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Da execução contra a Fazenda Pública.

O parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil e a relativização da coisa julgada

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03/02/2009 às 00:00
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CAPÍTULO 4 – Da Coisa Julgada Inconstitucional

O tema da relativização da coisa julgada por inconstitucionalidade, nem sempre foi uma preocupação da doutrina processual brasileira. Nos últimos tempos, contudo, em razão da ampliação da atuação do Supremo Tribunal Federal no âmbito do controle de constitucionalidade (tanto concentrado como difuso), da evolução da doutrina constitucional brasileira e das recentes reformas legislativas que passaram a admitir a alegação, em sede de impugnação ou embargos à execução [43], da chamada coisa julgada inconstitucional, a questão tem sido cada vez mais debatida.

Como não poderia ser diferente, formam-se diversas correntes doutrinárias examinando a matéria. Encontram-se tanto manifestações radicais no sentido de nunca ou sempre se admitir a relativização da coisa julgada, bem como posições mais intermediárias, reconhecendo limites temporais para tais alegações.

Seja como for, o tema da coisa julgada inconstitucional exige a fixação de algumas premissas argumentativas, tendo em vista nascer um aparente confronto entre o princípio da segurança jurídica e o da supremacia da constituição, quais sejam: (i) qualquer ato estatal pode ser potencialmente inconstitucional; (ii) nenhum princípio constitucional é absoluto; (iii) o princípio da supremacia da constituição é elemento lógico para a validade de todo o sistema jurídico constitucional.

O primeiro ponto que deve ser frisado para a compreensão da discussão a respeito da coisa julgada inconstitucional diz respeito à possibilidade de o Estado, por meio de sua atuação, praticar atos inconstitucionais.

Como é sabido, o Poder é dividido em três funções distintas, quais sejam: Legislativo, Executivo e Judiciário. Cada uma das referidas funções ira exercer parcela do Poder outorgado diretamente pelo povo. Tal atuação somente se mostra cabível se se procede de modo absolutamente compatível com o sistema constitucional brasileiro, caso contrário não se terá Poder, mas sim, arbitrariedade, e, por conseqüência, inconstitucionalidade.

Seria absolutamente reprimida pela comunidade jurídica uma lei que previsse a volta da escravidão. Da mesma forma, seria tachada como inconstitucional um ato do Poder Executivo que concedesse determinada vantagem pecuniária apenas a seus servidores homens, em detrimento das mulheres, pelo simples fato de serem homens.

A concepção mais clássica de inconstitucionalidade acaba por ali, ou seja, apenas o Poder Legislativo e o Executivo poderiam realizar leis ou atos normativos inconstitucionais. Ocorre que a experiência prática vem demonstrando a possibilidade de decisões judiciais serem contrárias ao próprio texto constitucional. Cite-se eventual decisão judicial que proíba a progressão de regime prisional, ou, que tenha proibido a pesquisa com células tronco – ambas as decisões seriam inconstitucionais segundo recentes manifestações do Supremo Tribunal Federal.

A doutrina processual brasileira ensina:

No Estado Democrático de Direito, não apenas a lei, mas todos os atos do poder devem adequar-se aos padrões da ordem constitucional, de sorte que a inconstitucionalidade pode acontecer também no âmbito dos provimentos jurisdicionais. [44]

Claro que a decisão judicial em si, na maior parte das vezes, não será inconstitucional. A inconstitucionalidade, na verdade, fulminará as bases jurídico-legais em que se funda a decisão judicial, o que justificará sua não proteção pelo ordenamento jurídico.

O segundo ponto diz respeito à máxima de que não há princípio ou valor constitucional absoluto. A afirmação em tela não pode ser esquecida no exame da relativização da coisa julgada, tendo em vista a visão de uma parte da doutrina no sentido de que a coisa julgada é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, como consectário da segurança jurídica, não podendo ser relativizada, ressalvado os casos específicos de cabimento de ação rescisória perante os Tribunais.

