3 ALIMENTOS NA UNIÃO ESTÁVEL
Durante muito tempo a união prolongada entre homem e mulher foi chamada concubinato, termo que, pela alta carga pejorativa que comporta, foi paulatinamente substituído pela locução "união livre", donde emergiu o conceito de União Estável.
O reconhecimento da União Estável enquanto forma legítima de constituir família configura uma maior compreensão do legislador "familista" para com a realidade social, reconhecimento erigido em um contexto onde outros ramos especializados do direito já haviam atentado para essa realidade.
A consideração proposta no parágrafo anterior pode ser mais bem esclarecida na observação das regras atinentes ao Direito Previdenciário, como as insculpidas na Lei nº. 7087/82 [75] e no Decreto nº 73617/74 [76], onde se reconheciam aos companheiros prerrogativas em termos assemelhados aos cônjuges. Também merece destaque o Decreto nº 2172 [77], mas este, datado de 1997, já se encontra alinhado, inclusive, aos ditames isonômicos insertos na Carta Política de 1988.
Uma vez reconhecida a União Estável enquanto forma legítima de se criar família, foi necessário tutelar o tema. Assim se fez! Surgiram nesta esteira as Leis nos 8971/94 – chamada por alguns "Estatuto dos Concubinos" [78] – e 9278/96. Conquanto vistas com ressalvas, fato é que surgiram para tutelar situações familiares.
Com o surgimento da carta de 1988 a situação começa a se pacificar. Mas como era a situação no período que antecedeu sua entrada em vigor? Nesse diapasão deve se destacar que os alimentos em sede de União Estável, via de regra não eram admitidos, inadmissão justificada pelo que dispunha o Código de 1916, tema do próximo tópico.
3.1 NO CÓDIGO CIVIL DE 1916
O Código Civil de 1916 estatuiu que "podem os parentes exigir uns dos outros os alimentos, de que necessitem para subsistir." [79] Vê-se, assim, que a situação dos hoje companheiros – antes nominados amásios, concubinos, etc – não fora contemplada.
Da inferência encontrada no artigo 396 do código revogado temos que a obrigação alimentar entre companheiros não podia ser admitida, já que não resultava da lei, expressa ao se referir a parentes, que na estrita acepção parens avoca laços de sangue; idéia fisiológica. Na verdade se entendeu que os civilmente ligados poderiam deduzir em juízo obrigação alimentar. Assim restava impossível a pretensão alimentar entre companheiros no âmbito do Direito de Família.
Do jeito que tutelou o tema o legislador de 1916, a obrigação alimentar entre os companheiros afigurou-se, verdadeiramente, impossível. Igualmente impossível se mostravam no sentido lato que o instituto nos informa, posto que não havia lei a tutelar o tema e, a hoje chamada União Estável – à época concubinato puro – ainda que não tutelada não configurava ato ilícito.
Como visto, entre os companheiros nada havia delineado no âmbito familiar. A evolução histórica fez, contudo, com que se admitisse as indenizações na esfera cível, regidas pelas regras atinentes à sociedade de fato, em que imperam os preceitos negociais.
No sentido antes tracejado podemos arrolar as seguintes jurisprudências provenientes do Superior Tribunal de Justiça, ambas relatadas pelo eminente Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Colacionando-as:
"CONCUBINATO – SERVIÇOS PRESTADOS – INDENIZAÇÃO – A mulher que manteve união estável durante 13 anos tem direito, quando do rompimento dessa relação, de ser indenizada pelos serviços prestados." [80] (grifou-se)
"CONCUBINATO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - INDENIZAÇÃO - Direito da concubina de receber pensão mensal, a título de indenização por serviços prestados durante 20 anos de convivência, no cuidado da casa e dos filhos, e no desempenho de atividades produtivas." [81] (grifou-se)
Como se pôde perceber, a idéia que se vivenciava era negocial, quase que "empregatícia", inobstante os limites de inserção dos concubinos, no mais das vezes, fosse o familiar. Estes, na prática, no caso de dissolução da chamada sociedade de fato, eram vistos como "empregadores e empregados" [82].
