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Peculiaridades jurídicas do comércio eletrônico.

Uma abordagem prática

18/01/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Apesar da nítida relação de consumo estabelecida nas vendas online, o consumidor ainda não captou toda a essência dos institutos peculiares do comércio eletrônico, aceitando muitas vezes afrontas a seus direitos.

1. INTRODUÇÃO

        Em busca de novas formas reduzir custos de produção, as empresas vêm crescentemente investindo no comércio eletrônico (e-commerce), que consiste na comercialização de produtos originalmente vendidos em estabelecimentos físicos através da internet, sem necessidade do auxílio de qualquer pessoa para concretizar o negócio jurídico, qual seja, a compra e venda do produto.

        Tal modelo de negócio teoricamente é mais vantajoso para o empreendedor/fornecedor e para o consumidor, este favorecido pelo menor esforço e preços geralmente mais baixos que os encontrados em estabelecimentos físicos; aquele favorecido pelo maior controle de estoque, desnecessidade de apresentação física do produto, menor contratação de mão de obra, dentre outras vantagens.

        Existem tanto os fornecedores exclusivamente virtuais, como também os que fazem do comércio eletrônico apenas mais um canal de venda no setor varejista. Estes últimos levam considerável vantagem perante os primeiros, não só pelo maior estoque (e consequentemente menor custo na aquisição de produtos por atacado), como também pela notoriedade da marca, que pode ser vista fora do mundo virtual.

        Apesar da nítida relação de consumo estabelecida nas vendas online realizadas, o consumidor ainda não captou toda a essência dos institutos peculiares do comércio eletrônico, aceitando muitas vezes afrontas a seus direitos, por não encarar esta relação jurídica como idêntica a qualquer outra relação consumerista.

        O presente artigo visa demonstrar os aspectos jurídicos mais relevantes da relação consumerista entre o fornecedor de mercadorias por meio eletrônico e o consumidor, abordando as principais problemáticas existentes e possíveis soluções para a diminuição de conflitos judiciais decorrentes de tal relação.


2. SUJEITOS DA RELAÇÃO DE CONTRATOS DE COMPRA E VENDA CELEBRADOS ONLINE

        Inicialmente, mister se faz deixar clara a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) às empresas virtuais, vez que estas se enquadram no conceito de fornecedor previsto no caput do art. 3º do CDC, a saber:

        "Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços."

        Nesta esteira, mesmo que uma pessoa física efetue venda sob a máscara de uma empresa sem personalidade jurídica – leia-se sem registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), aquela será caracterizada como fornecedora e estará sujeita às normas do CDC.

        Há de se excluir da relação de consumo concretizada pelo comércio eletrônico o mero intermediador para a concretização do negócio jurídico. Com freqüência vemos sites que disponibilizam a publicação de anúncios por promitentes vendedores a título gratuito ou oneroso, que facilitam a concretização de um contrato de compra e venda graças à notoriedade do site ou da marca, principalmente na modalidade de leilão.

        Em breve síntese, a finalidade do site intermediador de compra e venda entre fornecedor e consumidor online é a mesma do corretor, apesar da não obrigatoriedade da concretização do negócio jurídico por este. Destarte, utilizando-se como paradigma o contrato de corretagem, previsto nos arts. 722 a 729 do Código Civil de 2002, há de se afigurar a total impossibilidade de responsabilizar solidariamente um corretor em razão de inadimplemento contratual por este intermediado, desde que observada a boa fé do corretor ao cumprir sua obrigação. O art. 3º do CDC, supracitado, é exaustivo na caracterização de "fornecedor", o que corrobora, portanto, a ausência de nexo causal entre mero intermediador de contrato de compra e venda de produto e os vícios ou fatos destes.

        Assim, intermediadores ou mero anunciantes estão livres do ônus de reparar qualquer dano oriundo do contrato de compra e venda celebrado pela internet.

        Como última parte da relação, mas não menos importante, figura o consumidor, pessoa física ou jurídica que adquire um bem com finalidade precípua de uso próprio ou no intuito de presentear outrem.


3. VINCULAÇÃO DA OFERTA

        O Código de Defesa do Consumidor trouxe à sociedade de consumo enormes avanços na defesa de seus direitos, conforme amplamente debatido ao longo dos 18 anos de sua vigência.