Ora, a indagação que merece ser feita é se a Constituição pode proteger um ato inconstitucional em nome da segurança jurídica. A resposta é, sem dúvida, não, por uma questão puramente lógica: a Constituição não admite o que lhe contraria, ou seja, não protege o inconstitucional.

O terceiro ponto diz respeito à idéia de supremacia da Constituição [45].

A supremacia da Constituição, segundo já afirmara Hans Kelsen, é o motivo jurídico para que a Carta Constitucional se coloque no topo do ordenamento jurídico de uma dada sociedade. Sem esta característica, qualquer norma posterior poderia derrogar partes do texto constitucional, sem maiores conseqüências. Contudo, face à rigidez das normas constitucionais, que se manifesta pela existência de um quorum deliberativo diferenciado e por cláusulas pétreas, tal proceder não se mostra possível. Desta forma, todos os atos infraconstitucionais devem encontrar fundamento de validade no texto constitucional, como ensinou Hans Kelsen:

A derivação das normas de uma ordem jurídica a partir da norma fundamental dessa ordem é executada demonstrando-se que as normas particulares foram criadas em conformidade com a norma fundamental. Para a questão de por que certo ato de coerção – por exemplo, o fato de um indivíduo privar outro de liberdade colocando-o na cadeia – é um ato de coerção, a resposta é, porque ele foi prescrito por uma norma individual, por uma decisão judicial. Para a questão de porque essa norma individual é válida como parte de uma ordem jurídica definida, a resposta é, porque ela foi criada em conformidade com um estatuto criminal. Esse estatuto, finalmente, recebe sua validade da Constituição, já que foi estabelecido pelo órgão competente da maneira que a Constituição prescreve. [46]

Colocada como o topo da pirâmide normativa, a Constituição somente poderá legitimar, sob seu império jurídico, atos que sejam com ela absolutamente compatíveis. É com base neste pensamento que se deve ler o relevante artigo 5º, inciso XXXVI, do Texto Constitucional, que prescreve: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

A conclusão interpretativa deve ser no seguinte sentido: a Constituição vai proteger o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, desde que sejam constitucionais.

Dois exemplos demonstrarão a validade da afirmação:

Um primeiro caso seria a alegação de direito adquirido a manter na condição de escravo uma pessoa que assim vive há mais de 50 anos. Sem dúvida alguma, o texto constitucional não tutelará tal circunstância, deixando de lado a tal segurança jurídica, para rechaçar qualquer efeito jurídico para a situação.

Por outro lado, caso tenha sido garantida determinada vantagem pecuniária para um dado servidor público, em virtude de sentença judicial transitada em julgado e, posteriormente, cria-se um teto para o funcionalismo público inferior àquele vencimento, o sistema jurídico ira proteger tal servidor, como já afirmou a própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em recente decisão plenária:

No que diz respeito ao acréscimo de 20% sobre os proventos, considerou-se que tal vantagem não substantiva um direito adquirido de envergadura constitucional, razão por que, com a EC 41/2003, não seria possível assegurar sua percepção indefinida no tempo, fora ou além do teto a todos submetido. Reconheceu-se, entretanto, que a Constituição assegurou diretamente aos impetrantes, magistrados, o direito à irredutibilidade de vencimentos — modalidade qualificada de direito adquirido — oponível às emendas constitucionais. Vencido o Min. Marco Aurélio que também deferia, em parte, o writ, mas em maior extensão, e os Ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Britto, Eros Grau e Nelson Jobim que o indeferiam integralmente. [47]

A conclusão que se pode extrair é que as inconstitucionalidades [48] podem nascer de qualquer ato do Poder Público, seja legislativo, seja administrativo, seja jurisdicional, e os mesmos não serão tuteladas pelo ordenamento jurídico – o sistema constitucional não pode admitir desvalores.

4.2 Do Teor do Parágrafo Único do Artigo 741 do Código de Processo Civil

É chegado o momento de se examinar o teor do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil que prescreve como uma das causas de inexigibilidade do título executivo, o que segue:

Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

O primeiro ponto a ser fixado diz respeito aos títulos executivos sujeito a tal alegação.

