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Aspectos constitucionais controvertidos do procedimento sumaríssimo trabalhista

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I - Introdução

A Lei n. 9.957, de 12.1.2000, acrescentando à Consolidação das Leis do Trabalho os seguintes artigos e parágrafos: 852-A a 852-I, 895, § 1º e § 2º, 896, § 6º, 897-A, instituiu o procedimento sumaríssimo trabalhista.

Inicialmente, a mencionada Lei, ao lado da Lei n. 9.958, de 12.1.2000, a qual disciplina as Comissões de Conciliação Prévia e a execução de título extrajudicial na Justiça do Trabalho, criaram um certo alvoroço entre os operadores do Direito.

Muito se discute sobre algumas controvérsias que envolvem as novas Leis, sem, contudo, encontrarmos um consenso na doutrina ou mesmo na jurisprudência, nacional ou estrangeira, para a sua interpretação e aplicação.

Em nosso estudo, limitaremos a apontar e a tecer algumas considerações sobre as questões polêmicas do procedimento sumaríssimo no âmbito constitucional.

Confrontando o texto da Lei n. 9.957/2000 com a Constituição Federal, encontramos cinco pontos que merecem a nossa atenção: a) a utilização do salário mínimo como critério de fixação do procedimento; b) exclusão das demandas em que é parte a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional; c) vedação de citação por edital; d) manifestação imediata da parte; e) acórdão consistente em certidão de julgamento.


II - Utilização do salário mínimo como critério de fixação do procedimento

A Lei n. 9.957/2000 apresenta como critério de enquadramento do litígio individual trabalhista ao procedimento sumaríssimo o valor da causa não excedente a quarenta salários mínimos (art. 852-A, caput, CLT).

O próprio Código de Processo Civil, ao tratar do procedimento sumário (art. 275, I), e a Lei n. 9.099/95, em seu art. 3º, inciso I, adotam o salário mínimo como parâmetro de fixação do procedimento.

Com o novo procedimento trabalhista, muitos têm defendido a inconstitucionalidade da utilização do salário mínimo como referência, face a vedação Constitucional expressa de vinculação do salário mínimo para qualquer fim (art. 7º, IV).

Cremos, contudo, que a restrição constitucional de vinculação do salário mínimo diz respeito à sua utilização como indexador de obrigações monetárias nos contratos de prestações sucessivas. O que inevitavelmente teria repercussão sobre a economia do país, com efeito inflacionário.

Portanto, a norma constitucional não atinge a legislação processual cível e trabalhista.

Analisando questão de mesma ordem e acolhendo esse fundamento, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu não ser inconstitucional a fixação do valor de alçada com base no salário mínimo - Lei n. 5.584/70 (Precedente n. 11, SDI, convertido no Enunciado n. 356).


III - Exclusão da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional

Estão excluídos do procedimento sumaríssimo os dissídios individuais em que a parte é a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional (art. 852-A, parágrafo único, CLT).

Encontramos na legislação processual outras situações em que verificamos certas distinções entre o particular e a Administração Pública, como no caso de prazo em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art. 188, Código de Processo Civil).

O Dec-lei n. 779/69, aplicável ao processo trabalhista, possui dispositivo processual semelhante ao previsto no art. 188, da legislação processual civil.

Aparentemente, como argumentam alguns, o texto legal não estaria em sintonia com o princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput).

Parece-nos, porém, equivocado tal entendimento.

O princípio constitucional da isonomia parte da seguinte premissa: dar tratamento isonômico às partes significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de sua desigualdade.

A igualdade perante o juiz decorre, pois, da igualdade perante a lei, como garantia constitucional indissoluvelmente ligada à democracia.

O princípio da igualdade jurisdicional ou perante o juiz apresenta-se, portanto, sob dois primas: 1) como interdição ao juiz de fazer distinção entre situações iguais, ao aplicar a lei; 2) como interdição ao legislador de editar leis que possibilitem tratamento desigual a situações iguais ou tratamento igual a situações desiguais por parte da Justiça.(1)

A postulação entre particulares é muito distinta do questionamento judicial perante a Administração Pública. A distinção encontra justificativa nos direitos defendidos pela Fazenda. Não são direitos da Administração, mas de toda uma coletividade.

