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Igualdade e raça.

O erro da política de cotas raciais

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01/02/2009 às 00:00
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2 – Por que o modelo de cotas viola o Princípio da Igualdade

O que é um princípio? O que é a igualdade? Antes de demonstrar o motivo pelo qual a adoção de cotas raciais como forma de integração social ou econômica de parte de qualquer população viola o chamado Princípio da Igualdade, mister um breve explicação sobre as expressões. Deve-se esclarecer, todavia, que os princípios jurídicos são, assim como as regras, normas jurídicas, "porque ambos dizem o que deve ser." (ALEXY, 2008, p. 87).

Em virtude de suas diversas acepções, o conceito de princípio aqui analisado será apenas o jurídico. Diversos autores apresentam o seu conceito de princípio. De acordo com Silva (1989, p.447),

"[...] os princípios jurídicos, sem dúvida, significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito. Indicam o alicerce do Direito. E, nesta acepção, não se compreendem somente os fundamentos jurídicos, legalmente instituídos, mas todo axioma jurídico derivado da cultura jurídica universal. Compreendem, pois, os fundamentos da Ciência Jurídica, onde se firmaram as normas originárias ou as leis científicas do Direito, que traçam as noções em que se estrutura o próprio Direito. Assim nem sempre os princípios se inscrevem nas leis. Mas, porque servem de base ao Direito, são tidos como preceitos fundamentais para a prática do Direito e proteção aos direitos."

Dworkin (2007, p.36) denomina o termo princípio como

"um padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade (nenhum homem deve beneficiar-se da sua própria torpeza, por exemplo).

Após definir o que ele entende ser um princípio, Dworkin (2007, p.36) conceitua o termo política, como sendo "aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral, uma melhoria em algum aspecto econômico, político ou social da comunidade." E é exatamente o que a política de cotas raciais pretende ser: uma política estabelecida por um governo cujo objetivo é inserir parcelas da população consideradas discriminadas no mercado de trabalho, na tentativa de melhorar suas condições de vida, seja através da criação de vagas em universidades públicas ou de postos de trabalho no funcionalismo público, exclusivamente para esses grupos ou minorias.

Alexy (2008, p.90) trata o conceito de princípios como sendo o de "mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados", não apenas conforme as condições e possibilidades fáticas, "mas também das possibilidades jurídicas." Alexy (2008, p.104), com base na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão e partindo de considerações de Dworkin (2007, p.36) - que diferenciou os princípios de regras como tendo o primeiro uma "dimensão de peso", demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade – e afirma que os princípios não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie, isto é, podem ser afastados em virtude de razões e outros princípios preponderantes, conforme o caso. A aplicação ou não de um determinado princípio se dará conforme as possibilidades fáticas, ou seja, conforme o caso concreto.

O fato é que, como normas jurídicas, os princípios estabelecem um dever-ser, em especial, quando são positivados através de uma Constituição, como parte dos direitos fundamentais. "A positivação de princípios implica a obrigatoriedade da adoção de comportamentos necessários a sua realização, salvo se ordenamento jurídico predeterminar o meio por regra de competência." (ÁVILA, 2008, p.80).

2.2 – O conceito de Igualdade

O caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988 determina que: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, (...)".

A busca pelo tratamento igual já estava presente desde antes da Revolução Francesa, mas a partir dela, a luta por um tratamento equânime (equal treatment) entre as pessoas não só virou sinônimo de aplicação de justiça, como é um dos aspectos de como a dignidade da pessoa humana se revela, em especial, no tratamento que o Estado reserva ao homem. Um Estado ou "um governo não deve tratar as pessoas somente com consideração e respeito, mas com igual consideração e igual respeito." (DWORKIN, 2007, P.419).

O direito à igualdade ou ao tratamento isonômico está definido como um direito fundamental, assumindo posição de destaque na sociedade moderna e invertendo a tradicional relação entre o Estado e o indivíduo, ao reconhecer que a pessoa humana tem, "primeiro, direitos, e depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos seus cidadãos." (MENDES, COELHO e BRANCO, 2008, p.232).

