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A licitude da exigência de exame de gravidez na dispensa sem justa causa

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17/02/2009 às 00:00
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Muitos empregadores, na tentativa de proteger a sua propriedade, requisitam a suas trabalhadoras o exame para comprovação gravídica no ato da demissão, sendo este considerado por alguns como uma invasão à intimidade dessas empregadas.

Sumário: Introdução. 1. As fases históricas do trabalho do mulher. 1.1. A fase proibitiva. 1.2. A fase protetora. 1.2.1. As primeiras leis. 1.3. A fase promocional. 2. Os poderes do empregador e os direitos e deveres das s partes 2. 1. Os poderes do empregador. 2.1.1. Poder diretivo. 2.1.2. Poder regulamentar. 2.1.3. Poder fiscalizatório. 2.1.4. Poder disciplinar. 2.2. Os deveres e direitos do empregado. 2.2.1. Conceito e requisitos da figura "empregado". 2.2.2. Os deveres do empregado. 2.2.3. Deveres do empregador. 2.2.4. Direitos do empregado. 2.2.4.1. Direito à integridade física. 2.2.4.2. Direito à integridade intelectual. 2.2.4.3. Direito à integridade moral. 2.2.4.3.1. Assédio moral 3. Direito da intimidade. 3.1. Direito à intimidade ou direito à vida privada?. 3.2. Limites. 3.3. Direito à intimidade x poder do empregador. 4. A possibilidade de exigência de exame de gravidez na dispensa imotivada. 4.1. A discriminação do trabalho da mulher. 4.1.1. O conceito de discriminação e outros aspectos. 4.1.2. Normas internacionais. 4.1.2.1. A organização internacional do trabalho. 4.1.2.2. A declaração universal dos direitos humanos . 4.1.2.3. A convenção para eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. 4.1.3. Momento da discriminação. 4.1.4. Formas de discriminação. 4.2. A lei nº 9. 02. 9/95. E suas especificidades relacionadas à à mulher. 4.2.1. O caráter penal do artigo 2º. 4.3. A estabilidade da trabalhadora gestante. 4.4. Licença à maternidade. 4.5. Exame médico. 4.5.1. O exame de gravidez. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

A nossa atual Constituição Federal, datada de 1988, no inciso X do artigo 5º, protege todo cidadão, brasileiro ou estrangeiro, da ingerência de outras pessoas em sua vida íntima ao dispor que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Em conseqüência, caso tais direitos não sejam observados, será assegurada indenização por danos materiais ou morais.

O respeito à intimidade de qualquer cidadão deve ser observado tanto pelo Estado como pelos particulares. Neste último caso temos a relação laboral. Assim, desde o surgimento da relação empregatícia, com as entrevistas, exames admissionais, até o seu fim, as partes devem observar esse limite imposto pela nossa Magna Carta.

Ocorre que muitos empregadores, na tentativa de proteger a sua propriedade, requisitam a suas trabalhadoras o exame para comprovação gravídica no ato da demissão, sendo este considerado por alguns como uma invasão à intimidade dessas empregadas.

Sob a égide do poder diretivo o empregador impõe suas ordens ao empregado podendo vigiá-lo, controlá-lo e fiscalizá-lo. Assim, o empregado tem o dever de obedecer as ordens que lhes são repassadas, com exceção daquelas de caráter ilícito.

A Lei nº 9.029 de 13 de abril de 1995, estabelece em seu artigo 2º, inciso I, que constitui crime a prática discriminatória da exigência de exames, dentre muitos o de gravidez, quando do acesso da relação de emprego ou mesmo para sua manutenção. Ocorre que esta não faz menção alguma quando da dispensa. Mesmo diante dessa omissão, alguns autores ampliam este momento para também caracterizarem como crime a exigência desse tipo de exame no ato resilitório. Fato este incompatível com a norma penal, tendo em vista a inadmissibilidade de interpretação ampliativa.

Diante da colisão do poder de direção do empregador e o direito de intimidade da empregada buscaremos esclarecer sobre a licitude da exigência de exame de gravidez na dispensa sem justa causa.

Frente ao exposto, entendemos ser importante o estudo em tese, tendo em vista que hodiernamente é comum que as empregadas, cientes do seu estado gravídico, só informem ao seu patrão sobre este fato após a extinção do contrato de trabalho, ou seja, o empregador é surpreendido por uma ação trabalhista, cuja causa de pedir seria uma gravidez que ao tempo da demissão era desconhecida pelo mesmo.

Para tanto, partiremos de uma pesquisa exploratória e bibliográfica, demonstrando a evolução do trabalho das mulheres no Brasil, suas leis e direitos adquiridos, com o intuito de encontrar uma solução para o nosso problema a partir de normas jurídicas já existentes.


1 AS FASES HISTÓRICAS DO TRABALHO DA MULHER

Importante para traçarmos o melhor caminho a ser percorrido para a solução do nosso problema é a análise histórica das três fases em que se divide o Direito do Trabalho da Mulher no Brasil, quais sejam: a fase proibitiva, a fase protetora e a fase promocional (CALIL, 2000, p. 12 e p. 13).

