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Da execução contra a Fazenda Pública.

O parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil e a relativização da coisa julgada

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03/02/2009 às 00:00

Resumo:


  • O estudo da execução contra a Fazenda Pública por obrigações pecuniárias analisa a constitucionalidade do artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil, considerando o sistema constitucional brasileiro e as defesas disponíveis ao Poder Público.

  • A pesquisa aborda as peculiaridades da execução contra a Fazenda Pública, destacando a figura dos precatórios e as diferenças em relação à execução comum entre particulares, bem como a aplicação de defesas específicas, como a coisa julgada inconstitucional.

  • Conclui-se pela constitucionalidade do parágrafo único do artigo 741 do CPC, que permite alegar a inexigibilidade de títulos judiciais fundamentados em normas inconstitucionais, sem que isso represente uma afronta à cláusula pétrea da coisa julgada.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CAPÍTULO 3 – Dos Embargos à Execução Opostos pela Fazenda Pública

Os Embargos à Execução opostos pela Fazenda Pública, nas execuções contra ela propostas, são disciplinados, do ponto de vista infraconstitucional, pelos os artigos 741 a 743 do Código de Processo Civil.

Em que pese não ter sido um grande foco da reforma do processo executivo brasileiro, a Lei n.º 11.232 de 2005 foi responsável por uma sensível mudança no sistema em tela, qual seja, a redação dada ao polêmico parágrafo único do artigo 741 do Diploma Processual, que versa a respeito da "coisa julgada inconstitucional". Tal matéria já se encontrava com previsão semelhante, dada pela Medida Provisória de n.º 2180-35 de 2001, que sempre causou grande polêmica doutrinária.

Para uma devida compreensão da discussão a respeito da chamada "coisa julgada inconstitucional", se faz necessária uma análise do funcionamento dos referidos Embargos Executivos, sempre à luz dos fortes valores constitucionais já pontuados de forma exaustiva ao longo dos primeiros Capítulos da presente monografia e das normas processuais específicas dispostas no Código de Processo Civil.

Um ponto que deve ser frisado diz respeito ao uso em si dos Embargos Executivos. Em que pese a substanciosa reforma realizada no processo executivo brasileiro, que deixou de lado a chamada execução ex intervalo para adotar o modelo sincrético, em que se fala em fase cognitiva e fase executiva dentro de uma mesma relação processual, a execução proposta contra a Fazenda Pública ainda continua integralmente disciplinada pelas normas processuais já referidas, havendo que se falar ainda em processo executivo autônomo. É o que dispõe a doutrina sobre o tema:

A Lei n.º 11.232 de 22.12.2005 substituiu a ação de execução de sentença condenatória a prestação de quantia certa por um procedimento complementar incidental denominado ‘cumprimento de sentença’, que se realiza dentro da mesma relação processual em que se pronunciou a condenação.

Embora a abolição da ação de execução de sentença separada da ação condenatória tenha sido adotada como regra para o sistema renovado do Código de Processo Civil, o antigo sistema dual foi preservado para as ações que busquem impor o adimplemento de prestação de quantia certa do Poder Público. [21]

Assim sendo, pode-se assentar que a defesa da Fazenda Pública ao longo do processo de execução se dará, ordinariamente, por meio de ação incidental própria, com peculiaridades que serão examinadas a seguir [22], sendo que, somente após seu devido julgamento e conseqüente trânsito em julgado é que se passará para a fase da expedição do precatório e conseqüente satisfação patrimonial do exeqüente.

3.2 Da Análise do Artigo 741 do Código de Processo Civil

Uma vez proposta execução contra a Fazenda Pública, será ela citada, na pessoa de seu representante legal para opor Embargos à Execução no prazo de 30 dias [23], nos moldes do previsto nos artigos 730 do Código de Processo Civil combinado com o artigo 1º-B da Lei 9.494/97.

Como já se demonstrou, o instituto dos precatórios fez com que a referida citação executiva não goze dos atributos normalmente vistos em um processo de execução comum, ou seja, a Fazenda Pública não será citada para pagar em 30 dias, mas apenas para se defender, pela via dos Embargos à Execução, com base no rol do artigo 741 do Código de Processo Civil, reafirmando-se a idéia já defendida de execução anômala.