A igualdade, dentro de uma perspectiva histórica, pertence aos direitos fundamentais de segunda geração. Os direitos de primeira geração são aqueles ligados à esfera de autonomia pessoal contrária às expansões de poder do Estado e ingerência sobre a vida privada dos indivíduos. Referem-se à liberdade de culto, de consciência, à inviolabilidade do domicílio, ao direito à propriedade, entre outros.

Os direitos fundamentais denominados de segunda geração surgem não mais para afastar o Estado, mas sim, para obrigá-lo a efetuar prestações positivas com o objetivo de sanar as desigualdades decorrentes do liberalismo e da Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX, que geraram graves conflitos sociais e uma Grande Guerra. O ideal absenteísta do Estado liberal não mais correspondia às exigências sociais e econômicas do momento (MENDES et al, 2008). Através de ações corretivas dos Poderes Públicos e do estabelecimento de direitos relativos à assistência social, educação, trabalho, lazer etc., procurou-se promover uma igualdade material, ou seja, o tratamento equânime de todos os seres humanos, bem como a sua equiparação no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades. Portanto, de acordo com o que se entende por igualdade material, as oportunidades, as chances devem ser oferecidas de forma igualitária para todos os cidadãos, na busca pela apropriação dos bens da vida.

A igualdade material, já definida, se difere da chamada igualdade formal - a de que todos são iguais perante a lei - e que tem duas facetas: a) igualdade na lei, que proíbe a discriminação entre pessoas que estão em situação idêntica e merecem o mesmo tratamento, tendo como destinatário o legislador, bem como a criação de privilégios; b) a igualdade diante da lei, dirigida ao aplicador do direito, proibindo-o de tratar diferente quem a lei considerou como igual.

A igualdade, todavia, não pode ser vista apenas como um princípio. O dispositivo de que todos devem ser tratados igualmente pode ser analisado como uma regra, um princípio ou um postulado (ÁVILA, 2008). Analisando a igualdade no âmbito do Direito Tributário, Ávila explica que ela pode ser uma regra, porque veda a criação de tributos que não sejam iguais para todos os contribuintes. Como princípio, porque estabelece um valor e ordena a sua realização. E como postulado, "porque estabelece um dever jurídico de comparação a ser seguido na interpretação e aplicação, pré-excluindo critérios de diferenciação que não sejam aqueles previstos no próprio ordenamento jurídico." (ÁVILA, 2008, p.69).

Ele distingue regras de princípios, embora elas sejam consideradas normas. Para Ávila (2008, p.71), "regras são normas imediatamente descritivas que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser adotada", enquanto os "princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos." (Grifos do autor).

Como postulado, a igualdade é um comparativo de situações, fatos, atividades ou pessoas. Um dos diversos problemas envolvendo a igualdade é o de saber se duas pessoas devem ou não ter o mesmo tratamento. Não importa apenas se elas são iguais, mas se elas devem ou não ter o mesmo tratamento. Para se avaliar isso, devem-se comparar os sujeitos envolvidos por critérios que, além de serem permitidos, são relevantes e congruentes relativamente àquela finalidade pretendida. Desta feita, a metodologia de avaliação envolve: sujeitos, critério ou medida de comparação, elemento indicativo da medida de comparação e finalidade (ÁVILA, 2008a).

A partir daqui, estão colocados os elementos com os quais se demonstrará o motivo pelo qual a política de cotas é inconstitucional.

2.2.1 – Sujeitos

O primeiro elemento para o estabelecimento de uma relação de igualdade são os sujeitos. Sendo a relação de igualdade um comparativo, esta se dá avaliando-se os sujeitos envolvidos, no presente caso, pessoas humanas a serem beneficiadas ou não com a política de cotas, para que possam ter acesso a uma universidade pública ou a um emprego público.

