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Assédio moral nas instituições de ensino

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02/03/2009 às 00:00
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CAPÍTULO 7

Para Marie-France Hirigoyen [35], assédio moral no trabalho é definido "como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho".

Diz ainda que "qualquer que seja a definição adotada, o assédio moral é uma violência sub-reptícia, não assinalável, mas que, no entanto é destrutiva. Cada ataque tomado de forma isolada não é verdadeiramente grave; o efeito cumulativo dos microtraumatismos freqüentes e repetidos é que constitui a agressão".

Segundo a autora, "para o psiquiatra, interessam há muito tempo as conseqüências desse tipo de atitude maldosa sobre a saúde e a personalidade das vítimas. São poucas as outras agressões que causam distúrbios psicológicos tão graves a curto prazo e conseqüências a longo prazo tão desestruturantes".

Arildo Loper denomina o assédio moral no trabalho como o ilícito silencioso. [36]

Margarida Barreto, [37] nos mostra que:

em 1946 a Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece que "saúde é um completo bem –estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de distúrbios ou doenças". Em 1978, na Conferência Mundial de Saúde, a OMS reafirma internacionalmente esse conceito... No Brasil, os pesquisadores reconhecem a dificuldade para conceituar saúde e lembram que as definições contemporâneas deixam bastante claro que saúde não é um estado, mas um reflexo dinâmico da vida e da sociedade, tanto em nível individual quanto coletivo".

Margarida Barreto diz ainda que:

importa destacar que estar ou sentir-se adoecido pode fazer "despencar" o existir, colocando em nova ordem as emoções. O humilhado, ao sentir-se incapaz, inútil e imprestável, passa a "viver uma vida" contraída, tecida por sentimentos tristes e sofrimento. A vida sem sentido interdita a saúde, revelando o adoecer além do corpo, em "complexa interação entre os aspectos físicos, psicológicos, sociais e ambientais da condição humana..."... , em sua singularidade e particularidade.

Sentir-se humilhado é sentir-se inútil, incapaz, inferior, fracassado; um lixo, um ninguém, um zero. Este sentimento obstucaliza o "normal", impondo novos "modos de andar a vida" que transtornam sua existência, impedindo-o de responder plasticamente às exigências e às "infidelidades do meio". Essas são reflexões que vão de encontro à concepção de saúde como um processo biopsicossocial.

No pensamento espinosano, toda e qualquer situação, ou condição, que restringe e sufoca o ser, limitando a capacidade de criar, de ser livre, refletir e agir, afeta o ser humano como um todo, sendo necessário mobilizar intensamente o desejo ou o apetite para afastar o que o faz padecer.

Em Leviatã (1994), Hobbes assegura que há coisa que dão prazer, ajudam e fortificam, enquanto aquilo que é nocivo impede e perturba o movimento vital.

Eleonora Menicucci de Oliveira [38] no prefácio do livro "Uma Jornada de Humilhações" diz que Margarida Barreto desvendou a violência subjetiva e sutil que corrói as pessoas e lhes tira o sentido de sujeitos de direitos.

Henrique Carivaldo de Miranda Neto [39], escreve que "assediar é uma ‘operação’ ou conjunto de sinais que estabelece um cerco com a finalidade de exercer o domínio sobre o outro, demarcando o espaço de poder. Conhecido também como tortura psicológica ou psicoterror, envolve atos e comportamentos agressivos, na maioria das vezes, por parte de um superior hierárquico contra uma ou mais pessoas. Tem como objetivo desqualificar e desmoralizar profissionalmente seu subordinado, desestabilizando-o emocionalmente, tornando o ambiente de trabalho desagradável e hostil, para forçar a demissão. Pressupõe exposição – prolongada e repetitiva – a condições de trabalho que vão sendo degradadas ao longo da jornada em que predominam relações desumanas marcadas por manipulações e mentiras, contra um trabalhador ou, mais raramente, entre os próprios pares (Barreto, 2000)".