Ainda que as idéias negociais fossem a tônica, cumpre destacar a jurisprudência produzida em alguns tribunais. Nesse sentido é de se destacar a orientação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que pode ser depreendido da jurisprudência que ora se arrola:
"CONCUBINATO – DURAÇÃO E PROVA – Competência probatória do réu para demonstrar tempo menor de duração da sociedade concubinária que o alegado pelo autor. Pensão alimentícia: cabimento para o concubino necessitado." [83] (grifou-se)
No exemplo trazido à colação vemos claramente, a partir do que consignou o relator Waldemar Freitas Filho, que já era possível se admitir a pretensão alimentícia entre os companheiros, em oposição ao entendimento dominante no sentido de que só se caberia indenização por serviços domésticos.
O referido julgado gaúcho, ainda que datado de 06 de setembro de 1995, não teve como base legal nada do que se encontra na Lei nº 8971/94, posto que a distribuição do processo foi anterior à entrada em vigor desta. Assim, ainda que com base nos ditames do Código Civil de 1916, pode se perceber claramente o entendimento direcionado para o sentido familiar, em detrimento da tônica negocial imperante.
No julgado do Tribunal do Rio Grande do Sul, percebemos que as bases constitucionais lançadas pelo legislador originário de 1988 começavam a se assentar, razão pela qual inferimos ter se valido o julgador gaúcho dos alicerces magnos, sobre os quais trataremos no próximo tópico.
3.2 EMBASAMENTO CONSTITUCIONAL
Em seu artigo 226, § 3º, a CF de 1988 reconheceu a União Estável entre homem e mulher para efeito de proteção do Estado, instituindo nesta seara norma programática visando à conversão desta em casamento.
O legislador ordinário, atendendo ao constitucionalmente preceituado, criou as Leis nos 8971/94 e 9278/96, com as quais pretendeu regulamentar o polêmico tema da União Estável. Com estas leis se estabeleceu a noção de União Estável, sua forma de constituição e reconhecimento, além de fixar os efeitos que dela decorrem no âmbito do Direito de Família.
A Lei nº 8971/94 veio para dispor sobre o direito dos companheiros aos alimentos e à sucessão. Noutro giro a Lei nº 9278/96 regulamentou o programático artigo 226 em seu parágrafo 3º.
Tendo em vista que essas leis convivem hoje com um código, posterior a ambas, é preciso que tratemos do tema nos socorrendo da luz deste. Com isso se podem perpassar os delineamentos do tema sem que se quebrante o sistema jurídico, que se presume harmônico.
3.3 ALIMENTOS NAS LEIS 8971/94 E 9278/96
Aponta o artigo 1º [84] da Lei nº 8971 que o pressuposto jurídico para o surgimento da pretensão alimentícia em sede de União Estável é a necessidade do credor, chamado alimentando; necessidade que deve estar associada a uma relação pura [85]. Por óbvio se impõe ainda que, a par de um alimentando necessitado, deve coexistir um alimentante com possibilidades!
Da leitura deste artigo 1º não nos resta dúvida quanto ao imperativo estado de pureza [86]. Tal estado, nos dias de hoje, deve ser entendido com a não manutenção de relações paralelas, já que o novo código, como antes já consignado, aventa a hipótese de existir União Estável em tendo os companheiros vínculos civis que os impeçam de contrair matrimônio. Tal hipótese, inclusive, já vinha sendo vislumbrada em nossos tribunais, como o gaúcho, donde se retirou material para fundamentar o comentário feito em notas logo no inicio desse tópico.
O que claramente se pode depreender do espírito da lei é o entendimento de que esta não quer que o alimentando pereça, nem que o alimentante venha a contribuir para a subsistência deste de forma a comprometer sua própria subsistência. Como é regra geral no trato dos alimentos, impõe-se um equilíbrio entre as necessidades de um e as possibilidades do outro. Ainda que a lei em exame tenha mencionado apenas necessidade do alimentando, não nos parece haver dúvida de que não se pode impor a alguém a mantença de outrem em detrimento de seu sustento.
Por força do que dispõe o mesmo artigo 1º o direito do alimentado e a obrigação do alimentante perdurarão enquanto não se constituir nova união. Fala-se apenas em nova união do alimentando, sem precisar se estável ou matrimonial. Todavia, por razões de teleologia, entendemos que a referência abarca toda e qualquer união.
