de outras formas de interesse reconhecidos pela ordem jurídica como legítimos, sempre que eles estejam sob ameaça de sofrer algum dano iminente e de difícil reparação, desde que tal estado de perigo não possa ser evitado através das formas normais de tutela jurisdicional.        

Desse pressuposto fundamental decorrem duas conseqüências: uma de caráter objetivo, que é a urgência que sempre há de estar presente, de modo a legitimar a outorga da proteção cautelar; a outra de natureza subjetiva, referente ao modo pelo qual o órgão judicial deve examinar e decidir a demanda cautelar.

[29]

Destarte, é uma forma de proteção jurisdicional que, em virtude da situação de urgência, determinada por circunstâncias especiais, deve tutelar a simples aparência do direito posto em estado de risco de dano iminente.

8.1 Medidas cautelares no processo trabalhista

Durante certo tempo, existiu certa resistência em relação à aplicação, no processo do trabalho, das normas concernentes às medidas cautelares disciplinadas no CPC, haja vista, haver previsão na CLT de hipóteses de cabimento de "medidas liminares" na esfera processual trabalhista inseridas nos incisos IX e XI do art. 659.

No entanto, este não foi o posicionamento adotado pela doutrina majoritária, admitindo-se a aplicação subsidiária do CPC no que tange à referida matéria.

O que se busca com essas ações é a garantia de uma situação, a preservação de um direito, enquanto não se propõe, ou não se pode propor, uma ação principal, ou enquanto se aguarda uma sentença numa ação principal proposta, sempre fundando o pedido, na seara laboral, em um direito trabalhista.

Como ocorre no processo comum, no processo trabalhista, devem estar presentes os requisitos do "fumus boni iuris" e do "periculum in mora".

Para o seu processamento, o CPC estabelece, em seu art. 801, requisitos especiais gerais para a petição inicial da ação cautelar, requisitos estes que devem se enquadrar àqueles disciplinados na CLT, uma vez que, esta, em seu art. 840, determina que a petição inicial poderá ser oral.

Carlos Henrique Bezerra Leite [30] entende que, na seara trabalhista, não se exige a especificação das provas a serem produzidas, conforme o é no processo civil, uma vez que estas, via de regra, são produzidas em audiência, nos moldes dos arts. 248 e segs. Da CLT. Não sendo este o entendimento, a seu turno, de Sérgio Pinto Martins, o qual entende que, ainda que seja no processo do trabalho, deve-se especificar quais as provas a serem produzidas.

O procedimento das ações cautelares seguirá o mesmo rito das demais reclamações trabalhistas.


9.TUTELA ANTECIPADA

Foi com o objetivo de imprimir rapidez na prestação jurisdicional em casos de dano irreparável ou de difícil reparação, ou de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, que o Brasil adotou o instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, que nada mais é do que a possibilidade de o juiz antecipar a solução pretendida pelo autor na inicial proposta, em decisão que se aproxima, em muito, à definitiva prolatada após regular processamento do processo.

No princípio, foi criado para ser usado no âmbito do Processo Civil e, dada a sua funcionalidade, logo o instituto foi também assimilado por outros sistemas processuais, como é o caso do Processo do Trabalho.

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Na Justiça do Trabalho, as normas processuais encontram-se ínsitas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e uma delas, a do art. 769, manda que se aplique, nas omissões, as normas processuais civis, em caráter subsidiário, desde que compatíveis e não colidentes com os princípios trabalhistas.

É o que ocorre com a antecipação da tutela genérica de que trata o art. 273 do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar, porque não há na CLT nenhum outro instituto suscetível de manejo, que tenha a mesma finalidade; em segundo lugar, porque celeridade e eficácia, objetivos precípuos da tutela antecipada, jamais serão incompatíveis com o Processo do Trabalho, que cuida, no mais das vezes, de contendas que envolvem verbas de cunho alimentar; e em terceiro lugar, porque impossível de se conceber que o uso de um instrumento com tais desígnios possa colidir com os princípios do Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho.