A norma processual é clara ao afirmar que somente execuções iniciadas com base em títulos executivos judiciais é que estarão sujeitas aos efeitos da norma do parágrafo único, do artigo 741, do Código de Processo Civil. Isto porque para os chamados títulos extrajudiciais não houve manifestação do Poder Judiciário capaz de ensejar desrespeito à Constituição, uma vez que tais títulos são formados pela manifestação de vontade apenas de credor e devedor.

O segundo ponto diz respeito ao tipo de decisão que deve ter sido proferida pelo Supremo Tribunal Federal.

A doutrina mais tradicional exige que o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal tenha sido em sede de controle concentrado de constitucionalidade, ou seja, por meio de ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade ou argüição de descumprimento de preceito fundamental, em que os efeitos de sua decisão, por expressa disposição constitucional serão vinculantes e contra todos.

Para tal visão doutrinária, não se mostra como precedente suficiente para ensejar o manejo da norma sob análise, a manifestação do Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade realizado pelo modelo difuso, ou seja, no caso concreto. Isto porque, segundo esta visão, a decisão nestes casos possui efeito apenas em relação às partes que integraram a relação processual, não atingindo terceiros, ressalvados os casos de manifestação do Senado Federal, nos termos do inciso X, do artigo 52 da Constituição Federal.

Contudo, três aspectos devem ser levados em conta: (i) ao assumir a Presidência do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes tem defendido que toda e qualquer manifestação daquele Tribunal é vinculante, pouco importando se proferida no âmbito do controle concentrado ou difuso de constitucionalidade; (ii) as recentes reformas constitucionais trouxeram para o direito brasileiro o instituto da repercussão geral para o manejo de recurso extraordinário, fato este que, sem dúvida, serviu para objetivar o exame dos referidos recursos, fazendo de suas decisões verdadeiros precedentes jurisdicionais, que devem ser respeitados pelos demais órgãos do Poder Judiciário, como aponta o parágrafo 4º do artigo 543-B do Código de Processo Civil; (iii) o nascimento da súmula vinculante permite que qualquer julgamento do Supremo Tribunal passe a produzir efeito vinculante e contra todos.

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Em manifestação doutrinária assim se pronuncia o Ministro Gilmar Mendes:

Parece legítimo entender que a fórmula relativa à suspensão de execução de lei pelo Senado Federal há de ter simples efeito de publicidade. Dessa forma, se o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle incidental, chegar à conclusão, de modo definitivo, de que a lei é inconstitucional, essa decisão terá efeitos gerais. (...) A própria decisão da Corte contém essa força normativa. [49]

Tendo em vista o novo desenho do controle de constitucionalidade trazido pela Emenda Constitucional 45, assegurado pelos institutos da repercussão geral e da súmula vinculante, parece mais razoável, em que pese não ser uma posição ainda aceita pela doutrina ou jurisprudência, entender-se que basta para incidência da norma do parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil qualquer manifestação do Supremo Tribunal Federal, pouco importando se em sede de controle de constitucionalidade concentrado ou difuso.

O terceiro ponto diz respeito ao momento em que deve ter sido proferida a decisão de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal. Se antes ou depois do trânsito em julgado do título executivo. Nesta matéria, a doutrina processual brasileira parece não ter acertado.

A resposta para o terceiro ponto dependerá da corrente adotada pelo intérprete no que diz respeito ao conceito do que seja inconstitucionalidade.

No início de sua vida, Hans Kelsen reconhecia a inconstitucionalidade como causa de nulidade da norma. Afirmava-se à época que a norma inconstitucional não produziria qualquer efeito, nem mesmo o de revogar a lei anterior. É por esta razão que se afirma que a declaração de inconstitucionalidade possui eficácia ex tunc, ou seja, retroage à data em que a norma ingressou no mundo jurídico.