3.2.1 Da Incidência ou Não da Multa Prevista no Artigo 475-J do Código de Processo Civil

Como se afirmou ao longo da exposição, a Fazenda Pública, em razão da obrigação de respeitar a ordem de apresentação dos precatórios, não pode efetuar pagamentos de condenações pecuniárias fora de tal ordem. Razão pela qual seria ilógica que a mesma, no início do processo executivo, fosse citada para adimplir de imediato, sob pena de multa ou qualquer outra sanção. Por tais motivos, se mostra descabida qualquer pretensão de se impor, ao Poder Público, a penalidade de 10% sobre o valor da condenação, caso não cumpra a obrigação de pronto.

A jurisprudência dos Tribunais já têm fixado o mesmo posicionamento, em que pese, no início de vigência da Lei n.º 11.232/2005, terem surgido algumas divergências doutrinárias:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. MULTA DE TRÂNSITO. DEPARTAMENTO AUTÔNOMO DE ESTRADAS DE RODAGEM. DAER. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EXISTÊNCIA DE RITO PRÓPRIO. ARTS 730 E SEGUINTES DO CPC. INAPLICABILIDADE DO ART 475-J DO CPC. As alterações trazidas pela Lei n.º 11.232/2005, mais especificamente o artigo 475-J do CPC não revogaram os dispositivos legais aplicáveis à Fazenda Pública cuja execução possui rito autônomo previsto no artigo 730 do CPC. [24]

Atualmente, em casos nos quais os juízes determinam que a execução contra a Fazenda Pública seja processada pelo rito do cumprimento de sentença, os Tribunais de Justiça têm afastado tais decisões, em sede de agravo de instrumento, monocraticamente. [25]

A conclusão que se pode extrair da análise da doutrina, hoje pacificada, e da jurisprudência dos Tribunais de Justiça, é no sentido de que não se aplicam à Execução contra a Fazenda Pública as normas do chamado cumprimento de sentença, seja pelo princípio da especialidade, seja pelos valores tutelados pelo Erário em juízo. Desta forma não se sujeitará a Fazenda Pública à incidência da norma prevista no artigo 475-J do Código de Processo Civil, como demonstra Leonardo José Carneiro da Cunha:

A essa altura, não é ocioso repisar o que já se disse no subitem anterior: não se aplica à Fazenda Pública as regras do cumprimento de sentença, não incidindo, no particular, o disposto nos artigos 475-J e seguintes do CPC; não se aplica, a toda evidência, a multa de 10% (dez por cento) ali prevista. [26]

3.2.2 Da Amplitude das Alegações em Sede de Embargos Executivos

Como já apontado ao longo do Capítulo 2, a execução contra a Fazenda Pública pode ser iniciada tanto embasada por um título executivo judicial, no qual a discussão quanto ao mérito da dívida já foi exaurida, como poderá ser fundada em título executivo extrajudicial, nos quais não houve ainda cognição judicial sobre o mérito da dívida. Seja como for, o Poder Público irá manejar, como defesa, os Embargos à Execução com fundamento nos incisos do artigo 741 do Código de Processo Civil.

Tendo em vista a existência de dois grandes gêneros de títulos executivos, o sistema processual brasileiro, quando disciplinou os Embargos à Execução nos casos de execuções embasadas em títulos executivos extrajudiciais, no artigo 745, inciso V, prevê que o executado poderá alegar "qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento".

No mesmo diapasão se colocam os ensinamentos da doutrina:

Como a execução de título extrajudicial não foi precedida de ação de conhecimento, a primeira oportunidade que o devedor tem para defender-se ocorre já na ação de execução ajuizada contra ele. Por essa razão, e em homenagem à garantia constitucional do contraditório e ampla defesa, é que, o devedor poderá alegar toda e qualquer matéria que lhe seria lícito deduzir como defesa no processo de conhecimento. [27]

A execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, conforme já se registrou, pode fundar-se em título judicial ou extrajudicial. O rito executivo é o mesmo. O conteúdo admitido para os embargos de devedor é diferente. É ampla a matéria discutível frente ao título extrajudicial (artigo 745) e limitada a que se pode opor ao título judicial (artigo 741). [28]