Em que pese ser pacífico na doutrina e na jurisprudência o cabimento da antecipação de tutela na Justiça do Trabalho, alguns posicionamentos doutrinários esparsos fazem objeção quanto à necessidade da sua utilização em demandas trabalhistas, escorados no argumento de que se o procedimento legal for devidamente observado, vale dizer, com a efetiva unicidade da audiência que resulte na instrução e julgamento, a controvérsia seria rapidamente decidida e, assim, melhor do que aplicar a antecipação de tutela no Processo do Trabalho,seria simplesmente respeitar o rito imposto pela lei trabalhista.

Tal objeção, porém, no seguro entendimento de Estêvão Mallet, carece de consistência pelo seguinte:

[...] concebe-se que, mesmo respeitado escrupulosamente o rito legal das ações trabalhistas, não se cheque e não se possa chegar à rápida solução da controvérsia. É o que ocorre na prática, ainda que se observe a unidade da audiência de julgamento. O grande número de processos acarreta a designação dessa audiência em data muito posterior à do ajuizamento do pedido. Ademais, não poucas vezes mostra-se inviável manter a audiência concentrada. Pense-se, por exemplo, na necessidade de expedição de carta precatória. Considere-se, ainda, ação com pedido a reclamar a realização de perícia, formulado, no entanto, em conjunto com outros pedidos que já reúnem os elementos do art. 273, do CPC. Por que não admitir a antecipação de parte da tutela pedida? Por fim, a antecipação da tutela, punindo a parte que procura beneficiar-se da lentidão do processo (inciso II, do art. 273, do CPC), constitui instrumento perfeitamente conciliável com o propósito de aceleração do procedimento. Portanto, não é a tutela antecipada incompatível nem mesmo com o rito célere idealmente estabelecido pelo legislador para as demandas trabalhistas

. [31]

9.1 Requisitos da tutela antecipada

9.1.1 Requisitos genéricos

Para a concessão da tutela antecipada, estabeleceu o legislador, como pressupostos genéricos, indispensáveis a qualquer das hipóteses contidas nos incisos I e II, do art. 273, do CPC, que haja a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação.

9.1.1.1 prova Inequívoca

Inequívoco, em sentido literal, significa aquilo que não dá margem a erro, a engano. Prova inequívoca seria, portanto, a prova certa, segura, que nenhuma margem daria a erro, a engano. Acontece, todavia, que prova alguma é inequívoca, porque simplesmente não há prova que forneça certeza absoluta sobre um fato ou um acontecimento. Por mais robusta que seja a prova, sempre subsiste a possibilidade de não corresponder ela ao que se passou no plano dos fatos.

Por conseguinte, não é viável interpretar de modo literal a expressão "prova inequívoca". Como afirma Estevão Mallet, "é preciso temperar a inadequada adjetivação legal, pois do contrário tornar-se-ia inaplicável o dispositivo". [32]

Dessa forma, por prova inequívoca deve entender-se apenas a prova suficiente à formação de juízo de probabilidade, bastante à concessão da tutela antecipada.

É importante registrar, porém, que o Processo do Trabalho lida com situações nem sempre idênticas àquelas do Processo Civil. Neste, a complexidade técnica e formal de certos institutos recomenda maior prudência ao magistrado para formar o seu convencimento. Naquele, porém, a convicção do juiz há de derivar muito mais da sua capacidade de entender os fatos da vida em sociedade do que propriamente com o refinamento de estruturas formais. Assim, v. g., se os jornais publicam que determinada empresa está sem crédito na praça e à beira da falência, não precisa o juiz do trabalho aguardar o contraditório, ou mesmo a produção de provas para convencer-se da forte probabilidade de que tenha razão determinado empregado que vem postular medidas assecuratórias de seus créditos trabalhistas que não lhe foram pagos por essa empresa.

