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A possibilidade do casamento espírita com efeitos civis

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4.Conclusão

Tendo em vista o posicionamento adotado neste artigo, pode-se perceber a real possibilidade de haver uma cerimônia de casamento na religião espírita e esta vir a ter o seu efeito civil de acordo com o próprio ordenamento jurídico em vigor.

Inferiu-se que os princípios da liberdade religiosa, em conjunto com o princípio da isonomia, proporcionam, explicitamente, a possibilidade do casamento espírita. Não é razoável pensar em dignidade da pessoa humana se a pessoa não pode escolher a religião que mais se aproxime do seu "eu" e que, nesta sua escolha, ela não possa contrair matrimônio.

Acerca do entendimento do Espiritismo como religião, o professor Dalmo Dallari se posicionou no seu parecer que

(...) além de ser muito antigo no Brasil o reconhecimento social do espiritismo como religião, esse reconhecimento está formalmente expresso em documentos oficiais. Assim é que na tabela das religiões brasileiras usadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE no censo de 2002 constam quinze religiões e mais quatro grupos religiosos, sendo expressamente referida, entre as religiões do povo brasileiro, a "religião Espírita". Não há dúvida, portanto, de que no Brasil o espiritismo é reconhecido como uma das religiões tradicionais.

O Espiritismo é uma religião e deve ser respeitada assim como todas as outras. Pode vir a surgir a indagação: "será que todos os espíritas concordam com esse posicionamento?" A resposta é a mesma de outra pergunta: "Todos que escolhem a religião judaico-cristã contraem matrimônio na Igreja?" Não se está discutindo o posicionamento das pessoas referente a essa possibilidade ou não, mas se está discutindo o posicionamento jurídico do assunto. Se um católico quiser contrair matrimônio na Igreja, e tiver condições para isso, ele o faz; entretanto, ainda hoje, se um espírita quiser se casar no centro do qual participa, não há essa possibilidade conferida a ele. O que fazer, tentar casar na Igreja Católica? Ora, o Padre não tem a obrigação de casar aqueles que ele não conhece e muito menos que não faça parte da sua mesma comunhão. Em resumo, se o espírita não pode casar no seu centro, apenas tem a possibilidade do casamento civil para valer como de direito, o que, mais uma vez, fere o princípio da isonomia.

Como demonstrado, há dois precedentes legais que conferem a certidão civil de casamento religioso celebrado em centros espíritas, ambos do Tribunal de Justiça da Bahia; além do conferido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, conferindo a certidão a casamento realizada em umbanda.

O professor Dallari concluiu o seu parecer no mesmo posicionamento desse artigo, afirmando que o casamento realizado num Centro Espírita, perante a autoridade reconhecida pela comunidade, tem validade jurídica e se equipara ao casamento celebrado perante autoridade pública, devendo ser registrado no registro próprio. Além disso, reitera o professor, que a única exigência do Código Civil para essa validade é que tenham sido observados os requisitos legais para o casamento. Se tiverem sido observados esses requisitos e se o casamento tiver sido realizado perante a autoridade religiosa reconhecida pela comunidade respectiva, a recusa da autoridade cartorária a efetuar o registro não deve existir.

No começo deste artigo, referi-me a uma sociedade dinâmica. Não é mais razoável os juristas se embasarem em conceitos arcaicos e sem fundamento, em avaliar o seu julgamento sem conhecer a finalidade das religiões na vida de uma sociedade. É hora de se reverem os conceitos, adequá-los e passar a usá-los em benefício do bem comum, de uma sociedade justa e pacífica, fazendo valer a igualdade de direitos e de justiça social proposta por nossa Constituição Federal.


Fontes de Consulta

ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do estado. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1997.

GOMES, Orlando. Direito de Família. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2002.

HOUAISS, Antônio. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. 2. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Objetiva, 2004.

LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família: origem e evolução do casamento. Curitiba: Juruá, 1991.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 10. ed. São Paulo: Método. 2006.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 34. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1997.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, v. 5.

PUCCI, Pedro Henrique Holanda; OLIVEIRA, Renata Grangeiro de. Breve estudo sobre o instituto do casamento inexistente. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 790, 1 set. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7228>. Acesso em: 10 mar. 2007.

RAMOS, Cleidiana. Certidão civil que comprova união religiosa é garantida. In: A Tarde. 27 agosto 2006.

RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família: Lei nº 10.406, 10.01.2002. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de família. 23. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1998.

SILVA NETO, Manoel Jorge e. Curso de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris. 2006.

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VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas. 2003, v. 56.


Notas

  1. ENGELS, Friedrich. A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado.
  2. VENOSA, Silvio. Direito de Família. P. 37.
  3. LEITE, Eduardo de Oliveira. Tratado de direito de família: origem e evolução do casamento, p. 208
  4. BEVILÁQUA. Clóvis. Direito de Família. p. 34.
  5. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. p. 12.
  6. RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Direito de Família. p. 17.
  7. GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 55
  8. GOMES, Orlando. Direito de Família. p. 61.
  9. Nos dias de hoje, é nesse critério que aqueles que não concordam com o casamento espírita mais se apoiam para contrariá-lo.
  10. HOLANDA, Pedro Henrique Pucci, OLIVEIRA, Renata Grangeiro de. Breve estudo sobre o instituto do casamento inexistente.
  11. Sobre o casamento religioso com efeitos civis, Arnaldo Rizzardo pontua que: "Não se consolidou a alternativa do casamento religioso com efeitos civis certamente por nunca ter sido devidamente difundido, muito embora venha introduzido em nosso sistema jurídico desde 16 de janeiro de 1937, através da Lei nº 379, e tenha sido mantido nas Constituições Federais que advieram." (RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 93.)
  12. RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. p. 93
  13. Ademais, de acordo com o doutrinador Manoel Jorge da Silva e Neto, "... à liberdade (religiosa) não se admitirá a oposição de barreiras com lastro na idéia de bons costumes."
  14. SILVA, Manoel Jorge e Neto. Curso de Direito Constitucional. p. 498-499.
  15. Da mesma forma que a Desembargadora entende Caio Mário da Silva Pereira, no seu livro Instituições de Direito Civil, p. 42: "Válido o matrimônio oficiado por ministro de confissão religiosa reconhecida (católico, protestante, mulçumano, israelita). Não se admite, todavia, o que se realiza em terreiro de macumba, centros de baixo espiritismo, seitas umbandistas, ou outras formas de crendices populares, que não tragam a configuração de seita religiosa reconhecida como tal."
  16. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. P. 532.
  17. GOMES, Orlando, Direito de Família. p. 63.
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Sobre o autor
Dejair dos Anjos Santana Júnior

Professor na área de Direito Público. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Universidade Gama Filho. Mestrando em Direito Público pela UFBA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA JÚNIOR, Dejair Anjos. A possibilidade do casamento espírita com efeitos civis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2069, 1 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12395. Acesso em: 25 abr. 2024.

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