1.1. A FASE PROIBITIVA

Esta fase começa, cronologicamente, com a implantação da República e vai até pouco antes da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CALIL, 2000, p. 30).

Calil (2007, p. 19 e p. 20) explana sobre a divisão das funções pertencentes às diversas raças femininas. Às mulheres brancas, no período colonial, vindas de Portugal para acompanhar seus pais ou maridos, e mesmo as órfãs enviadas ao Brasil, então colônia, para que o povoassem, era permitido apenas o papel de esposas. A elas cabiam as atividades domésticas compreendidas em educar os filhos, costurar, bordar, cozinhar ou mesmo, para aquelas mais abastadas, mandar que alguém o fizesse.

Às mulheres negras, à época escravas, cabia o trabalho nas roças, mas também exerciam, a grande minoria, o papel de tecelãs, amas-de-leite, cozinheiras, costureiras, enfim, todo o serviço que lhes fossem ordenado. Até mesmo na era do Ciclo do Ouro, a mão-de-obra das mulheres negras foi bastante utilizada. Mawe (apud, CALIL, 2007, p. 20) narra que "os trabalhos mais penosos na extração do ouro são executados pelos negros e os mais fáceis pelas negras. Os primeiros tiram o cascalho do fundo do poço, as mulheres o carregam em gamelas, para ser lavado."

A mão-de-obra indígena feminina também foi utilizada, mesmo que de forma bem reduzida se comparada a das negras, tendo em vista que era proibida a escravização dos nativos por Portugal.

No século XIX, a nossa Constituição de 1824 excluía a mulher do rol de muitos direitos, entre eles o de votar. A grande maioria era analfabeta, sendo esta uma das características pela qual não se admitia a participação da mulher na vida pública, restando-lhe apenas o trabalho doméstico.

Telles (apud, CALIL, 2000, p. 19) relatou sobre essa privação:

Excluídas de uma efetiva participação na sociedade, da possibilidade de ocuparem cargos públicos, de assegurarem dignamente sua própria sobrevivência e até mesmo impedidas do acesso à educação superior, as mulheres do séc. XIX ficavam trancadas, fechadas dentro de casa ou sobrados, mocambos e senzalas, construídos por pai, maridos, senhores.

Conforme Calil (2000, p. 21) foi neste período que a história legislativa do direito do trabalho no Brasil teve maior destaque com a promulgação das Leis do Ventre Livre, que declarava livres os filhos de escravos nascidos a partir de 28 de setembro de 1871; do Sexagenário, que dava, em 1885, liberdade aos maiores de sessenta e cinco anos; e Áurea, Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, que declarou extinta a escravidão no Brasil.

Assim, com o fim da escravidão, várias vagas de trabalho foram criadas, especialmente na agricultura, onde grande parte das forças de trabalho até então utilizadas era a dos escravos.

Para suprir tal carência de trabalhadores promoveu-se a imigração de europeus para que, primeiramente, substituíssem a mão-de-obra escrava nas lavouras. Ocorre que diante das precárias condições de trabalho, muitos deles abandonaram o trabalho nas fazendas, a custo de muita luta, e foram para a cidade.

Com a proclamação da República em 1889 promovida pela elite, classe dominada por um pensamento liberal, a industrialização brasileira seguiu a idéia de um Estado mínimo, onde ao Estado caberia atuar apenas nas funções que lhes são próprias, não intervindo, assim, na vida íntima dos seus cidadãos. Calil (2000, p. 23) esclarece que, qualquer lei de cunho protecionista ao trabalho seria uma ingerência indesejável do Estado no princípio maior que era a absoluta liberdade do homem.

Com isso, os trabalhadores se viram a margem de qualquer legislação protetiva, o que possibilitou aos empregadores ditarem as regras da relação de trabalho. Foram inúmeras as situações degradantes a que os trabalhadores foram compelidos a aceitarem, como salários baixíssimos e jornadas de trabalho sobre-humanas.

Diante da industrialização das fábricas, gerando a crescente desnecessidade de emprego de força física, a contratação de mão-de-obra feminina e de menores foi bastante vantajosa para os empregadores, pois por serem considerados "meia força", podiam ser remunerados com valores bem menores aos pagos aos homens maiores de idade.

Para agravar a situação das mulheres que precisavam trabalhar, a elite dominante identificava o seu modelo familiar, aquele em que os homens trabalhavam para prover o sustendo de sua família e às mulheres cabiam os afazeres do lar, como o certo, fazendo com que essas trabalhadoras fossem ainda mais discriminadas, só que agora perante a "sociedade".

Sobre o tema:

As mulheres pobres que necessitavam trabalhar para seu sustento eram vítimas de um duplo preconceito: porque trabalhavam – quando seu lugar, segundo os ditames da elite, seria em casa, cuidando dos filhos e esperando o marido – e porque eram mulheres – e seu trabalho valia menos. (CALIL, 2000, p. 26).

Percebemos que nesta fase não havia propriamente uma proibição legal para que a mulher ingressasse na vida laboral. A dificuldade em aceitar essa nova realidade partia de uma pequena parcela da sociedade que continuava a acreditar que a mulher era sinônimo de fragilidade e que seu trabalho deveria restringir-se apenas ao doméstico e ao seu papel principal de mãe e esposa.

