De acordo com a Lei nº 10.520/02, declarado o vencedor do certame, qualquer licitante poderá interpor recurso contra ato ou decisão do pregoeiro que julgue ser ilegal e lhe tenha prejudicado. Para isso, a Lei exige a manifestação imediata e motivada do licitante que pretende recorrer.
A princípio, a questão não sugere polêmica, não fosse o fato de se verificar constantemente na praxe administrativa que os pregoeiros denegam sumariamente a interposição de recursos, sempre sob o pretexto de que a motivação para a manifestação da intenção de recorrer não é suficiente para o acatamento do recurso.
À vista desse fato, passa-se a examinar os limites para a conduta do pregoeiro no momento da manifestação da intenção de recorrer pelos licitantes. O que é dever do pregoeiro observar e o que lhe é vedado apreciar.
COMPETÊNCIA LEGAL DO PREGOEIRO
O art. 3º, inc. IV, da Lei nº 10.520/02, define as atribuições do pregoeiro, sem afastar a possibilidade de outras não mencionadas. A partir dessa disposição legal, as competências do pregoeiro são: receber as propostas e lances; analisar a aceitabilidade dessas ofertas e proceder a ordem de classificação; verificar a habilitação das licitantes e, selecionada uma proposta apta, ofertada por uma licitante habilitada, adjudicar-lhe o objeto do certame, caso não seja interposto recurso.
Como dito, a Lei consignou a possibilidade de o pregoeiro exercer outras atividades. Então, por certo que, além dessas atividades, ao pregoeiro compete praticar todo e qualquer ato que seja indispensável para a boa condução da licitação.
Todavia, é preciso delimitar os limites para a prática de atos indispensáveis para a adequada condução da licitação, sob pena de emprestar ao pregoeiro competências que, em verdade, são de outras autoridades. Por vezes, essa definição é clara e permite a fácil identificação dos limites que o pregoeiro deve observar no exercício de suas atribuições.
Já em alguns casos, essa definição requer um exame mais acurado, formado a partir da interpretação sistemática de dispositivos legais e, principalmente, da observância de princípios que informam o regime jurídico administrativo.
No caso específico da fase recursal, a Lei nº 10.520/02 permite o exercício desse direito, mas, para tanto, exige a satisfação de dois requisitos: (a) a manifestação dessa intenção imediatamente após a declaração do vencedor da licitação pelo pregoeiro; e (b) a apresentação de motivação que ampare essa intenção.
Sendo o pregoeiro a autoridade competente pela condução do pregão, cabe a ele o dever de verificar o preenchimento dos requisitos legais, como condição para conceder o direito de recorrer ao licitante que, nessa fase do procedimento, tenha manifestado essa intenção.
Ora, não faria sentido a Lei impor requisitos para a prática de um ato e o preenchimento desses requisitos não ser verificado no curso do procedimento. De igual modo, também não seria coerente imaginar que, sem qualquer indicação legal, caiba a outra autoridade, que não o pregoeiro, o exercício desse juízo de admissibilidade.
REQUISITOS PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS NO PREGÃO
Sobre o primeiro requisito, ainda que não exista uma compreensão objetiva e absoluta para o tempo que a palavra "imediatamente" encerra, não parece que esse aspecto prejudique o exercício do direito de recorrer.
Para suprir qualquer dificuldade em relação ao que pode ser entendido como imediatamente, assim que declarar o vencedor da licitação, o pregoeiro deve estabelecer e divulgar aos demais licitantes um tempo certo para que, se assim desejarem, manifestem de modo motivado a intenção de recorrer.
Como a Lei nº 10.520/02 não delimitou qual será esse prazo, caberá ao pregoeiro decidir em face de cada caso concreto. Por óbvio que se espera razoabilidade e bom senso na atribuição do prazo para a manifestação da intenção de recorrer, sob pena de, por ato oblíquo, o pregoeiro impedir o exercício desse direito.