A conclusão que se pode extrair é no sentido de que a Fazenda Pública ficará restrita às possibilidades de defesa arroladas ao longo dos incisos do artigo 741 do Código de Processo Civil, quando a execução tiver como base autorizativa um título executivo judicial, nos moldes do artigo 475-N do mesmo diploma processual, até para se respeitar a autoridade da sentença anteriormente produzida sob o manto do contraditório e da ampla defesa, como ensina a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Os embargos do devedor na execução contra a Fazenda Pública só poderão vir fundamentados em uma das hipóteses taxativas do artigo 741, do Código de Processo Civil. À falta de cumprimento dessa disposição legal, o juiz deve indeferir liminarmente os embargos, conforme dispõe o artigo 739, inciso II do Código de Processo Civil. [29]

Por outro lado, quando se ver deparada com uma execução proposta com base em título executivo extrajudicial, como não houve anterior discussão judicial, a Fazenda Pública não ficará restrita ao rol do artigo 741 do Código de Processo Civil, podendo suscitar qualquer outra matéria que poderia ser alegada em eventual processo cognitivo, tendo assim uma amplitude maior de defesa, face à inexistência de qualquer óbice anterior de coisa julgada.

3.2.3 Dos Efeitos dos Embargos

Em matéria de execução, a Lei n.º 11.232/05 foi responsável por uma mudança de paradigma não apenas no âmbito da execução de título judicial como também de título extrajudicial, determinado que o manejo da defesa – impugnação ou oposição de embargos à execução – não ocasionará, de imediato, a suspensão do processo executivo, como antes ocorria, e, portanto, dos atos de constrição patrimonial que sofrerá o devedor. É o que determinam de forma clara, os artigos 475-M e 739-A, ambos do Código de Processo Civil.

A doutrina, ao comentar o referido artigo 739-A ensina:

A norma comentada estabelece a regra geral da não suspensividade da execução pela oposição dos embargos do devedor. Isto significa que, mesmo que ajuizados os embargos, o processo de execução correrá normalmente. Haverá dois processos correndo concomitantemente.

O ajuizamento dos embargos do devedor só ensejará a suspensão da execução por decisão expressa do juiz nesse sentido. [30]

Desta forma, a nova regra do Código de Processo Civil Brasileiro é a de que a execução não será suspensa, ou de qualquer forma embaraçada, pelo mero manejo de defesa, seja em que modalidade for.

Em ambos os casos, o efeito suspensivo somente poderá ser atributo na conjugação de dois requisitos cumulativos: (i) segurança do juízo pela penhora ou outra forma de garantia; (ii) comprovação da existência de uma situação relevante que possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.

No âmbito da execução contra a Fazenda Pública, a discussão a respeito dos efeitos dos embargos é singela. Isto porque, o sistema processual pressupõe o trânsito em julgado do processo executivo para só então admitir a emissão do precatório e, conseqüentemente, a satisfação patrimonial do exeqüente.

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Neste sentido ensina a doutrina:

O trânsito em julgado que autoriza a execução contra a Fazenda Pública só pode ser o dos embargos, superados, pois, os processos de conhecimento e o de eventual liquidação.

Em outras palavras, o precatório ou a requisição de pequeno valor somente se expede depois de não haver mais qualquer discussão quanto ao valor executado, vale dizer que tal expedição depende do trânsito em julgado da sentença que julgar os embargos. [31]

Assim sendo, em razão do sistema brasileiro de execução contra a Fazenda Pública, que se pauta na figura dos precatórios, a oposição de embargos pelo Poder Público, seja no âmbito de execuções fundadas em títulos judiciais ou extrajudiciais, ocasionará sempre a suspensão de eventual ordem de expedição de precatório, até o efetivo trânsito em julgado dos embargos:

Por essa razão, os embargos opostos pela Fazenda Pública devem, forçosamente, ser recebidos no efeito suspensivo, pois, enquanto não se tornar incontroverso ou definitivo o valor cobrado, não há como se expedir o precatório ou a requisição de pequeno valor. [32]

A doutrina especializada aponta ainda que o parágrafo 3º do artigo 739-A é aplicável às execuções contra a Fazenda Pública, isto porque, caso opte por embargar (e discutir) apenas parte da dívida, o restante, que não foi objeto dos embargos, se verá como valor definitivo, já sendo possível a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, conforme o caso, não havendo que se falar em efeito suspensivo total em tais situações.