Jorge L. O. Silva [40] define "o assédio moral, conhecido como ‘a violência perversa e silenciosa do cotidiano’ ou psicoterror", dizendo que, "nada mais é do que a submissão do trabalhador a situações vexaminosas, constrangedoras e humilhantes, de maneira reiterada e prolongada, durante a jornada de trabalho ou mesmo fora dela, em razão das funções que exerce; determinando com tal prática um verdadeiro terror psicológico que resultará na degradação do ambiente de trabalho, na vulnerabilidade e desequilíbrio da vítima, estabelecendo sérios riscos à saúde física e psicológica do trabalhador e às estruturas da empresa e do Estado. Certo é que o assédio moral poderá se caracterizar em outras relações, que não as trabalhistas. Poderemos vislumbrar o assédio moral em relações familiares... educacionais... e outras que possibilitam uma certa dose de verticalidade entre seus integrantes".

Jorge L. O. Silva demonstra ainda que há algumas outras espécies de assédio moral. O Horizontal por aderência é um fenômeno que ocorre "porque algumas pessoas vislumbram, numa aderência ao assediador, a possibilidade de angariar pontos positivos no trabalho ou a oportunidade de ser ‘solidário’ ao chefe... Quando esta aderência é verificada, a rotina do assediado fica insuportável, sendo os danos, geralmente, de maior monta, tanto no que se refere ao caráter psíquico, quanto no que se refere ao contexto patrimonial". O horizontal propriamente dito, "consiste na prática do assédio moral diretamente por parte dos colegas de trabalho, sem que haja um impulsionador concreto por parte da chefia. Neste caso, a empresa passará a figurar como co-responsável pelos danos causados pelo assédio moral". A terceira espécie é o assédio moral ascendente, "onde o subordinado detém conhecimentos, relevantes, relacionados ao processo de trabalho e os utiliza como instrumento para protagonizar um sistema de terror psicológico, destinado a descompensar e desestabilizar a chefia".


CAPÍTULO 8

Os quadros relatados pelos mais diversos autores mostram um quadro patológico variando do cansaço, distúrbios do sono, enxaquecas, distúrbios digestivos, dores na coluna, baixo estima, insegurança, medo, pânico, dores generalizadas, depressão profunda a repentes de histerismos e violência podendo chegar ao suicídio.

Marie-France Hirigoyen [41] relata que "quando o assédio moral é recente existe ainda uma possibilidade de reação ou uma esperança de solução. Os sintomas são, no início parecidos como os do estresse, o que os médicos classificam de perturbações funcionais: cansaço, nervosismo, distúrbios do sono, enxaquecas, distúrbios digestivos, dores na coluna... é a auto defesa do organismo a uma hiperestimulação e a tentativa de a pessoa adaptar-se para enfrentar a situação. Contudo, ao estresse originado pelo assédio moral, acrescenta-se o sentimento de impotência, da humilhação e a idéia de que ‘isto não é normal!’. Nesse estágio a pessoa pode se recuperar rapidamente se for afastada do seu agente provocador ou se – fato bastante raro – lhe pedem desculpas. Ela então recuperará o equilíbrio, sem maiores conseqüências a longo prazo. Mas se o assédio moral se prolonga por mais tempo ou recrudesce, um estado depressivo mais forte pode se solidificar. Teremos um quadro de apatia, tristeza, complexo de culpa, obsessão e até desinteresse por seus próprios valores. Esse dado é importantíssimo para a valoração do dano moral".

"O desenvolvimento dos distúrbios psicossomáticos é impressionante e grave, e de evolução muito rápida. Acontece sob a forma de emagrecimentos intensos ou rápido aumento de peso, distúrbios digestivos (gastrites, colites, úlceras de estômago), distúrbio endocrinológicos (tireóide), hipertensão arterial, vertigens, doenças de pele etc.".

"O assédio moral pode provocar uma destruição da identidade e influenciar por muito tempo o temperamento da pessoa". As conseqüências são indeléveis, pois como ilustra um antigo provérbio chinês "Pode-se curar um ferimento causado pela espada, mas não um ferimento causado pela palavra."

Ainda Marie-France Hirigoyen [42] diz que "o assédio moral, como todo traumatismo violento ou como toda humilhação repetida, pode produzir uma violação do psiquismo e levar uma pessoa a delirar de maneira mais ou menos transitória.