Assim, quem litiga com a Fazenda Pública ou com o Ministério Público não está enfrentado um outro particular, mas sim o próprio povo, razão bastante para o legislador beneficiar aquelas duas entidades com prazos especiais, atendendo ao princípio da igualdade real das partes no processo. (2)


IV - Vedação de citação por edital

Pretendendo manter a celeridade idealizada ao procedimento sumaríssimo trabalhista, o legislador acabou por não admitir a citação por edital (art. 852-B, II, CLT).

Aqui, entendemos que a possível inconstitucionalidade do art. 852-B, II, com violação ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV), depende da interpretação dada ao caput do art. 852-A.

Se pensarmos que a adoção do procedimento sumaríssimo é uma faculdade da parte, em não conseguindo a citação por outros meios, o Juízo, a requerimento da parte ou mesmo ex officio, pode converter o procedimento para o ordinário, deixando de existir o óbice legal para a realização da citação por edital.

A restrição da citação por edital, se manteria no procedimento sumaríssimo.

Poucos, no entanto, defendem ser o procedimento sumaríssimo facultativo, entre os quais encontramos o prof. Francisco Ferreira Jorge Neto. (3)

Por outro lado, considerando o procedimento sumaríssimo como de caráter obrigatório aos litígios individuais que não excedam a quarenta salários mínimos, o art. 852-B, II, inegavelmente, padece de vício de inconstitucionalidade por restringir, ainda que indiretamente, o direito de ação.


V - Manifestação imediata da parte

A audiência no procedimento sumário será única (art. 852-C, CLT), devendo a parte se manifestar imediatamente sobre todos os documentos apresentados pela parte ex adversa, sem interrupção da audiência, salvo absoluta impossibilidade, a critério do Juiz (art. 852-H, §1º).

A Lei n. 9.957/2000 ainda determina a solução, de plano, de todos os incidentes e exceções que possam prejudicar o prosseguimento da audiência (art. 852-G).

Contudo, não menciona quais seriam as situações atípicas e, muito menos, qual seria o prazo para a parte se manifestar sobre os documentos apresentados no caso de interrupção da audiência. Limita-se apenas a fixar o prazo máximo de trinta dias para a solução do processo, salvo motivos de caráter relevante (art. 852-H, § 7º).

Defendendo a inconstitucionalidade do parágrafo primeiro do art. 852-H, o prof. Manoel Antonio Teixeira Filho(4) leciona: a manifestação imediata acerca de documentos é algo que fere o princípio constitucional da bilateralidade, do contraditório, que têm sede constitucional (Const. Federal, art. 5º, inciso LV). Em rigor, esses princípios se enastram com o da ampla defesa, que também está previsto no mesmo dispositivo da Constituição Federal. Para que essas garantias constitucionais do indivíduo sejam efetivamente asseguradas, não basta que se permita à parte manifestar-se sobre os documentos juntados pelo adversário, e sim que disponha de prazo razoável para fazê-lo.

Com todo o respeito e admiração que merece o ilustre professor, ousamos discordar desse posicionamento.

Para nós, não há descompasso entre o texto legal e os preceitos constitucionais, pois a nova lei deixa a critério do magistrado a possibilidade de interrupção da audiência, de maneira a conceder prazo para que a parte se manifeste sobre os documentos apresentados. Também não descarta que, ao tempo da manifestação, a parte possa apresentar documentos para serem contrapostos aos já constantes do processo.

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Na aplicação da lei ao caso concreto, sem dúvida, será indispensável a utilização do princípio da razoabilidade por parte do magistrado trabalhista.

Em algumas situação rotineiras, encontraremos violação do princípio constitucional do contraditório, mas não pela lei, em nosso modo de ver, mas sim pelo ato arbitrário de alguns Juízes que deixarão de conceder à parte prazo razoável para que tenha oportunidade de se manifestar de forma adequada.

Evidentemente que, em muitas situações, a subsunção da norma ao caso real não é uma questão de solução fácil e, infelizmente, está sujeita a injustiças.