2.2.2 – Medida ou critério de comparação

Como já dito, um dos grandes problemas em relação à igualdade não é apenas saber quais pessoas devem ser tratadas de forma diversa (ou igual, conforme a situação em que estejam), mas de "como escolher a medida de comparação, dentre tantas disponíveis, e qual deve ser a relação existente entre a medida de comparação e a finalidade que justifica a sua utilização." (ÁVILA, 2008a, p. 44). Trata-se da exigência, na realidade, de um suporte fático (ou causa, ou suporte empírico, ou diferença concretamente existente) para sustentar e justificar a medida que procura dar eficácia ao postulado da igualdade. A medida é um dado real e preciso, aferido através de um método científico, comprovado e aceito pela ciência, tais como o metro, o litro, o peso ou a quantidade de algo. Como a raça não pode ser medida, utilizar-se-á a denominação critério como forma de aferição metodológica de diferenciação.

O critério utilizado no caso das cotas raciais é a raça ou cor da pele que define se ele tem ou não o direito de entrar em uma faculdade pública ou emprego público através de alguma diferenciação que lhe dá vantagem competitiva em relação a outro candidato de cor diversa.

Neste ponto, vê-se que a utilização do critério raça ou cor da pele fracassa como medida de comparação para favorecer as pessoas da raça negra ou indígena ou da cor negra ou parda. Isto se dá porque, conforme já demonstrado, não existem raças diferentes dentro da espécie chamada Homo sapiens. Raça, portanto, é um conceito cultural, produto da imaginação humana, sem valor científico e a cor da pele serve, apenas, para distinguir fenotipicamente um europeu de um africano ou asiático, mas quando se procuram diferenças raciais entre os genes dessas pessoas, que impliquem uma diferenciação, nada é encontrado.

A cor da pele ou o tipo de cabelo não definem tipos de raças diversas dentro da espécie denominada Homo sapiens, muito menos caráter ou qualquer outra característica física ou psicológica. A cor da pele e dos olhos, por exemplo, é definida pela concentração de melanina, bem como por fatores genéticos. O formato dos olhos, do nariz, boca e estrutura facial dependem de um número muito restrito de genes e representam adaptações morfológicas superficiais ao meio ambiente, sendo, assim, decorrentes da seleção natural.

Estudos publicados por Pena (2005) sobre a ancestralidade do brasileiro - com base nos critérios de autoclassificação do censo de 2000 do IBGE, no qual foi apontado que a população brasileira era composta de 53,4% de brancos, 6,1% de pretos e 38,9% de pardos -, após analisar amostras de DNA de 173 indivíduos da população de Queixadinha, localizada no município de Caraí, região nordeste de Minas Gerais, demonstraram que, naquela população pesquisada, "o alto índice de mistura faz com que características de aparência física como cor da pele, olhos, cabelos, formatos dos lábios e do nariz sejam pobres indicadores de origem geográfica dos ancestrais de um indivíduo em particular." Isto se deve ao fato de que o cálculo de IAA (Índice de Ancestralidade Africana) apresentou uma alta variabilidade estatística nas três categorias de cor, o que demonstra o alto grau de mistura entre pessoas descendentes de africanos e europeus.

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Os dados obtidos pelo estudo na população de Queixadinha se repetem no resto do Brasil, com algumas variações regionais, mas apontam as regiões do Nordeste e Sudeste como as de maior variação de IAA. Entretanto um dado interessante é que "o conjunto dos indivíduos classificados como pretos apresentou uma proporção de ancestralidade não-africana de 49%." (PENA, 2005, p.334).

Com esses estudos e afirmações, não se nega que no Brasil existe o preconceito e a discriminação social em decorrência da cor da pele, sendo que aqui, como nos EUA, "as pessoas com pele mais escura sofrem discriminação não apenas dos brancos, mas também de afro-descendentes com pele mais clara." (HARBURG et al, 1978, apud PENA, 2005, p. 337). O que se demonstra é que não há fundamento na divisão de pessoas com base em raças ou cor da pele como justificativa para a aplicação do sistema de cotas como forma de possibilitar e facilitar a ascensão social ou econômica de pessoas da cor negra, parda ou de origem indígena.

