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Sigilo financeiro e lavagem de dinheiro

06/01/2009 às 00:00
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Sumário:1. Sigilo Financeiro; 2. Lei nº 9.613/1998: Lei de Lavagem de Dinheiro; 3. Sigilo Financeiro e Lavagem de Dinheiro; 4. Conclusão; 5. Referências.

Resumo:

Trata-se de uma análise da quebra do sigilo financeiro no processo penal como meio de prova para se combater o crime de lavagem de dinheiro, de acordo com o Ordenamento Jurídico Brasileiro.

Palavras-chave: sigilo financeiro. Lavagem de dinheiro. Processo penal. Provas.

Abstract:

This article deals with the institute of financial secret in the penal process as a way to investigate about money laundering crimes, according to the Brazilian Legal System.

Key Words: Financial secret. Money laundering crimes. Penal process. Proofs.


1. Sigilo Financeiro

Sigilo financeiro é, na lição de Sérgio Covello [01], simplificadamente, a obrigação que têm os bancos de não revelar, salvo justa causa, as informações que venham a obter em virtude de sua atividade profissional .

No artigo "Do sigilo financeiro no processo penal" [02], concluímos que referido instituto é, de acordo com a teoria dos direitos de personalidade, ora reconhecido como tutela do sigilo de dados; ora visto como reflexo do direito à intimidade e à vida privada.

Não se pode esquecer que também as pessoas jurídicas, assim como as pessoas físicas, são titulares de alguns direitos fundamentais, como o direito ao sigilo de dados e o direito à intimidade. O Código Civil, em seu artigo 52, dispõe a respeito, prescrevendo que "aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade". Ademais, também o Superior Tribunal de Justiça, por meio da Súmula 227, reconhece a possibilidade de a pessoa jurídica ser passível de sofrer dano moral. Especificamente no que tange ao direito ao sigilo financeiro, já observamos que Carlos Alberto Bittar explica que a pessoa jurídica faz jus à preservação de sua vida interna, vedando-se, consequentemente, a divulgação de informações de âmbito restrito [03].

Através de uma análise sistemática do artigo 1º, § 4º e artigo 3º Lei Complementar nº 105/2001, atual normatização a respeito do tema - cuja constitucionalidade vem sendo discutida em cinco ações diretas de inconstitucionalidade [04] -, concluímos que a única autoridade competente para decretar, licitamente, a quebra do sigilo financeiro de alguém, para fins de instrução processual penal, é a autoridade judiciária.

Chegou-se a essa conclusão após a observação de que, de fato, possui o sigilo financeiro a natureza de direito individual fundamental e que, visto ser o Brasil um Estado Democrático de Direito, não se pode descuidar das garantias do acusado, respaldadas no respeito ao princípio do devido processo legal, que se consubstancia, dentre outros aspectos, na garantia do juiz natural, na existência de justa causa para o deferimento de medidas restritivas de direitos, na fundamentação das decisões e na garantia do contraditório e ampla defesa, ainda que diferidos.

Corroborando nosso entendimento, o Supremo Tribunal Federal - STF, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 461366/DF (Relator Min. Marco Aurélio, em 03 de agosto de 2007), expressamente manifestou-se no sentido de que "o preceito regedor da espécie, tendo em conta o sistema da Constituição, seria o do art.5°, XII" [05]. Em outras palavras, aduziu-se que o sigilo financeiro estaria albergado, constitucionalmente, pelo sigilo de dados e mais, "asseverou-se que a regra é o sigilo de dados, somente podendo ocorrer o seu afastamento por ordem judicial e, mesmo assim, objetivando a investigação criminal com instrução processual penal" [06].


2. Lei nº 9.613/1998: Lei de Lavagem de Dinheiro

A Lei nº 9.613/1998 dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, e dá outras providências.

Ou seja, a Lei nº 9.613/1998 surgiu para o combate ao crime de lavagem de dinheiro e inaugurou um sistema de controle de operações financeiras e de fiscalização de movimentação de capitais. Por isso, é imprescindível uma análise da questão do sigilo financeiro à luz desse diploma normativo.