Na obra do professor Caio Mário há um apontamento que se mostra pertinente ao presente estudo. Ele afirma que "a possibilidade de pleiteá-los não é eterna." [87] Na mesma esteira depreende-se que os alimentos "deverão ser requeridos tão logo consubstanciado o rompimento da vida em comum" [88] e que, "quanto ao futuro, a continuidade dos alimentos cessa se o alimentado vier a constituir nova união, ou se provar a desnecessidade por qualquer meio." [89]
Assim a prerrogativa de pleito de alimentos perdurará enquanto deles necessitar o credor e os puder honrar o devedor, análise que não carece de ser feita no caso de constituição de nova união. No caso de nova união, matrimonial ou não, automática e definitivamente, cessará o direito à prestação alimentícia.
À luz da Lei nº 8971/94 asseveramos ainda que extinguirá o dever alimentar pela morte do alimentante ou do alimentando. Por ser dotada do caráter da intransmissibilidade, uma vez extinta a obrigação alimentar, não poderá ser avocada pelo sucessor do alimentando. O caráter personalíssimo do direito impõe a extinção da obrigação com a verificação do evento da morte do alimentando.
A exemplo da lei de 1994, a lei de 1996 também cuidou da matéria alimentos. O fez em seu artigo 7º, razão pela qual se instalou verdadeira confusão legislativa, sobretudo porque a nova lei trouxe requisitos mais subjetivos, aos olhos de alguns mais brandos, para o surgimento da obrigação alimentar.
Antes de tudo é preciso destacar que a lei de 1996 não fez referência ao estado civil dos companheiros, à existência de prole comum ou à duração mínima da União Estável. Da mesma forma não explicitou se a convivência de fato, à margem de casamento, seria protegida. Parece-nos, todavia, ir de encontro ao espírito da lei a mantença de situações familiares assemelhadas e paralelas, como se conclui dos ensinamentos creditados ao professor Washington de Barros, aos quais tivemos acesso através da leitura do artigo publicado em mídia eletrônica União estável: dissolução e alimentos entre os companheiros, do ensaísta Alex Sandro Ribeiro. Vejamos então a referida lição:
"A Lei nº 9278/96 não faz menção ao estado civil dos concubinos. Nesse ponto, porém, tem aplicação a Lei nº 8971/94, que, ao reconhecer direitos sucessórios e alimentos entre os companheiros, determina que sejam solteiros, separados judicialmente, divorciados ou viúvos. Não se compadece com os objetivos da lei que pessoas casadas mantenham duas situações familiares semelhantes e concomitantes, uma sob a proteção do casamento, outra ao amparo da entidade familiar." [90]
Tendo em vista tais ponderações, entendemos que a lei de 1996 não revogou a primeira no que concerne aos alimentos, entendimento também esposado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde lemos que "a instituição da Lei 9278/96, que regula o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal não revogou o artigo 2º da Lei 8971/94, que regula o direito de companheiros à herança e alimentos." [91]
3.4 ALIMENTOS NO NOVO CÓDIGO CIVIL
Dispõe o artigo 1694 do Código Civil vigente que podem os parentes, os cônjuges ou os companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social e para fins de educação.
Significa que se deve ter em mente a idéia da necessidade, mas sem se esquecer da noção de possibilidade. Uma vez aferida a necessidade do alimentando, não se deve esquecer de ponderar a capacidade econômico-financeira do alimentante.
Na obrigação entre parentes desponta o sistema de prioridade de graus, onde os parentes mais próximos são os primeiros a serem chamados para atender à pretensão alimentar.
O aludido sistema de graus afigura-se bastante razoável, pois, se vige para a sucessão, onde os parentes são chamados a receber, em muitos casos, uma benesse, nada mais justo que seu vigor seja proclamado quando o chamamento é para assumir uma obrigação. Desta feita, os avós somente podem ser chamados na falta dos pais e, os irmãos, na falta destes.