Tendo por base a referida visão doutrinária, em que a inconstitucionalidade é vista como sinônimo de nulidade, pouco importa em que momento a decisão do Supremo Tribunal Federal foi proferida, pode ser tanto antes, como depois do trânsito em julgado do título executivo. A conseqüência será sempre a mesma, qual seja, vai permitir que a Fazenda Pública se valha da decisão de inconstitucionalidade para provar a inexigibilidade do título executivo.

Porém, ao final de sua vida, revendo seus estudos, Hans Kelsen passou a afirmar que a inconstitucionalidade é apenas uma causa para a declaração de inconstitucionalidade [50]. Por esta nova visão a norma inconstitucional pode sim produzir efeitos, desde que assim o deseje o Tribunal Constitucional competente para o exame da matéria.

A legislação brasileira adota a regra em apreço, no artigo 27 da Lei 9.882/99:

Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

A conseqüência da adoção do modelo explanado conduz a algumas possibilidades:

A primeira possibilidade seria o trânsito em julgado do título executivo e a posterior manifestação do Supremo Tribunal Federal com eficácia ex tunc. Neste caso a Fazenda Pública poderá pleitear a inexigibilidade do título tendo em vista que se reconheceu a inconstitucionalidade da norma, desde sempre.

A segunda possibilidade seria o trânsito em julgado do título executivo e a posterior manifestação do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade da norma em que se funda a sentença, porém, com eficácia ex nunc ou mesmo pro futuro. Nesta situação não será possível a Fazenda Pública suscitar a inexigibilidade do título, visto que o Tribunal Constitucional terá considerado legítima a incidência da norma no período em que o título executivo fora formado, somente considerando a norma inconstitucional, por razões de segurança jurídica, daquele momento para frente.

A terceira possibilidade seria o trânsito em julgado do título executivo com anterior manifestação de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Nesta situação poder-se-ia suscitar a ocorrência de eventual preclusão, visto que a matéria poderia ter sido manejada em sede de contestação ou eventual recurso. Contudo, em que pese defensável tal alegação, a Fazenda Pública também poderá valer-se da inexigibilidade do título, visto que a norma declarada inconstitucional não produz efeitos, nem mesmo o de legitimar sentenças motivadas por ela – claro que, desde que o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a inconstitucionalidade com efeitos ex tunc ou ex nunc, porém não pro futuro.

A conclusão que se pode extrair é no sentido de que o grande equívoco da doutrina brasileira tem sido buscar compreender o cabimento do manejo da defesa prevista no parágrafo único, do artigo 741, do Código de Processo Civil pelo critério do momento em que foi proferida a decisão de inconstitucionalidade, pelo Supremo Tribunal Federal, senão vejamos:

A norma do CPC 741 II, autorizadora da oposição de embargos do devedor em execução fundada em título judicial, só incidirá nos casos de declaração, pelo STF, de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo contestado em face da CF, tiver a seguinte conformação: (a) o acórdão do STF tiver transitado em julgado antes do trânsito em julgado da sentença que aparelha a execução (...) [51]

O que se demonstrou é que não importa o momento [52] da decisão de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal, mas sim, os seus efeitos - se ex tunc, ex nunc ou pro futuro - em relação ao momento do surgimento do título executivo. Tendo em vista que o sistema jurídico brasileiro não adota a visão de inconstitucionalidade como sinônimo de nulidade.

4.3 Da Constitucionalidade do Parágrafo Único do Artigo 741 do Código de Processo Civil

Uma parte da doutrina vem defendendo a inconstitucionalidade material do parágrafo único, do artigo 741, do Código de Processo Civil, tendo em vista a suposta violação à cláusula pétrea da coisa julgada. Para tal segmento doutrinário, o valor da coisa julgada é fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, não podendo sofrer qualquer tipo de relativização.