1.2. A FASE PROTETORA

Esta fase teve início com a promulgação do Decreto nº 5.452, em 1º de maio de 1943, que deu origem a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (CALIL, 2000, p. 30).

Uma boa parte das mulheres se viu obrigada, diante das crises que o Brasil atravessou a partir dessa época, a sair do interior do seu lar para poder ajudar a complementar a renda. Isso ocorreu principalmente nas famílias de classe média, que para não perderem as poucas regalias que tinham, passaram a contar com uma complementação orçamentária trazidas por elas.

Diante do aumento dessa mão-de-obra e de suas crescentes reivindicações muitas normas foram criadas para regulamentar o trabalho feminino. Normas estas de cunho protecionistas em relação a sua saúde física, mental e, porque não, moral. Artigos que proibiam a realização de horas extraordinárias sem que houvesse atestado médico que a autorizasse, limite de peso para os trabalhos que exigiam emprego de força muscular, vedação de trabalho noturno, dentre outros, acabaram contribuindo para que o empregador, diante agora da normatização desses direitos e para que não fosse compelido a atender essas exigências legais, optasse por contratar mais homens, quando não o fazia na sua totalidade.

A maioria das leis era esparsas e diziam respeito a uma categoria própria de trabalhadores. Determinadas funções empregatícias não tinham uma legislação específica. A CLT veio ordenar essas leis esparsas fazendo com que a norma jurídica agora fosse empregada a todos os trabalhadores.

Quanto as normas específicas do trabalho da mulher, não houve novidade. As leis existentes neste sentido foram apenas reunidas na CLT sob o título "Da proteção do trabalho da mulher".

Percebemos neste período que o legislador teve uma maior preocupação em proteger a mulher como figura provedora do ser humano, o que acabou criando um grande ônus para a contratação de uma figura feminina. Não que todas essas normas protecionistas fossem desnecessárias, mas configurou-se menos oneroso empregar um homem a uma mulher.

1.2.1.As primeiras leis

O projeto do Código de Trabalho resultante de vários outros projetos foi objeto de várias críticas em 1917, principalmente na parte alusiva ao trabalho da mulher.

O citado projeto estabelecia, conforme Süssekind (et al, 2005, p. 979) que a mulher poderia, independentemente de autorização do marido, firmar contrato de emprego, proibição de trabalho noturno, licença de 15 a 25 dias antes do parto até 25 dias depois, com garantia de retorno ao emprego e percepção de um terço do seu salário no primeiro período de afastamento e metade no segundo, jornada de trabalho não excedente a 8 horas.

Muitos são os relatos de deputados e representantes da sociedade que demonstraram ser contra a aprovação desses direitos às mulheres. O "Jornal do Comércio", de 10/09/1917, sobre o abrigo à operária-mãe posicionou-se:

A lei, neste caso, deve ser de mero amparo à mulher e não uma lei que torne a gravidez rendosa e cômoda profissão, fazendo o patrão, como o holandês, pagar mal ou o bem que não fez! Se a lei for votada com esses exageros os patrões serão naturalmente obrigados a tomar as suas precauções, e logo que tenham a menor suspeita evitarão os serviços da futura mãe. É, certamente, o meio mais seguro de ensinar ao nosso operariado os processos de artificialmente diminuir a natalidade. (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 979/980).

A obrigatoriedade de cadeiras para as mulheres nos estabelecimentos onde prestavam serviço foi chamada por Afrânio Peixoto de "cômoda disposição", como descreve Süssekind (et al, 2005, p. 980).

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Percebemos o quão duras foram as críticas diante da possibilidade real da normatização de certos direitos relativos a trabalhadora.

A primeira lei de caráter protecionista à mulher trabalhadora foi a Lei estadual nº 1.596, de 29 de dezembro de 1917, em São Paulo. Esta lei proibia o trabalho da mulher em estabelecimentos industriais no último mês de gestação e no primeiro puerpério. (CALIL, 2000, p. 30).

Na esfera federal foi o Decreto nº 16.300 de 21 de dezembro de 1923 que facultou às empregadas o direito de descanso 30 dias antes e mais 30 dias após o parto. (CALIL, 2000, p. 30).

Barros (2007, p. 1056) aponta sob o título "Primeiras leis sobre o trabalho da mulher no Brasil", o Decreto nº 21.417-A, de 1932. Este assegurava às mulheres um descanso de quatro semanas antes e quatro semanas após o parto, podendo ser aumentado em duas semanas cada um em casos excepcionais, comprovados por atestado médico.

Nota-se que o principal motivo para a elaboração de uma norma específica para a mulher foi baseado na proteção à gravidez e à maternidade, considerados fatores biológicos determinantes para tal diferença de tratamento.

Igual tratamento foi dispensado às mulheres na convenção nº 3 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, que trata da licença remunerada antes e após o parto e dos períodos de intervalo para amamentação.

1.3. A FASE PROMOCIONAL

Esta fase, que perdura até hoje, iniciou-se com a promulgação da nossa atual Constituição Federal datada de 05 de outubro de 1988.