É preciso também entender como falta a impossibilidade de o parente mais próximo vir a atender a obrigação alimentar, ponto em que se mostra pertinente o estudo do artigo 1698, onde se determina que no caso de várias pessoas co-obrigadas todas serão responsáveis na medida de seus recursos.
Outro ponto de interesse, por seu caráter inovador, liga-se à possibilidade de ser fixar alimentos mesmo em caso de a necessidade decorrer de culpa da pessoa necessitada. Nesse caso os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência do alimentando.
Ainda que os alimentos devidos em razão de culpa do alimentando sejam apenas os necessários, parece que nosso legislador, à margem do brocardo latino nemo audatur propriam turpitudinem allegans, veio consagrar a possibilidade de alegação da torpeza em proveito próprio, premiando assim a culpa.
Para que se entenda o inserido no parágrafo anterior, faz-se mister a leitura do que dispõe o artigo 1694, § 2º, onde lemos que:
"Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia." (grifou-se)
Com o novo Código Civil nosso legislador prevê a possibilidade de o alimentando ter dado causa à sua necessidade. Aventa esta hipótese ao asseverar que os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência quando resultarem de culpa de quem os pleiteia. Como dito antes, contrariando vivência milenar onde não se admitia a alegamento da torpeza para proveito próprio.
É fato que o parágrafo 2º do artigo citado faz menção à culpa. Tal menção deixa-nos uma dúvida. Seria qualquer culpa? De que culpa trataria o aludido parágrafo?
Para essas indagações vislumbramos respostas no propugnado pelo professor Norberto Ungaretti, desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde se assegura que a "culpa há de estar ligada à situação de necessidade, numa relação de causa e efeito, clara e expressamente estabelecida pelo Código" [92], como o abandono do emprego de que se retirava o sustento, o fato dispensa ou, simplesmente, recusa ao trabalho.
Nos casos suscitados, sem dúvida, a pessoa necessitada de alimentos o está por culpa sua. Ainda assim a locução legal é expressa em dizer que, mesmo nesses casos, faz-se necessário o provimento do alimentante com possibilidades ao alimentando. Axiológica e teleologicamente não parece poder ser o espírito de qualquer lei premiar nescidade, mas, no caso em comento, nossa propalada inovação legislativa acabou por galardoar culpa.
Além da possibilidade de se prover o alimentando culpado nos limites da força do artigo 1694, § 2º, nosso legislador entendeu por bem voltar ao tema culpa no artigo 1704, § único, onde se impõe que "se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-lo, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência".
No caso do artigo 1704 parece-nos que a referência à culpa, tendo em vista a expressão "declarado culpado", diz respeito ao descumprimento de um dever conjugal aferido em sede de dissolução da sociedade conjugal, via separação judicial, já que na consensual é essencial se olvidar de qualquer discussão por razões óbvias: perder o caráter consensual. Além disto, o divórcio não é lugar para discutir nada, mas apenas dissolver vínculos, especificamente o conjugal. Assim, a declaração de culpa só faz sentido quando se discute responsabilidade pela dissolução da sociedade conjugal em sede de separação judicial.
Pelo que se expôs, entendemos que as culpas de que tratam os artigos 1694, § 2º, e 1704, § único, são diferentes. O primeiro dos artigos trataria da culpa a que chamaremos lato senso, na qual estão subsumidas todas as infrações, excetuando as que dizem pertinência expressa ao descumprimento de dever conjugal.
No artigo 1704, pois, com base na elementar regra de hermenêutica que informa não haver letra morta no texto legal, estaria tutelada a situação do cônjuge – só do cônjuge, frise-se – que se encontra necessitado. O cônjuge adúltero – parasita a agir com nescidade, por exemplo – poderá se valer do propugnado nesta regra civilista para pleitear alimentos. O descumprimento de um dever conjugal, capaz de autorizar o divórcio de per si, acaba não tendo o condão de romper com o dever de prestação alimentar.