        Um dos principais cernes da lei é o artigo 30, qual seja:

        "Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

        A publicidade suficientemente precisa de produtos oferecidos veiculada por qualquer meio de comunicação, inclusive a internet, obriga o fornecedor, integrando o contrato que vier a ser celebrado.

        Insta ressaltar a expressão "suficientemente precisa". Nas palavras de Eduardo Gabriel Saad, José Eduardo Duarte Saad e Ana Maria Saad C. Branco, "se a informação, sobre o produto, é veiculada com dados precisos sobre sua qualidade, composição, preço e condições de pagamento, tem ela natureza vinculante." [1]

        O referido dispositivo legal há de ser aplicado juntamente com o artigo 35 da mesma lei, in verbis:

        "Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

        I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

        II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

        III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos."

        Deve restar claro que um dos principais objetivos da Lei nº 8.078/90 é não repassar ao consumidor os custos englobados pelo risco do empreendimento, adotando-se a Teoria do Risco quanto aos eventuais inadimplementos contratuais oriundos do fornecedor.

        O princípio da vinculação da oferta, no entanto, não é para punir erros ou falhas cometidas pelos fornecedores, mas sim mais um meio instituído pelo CDC para coibir a prática de publicidade enganosa.

        Deve-se proteger o consumidor, que na maioria das vezes é atraído pelo fornecedor justamente pela oferta veiculada. Uma vez atraído, o consumidor, para "não perder a viagem", tende a efetuar a compra do produto, ou de outro semelhante, mesmo que o fornecedor não cumpra com a oferta.

        Cientes desta tendência inerente ao comportamento humano, os fornecedores de má-fé muitas das vezes publicam anúncios contendo erros quanto à quantidade, para maior – ou preço para menor – do produto, visando atrair consumidores a seu estabelecimento, website ou ponto de venda.

        O Código de Defesa do Consumidor define claramente o que é publicidade enganosa no art. 37, § 1º:

        "Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

        § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços."

        Mais adiante, o mesmo diploma legal dispõe que a prática de publicidade enganosa se trata de infração penal, senão vejamos:

        "Art. 66. Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:

        Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.

        § 1º Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.

        § 2º Se o crime é culposo;

        Pena Detenção de um a seis meses ou multa."

        "Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:

                Pena Detenção de três meses a um ano e multa."

        Os tribunais devem ser severos ao punir fornecedores que maliciosamente se utilizam de publicidade enganosa para angariar clientes. Eventual indenização pelos danos sofridos pelo consumidor devem revestir-se não só da compensação moral, como também de caráter pedagógico ao agente lesivo, para inibir a reiteração de tais práticas condenáveis.

        A seguir, analisaremos os principais deslizes cometidos por fornecedores online e sua obrigação vinculante ao cumprimento da oferta, enganosa ou não.

        3.1. ERRO MATERIAL DE PREÇO

        O erro material de preço do produto na oferta veiculada não há de ser considerada escusa legal para isentar o fornecedor do cumprimento forçado da oferta veiculada.

        A digitação equivocada do preço de um produto obriga o fornecedor a entregar o bem caso um consumidor se disponha a pagar o preço ofertado.

        Deste entendimento compartilha a douta Desembargadora Odete Knaack de Souza, no julgamento da Apelação Cível nº 2005.001.22817 da Oitava Câmara Cível do TJ/RJ, que afirmou que "a proteção do consumidor diante da publicidade enganosa considera somente a sua capacidade de indução em erro. Evidentemente, tal ocorreu na hipótese em que o encarte trazia um preço promocional, atraente aos consumidores, enquanto outro, mais elevado, era efetivamente cobrado. O engano concreto do consumidor não é exigido para caracterização da publicidade enganosa. A sua aferição é em abstrato." [2]

        Há de se pesar, evidentemente, o princípio da vinculação da oferta com o princípio da razoabilidade.

        Imaginemos que um fornecedor exiba em seu site a venda de um televisor de 20", tela plana, com visor de cristal líquido, pelo valor de R$ 20,00 (vinte reais), quando a intenção era publicar o preço de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

        Embora os consumeristas mais exaltados entendam que qualquer que seja o caso o fornecedor é obrigado a cumprir a oferta, o emérito julgador de uma lide judicial com tal objeto deve se pautar no princípio da razoabilidade. É notório ao homem médio que o preço de um televisor de 20" com alta definição jamais poderia ser R$ 20,00 (vinte reais), mesmo em casos de promoção. Por mais hipossuficiente que possa ser considerado o consumidor na demanda, há de se levar em conta a sapiência do homem médio, ou seja, o senso comum, ao determinar a incidência ou não do preço da oferta.