Esta implantou, conforme consta no seu preâmbulo e no artigo 5º, a igualdade dos cidadãos brasileiros, mais especificadamente entre homens e mulheres neste último. É claro que mesmo com a consagração desta igualdade, esclarece Novais (2005, p.80) que a Constituição aceitou diferenças de tratamento nos casos em que há uma manifesta desigualdade, como na maternidade; quando proibiu diferença de salário, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo; na proteção ao mercado de trabalho da mulher.

A partir deste período, muitos direitos que antes foram utilizados com o escopo de proteger a mulher, e acabaram por fazer o contrário, foram suprimidos. Em linhas gerais, o trabalho noturno, anteriormente proibido às mulheres, foi revogado, exceção encontrada na Convenção nº 171 da Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto Legislativo nº 270 de 2002, bem como aqueles realizados em condições insalubres, perigosas e penosas.

Neste sentido

...a revogação das leis tutelares que excluíram a mulher do trabalho noturno, em condições insalubres, perigosas e penosas (nas minerações em subsolo, nas pedreiras e obras da construção pública ou particular) poderá favorecê-las no mercado de trabalho, ampliando-lhes as oportunidades de emprego e profissão. É que se não bastassem os preconceitos sociais, a mulher enfrentava também os obstáculos legais. (BARROS, 2006, p. 1045).

Com esta transição, várias proibições sem comprovação relacionadas ao modo, tipo, local e horário do trabalho da mulher foram banidas das nossas normas nacionais, ocasionando a eliminação de vários encargos trabalhistas suportados pelo empregador pertinentes a sua contratação. Isto foi essencial para a inserção e permanência da mulher nos postos de trabalho, contribuindo para um significativo aumento de vagas destinadas ao sexo feminino.

Mais do que isso, a partir deste período houve mesmo que tímida, embora crescente com o passar dos anos, uma significativa equiparação legislativa entre homens e mulheres. Na prática, essa discriminação vem extinguindo-se paulatinamente, tendo em vista que não são necessárias apenas mudanças legislativas pois a cultura de um povo pode, muitas vezes, ser o grande responsável pela estagnação de sua evolução.

Pudemos observar que a aceitação do trabalho da mulher passou por diversas fases, tanto no campo normativo quanto na sua aceitação social.

A sua evolução foi ocasionada pela constante mudança econômica que nosso país sofreu e fortemente influenciada pela cultura de outros países.

Os primeiros passos já foram dados: muitas leis foram criadas buscando regular o trabalho feminino, e o comportamento social vem mudando a cada dia, fazendo com que as tradições culturais, que reforçavam esta discriminação, fossem apenas referências embrionárias para que pudéssemos evoluir e chegar ao estágio em que estamos. Não que este seja o último degrau de nossos objetivos, mas certamente é considerado um marco significativo da conquista feminina sobre seus direitos trabalhistas.


2. OS PODERES DO EMPREGADOR E OS DIREITOS E DEVERES DAS PARTES

2.1 OS PODERES DO EMPREGADOR

O artigo 2º da CLT esclarece que cabe ao empregador dirigir a prestação pessoal do serviço, ou seja, é o empregador que detém o poder – aqui usado em sentido amplo – na relação com o seu empregado. Será através dele que o empregador comandará e punirá o seu trabalhador.

Muitos utilizavam a expressão poder hierárquico para denominar tal poder, o que lhe concedia um certo ar autoritário. Delgado (2006, p. 630) esclarece que, por razões práticas, a expressão poder intra-empresarial ou poder empregatício seria a mais acertada. Adotaremos neste trabalho a expressão poder empregatício.

O poder empregatício se fraciona em vários outros poderes específicos como o diretivo, o regulamentar, o fiscalizatório, o disciplinar, que ajudarão o empregador na administração do seu funcionário.

2.1.1 Poder diretivo

O poder diretivo é aquele em que o empregador tem a prerrogativa de decidir, ditar as regras que o seu empregado deve seguir no exercício das suas funções, dentro ou mesmo fora da empresa. Normas muitas vezes organizativas, tendo em vista que cabe ao dono da empresa o dever de orientar, ditar normas, para se chegar ao fim destinado, o desenvolvimento da empresa.

Estamos usando a expressão "empresa" em consonância com a CLT. Discutirmos esse vocábulo certamente ensejaria um novo trabalho.

"O fundamento legal do poder de direção é encontrado no art. 2º da CLT, na definição de empregador, pois este é quem dirige as atividades do empregado." (MARTINS, 2006, P. 191).

O titular do poder diretivo, ou poder organizativo, ou poder de comando (DELGADO, 2006, p. 631) é o empregador ou o seu preposto, sendo que este último deve agir até o limite do poder que lhe foi delegado. Caso ultrapasse este limite, o empregado poderá recusar-se a cumprir as ordens que lhe são repassadas, tendo em vista que elas extrapolam sua alçada.

Mesmo aquelas ordens, emanadas por uma pessoa legitimada a fazê-las, sendo ilícitas, ou se lícitas, mas fora do contexto do serviço a ser realizado, o empregado não está obrigado a cumprí-las, pois lhe é assegurado o jus resistentiae, ou seja, "...o dever do empregado vai até onde vai o contrato. Seria atentatória da liberdade humana a obediência fora dos limites traçados pela destinação econômica da prestação de trabalho." (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 248).