Por isso, é oportuno destacar aqui a sensata definição atribuída por Eduardo Henrique von Adamovich à prova inequívoca, quando analisada no âmbito do processo trabalhista. Diz o ilustre professor e juiz do trabalho:

Prova inequívoca, portanto, para o Processo do Trabalho, é expressão pouco feliz do legislador. Não poderia ela ser entendida aqui como prova irrefutável ou incontestável, porque incontestável não será jamais a prova, na medida em que é, por definição, meio de demonstração de fato ou direito que busca influir no espírito de quem julga, produzindo neste a razoável certeza de tal demonstração. Inequívoco, portanto, deve ser o convencimento sobre a prova e não ela propriamente dita

. [33]

9.1.1.2 verossimilhança da alegação

O termo verossímil quer dizer o que tem aparência de verdade, o provável, que tem probabilidade de ser verdadeiro, plausível. Assim, a expressão verossimilhança da alegação significa que o juiz deve convencer-se de que a alegação da parte é verdadeira, para conceder a tutela, tanto no que diz respeito ao direito material quanto à existência do perigo de dano passível de irreparabilidade, e também, quando for o caso, quanto à configuração do abuso dos atos de defesa e de protelação por parte do réu. A verossimilhança envolve a probabilidade de a situação narrada na petição inicial ser verdadeira, ou seja, não se trata de certeza absoluta, mas de aparência de verdade, pois o juízo de probabilidade vem a ser uma espécie de cognição sumária, que é a forma da cognição utilizada nas tutelas urgentes.

9.1.2 Requisitos específicos

Além dos dois requisitos de natureza probatória (quais sejam, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação), o art. 273 do CPC, estabelece ainda, como condição para deferimento da tutela antecipada, dois outros pressupostos, que devem ser observados de forma alternativa. São eles: o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação e o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.

9.1.2.1 fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

Receio fundado é o que não provém de simples temor subjetivo da parte, mas que nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juízo de verossimilhança, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuízo grave.

Nesse sentido, vale trazer à colação o seguinte ensinamento de Teori Albino Zavascki:

O risco de dano irreparável ou de difícil reparação e que enseja antecipação assecuratória é o risco concreto (e não hipotético ou eventual), atual (ou seja, o que se apresenta iminente no curso do processo) e grave (vale dizer, o potencialmente apto a fazer perecer ou a prejudicar o direito afirmado pela parte). Se o risco, mesmo grave, não é iminente, não se justifica a antecipação da tutela. É conseqüência lógica do princípio da necessidade

. [34]

O dano temido pode ser tanto de ordem material como até mesmo de ordem apenas moral. A ameaça de divulgação de ato faltoso falsamente imputado ao trabalhador, pondo em risco a reputação deste, justifica, por exemplo, a utilização da tutela antecipada. Mas não se exige que os danos derivem somente de ato da parte contrária. Podem decorrer da simples demora na concessão do provimento.

De qualquer modo, a ameaça deve ser atual. Se a situação de perigo deu-se no passado e não mais se manifesta no presente, não há porque conceder a antecipação de tutela.

É conveniente salientar, porém, que, caso a persistência do evento danoso acarrete, a cada instante, novos danos ou o agravamento do dano já verificado, terá o interessado oportunidade de requerer a antecipação, como forma de se prevenir das conseqüências de tais danos, como se pode observar no seguinte exemplo dado por Estevão Mallet:

Suponha-se, a título de exemplo, que é abusivamente suspenso o pagamento dos salários devidos ao empregado. Ainda que já esteja consumado o dano pelo não pagamento do salário alusivo a um determinado mês, a continuidade do não pagamento produzirá novos e diversos danos ou, pelo menos, o agravamento do que já se deu, autorizando, em conseqüência, o deferimento da tutela antecipada

. [35]

Aliadas às condições até agora apreciadas, é preciso também verificar se o dano é irreparável ou, pelo menos, de difícil reparação, pois se a lesão comportar fácil reparação, não há lugar para a concessão da medida.