Imagine-se, por exemplo, um pregão em que houve a desclassificação de diversos licitantes por conta da inexeqüibilidade dos valores ofertados ao final da fase de lances e que o exame de aceitabilidade dessas propostas tenha demandado complexa análise de planilhas de formação de preços. Nessa hipótese, o prazo de cinco minutos pode ser insuficiente para que os licitantes analisem todos os elementos que informaram as decisões do pregoeiro e decidam se tais atos são eivados de erro ou ilegalidade.
Ademais, um dos aspectos que permite criticar o procedimento definido para a modalidade pregão é justamente a dificuldade (ou quase impossibilidade) de ser franqueada vista dos documentos aos licitantes, antes da manifestação da intenção de recorrer. O exame da legalidade dos atos e decisões do pregoeiro, pelos licitantes, fica extremamente prejudicado, o que acaba por inibir a interposição de recursos.
Essa dificuldade se agrava no pregão eletrônico, especialmente nos casos em que o edital requer para a habilitação documentos que não são contemplados pelos registros cadastrais e precisam ser enviados via fax, ou nas hipóteses em que o licitante mais bem classificado na fase de lances precisa apresentar planilha de formação de preços adaptada ao valor final de sua oferta.
Já não bastasse essa dificuldade, a concessão de prazo exíguo para a manifestação da intenção de recorrer restringe ainda mais o exercício desse direito, o que contraria garantia constitucional ao devido processo legal, na esfera judicial ou administrativa, com todos os seus desdobramentos, a exemplo da ampla defesa e do contraditório (incs. LIV e LV do art. 5º da Constituição da República).
Portanto, a definição do prazo em exame deve se dar de acordo com a própria finalidade da norma, qual seja, viabilizar, no curso do procedimento licitatório, a efetivação do devido processo legal por meio do exercício da ampla defesa e do contraditório, de modo a tornar concreta a garantia prevista na Constituição de que a Administração tem o dever de agir conforme a lei e o Direito e aos cidadãos é dado se contrapor aos abusos do Poder Público.
O princípio do devido processo legal impede que a Administração fixe medidas restritivas de Direito, sem que antes se tenha observado a forma instrumental adequada para tanto. Não se trata da simples observação a um procedimento, ou seja, a uma seqüência de atos de cunho meramente formal. O devido processo legal também possui aspecto material, segundo o qual se exige o respeito ao regramento constitucional, aos princípios e às disposições normativas que condicionam o exercício da função administrativa.
A simples observação da lei que estabelece o instrumento-procedimento para a realização do devido processo legal não se revela suficiente. Por força disso, a concessão de prazo irrisório, com o fito de cumprir a formalidade legal, mas mascarando a intenção de impedir a interposição de recursos pelos licitantes, não atende à garantia do devido processo legal e torna nulo o ato do pregoeiro.
Não por outras razões, o Tribunal de Contas da União decidiu, no Acórdão nº 2.021/2007 - Plenário [01], ser insuficiente o prazo de dois minutos e meio para a exposição da manifestação da intenção de recorrer pelas licitantes e determinou ao órgão jurisdicionado que:
ao lançar novo edital em substituição ao certame anulado, atente para a necessidade de: 9.3.1. conceder prazo suficiente para que os licitantes, nos termos do art. 26 do Decreto nº 5.450/2005, manifestem a intenção de recorrer.
Também sobre a necessidade de ser concedido prazo hábil para a manifestação da intenção de recorrer, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já decidiu que "não havendo a estipulação da duração do prazo, o mesmo deve ser reaberto para que o impetrante possa apresentar sua intenção de recurso". [02]
Sobre o assunto, interessante citar decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, segundo a qual o princípio da vinculação ao instrumento convocatório impõe a observância integral do prazo para a manifestação da intenção de recorrer, se este foi gravado no edital. Na oportunidade, o Egrégio Tribunal assentou que "se o edital ampliou o prazo para as vinte e quatro horas seguintes, assim deve ser contado, em horas, quando o sistema aceitaria a manifestação". [03]
Em vista dessas razões, fica claro competir ao pregoeiro, como um ato indispensável para a perfeita condução do certame, definir prazo razoável para que os licitantes manifestem a intenção de recorrer, se assim desejarem.