A utilização de raça ou da cor de pele como critério de diferenciação entre pessoas não é baseada em nenhum critério razoável ou científico. Conforme a Associação Americana de Antropologia, as diferenças entre os indivíduos, principalmente as sócio-econômicas, bem como as possibilidades e capacidades de os

"[...]seres humanos normais serem bem sucedidos e funcionarem dentro de qualquer cultura, concluímos que as desigualdades atuais entre os chamados grupos raciais não são consequências de sua herança biológica, mas produtos de circunstâncias sociais históricas e contemporâneas e de conjunturas econômicas, educacionais e políticas." (AAA, 1998).

Não há como se verificar que a criação de qualquer política de cotas raciais atende ao princípio da igualdade material, já que é amparada em critérios subjetivos, em uma situação falsa, inexistente, que é a existência de raças. O critério de cor também é um grande erro, pois ela não é indicativo de raça ou origem, assim como os conceitos de negro, branco e mestiço não significam a mesma coisa nos Estados Unidos, no Brasil, na África do Sul, na Inglaterra. Uma pessoa, no Brasil, que se considere morena, aos olhos de um terceiro poderá ser considerada branca, parda ou negra, conforme a concepção que o observador tenha da sua cor ou da de terceiros, bem como do grau de "morenisse". Como exemplo do erro, vide o exemplo supracitado dos gêmeos univitelinos Alan e Alex que prestaram vestibular pelo sistema de cotas da UnB e um deles foi rejeitado porque não foi considerado negro ou pardo, conforme os olhos do observador. Como definir, por exemplo, se reconhecidas beldades nacionais como as modelos Luiza Brunet, Daniela Sarahyba e as atrizes Juliana Paes, Cléo Pires e Juliana Knust, que são morenas de graus variados, podem ou não se beneficiar de um sistema de cotas com base na cor da pele, classificando-as como pardas ou brancas, sabendo-se que, no Brasil, muitas pessoas morenas se classificam como brancas? O famoso cantor e compositor Neguinho da Beija-Flor, por ter pele negra, poderia se beneficiar da política de cotas para entrar em uma universidade pública? Como isso seria possível se, conforme divulgado na Revista Veja, a sua ancestralidade genética é composta de genes originalmente europeus (67,1%), africanos (31,5%) e ameríndios (1,4%)?

Conforme Ávila (2008a, p.45), "o essencial é que, sem uma diferença real, concretamente existente, a diferenciação normativa é arbitrária."

2.2.3 – Elemento indicativo do critério de comparação

Além da medida ou critério de comparação, faz-se necessária a existência de um elemento indicativo da medida de comparação, devendo haver uma "congruência não só entre ele e a medida de comparação, como entre a medida de comparação e a finalidade que justifica sua utilização." (ÁVILA, 2008a, p.48). Só existe uma relação fundada entre tais elementos quando houver uma correlação estatisticamente fundada entre ambas, por isso, a Constituição Federal de 1988 veda a utilização de medidas de comparação como o sexo, a cor ou a raça. Como exemplo, Ávila (2008a, p.48) traz o caso da distinção legal entre pilotos de avião, com a finalidade de garantir a segurança de passageiros nos voos, baseando-se na qualidade dos reflexos e na sua visão (medida de comparação), aferida pela idade (elemento indicativo): pilotos de mais de 65 anos não podem pilotar.

No caso das cotas raciais, os elementos indicativos são os dados do IBGE mostrando a enorme desigualdade no grau de instrução e formação acadêmica existente entre as pessoas de cor branca, negra e parda. De acordo com a pesquisa do Instituto denominada Síntese de Indicadores Sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira – 2008, em 1997, conforme a pesquisa informa, 2,2% das pessoas pardas ou pretas possuíam curso superior completo, enquanto o percentual entre os brancos era de 9,6%. Em 2007, o percentual de pessoas com nível superior completo subiu para 4,0% entre os pretos ou pardos e 13,4% entre os brancos. A grande diferença entre o percentual de pessoas da cor branca que têm nível superior completo e as de cor preta ou parda justificaria a implementação de medidas que facilitam a entrada destes últimos em universidades públicas.