É no mesmo sentido a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

A Terceira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que, nos termos do parágrafo 2º do artigo 739 do CPC, é possível a expedição de precatório da parte incontroversa da dívida, em execução contra a Fazenda Pública, sem que isso implique ofensa à sistemática constitucional dos precatórios.

Iniciado o processo executivo com base em sentença transitada em julgado ou em título extrajudicial, a oposição de embargos à execução, a despeito de suspender a execução, não transforma a execução definitiva em provisória, prosseguindo-se relativamente à parte incontroversa da dívida, com a expedição de precatório, ou por execução direta, para os pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor. [33]

3.3 Das Defesas em Espécie

3.3.1 Da Falta ou Nulidade da Citação

O inciso I do artigo 741 do Código de Processo Civil autoriza a Fazenda Pública a suscitar como matéria de defesa a "falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia".

A doutrina processual brasileira, com razão, dá extrema importância para o ato inicial de chamamento do réu à relação processual. A citação é, sem dúvida, um dos mais importantes atos processuais, pois será responsável pela angularização da relação jurídica processual, bem como, é o meio pelo qual será permitido o exercício do contraditório e da ampla defesa, valores constitucionais dos mais fundamentais [34].

No âmbito dos pressupostos processuais a citação exerce dupla função. É, ao mesmo tempo, pressuposto processual de existência e de validade do processo. Desta forma, sua ausência vai conduzir não a uma mera nulidade, mas sim, à inexistência da própria relação jurídica processual.

Sobre os atos processuais inexistentes, manifesta-se a doutrina dominante:

Outras vezes, ao ato jurídico processual faltam elementos essenciais à sua constituição, a ponto de ser ele inexistente perante o direito. É que, à falta desses elementos, o próprio ato, intrinsecamente, não reúne condições para ser eficaz, fala a doutrina, nesses casos, em ‘não atos’.

Dos atos inexistentes não costuma a lei falar – e nem precisaria mesmo falar; se se pratica um ao tão disforme do modelo legal, que em si mesmo não seja apto a atingir o resultado desejado, não precisa a lei negar-lhe eficácia. [35]

A gravidade dos chamados atos processuais inexistentes levou a doutrina e a jurisprudência a admitirem que tal fato possa ser reconhecido de ofício pelo magistrado, em qualquer grau de jurisdição e a qualquer tempo, face à absoluta incompatibilidade com o sistema constitucional-processual brasileiro:

Existência do Processo. A citação é pressuposto de existência da relação processual. A sentença proferida em processo em que não houve citação é coisa vã, mera aparência e carece de efeitos no mundo jurídico (RJTJRS 63/76). A sentença proferida em processo sem citação é nenhuma. [36]

Para que a referida nulidade processual possa ser eficazmente suscitada pelo Poder Público e acolhida pelo magistrado é necessário que a Fazenda Pública tenha permanecido indefesa ao longo do processo, ou seja, não pode ter apresentado contestação ou se valido de qualquer outro meio defensivo. Isto porque, caso, mesmo citada indevidamente, tenha a Fazenda participado da relação processual, tal alegação não se mostrará cabível pela convalidação. Tem sido esta a posição do Colendo Superior Tribunal de Justiça mesmo no âmbito dos processos penais, em que se tutela um bem jurídico de extremo relevo, a liberdade:

O fato de a citação ter sido realizada na mesma data da realização do interrogatório, na pessoa da mãe do acusado, que se comprometeu a repassar o mandado ao réu, não gera, por si, nulidade, se não há demonstração efetiva de prejuízo.

Não há nulidade, na hipótese dos autos, em atenção ao princípio ‘pas de nullité sans grief’, uma vez que o réu compareceu espontaneamente á sessão de interrogatório – acompanhado de advogada constituída com a qual pôde se reunir antecipada e reservadamente – declarou estar ciente da acusação e deu sua versão dos fatos. [37]

Conclui-se, desta forma, que o manejo do inciso I do artigo 741 do Código de Processo Civil somente será possível, pela Fazenda Pública, se o processo de conhecimento tenha ocorrido e transitado em julgado sem que a mesma tenha sequer participado da relação jurídica processual, isto porque, caso tenha comparecido ao processo de conhecimento, a nulidade da citação terá sido convalidada, nos moldes do disposto no parágrafo 1º do artigo 214 do mesmo diploma processual.