Críticas são feitas à Lei de Lavagem de Dinheiro, ou Lei de Lavagem de Capitais, como preferem alguns doutrinadores [07], inclusive quanto à possível inconstitucionalidade de muitos de seus dispositivos. Mas apenas as noções que digam respeito ao sigilo financeiro serão destacadas neste artigo.

Lavagem de dinheiro é, de acordo com Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo, a atividade que "consiste em ocultar ou dissimular a procedência criminosa de bens e integrá-los à economia, com aparência de terem origem lícita" [08].

Explica referido autor que "ocultar" é separar fisicamente o agente e o produto do crime anterior, buscando-se escamotear a origem ilícita. "Dissimulação" seria a realização de uma série de negócios ou operações financeiras, umas seguidas das outras, para disfarçar, definitivamente, a origem criminosa. Já a "integração", última fase da lavagem, consistiria no emprego dos bens, aparentemente legítimos, no sistema produtivo, por meio de negócios lícitos [09].

Além de definir os tipos penais e seu procedimento processual, a Lei nº 9.613/98 prevê também normas administrativas de caráter preventivo, que visam a dificultar a utilização dos setores econômicos como instrumentos para a prática dos crimes previstos na Lei, e a facilitar as investigações de tais crimes. Nesse diapasão, indica a Lei quais as pessoas obrigadas administrativamente a identificar seus clientes, a manter o sigilo das operações com eles travadas e a comunicar, reservadamente, as transações que ultrapassarem o valor limite fixado pela autoridade administrativa competente.


3. Sigilo Financeiro e Lavagem de Dinheiro

A quebra do sigilo financeiro para fins de instrução processual penal, no que tange aos crimes de lavagem de dinheiro, está prevista de forma destacada no inciso VIII, do rol exemplificativo do §4º, artigo 1°, da Lei Complementar nº 105/2001, in verbis:

Art. 1º As instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados.

[...]

§ 4º A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial, e especialmente nos seguintes crimes:

I – de terrorismo;

II – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins;

III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua produção;

IV – de extorsão mediante seqüestro;

V – contra o sistema financeiro nacional;

VI – contra a Administração Pública;

VII – contra a ordem tributária e a previdência social;

VIII – lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores; (grifo nosso)

IX – praticado por organização criminosa.

Considera-se ser essa uma hipótese constitucionalmente permitida de quebra do sigilo financeiro, desde que judicialmente autorizada e visando à apuração processual penal.

Salientam Marco Antonio de Barros [10] e Napoleão Nunes Maia Filho [11] ser razoável admitir-se, inclusive, a quebra do sigilo financeiro mesmo antes da instauração do inquérito policial, como medida preparatória da persecutio criminis in judicio. Em outras palavras, pode configurar-se pedido autônomo, sob o formato de pleito preparatório de ação penal futura, devendo ser formulado ao juízo criminal competente para esse feito futuro, desde que presente a justa causa para a medida, ou seja, o fumus boni iuris e o periculum in mora, respeitadas todas as condições do processo devido legal.

Importante destaque deve ser feito para o artigo 10, inciso III, da Lei nº9.613/1998, que ressalta que as requisições formuladas pelo COAF às pessoas mencionadas no seu artigo 9º devem passar pelo crivo judicial e serão processadas em segredo de justiça.

Dessa maneira, o representante do COAF deve requerer ao juízo criminal competente a expedição de ofício requisitório para o aprofundamento das investigações. A autoridade judiciária, caso entenda haver indícios suficientes acerca da ocorrência de práticas financeiras ou comerciais realizadas com o fim de promover a lavagem de dinheiro, ou seja, se entender presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, deferirá o pedido de requisição.

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No entanto, como observa José Laurindo de Souza Neto [12], o artigo 11 da Lei não exige expressamente, ao contrário do que faz no artigo 10, a participação judicial no processo de comunicação das operações financeiras. E o artigo 2º, §6º da Lei Complementar nº105/2001 também dispensa tal participação.

A verdade é que impossível nos afastarmos da corrente que defende a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 105/2001, na parte em que permite a quebra do sigilo pela própria Administração, sem a intervenção do Judiciário. E, dessa maneira, cabe-nos reconhecer o vício insanável do artigo 2º, §6º, dessa Lei Complementar, que prescreve que o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários e os demais órgãos de fiscalização, nas áreas de suas atribuições, fornecerão ao COAF – independente de prévia autorização judicial - as informações cadastrais e de movimento de valores relativos às operações previstas no inciso I do artigo 11 da Lei de Lavagem de Dinheiro.