Motivação da intenção de recorrer
Mas como visto, não basta aos licitantes manifestarem a intenção de recorrer. Também é preciso que essa intenção seja apresentada de modo motivado. E aqui é que se verificam os maiores abusos e desvios, especialmente quando o pregoeiro denega a interposição do recurso sob o fundamento de que a motivação apresentada pelo licitante não é suficiente.
É aqui que se comentem os maiores abusos porque, via de regra, ao denegar a interposição do recurso, o pregoeiro está, em verdade, antecipando o julgamento do mérito recursal, atribuição para a qual a Lei nº 10.520/02 não lhe outorgou competência.
A Lei nº 10.520/02 atribuiu ao pregoeiro a competência para avaliar se a intenção de recorrer manifestada pelo licitante se faz no momento adequado, bem como acompanhada da devida motivação. Trata-se, portanto, de averiguar o preenchimento dos requisitos impostos pela Lei como condição para o exercício do direito recursal.
Essa competência do pregoeiro configura, em última análise, a verificação do preenchimento dos pressupostos para a admissibilidade do recurso. O recurso somente será recebido se satisfeitos esses requisitos de admissibilidade.
Contudo, é preciso ter bastante clareza acerca do conteúdo desse ato e de seus limites, especialmente de modo a distingui-lo da análise e julgamento do próprio mérito do recurso.
A motivação da intenção de recorrer exige do licitante a indicação, ainda que mínima, do erro ou da ilegalidade cometida pelo pregoeiro e que torna nulo o procedimento ou parte dele. Ao pregoeiro compete avaliar se essa indicação existe ou não. Existindo, um dos pressupostos recursais estará preenchido e o recurso poderá ser recebido. Caso contrário, o recurso não será admitido.
No entanto, não cabe ao pregoeiro avaliar, no exercício de sua competência, se o erro ou a ilegalidade apontada é procedente e determinante para a modificação do ato impugnado. Essa análise envolve o próprio mérito da razão recursal e somente poder ser decidida pela autoridade superior.
Aqui cabe diferenciar motivo de motivação. Motivo é o acontecimento fático que autorizou ou determinou a realização do ato. Já motivação, é a exposição desse fato e das justificativas de direito que ensejaram a prática do ato. Ao pregoeiro compete verificar a existência de motivo e não a procedência do mérito que envolve a motivação. O ato de análise da existência de motivação que ampara a intenção de recorrer se distingue do ato de julgamento do mérito dessas razões.
Tome-se a seguinte situação como exemplo. Certo licitante manifesta sua intenção de recorrer motivada no fato de o pregoeiro ter aceitado a oferta de menor preço, e que esse ato é ilegal, pois se trata de uma oferta inexeqüível em vista dos preços de mercado. Num caso como esse, não parece ser possível, ao pregoeiro, denegar a interposição do recurso sob o fundamento de não se verificar a inexeqüibilidade da dita oferta.
Essa análise envolve o julgamento do mérito da razão do próprio recurso e, portanto, constitui competência exclusiva da autoridade superior, sequer podendo ser delegada na esfera federal, conforme o art. 13, inc. II, da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo e tem aplicação subsidiária à Lei nº 10.520/02.
O Tribunal de Contas da União registrou, no Acórdão nº 3.151/2006 - 2ª Câmara, [04] a necessidade de o pregoeiro exercer o juízo de admissibilidade acerca das manifestações de intenção de recorrer que lhes são apresentadas.
Ficou gravado no voto do Min. Relator que:
a finalidade da norma é permitir ao pregoeiro afastar do certame licitatório aquelas manifestações de licitantes que, à primeira vista, revelam-se nitidamente proletatórias seja por ausência do interesse de agir, demonstrada pela falta da necessidade e da utilidade da via recursal, seja por ausência de requisitos extrínsecos como o da tempestividade.