Neste sentido

...não estão os empregados obrigados a acatar ordens sobre aspectos alheios à relação de emprego e sem qualquer repercussão sobre ela. Isso porque, em regra, a vida privada do empregado, seus costumes, amizades, idéias, orientação sexual e opiniões estão fora do campo de incidência do poder diretivo do empregador [...] o que se deduz do artigo 5º, inciso X, da Constituição de 1988, quando considera invioláveis a intimidade e a vida privada das pessoas [...] Nessas situações, justifica-se a desobediência extralaboral. (BARROS, 2006, P. 557).

Porém, a vida privada do empregado não é absoluta, principalmente quando esbarra no direito de propriedade do empregador. Este tópico será estudado com mais detalhes em capítulo próprio.

O poder diretivo compreende três funções: as decisões executivas, que são atos meramente constitutivos; a de instrução, pela qual o trabalhador deve observar as recomendações e ordens que lhes são repassadas, e a função de controle, usada para fiscalizar as atividades profissionais dos seus empregados, sendo a mais conhecida delas a revista. (BARROS, 2006, p. 558).

2.1.2 Poder regulamentar

O poder regulamentar, ao contrário do que poderíamos imaginar, não tem o escopo de criar normas jurídicas. A atribuição que é outorgada ao empregador é aquela destinada a instituir normas meramente contratuais, escritas ou verbais, às quais o seu futuro empregado, devidamente cientificado da existência das mesmas, deverá cumprir.

Estas normas podem ser fixadas por ambas as partes, empregador e empregado, ou apenas pelo empregado. É quando ocorre unilateralmente que podemos identificar mais nitidamente a utilização do poder diretivo.

Será através deste código de normas internas que o empregador poderá estabelecer a forma como serão realizadas as funções atinentes a cada empregado, a técnica utilizada, dentre outros.

Delgado (2007, p. 635) sintetiza dizendo que "a atividade regulamentar seria simples meio de concretização externa das intenções e metas diretivas colocadas no âmbito do estabelecimento e da empresa."

A implantação destes regulamentos deve obedecer a certos critérios: o seu conteúdo não pode entrar em conflito com as leis (normas jurídicas gerais), pois na clássica pirâmide hierárquica, estas se posicionam no topo, enquanto aquelas situam-se na base; não pode contrariar as normas coletivas da categoria, exceto se o regulamento estabelecer normas mais favoráveis. (MARTINS, 2006, p. 202).

Assim, nesta linha, a CLT estabelece no seu artigo 444 que:

"Art. 444. As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha as disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.

Pudemos observar que o poder regulamentar visa, também, concretizar o poder diretivo. Ele será um dos meios mais eficazes do empregador colocar em prática, amparado pelas diretrizes por ele, na maioria das vezes, ditadas, a linha administrativa que adotou."

2.1.3 Poder fiscalizatório

O poder fiscalizatório, também conhecido como poder de controle, é "o conjunto de prerrogativas dirigidas a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno". (DELGADO, 2007, p. 636).

Utilizando-se deste poder o empregador poderá vigiar, fiscalizar seu empregado quando da realização do seu serviço. Ocorre que este poder não é absoluto.

A nossa atual Constituição em vários artigos dá o caminho dessa ressalva:

Art. 1º A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos:

[…]

III – a dignidade da pessoa humana

[...]

Art. 5º Todos são iguais perante a lei [...]

[...]

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

O empregador, quando no gozo desse seu direito de controlar os "passos" do seu empregado no seu estabelecimento, durante o horário do trabalho, deve tomar muito cuidado para que esse controle não seja exercido de forma abusiva, sendo mesmo vedado ao empregador utilizar dos meios de controle, como câmeras ocultas, microfones, em locais reservados à intimidade do empregado como banheiro e vestiário.

Sérgio Pinto Martins finaliza dizendo que a "proteção ao direito da intimidade não pode ser fundamento para a prática de atos ilícitos ou imorais."

2.1.4 Poder disciplinar

O poder disciplinar "é o conjunto de prerrogativas concentradas no empregador dirigidas a propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais." (DELGADO, 2007, p. 638).

Ao empregado que infringir as normas que lhes são repassadas ou mesmo tomar certas atitudes repreensíveis, a ele poderá ser aplicada determinadas sanções, penalidades estas que variam de simples advertências verbais à demissão.

Neste poder também, o empregador deverá ter o cuidado de não aplicar a punição em casos que elas não seriam necessárias. Do contrário, esta atitude pode ensejar excesso ou abuso de poder, fato este passível de ser controlado pelo Judiciário.

As sanções disciplinares devem ser aplicadas, a contar da ciência pelo empregador, imediatamente após consecução da ação ou omissão que lhe deu origem. Dessa forma, diante da

...finalidade das sanções disciplinares, que é a de restabelecer o equilíbrio na execução do trabalho, permitindo a consecução dos fins a que se destina a empresa, uma das condições de sua aplicação é a imediatidade. Falta não punida presume-se perdoada. (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 248, grifo do autor).

