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A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista

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10. AS TUTELAS DE URGÊNCIA E A FAZENDA PÚBLICA NO PROCESSO TRABALHISTA

O sistema brasileiro, a exemplo do que sucede nos sistemas inglês e americano, adota a jurisdição una, de sorte que o Poder Judiciário controla não somente a atividade dos particulares, mas igualmente, os atos administrativos emanados da Fazenda Pública. Partindo deste ponto, o STF [44] ainda diz que o poder de acautelar apresenta-se inerente ao poder de julgar, de tal modo que há uma jurisdição cautelar inserida no âmbito da jurisdição, o que torna possível a concessão de liminares e cautelares contra Fazenda Pública, muito embora, haja algumas restrições à atividade de tais comandos judiciais em razão do princípio da separação dos Poderes, de vez que o Poder judiciário não poderia coactar a atividade dos demais Poderes constituídos. Essas restrições estão previstas em leis que limitam, impedem ou vedam tais liminares ou cautelares.

10.2.Da tutela antecipada

Como já visto inicialmente, a antecipação da tutela é largamente aceita nos domínios do processo do trabalho, em função da omissão da norma consolidada, nascendo, em função disso, a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a teor do art. 769 da CLT, primeira parte:

"Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho..."

Também se falou que o procedimento ordinário – utilizado, normalmente, para os conflitos individuais comuns ou tradicionais – vinha se revelando ineficaz para casos de urgência, sendo inoperante para elidir uma ameaça ou evitar a concretização de um dano iminente. Em virtude dessa ineficácia, os sujeitos passaram a valer-se de ações cautelares, desvirtuando sua finalidade, justamente porque eram utilizadas para efetivar, desde logo, o direito da parte, contendo insólito cariz satisfativo, incompatível com sua feição instrumental e acessória.

Para eliminar esse uso anômalo das ações cautelares e atender ao interesse de urgência, criou-se a tutela antecipada prevista no art. 273 do CPC, com requisitos mais exigentes que os da ação cautelar. Ao invés do fumus boni juris , passou-se a a exigir a verossimilhança da alegação fundada em prova inequívoca devendo haver um risco de lesão ou, alternativamente, um manifesto propósito protelatório do réu. A esses requisitos acresce um pressuposto negativo: a ausência de irreversibilidade do provimento antecipatório.

Muito se discutiu sobre a admissibilidade da antecipação da tutela em ações propostas contra a Fazenda Pública, havendo quem se posicionasse contráriamente ao seu cabimento, sustentando não ser compatível a antecipação da tutela com a regra do reexame necessário (CPC, art. 475), nem com a sistemática do precatório (CF, art. 100).

Após acirradas discussões, chegou-se a um consenso: não se sujeitam ao reesame necessário as decisões interlocutórias proferidas contra a Fazenda Pública.

Atualmente, parece não haver mais dúvidas de que é cabível a antecipação da tutela em face da Fazenda Pública. Com efeito, Francisco Glauber Pessoa Alves diz:

Muito se discutiu sobre a submissão da decisão concessiva da tutela antecipada ao reexame necessário, quando contrária à Fazenda Pública, eis que satisfativa e antecipatória do mérito. A melhor solução é a que aponta para a não sujeição de tal decisão ao duplo grau obrigatório, porquanto não se trata de sentença. Haverá, isto sim, proibição de concessão da tutela antecipada contra a Fazenda Pública nas hipóteses elencadas na Lei nº 9.494/97, de que é exemplo a concessão de aumento ou extensão de vantagem a servidor público. Neste caso não se admite a antecipação da tutela, em razão de vedação legal que toma como premissa regras financeiras e orçamentárias. Em se tratando, no entanto, de caso em que seja permitida a tutela antecipada contra Fazenda Pública, não há razão legal para submeter a correspondente decisão ao reexame necessário. [45]

De tudo, conclui-se que é vedada a antecipação da tutela contra o Poder Público nos casos previstos na Lei nº 9.494/1997, o que significa que, nas hipóteses não alcançadas pela vedação, resulta plenamente possível deferir a tutela antecipada em face da Fazenda Pública. Cabível, portanto, com as ressalvas da mencionada Lei, a tutela antecipada contra a Fazenda Pública.


11. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Depois de todas as considerações invocadas, o que nos resta a refletir e entender é que o processo moderno encontra-se em evidente desburocratização, ou seja, há um consenso na doutrina e entre legisladores de que o mesmo é um instrumento para a aquisição ou proteção de um direito e não um fim em si mesmo.

Com isso, várias mudanças foram feitas na legislação processual, todas primando à satisfação eficaz dos direitos guerreados na demanda e, no caso do §7.º, do art. 273 do Código de Processo Civil, com vista a proteger o bem tutelado que se encontra em risco, não se importando, para tanto, com maiores rigores formalísticos.

A instituição da fungibilidade entre as tutelas de urgência demonstra que, não só por observância ao princípio da economia processual, mas por questão de preservação de uma garantia Constitucional (art. 5.º, XXXV, CF), deve, o Poder judiciário, colocar à frente das questões eminentemente teóricas o direito a que se busca, a proteção que se pretende com o pedido, sob pena de naufragar em infortunadas regras de formalidade.

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O reconhecimento legal da fungibilidade entre tutela cautelar e antecipatória, além de conferir maior grau de eficácia às mesmas, abriu ao hermeneuta todas as possibilidades inerentes ao fato de serem espécies de um mesmo gênero. Dessa forma é lícito pregar a aplicação das regras gerais do Código de Processo Civil a respeito da tutela cautelar ao pedido de antecipação de tutela, sem maiores diferenciações que não aquelas impressas necessariamente na essência de cada uma delas.

Finalmente, cabe lembrar, que o sustentáculo constitucional dessas tutelas encontra-se no artigo 5.º, XXXV da Constituição Federal: "a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito". Sabe-se que, implicitamente, existe, neste artigo, o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, na medida em que o Estado é obrigado a garantir ao jurisdicionado a adequada tutela jurisdicional em cada caso concreto. É certo que a adequada prestação jurisdicional deve se somar a efetividade processual com o escopo de proporcionar, desta forma, o máximo de garantia social com o mínimo de sacrifício individual. Essas regras são importantes balizas que o Estado Democrático de Direito deve garantir ao cidadão procurando assegurar o máximo de estabilidade social nas relações jurídicas.


12. REFERÊNCIAS

ADAMOVICH, Eduardo Henrique von. A Tutela de Urgência no Processo do Trabalho. uma visão histórico-comparativa: idéias para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

CÂMARA, Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I, Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos, 1998.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

CAVALCANTE, Mantovanni Colores. Os Novos Rumos da Jurisdição Cautelar. In: Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, nº1, p. 127-145. 2003.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. , 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Inovações no Processo Civil (Comentários às Leis 10.352 e 10.358/2001). São Paulo: Dialética, 2002, p.60.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo, Ed. RT, 1984.

JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.Bahia: Podivm, vol. 1, 2007.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra.Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2001.

MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed, São Paulo, Editora Malheiros, 1999.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

MARINS, Victor A. A. Bomfim. Tutela Cautelar – Teoria Geral e Poder Geral de Cautela. Curitiba: Juruá, 1996.

MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 1999.

MESQUITA, Eduardo Melo de. As Tutelas Cautelar e Antecipada. v.52. São Paulo: RT, 2002.

PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 6ª ed. São Paulo: LTr. 2001.

PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julga Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998.

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. v.III. Porto Alegre: Pallotti, 1993.

WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. ed. Revista dos Tribunais, 1987.

ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999.