Para o r. Ministro, o pregoeiro possui competência para rejeitar a intenção de recorrer, "quando o licitante não demonstra a existência de contrariedade à específica decisão da comissão julgadora". Nas situações em que restar evidente a ausência de interesse de agir e de motivação do recurso, a rejeição da intenção de recorrer pelo pregoeiro não representará a antecipação do julgamento do mérito do recurso.
O eminente Ministro Relator também cuidou de deixar consignado em seu voto a necessidade de ser feita análise caso a caso. Ou seja, cumpre ao pregoeiro avaliar a existência de efetiva e inequívoca declaração motivada da intenção de recorrer em cada licitação.
Com base nessas razões, considerando que na situação em espécie o pregoeiro deixou de receber recurso devidamente motivado, o Tribunal determinou ao órgão jurisdicionado que observe as disposições normativas, a fim de evitar "o não-conhecimento de recurso cujas razões deduzidas pela empresa impetrante evidenciem inequívoca contrariedade e interesse de alterar a decisão exarada pelo pregoeiro ou comissão licitante".
Em outra oportunidade, no Acórdão nº 287/2008 - Plenário, o Tribunal de Contas da União apontou como irregularidade o
desrespeito, na fase recursal da licitação, aos princípios da ampla defesa e do contraditório assegurados constitucionalmente, uma vez que todas as intenções de interposição de recurso apresentadas pelas licitantes foram sumariamente denegadas, (...).
Como se vê, não é possível confundir o exercício do ato de exame de admissibilidade que incumbe ao pregoeiro exercer no momento da manifestação da intenção de recorrer pelos licitantes, com a prática do julgamento do mérito das razoes recursais.
CONCLUSÕES
A competência para julgar os recursos interpostos em procedimentos licitatórios realizados pela modalidade pregão assiste à autoridade superior e não ao pregoeiro.
Declarado o vencedor da licitação, cumpre ao pregoeiro franquear aos licitantes a possibilidade de manifestar intenção de recorrer se assim desejarem. Para isso, deverá estabelecer e divulgar um prazo razoável para o exercício dessa manifestação pelos licitantes.
Apresentada intenção de recorrer pelo licitante, o pregoeiro deverá submeter essa manifestação ao crivo do exame de admissibilidade. Mas atente-se, sua competência se limita à verificação da existência de motivação que ampare e justifique o inconformismo do licitante. O pregoeiro só dispõe de competência para denegar a interposição de recurso se o licitante não demonstrar, por meio de motivação racional, o necessário interesse de agir.
Por essa razão, não servem como motivação alegações desprovidas de qualquer relação com o curso do procedimento. O licitante não pode motivar sua intenção de recorrer exclusivamente na sua vontade ou porque é ordem de seu chefe ou procedimento padrão da empresa. Essas alegações não revelam interesse de agir no sentido de alterar a decisão.
Por outro lado, pelas mesmas razões o pregoeiro não poderá deixar de dar acesso ao recurso para licitante que justificar sua inconformidade na prática de ato ilegal. A recusa da motivação, nesse caso, significará pré-julgamento do mérito e, por isso, invasão de competência exclusiva da autoridade superior.
Conduta do pregoeiro tendente à fixação de prazo exíguo ou à análise do próprio mérito recursal viola os postulados do devido processo legal, especialmente a ampla defesa e o contraditório, verdadeiras garantias fundamentais asseguradas pela Constituição da República.
Por fim, lembra-se que, em que pese a celeridade ser um dos objetivos da modalidade pregão, ela não pode ser obtida a custo da observância de direitos e garantias que emanam do Estado de Direito.
Notas
- Publicado no DOU nº 188, de 28.09.2007.
- TRF, 4ª Região. Remessa Ex Officio em MS nº 2007.72.00.000113-3/SC.
- TJRS, Agravo de Instrumento nº 70014810535, 22ª Câmara Cível Comarca de Porto Alegre.
- Publicado no DOU nº 211, de 03.11.2006.