Para avaliar se o dano é irreparável ou não, afirma Estevão Mallet que se deve levar em consideração não apenas a natureza do direito ameaçado, como também a condição pessoal de seu titular, pois se o direito ameaçado é de conteúdo não patrimonial (como liberdade de reunião, ou no campo trabalhista, a liberdade de sindicalização), qualquer lesão produzida será irreparável, já que tais direitos são insubstituíveis por equivalente pecuniário. E mesmo se o direito violado ou apenas ameaçado possuir conteúdo patrimonial, ainda assim vislumbra-se a possibilidade de dano irreparável em caso de inadimplemento, seja por desempenhar esse direito, necessariamente, função não patrimonial (como os alimentos do Direito Civil), ou por caber-lhe, em concreto e diante da condição pessoal de seu titular, tal função (como os salários devidos ao empregado que não possui outra fonte de renda). Em todas as hipóteses referidas, diz Mallet, sendo irreparável o prejuízo sofrido, tem cabimento a antecipação da tutela. [36]

9.1.2.2 abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu

O inciso II, do art. 273, do CPC, menciona também o abuso de direito de defesa e o manifesto propósito protelatório do réu como outros requisitos admissíveis para a tutela antecipada. Lembrando que esses dois pressupostos são alternativos, ou seja, um não precisa ser somado ao outro, de modo que, por exemplo, o abuso do direito de defesa por si só, presente a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação, legitima a tutela antecipada, independentemente da verificação do risco de dano.

Estêvão Mallet afirma que o abuso do direito de defesa pode se configurar quando o réu apresenta resistência totalmente infundada à pretensão do autor, ou contra direito expresso, e, ainda, quando emprega meios ilícitos ou escusos para forjar sua defesa, podendo-se utilizar, como exemplo, o disposto no art. 17, do CPC. [37]

O manifesto propósito protelatório também poderá legitimar a tutela antecipada, a exemplo do que ocorre com o abuso de defesa. Para se evidenciar, há que se comprovar nos autos o intuito protelatório por parte do réu, como, por exemplo, a provocação de incidentes manifestamente infundados ou a interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório .

9.2 Concessão da antecipação da tutela ex-officio

No Processo Civil, não há dúvidas de que a antecipação de tutela não pode ser concedida de ofício pelo juiz, visto que este deve manter-se distante, visando a alcançar a verdade dentro do processo, e também porque tal provimento necessita de providências próprias do requerente, ou seja, a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação. Inclusive o próprio texto legal leva a essa conclusão ao se referir a requerimento da parte.

Todavia, em sede trabalhista, há corrente doutrinária que sustenta que os princípios e as regras do Processo do Trabalho não facilitam a adoção de um raciocínio fechado e radical a propósito, pois a especialização do processo laboral é marcada por forte dose de inquisitoriedade, que permite ao juiz, sempre dentro do espírito de maior proteção ao obreiro e/ou à ordem pública e social, atuar até de ofício, determinando, inclusive, medidas judiciais independentes de requerimento prévio.

Ademais, diz essa corrente que, em sede juslaboralista, não se pode olvidar a desigualdade das partes na relação processual, o que leva a CLT a emprestar ao juiz do trabalho o poder de socorrer os desassistidos, tanto nos amplos poderes para direção do processo (art. 765), como na possibilidade de ele próprio promover a execução de seus julgados (art. 878).

Assim, admitem tais doutrinadores a concessão, no Processo do Trabalho, da tutela antecipada independentemente de requerimento. Nessa esteira, Cláudio Armando Couce de Menezes é incisivo ao afirmar que o legislador civil sequer cogitou do Processo do Trabalho quando deu novas vestes ao art. 273, do CPC, de modo que a expressão a requerimento da parte outra coisa não é senão uma homenagem aos princípios da demanda e do dispositivo que regem o Processo Civil. O Processo do Trabalho, diz Menezes, é regrado pelo princípio do inquisitório e tem também como característica a capacidade postulatória das partes, o que permite ao empregado, em determinados casos, postular diretamente em juízo. Além do mais, salienta, imaginar que candangos, bóias-frias, peões de obra, peçam ao juiz uma "tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito" é cair no plano do fantástico, do delírio ou da mais pura hipocrisia. [38]

9.3 Alguns casos práticos de antecipação da tutela no processo do trabalho

No âmbito do Processo do Trabalho, a antecipação da tutela de mérito poderá ser concedida tanto nas obrigações de dar como naquelas de fazer e não fazer, e, com o advento da Lei nº 10.444/02, nas obrigações de entrega de coisa.