A despeito disso, adverte Marco Antonio de Barros que o problema é que não interessa nem ao Banco Central, nem à CVM, nem aos demais órgãos de fiscalização argüir a inconstitucionalidade por afronta às garantias que preservam a intimidade e o sigilo de dados. Também não interessa às pessoas jurídicas ou físicas obrigadas a comunicar as transações a discussão em juízo da validade desses dispositivos, em razão da relação de subordinação que existe em relação aquelas autoridades administrativas. E finaliza dizendo que, obviamente, ao COAF, maior interessado em obter as informações sigilosas, jamais aproveitará tal argüição [13].


4. Conclusão

Finalmente, tendo em vista a tutela do sigilo financeiro em nosso ordenamento jurídico, considerado direito fundamental, concluímos ser imprescindível uma interpretação conforme à Constituição Federal para a realização das atividades de fiscalização das autoridades administrativas permitidas pela Lei nº 9.613/1998 e pela Lei Complementar nº105/2001.

Tal poder de fiscalização, ainda que visando à nobre causa do combate à lavagem de dinheiro, não pode ocorrer da forma ampla como pretendido pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade.

Claro que, não se tratando de direito absoluto, como nenhum assim o é, o direito ao sigilo deve ceder ante interesses públicos prevalentes no caso concreto, como para a apuração de crimes de lavagem, por exemplo. Porém, para aferir esse sopesamento de valores, imprescindível a participação do órgão jurisdicional, porque é ele aquele constitucionalmente constituído para analisar o equilíbrio de forças estabelecido entre o jus puniendi e o jus libertatis.


5. Referências

BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo Bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

CERVINÍ, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 1998.

COSTA, Mônica Oliveira da. Do sigilo financeiro no processo penal. In Revista da ESMAPE - Volume 12; Tomo I; Número 25. Recife: janeiro/junho 2007.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Dois estudos de processo: a garantia do sigilo bancário em face da instrução processual penal / Da justa causa para a ação penal nos crimes contra a ordem tributária. 2ª ed. Fortaleza: UFC, 2003.

PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de Dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de Dinheiro: comentários à lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999.


Notas

  1. Apud BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo Bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003. p.66.
  2. COSTA, Mônica Oliveira da. Do sigilo financeiro no processo penal. In Revista da ESMAPE - Volume 12; Tomo I; Número 25. Recife: janeiro/junho 2007. p. 327.
  3. COSTA, Mônica Oliveira da. Op. Cit. p.316.
  4. ADINs nº 2386, 2397, 2390, 2406 e 2389. Todas tendo como relator o Ministro Sepúlveda Pertence. Informação obtida no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal – www.stf.gov.br
  5. Ver Informativo nº474 do STF, de 01 a 03 de agosto de 2007.
  6. Idem, ibidem.
  7. Por todos, ver CERVINÍ, Raul; OLIVEIRA, William Terra de; GOMES, Luiz Flávio. Lei de lavagem de capitais. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais, 1998.
  8. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. Lavagem de Dinheiro: a tipicidade do crime antecedente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003; p. 38.
  9. Idem. p. 36-37.
  10. BARROS, Marco Antonio de. Lavagem de capitais e obrigações civis correlatas: com comentários, artigo por artigo, à Lei 9.613/98. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004. p.317.
  11. MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Dois estudos de processo: a garantia do sigilo bancário em face da instrução processual penal / Da justa causa para a ação penal nos crimes contra a ordem tributária. 2ª ed. Fortaleza: UFC, 2003. p.23-24
  12. SOUZA NETTO, José Laurindo de. Lavagem de Dinheiro: comentários à lei 9.613/98. Curitiba: Juruá, 1999; p.161.
  13. BARROS, Marco Antonio de. Op. Cit. p. 326.
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Sobre a autora
Mônica Oliveira da Costa

Procuradora da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Mônica Oliveira. Sigilo financeiro e lavagem de dinheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2015, 6 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12168. Acesso em: 22 dez. 2024.

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