É um processo singular, no qual a pessoa se transforma naquilo de que é acusada. É o resultado do poder das palavras as quais, por imposição transformam o outro".

Como mencionamos no início desse trabalho o assédio moral não é algo novo mas a sua inserção no mundo jurídico é recente, como constata Reginald Ferker [43], surgindo então "legislações, jurisprudência e doutrina de inúmeros Países do Mundo Civilizado".

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Jorge L. O. Silva [44] traz a tona que "determinados institutos se desenvolvem quando o seu conteúdo de proteção está em franca ameaça. Traz como exemplo a AIDS" mostrando que "somente quando seus efeitos avassaladores começaram a ameaçar a humanidade é que as pesquisas em busca de sua cura ganharam força".

Ainda segundo Jorge L. O. Silva [45] "a vítima do assédio é aniquilada, restando as seqüelas psíquicas, físicas e patrimoniais da violência perversa. É neste momento que o direito deve atuar, servindo de censor, a destinar instrumentos de prevenção, repressão e desestímulo à prática do assédio moral. A imposição de uma responsabilidade penal e civil aos assediadores se afigura como medida imprescindível diante do gigantismo dos danos ocasionados pelo assédio moral, quer seja na órbita moral, quer seja na esfera patrimonial".

Marie-France Hirigoyen [46], ressalta que "sob uma ótica psicológica, um julgamento positivo reconhecendo a realidade da agressão é essencial para o processo de cura da vítima. O que importa na ótica simbólica é que haja o reconhecimento seguido de indenização, mesmo que mínima, que indique ter havido dano, mesmo que nenhuma indenização consiga apagá-lo. As vítimas se queixam freqüentemente: ‘Consegui o dinheiro, mas não me pediram desculpas!’". Esse dado também é importante para desenvolver a idéia de que a indenização pecuniária do dano moral não é a única forma de reparação e deve ser considerada, a requerimento do ofendido, tão só em um dos itens a serem indenizados.

Não é raro nos depararmos com situações onde as pessoas declaram que o que está em jogo, quando se trata de ofensa à personalidade não é a indenização pecuniária em si e sim o pedido de desculpas entrelaçado com o mais legítimo arrependimento. Esse sentimento tem a magia de revelar a nobreza d’alma do ofensor e a capacidade para contribuir com a cura do ofendido. Muitas vezes o ofensor insiste em tratar o outro como coisa, com isso subtrai, anula tudo o que diz respeito a humanidade, a individualidade do seu semelhante.

Ronaldo Alves de Andrade [47] diz que "efetivamente a dor não pode ser substituída por dinheiro. Mas certamente serve para abrandar esse sofrimento pela certeza de que o direito violado mereceu alguma reparação, ainda que o direito violado não seja passível de avaliação econômica".

Zulmira Pires de Lima citada por Ronaldo Alves de Andrade [48] estabelece que "o dinheiro tem também um conceito subjetivo de proporcionar sensações prazerosas, de forma que a dor suportada pelo lesado é minorada pelo prazer proporcionado pelo dinheiro....o dano moral assim como outros bens como a pintura, a escultura e as obras de arte em geral não são passíveis de avaliação exata em dinheiro, devendo nestes casos a avaliação ser feita por aproximação, pois a fixação do valor é extremamente subjetiva, sem que isso importe na inexistência de valor".

Santos Briz, também citado pelo mesmo autor, [49] "traz conceito "emanado por julgado da Suprema Corte Espanhola estatuindo que: ‘O dano moral está constituído ‘pelos prejuízos que, sem afetar as coisas materiais suscetíveis de serem taxadas financeiramente, se referem ao patrimônio espiritual, aos bens imateriais da saúde, da honra, da liberdade e outros análogos’. Enfim, é moral todo o dano financeiramente imensurável. Assim, nessa classe de dano o bem jurídico atingido deita reflexo no direito imaterial da pessoa, provocando no dizer de Santos Briz perturbações anímicas, tais como desgosto, desânimo, desesperação, perda da satisfação de viver, etc".