        Nesta esteira, se o mesmo televisor do exemplo acima fosse anunciado por R$ 200,00 (duzentos reais) – lembrando que a intenção do fornecedor era vender por R$ 2.000,00 (dois mil reais) -, razoável seria determinar o cumprimento da oferta pelo fornecedor. Este valor (R$ 200,00) não pode ser considerado ínfimo, já que existem televisores, mesmo que com características diferentes e em outro fornecedor, à venda por valor próximo a tal preço.

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        Por fim, ressalte-se a possibilidade de erro material do preço à vista em relação a seu valor parcelado. Nestes casos, mantendo-se em mente o princípio da razoabilidade já exposto, devemos sempre vincular a oferta ao menor preço, seja à vista ou parcelado.

        3.2. ERRO MATERIAL DE QUANTIDADE

        Nos casos em que a oferta veiculada contempla número de objetos integrantes de um mesmo produto diverso do real, o fornecedor deve ser compelido a cumprir a oferta.

        Como exemplo, tomemos um conjunto de talheres. Ao anunciar que o conjunto completo contém 30 talheres, quando na verdade só contém 20, o fornecedor não poderá se retratar caso o consumidor se disponha a efetuar a compra antes da veiculação de uma errata ou da retirada do anúncio dos meios de comunicação veiculados.

        Novamente, a vinculação da oferta deve ser pautada no princípio da razoabilidade, sem que haja a possibilidade do consumidor locupletar-se indevidamente.

        3.3. DISCREPÂNCIA ENTRE IMAGEM DO PRODUTO E SUAS CARACTERÍSTICAS REAIS

        Outro grande problema do e-commerce é a dissonância prática entre o produto anunciado e as imagens publicadas dele. Diferentemente de fornecedores que detém estabelecimento físico para vendas no varejo, no e-commerce o consumidor não possui a possibilidade de análise presencial do produto que está prestes a adquirir.

        A descrição das características do produto (dimensões, cor, consumo de energia, etc.) indubitavelmente é fundamental no momento da compra, no entanto, não basta para se ter a exata noção de como é o produto fisicamente e sua utilização prática.

        Para complementação e melhor visualização do produto, são tiradas fotografias do mesmo, para exibição ao consumidor. Ocorre que a edição gráfica das imagens pode ser tão tendenciosas a mostrar que o produto é mais bonito, mais prático, mais leve, dentre outros, do que realmente é.

        Com o apelo visual aliado a um preço geralmente menor que no comércio "físico", a compra pela internet é realizada. No entanto, ao receber o produto, ocorre a frustração do consumidor, que foi iludido pelo tendencioso jogo de imagens "editadas" do produto.

        Que o direito de arrependimento, garantido pelo art. 49 do CDC é claramente aplicável nestes casos, não há o que debater. Suscita-se, porém, a dúvida de quem seria a responsabilidade pelo frete ao exercer tal direito. Veremos adiante a escorreita maneira da aplicação do CDC nestes casos, a nosso entender.


4. PRINCIPAIS PROBLEMAS ADVINDOS DOS CONTRATOS ONLINE

        A facilidade e o dinamismo presentes nas relações contratuais eletrônicas vêm trazendo sérios problemas aos consumidores.

        Podemos destacar as seguintes hipóteses de lesão, presentes tão-somente nos contratos de compra e venda celebrados à distancia, ou seja pela internet e por televendas, quais sejam: atraso na entrega do produto; ausência de entrega do produto; diferenças materiais entre a oferta (imagem) do produto e o produto fisicamente; danos causados ao produto pela transportadora responsável pela entrega; e responsabilidade pelos custos de devolução do produto.

        Analisemos a particularidade de cada uma das hipóteses.

        4.1. ATRASO NA ENTREGA DO PRODUTO

        Conforme cediço, a responsabilidade do fornecedor de produtos ou serviços é objetiva, ou seja, seu dever de ressarcir quaisquer danos causados ao consumidor independe de culpa ou dolo.

        Em toda venda efetuada online é claramente definido pelo fornecedor o prazo de entrega dos produtos objetos do contrato. Uma vez que o fornecedor define unilateralmente o prazo de entrega, o mesmo deve contemplar a possibilidade de ocorrências extraordinárias, que mesmo ocorridas, não descumpram com o pactuado.