Assim o companheiro que pediu demissão poderá pleitear alimentos, mesmo que tal afirmativa pareça contraditória e sem lógica. Com ou sem lógica, salvo em sede de ação declaratória de inconstitucionalidade, não se pode admitir interpretação contra legem. Por outro lado, estando o companheiro necessitado por ter dado azo à rescisão do companheirismo ao descumprir regra de convivência, não poderá, parece-nos, valer-se do inscrito no artigo 1694, § 2º, afinal o legislador teria reservado artigo específico, o 1704, para cuidar da culpa de quem atentou contra a regra que cuida da vida a dois, ocasião em que optou por tutelar apenas o casamento, e não o companheirismo.
A inferência feita ao se tratar da questão da culpa baseia-se na premissa de que o contido no artigo 1704 não está abarcado no 1694, § 2º. Em nosso sentir, esta inferência é necessária, sob pena de o artigo 1704 restar injustificado. Dizemos, assim, que o descumprimento à regra de convivência – fidelidade, por exemplo – pode ser pressuposto do erigimento da obrigação alimentar, mas não em qualquer modalidade de configuração familiar. Essa possibilidade estaria adstrita ao matrimônio!
O apontamento pretérito baseia-se na leitura sistemática do artigo 1704 em sintonia com o 1694. Naquele, o legislador tratou do rompimento da sociedade conjugal por culpa de um dos cônjuges, prevendo a possibilidade de o culpado, necessitado a partir da separação a que deu causa, poder figurar no pólo ativo de uma ação de alimentos, prerrogativa que, por razões dogmáticas, não podem ser estendidas à União Estável.
3.5 A POSSIBILIDADE DE RENÚNCIA
Diz-se que o direito aos alimentos é personalíssimo, concedido à pessoa que tenha vínculo sangüíneo, civil ou de fato com o alimentante e que esteja em necessidade.
Os alimentos, pela razão exposta no parágrafo anterior, só podem ser pleiteados a título de direito próprio, ressalvando, todavia, a possibilidade de os incapazes se fazerem representar.
Teleologicamente os alimentos constituem-se em espécie do gênero direito à vida. Tal direito é, pois, tutelado pelo Estado, tutela que se opera por normas de ordem pública, ou seja, normas que não comportam o afastamento pela vontade das partes. Tal apontamento seria o fundamento de não se admitir a renúncia destes.
A situação de impossibilidade de renúncia no que diz respeito ao vínculo sangüíneo sempre foi assente na doutrina e jurisprudência. Admitia-se, sim, o não exercício do direito, mas nunca sua renúncia, salvo quanto as prestações vencidas e não pagas. Em relação às prestações presentes e futuras, jamais se admitiu, em sede de parentesco, falar-se em renúncia a alimentos.
No que concerne aos alimentos erigidos de uma relação de parentesco – fundado em laços de sangue, logo – a questão sempre foi pacífica. Contudo, no que diz respeito aos alimentos originados em relação de laços civis, a situação não foi assim tão clara. Tanto é verdade que o STF foi incitado a se manifestar sobre o tema. Partindo claramente do postulado binomial necessidade/possibilidade enunciou o verbete 379 de sua súmula, onde encontra expresso que "no acordo podem os alimentos serem pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais."
Do referido enunciado deduz-se que os alimentos podem ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais, ainda que exista acordo quanto ao não pagamento destes na separação judicial. Assim, estando o ex-marido ou a ex-esposa em estado de necessidade, mesmo que se tenha renunciado expressamente à possibilidade de prestação alimentícia, poderiam, ambos, pleitear o suprimento da necessidade pelo outro. Como se depreende do consignado no enunciado do pretório excelso, a renúncia na separação seria mera dispensa provisória e momentânea da pensão alimentar, podendo posteriormente ser pleiteada, desde que provada a sua necessidade e a possibilidade econômica do pretenso alimentante.
Como defensores da tese sumulada pelo STF citamos os professores Edson Fachin [93] e Costa Loures [94], propugnando este que a irrenunciabilidade é consectária do direito à vida, razão pela qual poderia o credor não exercer seu direito, mas não renunciar.
A posição a preconizar a irrenunciabilidade dos alimentos, sem que se diferencie a origem desta obrigação, em razão do asseverado pelo nosso Supremo Tribunal, acabou por se tornar majoritária também na doutrina.