3.3.2 Da Inexigibilidade do Título

O manejo da execução somente se justifica quando presentes dois requisitos cumulativos, quais sejam: (i) a inadimplência do devedor, o que para as Execuções contra a Fazenda Pública não vige, tendo em vista não poder ela adimplir livremente suas dívidas pecuniárias, face ao instituto dos precatórios; (ii) a presença de um título executivo judicial ou extrajudicial.

Os títulos executivos devem gozar de três fundamentais e concomitantes atributos: certeza, liquidez e exigibilidade, nos termos do previsto no artigo 586 do Código de Processo Civil.

Desta forma, caso a obrigação demandada se sujeite à condição ou termo e estes não tenham ocorrido, não será possível a execução. No mesmo sentido, caso a obrigação seja bilateral e uma das partes não tenha cumprido sua parte da obrigação, não estará ela legitimada para valer-se do processo executivo. Eis porque, o inciso II do artigo 741 do Código de Processo Civil autoriza a Fazenda Pública a suscitar a "inexigibilidade do título", como óbice para a continuidade da execução.

Ampliando as hipóteses de alegações de inexigibilidade do título, veio a Lei n.º 11.232/05 incluir o parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, determinando que:

Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. [38]

Trata-se do que a doutrina veio a denominar de coisa julgada inconstitucional. Tema este que vem gerando muita polêmica na doutrina e na jurisprudência, vindo a existir uma séria de correntes para examinar a matéria. Contudo, por fins metodológicos, o tema da relativização da coisa julgada será examinado, devido à sua importância, no Capítulo final da presente obra.

3.3.3 Da Ilegitimidade das Partes

O processo executivo contra a Fazenda Pública, já se apontou, mantém o caráter de ação autônoma. Como tal, devem estar presentes as três tradicionais condições da ação: (i) legitimidade das partes; (ii) possibilidade jurídica do pedido; (iii) interesse de agir.

No âmbito da execução, o interesse de agir se liga à presença de um título executivo judicial ou extrajudicial, de acordo com o rol previsto no Código de Processo Civil. A possibilidade jurídica do pedido, no âmbito das execuções ora examinadas, se vincula ao pedido final de expedição de precatório. Por fim, a legitimidade das partes se extrai do exame dos pólos obrigacionais constantes no próprio título executivo.

Sem dúvida alguma, a falta de qualquer das condições da ação vai inviabilizar a continuidade do processo, devendo ser suscitada pela Fazenda Pública, ou mesmo, reconhecida de ofício pelo magistrado, pela natureza de ordem pública da matéria.

3.3.4 Da Cumulação Indevida de Execuções

A cumulação de ações (ou pedidos) dentro de uma mesma base procedimental é fenômeno autorizado pelo sistema processual brasileiro, nos artigos 292 [39] e 573, ambos do Código de Processo Civil.

Para que tal faculdade possa ser exercida a lei exige a presença de três requisitos: (i) que os pedidos sejam compatíveis entre si; (ii) que seja competente para conhecimento deles o mesmo juízo; (iii) que seja adequado para todos os pedidos o tipo de procedimento.

Ausentes um destes requisitos, a Fazenda poderá suscitá-los em sede de embargos executivos, pois a cumulação se mostrará ilícita. Contudo, o efeito da defesa em tela será de "natureza e eficácia meramente formais, já que só atacará o ato processual de cumulação, não impedindo que o credor volte a propor as execuções separadamente". [40]

3.3.5 Do Excesso de Execução

O próprio Código de Processo Civil arrola os casos de excesso de execução, ao longo dos incisos do artigo 743 do Código de Processo Civil. São eles: (i) quando o credor pleiteia quantia superior à do título; (ii) quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no título; (iii) quando se processa de modo diverso do que foi determinado pela sentença; (iv) quando o credor, sem cumprir a prestação que lhe corresponde, exige o adimplemento do devedor; (v) se o credor não provar que a condição se realizou.