Quadro psicológico das vítimas de assédio moral

Mauro Azevedo Moura [50]citado por Reginald Felker [51], num substancioso e preciso estudo sobre assédio moral observa que o assédio moral no trabalho é "definido como o estabelecimento de comunicações não éticas, geralmente entre um superior e um subalterno... Se caracteriza pela repetição de comportamentos hostis, técnicas de desestabilização e maquinações contra um trabalhador. Define o assediador como "alguém que não pode existir senão pelo rebaixamento de outros, pois tem necessidade de demonstrar poder e para ter uma boa auto-estima. Dissimula sua incompetência... Em resumo, trata-se de alguém que é covarde, impulsivo, fala uma ‘fala vazia’ e não escuta. Não assume responsabilidades, não reconhece suas falhas e não valoriza os demais. É arrogante, desmotivador, amoral, plagia ou se apropria do trabalho de outros, é cego para o aprendizado".

Relata ainda que pesquisas européias apontam que na Inglaterra um entre cada oito trabalhadores sofre assédio moral no trabalho... No Brasil estudos informam, através de pesquisas, que cerca de 36% da população economicamente ativa, sofre de assédio moral no trabalho, através de uma ou outra forma de violência. Nos EUA, um em cada seis trabalhadores sofre assédio moral.

Traçando um quadro psicológico das vítimas de assédio moral, Mauro Azevedo Moura cataloga os seguintes tipos que são preferentemente assediados: "- não têm problemas de integridade: - são saudáveis; - são escrupulosamente honestos: - têm um razoável sendo de fair play; - têm um bem desenvolvido senso de culpa; - valorizam equidade e justiça; - são criativos; - são dedicados ao trabalho; - reagem ao autoritarismo; - recusam-se a ser subjugados; - são mais competentes que os perversos". São qualidades que o perverso não tem e quer ‘vampirizar’. Como não consegue, prefere destruir a vítima. O perverso narcisista, por ser invejoso, não pode conviver com o sucesso do assediado e esse tem que ser ‘eliminado’".

Jorge L. O. Silva [52] cita o psicólogo Iñaki Piñuel y Zabala. Segundo este, "a maior parte das vítimas de assédio moral apresentam um perfil bem específico, despontando como indivíduos com elevada ética, honradez, retidão e sentido de justiça. Complementam o perfil da vítima sua capacidade de autonomia e independência, iniciativa, capacitação por sua inteligência e atitudes, popularidade, carisma e liderança naturais, alto sentido cooperativo e de trabalho em equipe. Em relação a este perfil, o assediador passa a agir por inveja ou medo de ser suplantado, desejando implantar um sistema de poder que anule a vítima. No entanto, não se trata de um perfil exclusivo, uma vez que pessoas com características opostas também são vítimas em potencial da arrogância e da perversidade do impulsionador do processo de assédio moral. São pessoas humildes, com problemas existenciais ou com determinadas limitações, que acabam sendo o alvo perfeito para a afirmação e manipulação do assediador".

Não é razoável imaginar que um indivíduo sendo molestado, perseguido, vitimizado, enfim, sendo assediado moralmente permaneça intacto. Parece lhe sobrar a dor, os distúrbios somáticos em especial a depressão, o alcoolismo e o suicídio pelo menos tentado.

Nesta direção é preciso que alguém o proteja e nada mais justo e natural do que esse cidadão ser tutelado pelo Estado.

Marie-France Hirigoyen [53], diz que "Além da questão individual do assédio moral, estas são questões mais gerais que nos dizem respeito. Como restabelecer o respeito entre os indivíduos. Quais os limites a serem postos à nossa tolerância? Se os indivíduos não detêm por si mesmos esses processos destruidores, cabe à sociedade intervir, legislando a respeito".

O assédio moral nos remete ao Direito difuso que na nossa concepção nada mais é do que o retorno a ética discutida pelos filósofos da antiguidade.

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Sobre a autora
Lidia Pereira Gallindo

Psicóloga, advogada, pós-graduada em psicologia jurídica, psicoterapeuta breve, atendimento familiar, psicodiagnóstico infantil e adolescente, MBA em gestão em gestão em direito educacional (em curso)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALLINDO, Lidia Pereira. Assédio moral nas instituições de ensino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2070, 2 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12396. Acesso em: 29 mar. 2024.

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