Porém, o grande e real motivo do número inferior de pessoas negras ou pardas com nível superior em relação às pessoas de cor branca é a baixa escolaridade daqueles indivíduos e o alto grau de analfabetismo, que dificultam a sua progressão social. A equação é simples, embora perversa. O baixo nível de escolaridade dificulta a ascensão sócio-econômica que, por sua vez, restringe o acesso dos pobres (negros, índios, pardos, amarelos ou brancos) às boas escolas, mantendo o grau de escolaridade dessas populações abaixo do nível aceitável de educação mínima. Muitos negros, índios, pardos e brancos vivem nessa situação porque são, na sua maioria, pobres, frequentaram as piores escolas que possuem ensino mais deficiente. "Sem estudo, não há trabalho, não há emprego, não há bons salários." (KAMEL, 2006, p. 77).

A prova do que foi afirmado é a conclusão do relatório da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais, do IBGE (2007). O relatório diz expressamente que:

"Em números absolutos, em 2007, dos pouco mais de 14 milhões de analfabetos brasileiros, quase 9 milhões são pretos e pardos, demonstrando que para este setor da população a situação continua muito grave. Em termos relativos, a taxa de analfabetismo da população branca é de 6,1% para as pessoas de 15 anos ou mais de idade, sendo que estas mesmas taxas para pretos e pardos superam 14%, ou seja, mais que o dobro que a de brancos." (IBGE, 2007, p.211)

Ao invés de investir no ensino público de boa qualidade e voltar esforços para dar escolas a todas as pessoas menos favorecidas economicamente, quer sejam brancos, pardos, índios, amarelos ou negros, o governo parece procurar colocar a culpa nos brancos, tirando de si a responsabilidade pela sua incapacidade de elaborar políticas públicas de qualidade que resultem em efetiva inclusão social das classes mais pobres.

A mesma pesquisa aponta que a média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais de idade continua a apresentar uma vantagem em torno de 2 anos para brancos, com 8,1 anos de estudo, em relação a pretos e pardos, com 6,3 anos de estudo. O maior percentual de analfabetos entre os negros e pardos, bem como a menor média de anos na escola refletem nos ganhos salariais e nas diferenças dos rendimentos médios percebidos por pretos e pardos em relação aos dos brancos, apresentando-se sempre menores (em torno de 50%). O mais incrível é que o IBGE não enxerga esses números como consequência do baixo nível de escolaridades dessas populações, mas sim, como resultado do racismo. Leia o que diz o relatório da pesquisa Síntese:

As informações, contudo, mostram também como as diferenças de rendimentos não são apenas explicadas pelas desvantagens de escolaridade da população de cor ou raça preta e parda, quando considerados os rendimentos-hora de acordo com grupos de anos de estudo: em todos eles, sem exceção, os brancos aparecem favorecidos. (IBGE, 2007, p. 212)

A conclusão do IBGE não tem fundamento. Não há nada na pesquisa que permita dizer que os negros ou pardos ganham menos porque o Brasil é racista ou porque os empregadores são racistas. A pesquisa não mostra que um engenheiro ou metalúrgico de cor branca ganha mais que um negro ou pardo na mesma função, exclusivamente em decorrência da cor da pele. O que mostra é que há mais pretos e pardos ganhando menos que os brancos porque aqueles têm um nível de escolaridade menor que estes. O que a pesquisa deveria mostrar é se, nas empresas, havendo pessoas de cores diferentes mas de mesma escolaridade executando as mesmas funções ou exercendo o mesmo cargo, existem diferenças salariais. Aí sim, poder-se-ia constatar uma diferença salarial calcada no racismo.

Em uma empresa na qual existem dois trabalhadores, um branco e outro negro, o simples fato de cursar uma faculdade, não garante a um engenheiro de pele negra, mas que tenha estudado em colégios ruins e possua uma educação inferior, melhor salário que o de um engenheiro branco (e vice-versa), pois aquele que houver estudado nas melhores escolas, terá, teoricamente, frise-se, maiores vantagens competitivas, podendo alcançar promoções e progressões na carreira que farão o seu salário ser maior, tudo em virtude de sua qualificação pessoal e esforço, independente da cor da pele.