O direito do trabalho adota o mesmo princípio do direito penal segundo o qual, não há pena sem prévia cominação legal (parte final do artigo 1º do citado diploma). Para tanto, tentou tipificar todas as ações e/ou omissões que poderiam corresponder a uma prática passível de punição.

Ocorre que esta tipificação não foi tão detalhada quanto no direito penal, cabendo muitas vezes ao aplicador da penalidade adequá-la a figura mais próxima. Certamente que este sistema dá margem a centenas de ações trabalhistas envolvendo a classificação desta conduta.

2.2 OS DEVERES DAS PARTES E OS DIREITOS DO EMPREGADO

2.2.1 Conceito e requisitos da figura "empregado"

O conceito de empregado está descrito no artigo 3º da CLT, qual seja, "considera-se empregado toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário".

A partir desta definição encontramos cinco requisitos aos quais, sem que haja a presença de qualquer um deles, não estará caracterizada a figura do empregado.

Como primeiro requisito temos que para ser empregado deve ser pessoa física. Se o serviço é efetuado por pessoa jurídica, caberá ao direito civil a regularização desses direitos. (MARTINS, 2006, p. 131).

O serviço prestado deve ser contínuo. Não precisa que seja diário, mas tem que ter uma certa habitualidade.

Diante da prestação de serviço ao empregador, o empregado deverá ser remunerado. Não há que se falar em relação empregado-empregador quando alguém executa um dado trabalho para outrem sem que seja remunerado por isso.

Dizemos, ainda, que o trabalho deve ser intuito personae porque o empregado não pode ser substituído por outra pessoa para a realização do seu serviço. Esta deve ser pessoal, não se fazendo substituir por nenhuma outra pessoa, o que descaracterizaria a relação empregatícia entre as figuras a priori acordadas.

Não menos importante mas expressivo para a conclusão do nosso trabalho é o requisito da subordinação, o qual a CLT usa o termo dependência. Martins (2006, p. 132) expõe que este vocábulo não é o mais correto e que a palavra subordinação é a mais aceita pela doutrina e jurisprudência.

"Subordinação é a obrigação que o empregado tem de cumprir as ordens determinadas pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho. É o objeto do contrato de trabalho." (MARTINS, 2006, p.132).

O empregado ao celebrar o contrato de trabalho deve, a partir daí, obediência ao empregador, devendo por conseqüência acatar as suas ordens, devido a subordinação que passa a existir daquele perante este.

A ausência de pelo menos um desses requisitos tornará inexistente a figura "empregado" e, conseqüentemente, "relação de emprego".

2.2.2 Os Deveres do empregado

A partir da celebração do contrato de trabalho surge para as partes deveres e obrigações às quais ambos devem cumprir.

Para o empregado a principal obrigação é a de desempenhar a função para a qual foi contratado. Como já dissemos, essa obrigação deve ser pessoal. Apenas quando o empregador acordar que o empregado seja substituído é que a prestação de trabalho poderá ser executada por outra pessoa. "Em tal hipótese, entre o empregador e o substituto estabelece-se um verdadeiro contrato de trabalho, embora de caráter transitório". (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 258).

Além dessa obrigação de prestar o serviço pessoalmente, o empregado deve desempenhar sua função com diligência, ou seja, deve ser cuidadoso e executar a tarefa para a qual foi contratado com zelo. Conduta contrária poderá ensejar dispensa por justa causa.

Como já dito, o empregado deve obediência às ordens emanadas pelo seu empregador, tendo em vista o poder diretivo deste último.

Evidentemente que nas ordens ilícitas e naquelas provindas de um sujeito não legitimado a fazê-las, o empregado poderá recusar-se a cumprí-las. No primeiro fato, o empregado não poderá usar da justificativa de que estava cumprindo ordens do seu empregador para se escusar de algo ilícito que tenha cometido, tendo em vista que é seu dever deixar de cumprir ordens desta natureza. No segundo, o empregado apenas deve obediência ao seu patrão, com exceção daquelas pessoas que por delegação do dono da empresa detêm este poder.

Bem como também não precisam ser cumpridas aquelas ordens, como elucida Barros (2007, p. 599/600) "...alusivas à vida privada do empregado, por versarem sobre aspectos alheios ao contrato de trabalho, sem qualquer reflexo sobre ele, em geral, [...] pois estão fora do âmbito do poder diretivo."

Outro dever do empregado é o de ser fiel. O dever de fidelidade revela-se tanto na ação, avisar ao empregador o mau funcionamento de uma máquina, por exemplo, como na omissão, não relatar os segredos atinentes à empresa.

2.2.3 Deveres do empregador

Em contrapartida, o principal dever do empregador é pagar o valor do salário acordado por ele e pelo empregado quando da celebração do contrato de trabalho.

Além disso, deve o empregador colocar à disposição do seu funcionário os meios necessários para que este possa realizar a sua função. Assim, deve fornecer o material adequado para a execução do serviço e para a proteção do empregado, o local apropriado e dentro das normas estatuídas pela própria CLT, dentre outros. "E acima de tudo, tem o empregador a obrigação de respeitar a personalidade moral do empregado na sua dignidade absoluta de pessoa humana." (SÜSSEKIND et al, 2005, p. 259).