        À guisa de exemplo, ao estipular um prazo de entrega de 3 a 8 dias úteis, o fornecedor deve ter por certo a entrega do produto adquirido por volta de 2 a 4 dias úteis, para que, em caso de eventos extraordinários que porventura atrasem a entrega, a mesma seja efetuada no prazo pactuado com o consumidor. Na pior das hipóteses, visando minimizar o risco de lesão ao consumidor, o fornecedor deve, dentro do prazo de entrega pactuado, informar a possibilidade de eventual atraso na entrega, para que o consumidor busque alternativas para evitar a geração de danos, tal como a desistência de compra – que aqui se reveste de desistência de celebração contratual, já que o contrato não foi aperfeiçoado, o que aconteceria com a entrega do produto.

        Desta forma, evitar-se-ia a perda do momentum para utilização do produto comprado, como na hipótese de presentear alguém em data determinada.

        Nesse sentido, podemos observar o voto do ilustre Desembargador Raul Celso Lins e Silva, no julgamento da apelação cível nº 2003.001.01956 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis:

        "Inegavelmente, o comércio brasileiro não está estruturado ainda para este tipo de negociação (online), tão freqüente nos países do Mercado Comum Europeu e nos Estados Unidos da América.

        A única semelhança é no lucro, pois, a prestação de serviço e a correção do atendimento são deixados para segundo plano.

        É certo que o desejo do autor era presentear sua esposa com uma bicicleta na passagem do Natal.

        Mesmo celebrado o negócio jurídico antes da respectiva data, inúmeros problemas inviabilizaram a concretização da venda, tais como a falta do produto no estoque e na cor escolhida, autorização da empresa de cartão de crédito e etc., ocorrendo a entrega tão somente em fevereiro no ano seguinte.

        Não identifico motivos para reformar a sentença, porquanto patente a violação às normas do Código de Defesa do Consumidor (...) conheço dos recursos (...) e lhes nego provimento, mantendo-se íntegra a sentença alvejada." [3]

        No mesmo diapasão é o voto do douto Desembargador Gilberto Dutra Moreira, no julgamento da apelação cível nº 2008.001.07458 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, in verbis:

        "A autora comprou uma bicicleta com o objetivo de presentear seu filho no Natal, tendo efetuado a encomenda com grande antecedência (...), se respeitado o prazo prometido pela ré, de 3 dias, o brinquedo chegaria em sua residência ainda no mês de novembro. (...) o produto somente foi entregue (...) após a propositura da ação.

        Embora alegue a ré não ser responsável pela demora, resta claro que o extravio ocorreu em empresa de transporte por ela contratada, sendo claro que se trata de risco do negócio, que não pode ser transferido ao consumidor.

        Obrigada estava a empresa a monitorar a entrega do produto e, ao ser verificado qualquer problema, efetuar a substituição imediata, devendo, para isso, informar prazo à cliente que já englobasse margem prevendo eventuais contratempos de forma a impedir o longo atraso que, portanto, se mostra injustificado.

        Assim, os danos morais se mostram caracterizados, em decorrência do desrespeito aos direitos básicos do consumidor." [4]

        Os acórdãos em comento foram proferidos em situações idênticas: aquisição online de presente de natal, que foi entregue após a data festiva. Assim como no natal, a qualquer momento pode um consumidor efetuar a compra online de um produto para presentear uma pessoa especial por ocasião de aniversário, casamento, namoro, ou mesmo para uso próprio, destinado o produto à utilização em uma viagem, por exemplo.

        O fornecedor tem obrigação de cumprir o prazo informado. Trata-se de cláusula contratual que, uma vez descumprida, há de sujeitar o infrator a perdas e danos, bem como a possibilidade de rescisão do contrato pelo lesado.

        4.2. AUSÊNCIA DE ENTREGA DO PRODUTO

        Em caso da não entrega do produto, tendo o consumidor efetuado o devido pagamento, importam-se todas as responsabilidades previstas no subitem acima, qual seja, atraso na entrega do produto.

        Não obstante a possibilidade de indenização pelos danos morais que tenha acometido ao consumidor ou a terceiros pela não entrega do produto, o fornecedor deverá indenizar materialmente por seu ilícito.