Fosse, efetivamente, a cor da pele o motivo pelo qual negros ou pardos ganham menos neste país, não haveria como explicar o fato de que os orientais (de raça amarela) evoluíram de forma significativa na pirâmide social brasileira desde que vieram para o Brasil no início do século XX, para substituírem os escravos nas lavouras paulistas de café e também trabalharam, muitas vezes, em condições análogas às de escravos.

Diante de todos os dados, argumentos e fatos apresentados, não há como justificar que a criação de cotas em universidades públicas para estudantes negros, pardos ou índios seja o caminho para resolver a desigualdade entre eles e os brancos mais favorecidos, pois o problema está no investimento e na qualidade da educação oferecida aos pobres – que, coincidentemente e em sua maioria, são negros ou pardos - que por frequentarem as piores escolas, têm os piores empregos e os piores rendimentos.

É de se concordar com a opinião de Kamel (2006) de que, embora exista racismo no Brasil, o preconceito que mais está presente no país é contra os pobres, que ele chama de "classismo". Ele cita como exemplo o clássico caso do negro que dirige um carro de luxo e é confundido com o motorista, sendo maltratado por isso. Ele é mais vítima do "classismo" do que de racismo propriamente dito, porque "uma vez desfeito o mal entendido, um tapete vermelho se estende para a vítima. Em outros países, o negro, mesmo rico, continuaria a ser discriminado, dirigindo um Fusca ou um Mercedes. Isso não torna o ‘classismo’ menos odioso que o racismo." (KAMEL, 2006, p.101). (Grifos nossos).

2.2.4 – Finalidade da diferenciação

As finalidades que são utilizadas como parâmetro para a escolha das medidas de comparação são somente as previstas na Constituição.

Não é apenas entre a medida de comparação e o seu elemento indicativo que deve haver uma relação fundada e conjugada. Isso "também se aplica à relação entre a medida de comparação e a finalidade que justifica sua utilização." (ÁVILA, 2008a, p. 54). Em resumo, entre a medida de comparação e a finalidade deve existir uma relação de causa e efeito.

Embora a finalidade da política de cotas seja aumentar a inclusão social de parcelas da população tidas como discriminadas, excluídas ou marginalizadas, ocorrem inconstitucionalidades latentes no modo como esses objetivos serão atingidos. Não há inconstitucionalidade no fim – a inclusão social de parcelas da população consideradas discriminadas e menos favorecidas - mas sim, na forma de como essa inclusão de dá: pela criação de cotas raciais, qualificando as pessoas por raças ou cor, ato contrário ao inciso XLII do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, que veda expressamente a diferenciação em virtude de raça.

2.1.3 – Como o chamado "Estatuto da Igualdade Racial" viola o Princípio da Igualdade

Em 13 de maio de 1996, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, foi lançado o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). Dentre as diversas ações mais do que pertinentes para combater o racismo, o programa trabalhava com uma noção de uma nação brasileira bicolor. Como parte do PNDH, foi lançado no Congresso Nacional o Estatuto da Igualdade Racial, de autoria do senador Paulo Paim (PT/RS). O objetivo declarado do estatuto é estabelecer critérios para o combate à discriminação racial de cidadãos afro-brasileiros. O estatuto na sua forma atual é um documento que aborda os seguintes temas: acesso à Justiça, criação de ouvidorias, funcionamento dos meios de comunicação, sistema de cotas raciais, mercado de trabalho, direitos dos quilombolas, direitos da mulher afro-brasileira, incentivos financeiros, religião, cultura, esporte e lazer.

A leitura de alguns dispositivos do projeto faz qualquer um pensar que se trata de alguma lei da África do Sul nos tempos do apartheid, pois traz algumas determinações e classificações típicas do regime racista Procura estabelecer uma diferenciação estanque entre brancos e negros que, ao invés de promover a igualdade e a integração patrocina a desigualdade, a desintegração que, por sua vez, acabam por incentivar o ódio racial através de mecanismos de favorecimento injustificáveis. O estatuto parte do pressuposto de que existem raças, coisa já rejeitada pela ciência, conforme amplamente demonstrado neste trabalho e abre espaço para uma divisão do país em uma nação bicolor, desconhecendo-se a formação do povo brasileiro, que, é composto de imigrantes de europeus, africanos, árabes, amarelos e aborígenes.