Notas

  1. PINTO, José Augusto Rodrigues. Processo Trabalhista de Conhecimento. 6ª ed. São Paulo: LTr. 2001.
  2. . SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: Método. 2007.
  3. SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: Método. 2007.
  4. LEITE, Carlos Henrique Bezerra.Curso de Direito Processual do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: LTr, 2001.
  5. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
  6. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ação Civil Pública: nova jurisdição trabalhista metaindividual: legitimação do Ministério Público. São Paulo: LTr, 2001.
  7. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.
  8. DALAZEN, João Oreste. Voto proferido no Processo: ROMS Número:387579 Ano: 1997 Publicação: DJ – 28/05/1999. TST
  9. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 203.
  10. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. ed. Revista dos Tribunais, 1987, p.41
  11. CÂMARA, Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, p. 207-225
  12. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I, Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos, 1998.
  13. DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. São Paulo, Ed. RT, 1984.
  14. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed, São Paulo, Editora Malheiros, 1999.
  15. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil, ed. Revista dos Tribunais, 1987
  16. CÂMARA. Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, pp. 207-225
  17. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Volume I, Rio de Janeiro, Editora Freitas Bastos, 1998.
  18. PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa Julga Civil. Rio de Janeiro: AIDE, 1998.
  19. CÂMARA, Alexandre Freitas. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995, pp. 207-225
  20. ________________________. O objeto da cognição no processo civil, in Livro de Estudos Jurídicos, n° 11, Rio de Janeiro: Instituto de Estudos Jurídicos, 1995
  21. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5ª ed, São Paulo, Editora Malheiros, 1999.
  22. JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.Bahia: Podivm, vol. 1, 2007.
  23. JÚNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento.Bahia: Podivm, vol. 1, 2007.
  24. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. v.III. Porto Alegre: Pallotti, 1993, p.14.
  25. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. v.III. Porto Alegre: Pallotti, 1993, p.15.
  26. MESQUITA, Eduardo Melo de. As Tutelas Cautelar e Antecipada. v.52. São Paulo: RT, 2002, p. 174.
  27. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. , 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 317.
  28. MARINS, Victor A. A. Bomfim. Tutela Cautelar – Teoria Geral e Poder Geral de Cautela. Curitiba: Juruá, 1996, p.71.
  29. SILVA, Ovídio A. Baptista da. GOMES, Fábio. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: RT, 2000, p. 339.
  30. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr.2004
  31. MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2ª. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 32.
  32. ________________. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
  33. ADAMOVICH, Eduardo Henrique von. A Tutela de Urgência no Processo do Trabalho: uma visão histórico-comparativa: idéias para o caso brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 205.
  34. ZAVASCKI, Teori Albino. Antecipação da tutela. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 77.
  35. MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
  36. MALLET, Estevão. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.
  37. _______________. Antecipação da Tutela no Processo do Trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999.p.70
  38. MENEZES, Cláudio Armando Couce de, e BORGES, Leonardo Dias. Tutela Antecipada e Ação Monitória na Justiça do Trabalho. Vol. 1. São Paulo: LTr, 1998, p. 43.
  39. MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Op. Cit., p. 51.
  40. MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p. 61-62.
  41. MARTINS, Sergio Pinto. Tutela Antecipada e Tutela Específica no Processo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.p.119-117.
  42. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. Cit., p. 157-158.
  43. MARTINS, Sérgio Pinto. Op. Cit., p.61-62.
  44. CAVALCANTE, Mantovanni Colores. Os Novos Rumos da Jurisdição Cautelar. In: Revista Dialética de Direito Processual, São Paulo, nº1, p. 127-145. 2003
  45. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Inovações no Processo Civil (Comentários às Leis 10.352 e 10.358/2001). São Paulo: Dialética, 2002, p.60.
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Sobre a autora
Maria Christina Filgueira de Morais

Advogada graduada pela Universidade Estadual da Paraíba - UEPB - e pós-graduada pela Universidade Gama Filho - UGF - em Direito do Trabalho e Direito Processual Trabalhista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maria Christina Filgueira. A cognição e as tutelas de urgência no processo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1998, 20 dez. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12111. Acesso em: 19 abr. 2024.

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