No ensinamento de Cláudio Armando Couce de Menezes, nas obrigações de dar, que englobam a obrigação de dar coisa e a obrigação pecuniária (de pagar), destaque especial terá o pagamento de salários reconhecidos, incontroversos ou cuja controvérsia não seja válida. [39]

Para Sérgio Pinto Martins, a tutela antecipada genérica prevista no art. 273, do CPC, terá cabimento nos seguintes casos, sem prejuízo de outros verificados na situação concreta: quando o empregado provar que recebe menos do que o salário mínimo, ou menos do que o piso normativo ou profissional; para cobrança de diferenças salariais; no caso de empresa que está para falir ou que está em estado de concordata e não paga salários aos empregados, sendo o fato notório, hipótese em que haveria o perigo de demora da prestação jurisdicional no futuro, pois poderiam não mais ser encontrados bens para a garantia da execução; na hipótese de não pagamento de salários ao empregado por período igual ou superior a três meses, sem motivo grave ou relevante, importando a mora contumaz salarial de que trata o § 1º do art. 2º do Decreto-lei nº 368/68, desde que depois da defesa do empregador, pois este poderá provar, neste ato, que o empregado faltou ou ficou afastado por doença ou outro motivo. [40]

Há, ainda, vários outros exemplos de cabimento de tutela antecipada nas obrigações de fazer e de não fazer, em que os casos mais concretos são os seguintes, no confiável ensinamento de Sérgio Pinto Martins:

[...] gestante que trabalha em pé e precisa trabalhar sentada em razão da gravidez; empresa que exige serviços com pesos excessivos além de 20 quilos para o trabalho contínuo ou 25 quilos para o trabalho ocasional para a mulher (art. 390 da CLT) e o menor (§ 5º do art. 405 da CLT); mudar a função do empregado para não trabalhar em local insalubre ou perigoso. A tutela específica seria utilizada para o cumprimento de uma obrigação de não fazer, de não exigir carregamento de pesos superiores aos permitidos pela legislação. Outros exemplos poderiam ser destacados, como de o empregador não estabelecer discriminações; de não rebaixar o trabalhador de função; de promover o obreiro nos casos de quadro organizado em carreira, por merecimento e antiguidade, etc

. [41]

Registra ainda o ilustre professor e juiz paulista outros exemplos que podem ser invocados no Processo do Trabalho, desta feita visando a antecipação de tutela para a entrega de coisa:

[...] tutela para entrega de CTPS, de ferramentas de trabalho, de mostruários de vendas, etc. [...] tutela para entrega de sacas de café pelo pagamento de prestação de serviços do empregado, pela qual se comprometeu o empregador, em acordo [...] tutela para entrega de produtos alimentícios ou até parte de uma safra, em acordo realizado em Comissão de Conciliação Prévia [...]

[42]

Assegura Martins, no entanto, que a tutela antecipada não deve ser utilizada para questões controvertidas, como a de reajustes salariais visando a incorporação de expurgos inflacionários, URP’s e gatilhos salariais. Afirma ainda ser impossível a concessão da tutela antecipada, por invocação subsidiária ao CPC, para sustar transferência abusiva ou para reintegrar dirigente sindical, pois, para isso, há previsão específica nos incisos IX e X, do art. 659 da CLT. [43]

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Sobre a autora
Maria Christina Filgueira de Morais

Advogada graduada pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - e pós-graduada pela Universidade Gama Filho - UGF - em Direito do Trabalho e Direito Processual Trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maria Christina Filgueira. A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1998, 20 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12111. Acesso em: 25 abr. 2024.

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