Mais do que políticas compensatórias de caráter transitório, o estatuto promove uma alteração radical nas bases universalistas da Constituição brasileira, uma vez que esse documento legal concebe a "raça" como figura jurídica de direitos a ser contemplada por políticas públicas. Uma intervenção legal dessa natureza deve supor, em primeiro lugar, a existência de uma sociedade na qual os indivíduos se autoidentifiquem através do pertencimento racial.

O estatuto expressa o seguinte raciocínio: desde a escravidão a sociedade brasileira se dividiu em "raças". A "raça branca" dominante, através de discriminação racial sistemática e da omissão do Estado, produziu a exclusão de outra "raça" - os "afro-descendentes" - das oportunidades econômicas, sociais, políticas e culturais. Para que se corrija tal situação, cabe ao Estado, através das suas estruturas jurídicas e institucionais, intervir em todos os níveis da sociedade, a fim de garantir justiça e igualdade racial para a "raça" excluída. Para que seja eficaz a ação do Estado, é necessário delimitar rigidamente as fronteiras raciais, a fim de beneficiar aqueles que de fato seriam os merecedores da reparação ou da justiça racial. Por esse raciocínio, o estatuto torna obrigatória a autoclassificação racial de cada brasileiro em todos os documentos de identificação.

Diante de tudo o que foi aqui exposto, um Brasil dividido em "raças" promoveria justiça para todos os excluídos das oportunidades econômicas, políticas, sociais e culturais? Seria a promoção da "raça" o melhor modo de combater o racismo e seus efeitos? E o mais importante: diante de duas pessoas em condições sociais, econômicas, culturais e educacionais consideradas menos favorecidas (ou excluídas, como alguns preferem), sendo uma delas branca e outra negra, como um "afro-brasileiro" pobre poderia convencer seu vizinho "branco" pobre de que este é culpado pela situação de pobreza em que ambos se encontram? Como o "afro-brasileiro" explicaria ao branco ou amarelo pobre, que ele, por ser negro, tem benefícios concedidos pelo Estado que os outros, em virtude da cor de sua pele, não têm? Está criado, oficialmente, o apartheid brasileiro.

O estatuto contém algumas disposições flagrantemente inconstitucionais. Dentre elas, destacam-se as seguintes :

a)A cor ou raça dos brasileiros deverá aparecer obrigatoriamente em todos os documentos utilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os quesitos cor e raça deverão obrigatoriamente aparecer em todos os registros administrativos direcionados aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público.

b)O Ministério da Educação fica autorizado a fazer o mesmo em todo instrumento de coleta de dados do censo escolar, para todos os níveis de ensino.

c)As certidões de nascimento devem conter a cor do bebê. Comentário: como definir a cor do bebê no nascimento, se é sabido que depois de alguns dias ele tem a coloração da pele alterada em virtude de fatores externos, como a maior exposição aos raios solares ou maior oxigenação do sangue após o parto. E se um pai declarar que o filho é negro, mas quando este crescer achar que é branco, pois pode ter a pele mais clara e se dizer "moreno claro"?

d)Partindo do conceito de que existem "doenças de negro", o estatuto determina que o Estado deverá incentivar a pesquisa sobre doenças prevalentes na população afro-brasileita. Comentário: embora se entitule um "estatuto da igualdade racial", ele não faz menção a "doenças de branco", que também deveriam ter suas pesquisas para tratamento e cura incentivadas, supondo-se que tais doenças existam, pois, como já se demonstrou, não há genes de doenças exclusivos desta ou daquela pessoa de determinada cor, como no caso da anemia falciforme. Pode ocorrer que determinadas moléstias atinjam com mais frequência certas pessoas de determinados grupos ou sociedades segregadas, mas isso porque há menos mistura entre as populações, não havendo nenhuma relação com a cor do indivíduo.