        Destarte, pelos fundamentos do art. 35 do CDC, conforme já discorrido no presente estudo, o consumidor tem a faculdade de exigir o cumprimento forçado da entrega do produto, a restituição integral do valor despendido na compra do mesmo ou a troca por produto equivalente, caso seja oferecido pelo fornecedor.

        Vale frisar que em caso de aceite de produto equivalente, entendemos que o consumidor não possui a obrigação de arcar com eventual diferença de preço entre o produto originalmente adquirido, que foi fruto de uma oferta, e o produto alternativo, oferecido pelo fornecedor.

        4.3. RESPONSABILIDADE PELO FRETE DE DEVOLUÇÃO EM CASO DE ARREPENDIMENTO

        Um dos principais entraves para o consumidor exercer seu direito de arrependimento nas compras a distância – e-commerce e televendas – é o custo com o transporte do produto.

        O frete da compra geralmente é suportado pelo consumidor e pago na mesma nota fiscal que o produto em si.

        O cerne da questão é que o frete da devolução do produto geralmente é imposto pelo fornecedor também ao consumidor.

        Tal exigência é totalmente incabível no nosso entender, pois como foi o fornecedor que escolheu vender seus produtos por meio eletrônico, o consumidor não pode ser responsabilizado pelo risco que aquele corre.

        Para chegar a tal entendimento, basta uma interpretação teleológica – quiçá ipsis literis – do artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos:

        "Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

        Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados." (grifamos)

        Ao afirmar que o consumidor terá direito à devolução de todos os valores pagos a qualquer título, resta claro que os fretes de compra e de devolução estão abarcados pela lei.

        Vale ressaltar aqui a diferença entre o direito de arrependimento e o direito à troca.

        O direito à troca de um produto por outro só é previsto pelo CDC em caso de fato ou vício do produto, ou seja, a troca por mera vontade do consumidor, por exemplo, se este não gostar da cor ou do tamanho do produto (desde que não tenha sido vítima de publicidade enganosa), não encontra amparo legal. Assim, entendemos que especificamente nestes casos o consumidor quem deverá arcar com o frete de devolução do produto e envio de um novo.

        Já no arrependimento, o consumidor frustrou-se com o produto recebido e não deseja realizar qualquer troca, mas sim ser restituído dos valores que pagou.


CONCLUSÃO

        Apesar de não haver no ordenamento jurídico pátrio legislação que verse especificamente sobre o comércio eletrônico e seus impactos no consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, por ser um dos mais avançados do mundo, notadamente contempla as relações consumeristas no campo virtual, fornecendo, mesmo que implicitamente, diversas defesas ao consumidor frente às mazelas peculiares do comércio eletrônico.

        Cremos que a facilidade e a infinitude da internet permanecerão contribuindo para o exponencial crescimento do segmento de vendas online no setor varejista, o que implica maior atenção dos consumidores, cada vez mais politizados quanto a seus direitos, e, em especial, dos fornecedores, que, infelizmente, se locupletam às custas dos consumidores por meios ilícitos.

        A regularização consumerista no comércio eletrônico deve ser impulsionada não só pela educação legal dos consumidores, mas também da aplicação plena e severa dos direito pelos magistrados.

        A jurisprudência deve condenar a prática de atos ilícitos na relação de consumo virtual de modo que, sentido no patrimônio do lesante, o possa fazer conscientizar-se de que não deve persistir na conduta reprimida, ou então deve afastar-se da vereda indevida por ele assumida.

        Nas palavras de Carlos Alberto Bittar, "deixa-se para a coletividade, exemplo expressivo da reação que a ordem jurídica reserva para infratores nesse campo, e em elemento que, em nosso tempo, se tem mostrado muito sensível para as pessoas, ou seja, o respectivo acervo patrimonial." [5]


REFERÊNCIAS

        [1] SAAD, Gabriel... Código de Defesa do Consumidor Comentado

        [2], [3] e [4] Disponível em http://www.tj.rj.gov.br

        [5] BITTAR, Carlos Alberto, "Reparação Civil por Danos Morais: a Fixação do Valor da Indenização", JTACIVSP, vol. 147/09

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Sobre o autor
Diego Silva França

Advogado, pós-graduado em Direito Econômico pela UERJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Diego Silva. Peculiaridades jurídicas do comércio eletrônico.: Uma abordagem prática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2027, 18 jan. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12221. Acesso em: 16 abr. 2024.

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