A despeito da posição majoritária apontada, cumpre, pela natureza acadêmica do trabalho, trazer à colação entendimentos em sentido contrário. Assim, citamos o entendimento do professor Leone Lopes, que, em sua obra intitulada Alimentos e Sucessão: No Casamento e Na União Estável pugna pela irrenunciabilidade dos alimentos, apenas quando a relação a fundamentar a obrigação alimentar fosse o parentesco, ao enunciar que:
"Acontece que não tem aplicação o princípio estabelecido na Sumula 379 do STF, em vista que os alimentos são irrenunciáveis, em se tratando de parentes. Sim, são irrenunciáveis. Mas os cônjuges não são, a todo evidente, parentes, portanto renunciáveis os alimentos em caso do divórcio consensual." [95] (grifou-se)
Como resta claro no asseverado pelo professor Leone, nos casos em que o vínculo a atender à condição da ação legitimidade ad causa for sangüíneo, fica evidente a impossibilidade de se renunciar aos alimentos. Nos demais, contudo, quando a relação de base for o casamento – e pelo efeito inércia também a União Estável – possível seria a renúncia.
Também pugnando pela possibilidade de renúncia aos alimentos não fundados na consangüinidade [96], o professor Belmiro Welter [97] afirma poder ocorrer a renúncia aos alimentos tanto no casamento, quanto na União Estável, sendo certo que, uma vez renunciados, não poderiam mais ser reclamados.
É de se destacar que os professores Leone Lopes e Belmiro Welter esposaram entendimento no sentido da possibilidade da renúncia a alimentos sob a vigência do Código de 1916, que não tratava expressamente do tema. Por outro lado o atual, precisamente no artigo 1707, assegura que "pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora", razão pela qual entendemos não mais poderem prosperar discussões a respeito do tema.
A luz do código revogado, ainda que tivéssemos o enunciado do STF afirmando a impossibilidade de renúncia, fato é que nossos tribunais vinham entendendo possível a renúncia nos casos de vínculo civil, como se depreende da seguinte ementa do STJ. In verbis:
"DIVÓRCIO CONSENSUAL. ALIMENTOS. RENÚNCIA. Não pode o ex-cônjuge pretender receber alimentos do outro, quando a tanto renunciara no divórcio devidamente homologado, por dispor de meios próprios para o seu sustento. Recurso conhecido e provido." [98] (grifou-se)
Como se pode ver, a orientação mais moderna em nossa doutrina e jurisprudência apontava no sentido de que poderia haver a renúncia a alimentos no caso de não serem esses embasados em uma relação de consangüinidade. Agora, entretanto, considerando a expressa dicção do artigo 1707 – e a regra básica de hermenêutica de que não se deve julgar a lei, mas sim com a lei – não nos parece restar dúvidas quanto ao caráter irrenunciável dos alimentos, não importando a natureza do vínculo existente entre alimentando e alimentante.
Pela construção do pretório excelso os alimentos entre os cônjuges seriam irrenunciáveis. Tal irrenunciabilidade, contudo, não foi estendida às Uniões Estáveis, consoante o asseverado pelo tribunal gaúcho na ementa a seguir:
"Alimentos. Renúncia em Dissolução de União Estável. Impossibilidade de novo pedido. A dissolução judicial consensual de União Estável, como no divórcio rompe, salvante expressa exceções, todos os vínculos entre os ex-conviventes. Inaplicabilidade da sumula 379 do STF. O dever de assistência, somente persiste quando as partes o convencionam no acordo da dissolução da União. Também, inaplicável o disposto no art.404 do Código Civil, porque restrito as relações de parentesco. Carência de ação por parte da ex-convivente para pedir alimentos ao ex-companheiro. Apelação desprovida.(6fls)" [99]. (grifou-se)
Como visto, à luz do Código de 1916, não obstante o entendimento sumulado do STF, tanto a doutrina quanto a jurisprudência [100] admitiam a possibilidade de se renunciar o direito a alimentos, desde que demonstrado de forma inequívoca a intenção do credor/alimentando de desonerar o devedor/alimentante do encargo. Apesar disso, como demonstrado de forma que se pretendeu sobeja, tendo em vista a vigência da Lei nº 10406/02, tal construção doutrinária e jurisprudencial não mais parece poder prosperar.