É, neste sentido, a tese encabeçada por Nelson Nery Junior, dentre outros:

Título judicial é sentença transitada em julgado, acobertada pela autoridade da coisa julgada. Esse título judicial goza de proteção constitucional, que emana diretamente do Estado Democrático de Direito, além de possuir dimensão de garantia constitucional fundamental. Decisão posterior, ainda que do STF, não poderá atingir a coisa julgada que já havia sido formada e dado origem àquele título executivo judicial. A decisão do STF que declara a inconstitucional lei ou ato normativo tem eficácia retroativa ex tunc, para atingir situações que estejam se desenvolvendo com fundamento nessa lei. Essa retroatividade tem como limite a coisa julgada. (...) A norma, instituída pela Lei 11.232/05, é, portanto, materialmente inconstitucional. [53]

Com o devido respeito, a referida tese, já foi rechaçada pela própria jurisprudência pátria em diversos precedentes, tanto dos Tribunais de Justiça [54], como pelos Tribunais Regionais Federais, como, principalmente pelo Superior Tribunal de Justiça, no já citado Recurso Especial n.º 720.953/SC, de Relatoria do Emérito Processualista e Ministro Teori Albino Zavascki.

Cândido Rangel Dinamarco, em sua importante obra A Nova Era do Processo Civil [55], examina com maestria o tema da relativização da coisa julgada material:

O Eminente Professor deixa claro o embate que deverá ser solucionado pelo aplicador do Direito quando se examina a relativização da coisa julgada, a saber, o conflito entre a celeridade da prestação jurisdicional e a justiça das decisões judiciais, afirmando:

Um óbvio predicado essencial à tutela jurisdicional, que a doutrina moderna alcandora e realça, é o da justiça das decisões. Essa preocupação não é apenas minha: a doutrina e os tribunais começaram a despertar para a necessidade de repensar a garantia constitucional e o instituto técnico-processual da coisa julgada, na consciência de que não é legítimo eternizar injustiça a pretexto de evitar a eternização de incertezas.

Diversos outros doutrinadores têm defendido posições similares: (i) o Ministro José Augusto Delgado não reconhece caráter absoluto à coisa julgada. Para ele, a coisa julgada deve ser analisada sob o prisma da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo certo que "as sentenças abusivas não podem prevalecer a qualquer tempo e a qualquer modo, porque a sentença abusiva não é sentença" [56]; (ii) Humberto Theodoro Júnior, valendo-se dos ideais de processo justo e de moralidade, admite também a relativização da coisa julgada face à inconstitucionalidade dos fundamentos da sentença; (iii) Jorge Miranda, no mesmo sentido, reafirma o caráter relativo da coisa julgada reconhecendo que a referida garantia deve ser interpretada no contexto de todas as demais garantias constitucionais.

Concluindo com precisão, Cândido Rangel Dinamarco afirma que "a desconsideração da auctoritas rei judicatae não se legitima pela mera oposição entre a sentença e a Constituição, mas pelos maus resultados dos julgamentos" [57], em outras palavras, o que autoriza a relativização em tela é o fato de a sentença que foi produzida em contrariedade ao sistema constitucional não ser efetivamente uma sentença, sendo desta forma desagasalhada pelo Ordenamento Jurídico.

O que se vislumbra em casos de sentenças fundadas em normas reconhecidas por inconstitucionais é tudo, menos uma verdadeira sentença. Desta forma, não há que se falar efetivamente em coisa julgada. Uma vez que, como já se afirmou anteriormente, a Constituição, por uma questão lógica, não pode proteger por meio de suas garantias, o inconstitucional.

Conclui-se assim, em que pesem respeitáveis opiniões em contrário, pela constitucionalidade e absoluta aplicabilidade, nos moldes já referidos, da norma do parágrafo único, do artigo 741, do Código de Processo Civil. Até porque, quando a sentença se funda em norma inconstitucional, não há que se falar em relativização da coisa julgada, pois coisa julgada não há.

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Sobre o autor
Murilo Galeote

Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Processo Civil pela FADISP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALEOTE, Murilo. Da execução contra a Fazenda Pública.: O parágrafo único do artigo 741 do Código de Processo Civil e a relativização da coisa julgada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2043, 3 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12276. Acesso em: 24 abr. 2024.

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