O tema do excesso de execução é absolutamente relevante para o Poder Judiciário, isto porque, não poderá legitimar, através do uso de sua força legítima, uma atuação além daquilo que o titulo executivo autoriza, pois se estará diante de verdadeira arbitrariedade.

3.3.6 Causas que Afetam a Obrigação

A Fazenda Pública também poderá suscitar questões que afetem a existência da própria dívida, tais como pagamento, prescrição, novação, compensação, transação ou qualquer outra circunstância neste sentido.

A exigência do texto do Código de Processo Civil é que tais fatos tenham ocorrido posteriormente à sentença. Caso contrário, o sistema colocaria em cheque o valor da coisa julgada. Sem dúvida alguma, referida limitação somente vige para os títulos executivos judiciais, visto que, para os títulos executivos extrajudiciais não há qualquer limitação temporal para o uso das alegações em tela, até porque não houve anterior pronunciamento judicial.

Desta forma, a Fazenda Pública poderá se valer do inciso VI, do artigo 741, do Código de Processo Civil, sempre que qualquer fato, mesmo que nele não arrolado – trata-se de rol exemplificativo -, surja posteriormente à sentença que macule a existência da obrigação ou a existência da dívida em si. É o que pontua a doutrina:

Sem reabrir discussão sobre o conteúdo da sentença, fatos posteriores à condenação podem afetar o direito do credor, impedindo-lhe a execução, ou modificando-lhe os termos da exigibilidade.(...)

A ocorrência do fato extintivo do direito do credor deve ser cumpridamente provada, correndo o ônus da prova por inteiro a cargo do devedor impugnante, tendo em vista a presunção legal de certeza e liquidez que ampara o título executivo devidamente formalizado. [41]

3.3.7 Incompetência do Juízo

Tendo em vista serem os entes federados grandes demandantes e demandados no nosso país, as normas de organização judiciária optaram pela criação de varas especializadas da Fazenda Pública – as chamadas Varas da Fazenda Pública -, ou seja, varas criadas com o objetivo de processarem as causas interpostas que envolvam o Poder Público.

Referida atribuição configura a chamada competência funcional, o seu desrespeito gerará incompetência absoluta, que poderá ser reconhecida de ofício pelo magistrado ou mesmo, suscitada pela Fazenda Pública, em sede de embargos.

Sobre as Varas da Fazenda Pública do Estado de São Paulo, manifestou-se a doutrina:

O artigo 35 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (DL Compl. 3/69) confere prerrogativa de juízo, na comarca de São Paulo, ao Estado e respectivas entidades autárquicas ou paraestatais, quando estiverem na condição de autor, réu, assistente ou opoente, exceto para as ações de falência, acidente do trabalho e Mandado de Segurança contra atos de autoridades estaduais sediadas fora da comarca da Capital. Esta competência é funcional, portanto, absoluta. Trata-se de competência de juízo e não de foro. [42]

Dada a natureza da competência funcional, qualquer ato decisório que tenha sido praticado pelo magistrado incompetente, será nulo de pleno direito.

3.4 Em Síntese

Apesar de a Lei n.º 11.232/05 ter sido responsável por uma séria mudança no paradigma das execuções no direito brasileiro, a chamada execução contra a Fazenda Pública continua sendo processada por meio de ação autônoma, iniciada por citação, na qual a defesa é exercida por meio dos Embargos à Execução.

Ao longo do Capítulo demonstrou-se a disciplina da defesa usada pela Fazenda, dando-se ênfase para as espécies de defesa que poderão ser suscitadas e da visão da jurisprudência e da doutrina sobre elas.

Restou para o Capítulo 4 da presente obra, o exame minucioso da defesa mais polêmica que pode ser manejada pelo Poder Público, qual seja, a alegação da chamada coisa julgada inconstitucional, com base legal no artigo 741, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

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Sobre o autor
Murilo Galeote

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Processo Civil pela FADISP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALEOTE, Murilo. Da execução contra a Fazenda Pública.: O parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil e a relativização da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2043, 3 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12276. Acesso em: 28 dez. 2024.

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