e)A disciplina "História Geral da África e do Negro no Brasil" obrigatoriamente fará parte do currículo do ensino fundamental e médio, público e privado. Comentário: a História é uma ciência única, cabendo às escolas ensinarem aos seus alunos os tópicos mais importantes da história da evolução da humanidade e do Brasil, coisa já feita quando se estuda a escravidão, item obrigatório em todos os livros de História do Brasil.

f)O estatuto determina a realização de campanhas para a prevenir a anemia falciforme e tratamento especial para os portadores da doença. Comentário: a anemia falciforme não é uma doença exclusiva das populações negras. Os tratamentos preventivos e educativos devem ser feitos com o objetivo de atender a toda a população, independente da cor. Haverá tratamento especial, exclusivo ou diferenciado para quem é da cor preta ou parda, excluindo-se os brancos?

g)O governo deverá garantir cotas mínimas para cidadãos afro-brasileiros em programas de crédito estudantil e no preenchimento de vagas em universidades públicas.

h)As empresas e organizações (nacionais e internacionais) que tiverem relações comerciais ou que se beneficiem do setor público deverão obrigatoriamente adotar programas de promoção de igualdade racial (contratar ou dar vantagens a afro-brasileiros). O preenchimento de cargos importantes na administração pública observará a meta inicial de 20% de afro-brasileiros, que será ampliada gradativamente até lograr a correspondência com a estrutura da distribuição racial nacional ou estadual. Comentário: afastam-se o mérito e a competência pessoal como critérios de obtenção de emprego ou de modelo de concorrência empresarial, estimulando o rancor e a cizânia entre grupos ou pessoas que se sintam preteridas ou prejudicadas.

i)O §3º, do art. 19 do estatuto prevê a autorização para que os tradicionais mestres de capoeira, devidamente reconhecidos como tal, atuem como instrutores desta arte-esporte nas instituições de ensino públicas e privadas. Comentário: não há menção no estatuto se os brancos também poderão dar aula de capoeira ou se será exclusividade dos mestres "afro-brasileiros".

j)Permissão para que os praticantes das religiões "africanas e afro-indígenas" ausentem-se do trabalho para a realização de obrigações litúrgicas próprias de suas religiões, "podendo" tais ausências serem compensadas posteriormente. Comentário: sendo o Brasil um país laico, qualquer incentivo à prática de uma religião ou apoio formal do estado a uma religião em detrimento de outra, com benefícios fiscais ou de outra natureza, configura inconstitucionalidade. No caso, se houver autorização para que determinados praticantes de religiões de origem africana possam se ausentar do trabalho, o mesmo benefício deve ser concedido aos demais membros das outras religiões. Por que privilegiar apenas os umbandistas e frequentadores de terreiros e não beneficiar também os budistas, evangélicos, hinduístas ou islâmicos, que têm de orar ao menos cinco vezes ao dia? E aqueles que não professam religião alguma? Eles não teriam o direito de sair do trabalho, pois sendo ateus, somente se se declarassem praticantes de alguma religião beneficiada pelo favor oficial poderiam ser dispensados do seu labor. É o Estado obrigando o indivíduo a possuir uma fé. Tal medida, além de causar problemas entre patrões e empregados, causaria discordia e desavenças entre os trabalhadores.

Todos essas aberrações constam do projeto de lei denominado Estatuto da Igualdade Racial que, ao invés de promover a igualdade almejada, na verdade, promove a discórdia, a cizânia e o ódio racial, utilizando-se de conceitos como raça e cor da pele como fatores de diferenciação entre os seres humanos, algo que a ciência já estabeleceu como inexistente.

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Sobre o autor
Élvio Gusmão Santos

Procurador Federal, Pós-graduado em Direito Tributário pelo IEC-PUCMINAS de Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Élvio Gusmão. Igualdade e raça.: O erro da política de cotas raciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2041, 1 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12281. Acesso em: 23 dez. 2024.

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