VI - Certidão de julgamento como acórdão

A reclamação sujeita ao procedimento sumaríssimo terá acórdão consistente unicamente na certidão de julgamento, com a indicação suficiente do processo e parte dispositiva, e das razões de decidir do voto prevalente. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a certidão de julgamento, registrando tal circunstância, servirá de acórdão (art. 895, § 1º, IV, CLT).

Neste artigo da Lei, encontramos duas situações: a) o acórdão como certidão de julgamento, mas com a indicação do processo, da parte dispositiva e das razões de decidir do voto prevalente; b) a certidão de julgamento confirmatória da sentença que servirá de acórdão.

Não verificamos implicações jurídicas na primeira hipótese. Porém, o mesmo já não ocorre com a outra.

Entendemos que a segunda parte do artigo mencionado esbarra no princípio constitucional da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX), até porque a substituição do acórdão pela certidão de julgamento poderá criar obstáculos à interposição de Recurso de Revista.

Acrescente-se que a decisão sem um dos seus requisitos - relatório, fundamentação e dispositivo - é nula (art. 458, CPC, art. 832, CLT).

Nesta esteira, alicerçando suas lições em uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, esclarecem Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery(5). De acordo com o comando preconizado no CPC 458, a decisão judicial de mérito pode ser concisa, mas não desmotivada, eis que o fundamento da sentença é a garantia do juiz contra duas pechas que se lhe possam atribuir: o arbítrio e a parcialidade. Carece de fundamentação adequada o aresto que, ao invés de discutir e dirimir as questões fáticas e jurídicas ajustadas pelas partes, limita-se a fazer remissão a um parecer jurídico, o qual não se detém na apreciação e desate dos argumentos de uma das partes (a recorrente). In casu, o acórdão recorrido, em leitura isolada do parecer, torna-se de impossível compreensão, comprometendo o preceito do CPC 458. Recurso provido para anular a decisão recorrida (STJ, 1ª T., Resp. 15288-SP, rel. Min. Demócrito Reinaldo, v.u., j. 10.2.1993, DJU 15.3.1993, p. 3784).


VII - Conclusão

Feitas essas ponderações sobre as discussões de constitucionalidade dos cincos pontos apontados como de maior relevância no procedimento sumaríssimo trabalhista, entendemos que somente a vedação de citação por edital (art. 852-B, II, CLT), considerando o procedimento sumaríssimo como de caráter obrigatório, e a substituição do acórdão pela certidão de julgamento (art. 895, § 1º, IV) padecem de vício de inconstitucionalidade.


Notas

  1. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 9ª edição, 1992, p. 199.
  2. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1999, p. 48.
  3. JORGE NETO, Francisco Ferreira. Breves Enfoques sobre o Procedimento Sumaríssimo. In: LTr - Suplemento Trabalhista 034/00, p. 181.
  4. TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O Procedimento Sumaríssimo no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000, p. 97.
  5. NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1997, p. 666.

Bibliografia

BEBBER, Júlio César. Princípios do Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997.

JORGE NETO, Francisco Ferreira. Breves Enfoques sobre o Procedimento Sumaríssimo. In: LTr - Suplemento Trabalhista 034/2000.

MAIOR, Luiz Souto. O Procedimento Sumaríssimo Trabalhista. Comissões de Conciliação Prévia. In: LTr - Suplemento Trabalhista, 033/2000.

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários à CLT. São Paulo: Atlas, 3ª edição, 2000.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Breves Observações sobre o Procedimento Sumaríssimo. In: LTr - Suplemento Trabalhista 026/2000.

NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1997.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 5ª edição, 1999.

PINTO, Teresa Arruda Alvim. Nulidades da Sentença. 16. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª edição, 1993.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 9ª edição, 1992.

SÜSSEKIND, Arnaldo et allii. Instituições de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 18ª edição, 1999.

TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O Procedimento Sumaríssimo no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2000.

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Sobre o autor
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante

advogado, professor de Direito da Faculdade Mackenzie, ex-procurador chefe do Município de Mauá, mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Jouberto Quadros Pessoa. Aspectos constitucionais controvertidos do procedimento sumaríssimo trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 44, 1 ago. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1231. Acesso em: 22 nov. 2024.

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