2.2.4 Direitos do empregado

Os direitos dos empregados estão inseridos em diversos ordenamentos, tanto nacionais, como exemplos, a atual Constituição da República, a CLT, quanto internacionais, como as convenções da OIT, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens.

Conforme Barros (2007, p. 611), baseando-se na tradição do Direito Romano, são reconhecidos ao indivíduo os direitos pessoais, os direitos obrigacionais e os direitos reais.

Diante da constante evolução do pensamento jurídico, o direito da personalidade veio agregar-se àqueles direitos, aumentando ainda mais o rol desses bens a serem protegidos.

Para Santa Maria, citado por Simón (2000, p. 62) "...direitos da personalidade são aqueles atinentes à realização de determinados atributos inatos ao indivíduo, configurando-se como bens jurídicos, reconhecidos e regulamentados pelo ordenamento jurídico."

Ainda não houve um consenso na doutrina quanto as características destes direitos. Adotaremos neste trabalho aquelas apontadas por De Cupis, citado por Simón (2000, p. 64) quais sejam: 1- intransmissibilidade: impossibilidade de mudança do sujeito; 2- indisponibilidade: mesmo que o titular deseje, impossível a mudança do sujeito; 3- possibilidade de consentimento: mesmo que o titular consente na lesão, o direito não estará se extinguindo; 4- irrenunciabilidade: impossibilidade de eliminação pelo seu titular; 5- insusceptibilidade de execução forçada: por serem intransmissíveis, logo não poderão ser executados, e 6- imprescritibilidade: nem o tempo provocará sua extinção.

Ao passo que representam direitos dos trabalhadores, cabe aos empregadores o dever de protegê-los.

França (apud, Barros, 2007, p. 612) classifica os direitos da personalidade como o direito à integridade física, o direito à integridade intelectual e o direito à integridade moral.

2.2.4.1 Direito à integridade física

O primeiro desses direitos da personalidade é o respeito à vida humana. Sem a proteção deste direito, base de todos os demais, resguardar os outros não teria sentido.

Moraes (2006, p. 31) relata que cabe ao Estado assegurar o direito à vida "...em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência."

No campo laboral implicaria punição ao empregador que permite aos seus empregados realizarem funções sem os equipamentos necessários para protegê-los. Cabe àqueles zelarem pela segurança de seus empregados.

A CLT relaciona no capítulo V intitulado "DA SEGURANÇA E DA MEDICINA DO TRABALHO, sobre esta questão. Fornece as instruções quanto a precaução que estes devem ter no local de trabalho, em especial para evitar acidentes e doenças ocupacionais.

2.2.4.2 Direito à integridade intelectual

A criação do ser humano deve também ser garantida e protegida pelo empregador. Esta abrange "...o Direito autoral e o Direito de Propriedade Intelectual, entre outros. O objetivo da tutela é a conservação da obra pelos criadores." (BARROS, 2007, p. 614).

Protegendo as criações tanto autorais quanto intelectuais, o empregador estará incentivando constantemente a criatividade dos seus empregados, e obterá em contrapartida uma melhora na execução do serviço ou mesmo na solução de problemas.

2.2.4.3 Direito à integridade moral

Permitir ou mesmo ser o sujeito ativo da não observância do direito à integridade moral é ferir a honra ou mesmo invadir a intimidade do seu empregado.

Tobeñas (apud, Barros, 2007, p. 624) distingue o aspecto objetivo e o subjetivo da honra. Para o autor, o "...primeiro consiste na valoração de nossa personalidade feita pelos membros da sociedade; é a boa reputação que compreende a estima política, profissional, artística, comercial, literária, e de outros âmbitos de respeitabilidade."

Já a honra subjetiva, continua o autor, "...é o sentimento de dignidade pela própria pessoa. É a auto-estima. [...] compreende o conjunto de valores morais, como retidão, probidade, e lealdade, comuns às pessoas, em geral, e que o indivíduo atribui a si mesmo."

Ferir a honra de uma pessoa implica em tornar pública, repassar a outras pessoas uma informação falsa sobre aquela. O empregador recai neste tipo quando afirma que tal funcionário é burro, ou ainda, que ele tem uma amante, sendo este na verdade fiel a sua esposa.

O remédio cabível para este tipo de lesão será a compensação por danos morais, podendo ser efetivada pelo ressarcimento econômico ou, dependendo dos casos, pelo simples direito de resposta.

Contudo, neste último caso, a própria constituição estabelece como requisito para exercer o direito de resposta "...a proporcionalidade, ou seja, o desagravo deverá ter o mesmo destaque, a mesma duração (no caso de rádio e televisão), o mesmo tamanho (no caso de imprensa escrita) que a notícia que gerou a relação conflituosa." (MORAES, 2006, p. 46).

2.2.4.3.1 Assédio moral

O assédio moral é uma figura relativamente nova do direito do trabalho, pelo menos em relação ao uso desse termo, já que as ações que o compõem são observadas desde o surgimento das relações de trabalho.

Conforme noticiado no site do TST, não há no nosso ordenamento jurídico nacional uma lei sobre esse tema. Já no âmbito estadual, como é o caso do Rio de janeiro, a lei nº 3.921 do ano de 2002 foi a primeira a abordar o assunto ao dispor que é proibido

o exercício de qualquer ato, atitude ou postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado que implique em violação da dignidade desse ou sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes e degradantes.

Assim, diante da ausência de uma legislação de alcance nacional, a ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, do TST, de acordo com o informativo desse mesmo tribunal, discorrendo sobre o tema observa que

a teoria do assédio moral se baseia no direito à dignidade humana, fundamento da República Federativa do Brasil, como prevê o artigo 1º, inciso III, da Constituição. É possível citar também o direito à saúde, mais especificamente à saúde mental, abrangida na proteção conferida pelo artigo 6º, e o direito à honra, previsto no artigo 5º, inciso X, também da Constituição.

Hirigoyen (2005, p. 17) conceitua o assédio moral como "qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima do trabalho."

Portanto, para que seja caracterizado o assédio moral a ação do assediador deve ser constante e que não tenha acontecido apenas uma ou duas vezes. Este deve ainda estar consciente da sua conduta, visando desestabilizar emocionalmente o assediado.

Hirigoyen (2005, p. 111) identifica quatro tipos de assédio moral: o vertical descendente, o horizontal, o misto e o ascendente.

O assédio moral vertical descendente ocorre quando a violência psicológica é praticada pelo superior hierárquico. Ainda,

é sempre difícil distinguir as atitudes abusivas das prerrogativas da hierarquia. A própria noção de subordinação remete a uma relação de desigualdade, de que alguns administradores poucos seguros de si ou embevecidos pelo poder são capazes de se aproveitar, abusando e sentindo um certo prazer em submeter o outro. (HIRIGOYEN, 2005, p. 113).

Já o assédio horizontal é aquele em que a intenção de ferir psicologicamente uma outra pessoa vem do próprio colega. É mais comum de ocorrer quando duas pessoas disputam o mesmo cargo dentro da empresa em que trabalham.

O assédio misto caracteriza-se pela continuidade do assédio horizontal, ou melhor, após a omissão do superior hierárquico em nada fazer em relação ao assédio horizontal, o chefe torna-se cúmplice do assediador. Aqui observamos que deve ser, de certa forma, longa a duração da ação do primeiro assediador para que o responsável em punir este ato venha a ficar sabendo e não promova nenhuma repreensão ou mesmo punição.

Por último temos o tipo assédio ascendente. Este acontece quando a ação ou mesmo omissão vem dos subordinados para com o seu superior. A autora subdivide esta figura ainda em outras duas: a falsa alegação de assédio sexual, onde "o objetivo é atentar contra a reputação de uma pessoa e desqualificá-la definitivamente" (HIRIGOYEN, 2005, p. 116), e através de reações coletivas do grupo, caracterizando-se pela "cumplicidade de todo um grupo para se livrar de um superior hierárquico que lhe foi imposto e que não é aceito." (HIRIGOYEN, 2005, p. 116).

Como conseqüência do assédio moral temos a vergonha e a humilhação, sendo uma em decorrência da outra. Estas são verificadas quando o assediado não tem coragem de se defender das humilhações que vem sofrendo. Este esconde, quando não é pública, a ofensa por não saber ou mesmo ter vergonha de reagir.

O ofendido entra em uma profunda crise psíquica, ficando desmotivado para ir ao trabalho e até mesmo continuar vivendo.

Conforme levantamento feito por Hirigoyen (2005, p. 95), na França, o assédio moral ocorre predominantemente em pessoas acima dos 50 anos, por serem considerados menos produtivas e não suficientemente adaptáveis.

As mulheres são as que mais sofrem com o assédio, sendo vítimas em 70% dos casos. (HIRIGOYEN 2005, p. 99).

O processo em que o resultado é favorável ao empregado provoca três tipos de reparação, conforme informativo do TST:

a primeira é a rescisão indireta do contrato de trabalho, hipótese semelhante à justa causa, só que em favor do empregado, que se demite mas mantém o direito ao recebimento de todas as verbas rescisórias, como se tivesse sido demitido sem motivação. Outra é a indenização por danos morais, que, na esfera trabalhista, visa à proteção da dignidade do trabalhador. A terceira é a indenização por danos materiais, nos casos em que os prejuízos psicológicos causados ao trabalhador sejam graves a ponto de gerar gastos com remédios e tratamentos.

O processo pioneiro em relação ao assédio moral no Brasil é originário do TRT da 17ª região. Conforme registra o acórdão do recurso ordinário nº 1315.2000.00.17.00.1, relatado pela juíza Sônia das Dores Dionízio, e descrito no informativo do TST:

A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que minam a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho e, por conseqüência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado.

Todos nós somos vítimas e assediadores em potencial. É preciso que o governo tome medidas urgentes para punir o problema, tendo em vista que a questão envolve a saúde física e mental do assediado. O melhor seria a prevenção.

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Sobre a autora
Harleizy Forte Pimentel

Escrevente Juramentada do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Bacharel em direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos, campus de Barbacena (MG). Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTEL, Harleizy Forte. A licitude da exigência de exame de gravidez na dispensa sem justa causa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2057, 17 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12346. Acesso em: 28 mar. 2024.

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