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A função social da celebridade

03/03/2009 às 00:00
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O tema em questão não vem sendo objeto de estudo pela doutrina, fazendo-se necessário, todavia, tecer breves considerações a seu respeito. O interesse em apontar uma função social da celebridade justifica-se pelo simples fato dessas personalidades, em regra, a ignorarem frente àqueles que lhes concederam esse status.

Porém, faz-se necessário delinear a figura da celebridade, antes de passar a abordar os aspectos que implicam a análise da sua função social. Os dicionários descrevem "celebridade" como sendo "pessoa celebre, famosa e de grande notoriedade" (XIMENES, 2000, p. 158). Em verdade, celebridade é a pessoa que se destaca em sua área de atuação, exercendo seu ofício de forma talentosa e notável, fruto de uma carreira que pode até ser passageira nos meios de comunicação.

A própria sociedade tem reforçado a idéia do termo, uma vez que vem atribuindo a muitas pessoas este título, em função de aparições passageiras na mídia. O público tem visto nas celebridades a imagem de pessoas privilegiadas, lindas, ricas e capazes de conseguir tudo, o que lhes desperta imensa atração.

O importante para o desenvolvimento do presente escrito é a figura da celebridade lato sensu, ou seja, figurariam como celebridades não só os artistas e atores famosos, mas também os esportistas consagrados, bem como aquelas personalidades que se destacam em suas atividades profissionais.

No entanto, há que se verificar se a celebridade possui carisma perante o público, estabelecendo com este um vínculo de confiança. Nessa óptica, os publicitários têm-se utilizado cada vez mais de técnicas de captação dos consumidores, sendo uma delas o uso maciço de celebridades para divulgarem, promoverem e garantirem determinados produtos e serviços. A respeito, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2001, p. 17) observa que:

Com muita freqüência vêem-se e ouvem-se nos meios de comunicação visual, escritos e falados, comerciais em que celebridades, pessoas conhecidas, respeitadas e queridas pelo povo ou por um grupo social, apresentam e recomendam a aquisição de um produto ou de um serviço e, às vezes, até garantem os resultados prometidos nos anúncios.

É inquestionável a influência que as celebridades exercem sobre o público e por conseqüência sobre os consumidores dos produtos ou serviços que anunciam. Esse prestígio e poder, como é de amplo conhecimento, vêm rendendo aqueles cachês altíssimos.

Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2001, p.19), traz exemplos de celebridades que recentemente receberam valores significativos para participar de anúncios, como Daniela Mercury, Antônio Fagundes e Cláudia Schiffer [01].

A procura incessante dos publicitários pelas celebridades justifica-se pelo fato dessas personalidades transmitirem para os produtos e serviços que anunciam um elevado grau de credibilidade e confiança, garantindo vultosos retornos para os fornecedores com a elevação nas vendas dos bens anunciados.

No que toca à capacidade da celebridade influenciar os consumidores, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2001, p. 18) afirma que:

Sem dúvida, há algumas pessoas que exercem grande influência sobre as outras, criando modas e costumes. Essas pessoas, quando apresentam produtos ou serviços em comerciais, pelas características que possuem, fazem com que o consumidor acredite em sua opinião. Imaginemos a figura da Xuxa: quantos consumidores, "baixinhos" ou não, teriam a tendência de adquirir um produto por ela aprovado ou recomendado, como, por exemplo, uma sandália, um creme contra celulite ou um equipamento de ginástica?

A influência de tais pessoas nas publicidades não se limita a participação direta nos anúncios, recomendando ou aconselhando o uso de determinados produtos ou serviços. A simples vinculação da sua imagem, voz ou nome, é suficiente para despertar o desejo de consumo e a confiança sobre o produto.

Diante desses atributos, bem como da capacidade de influenciar e captar os consumidores, a celebridade passou a merecer a atenção do Direito do Consumidor. Há que se verificar aqui de que forma essas personalidades são vistas e enquadradas pelo ordenamento jurídico.

Imediatamente, importa dizer que se deve analisar a natureza jurídica da celebridade. Malgrado, a ausência de tratamento legal específico, o ordenamento não a dispensou de obrigações e deveres. Por certo, a celebridade perante o consumidor tem dever de honestidade e lealdade sendo obrigada a transmitir mensagens verdadeiras, coadunando-se com toda sistemática principiológica do Direito do Consumidor.

A celebridade deve ser vista pelo Direito como sendo mais uma integrante da cadeia de consumo, figurando ao lado de todos os outros agentes, inclusive o consumidor, devendo, portanto, serem a ela aplicadas todas as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no tocante a responsabilidade em caso de danos aos consumidores.

Há que se destacar a tese defendida por Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2001, p. 155), no sentido de que a celebridade quando participa de publicidade figura perante o consumidor na condição de "garante". A idéia é perfeitamente plausível, levando-se em conta a posição em que figura na relação desenvolvida com o consumidor, passando-lhe a idéia de seriedade e responsabilidade do reclame.

A partir dessa discussão, tem cabimento no presente trabalho enfrentar, ainda que brevemente, os contornos da teoria da confiança, principalmente por guardar extrema pertinência temática. Assim, as relações que envolvem a celebridade e o público ultrapassam a esfera mercantil, uma vez que tocam no sentimento do consumidor, justamente na confiança que depositam em certas figuras, ou melhor dizendo, celebridades.

A idéia de proteção a essa confiança que os consumidores exteriorizam com facilidade é antiga, não ficando o direito alheio a essa realidade. Nesse sentido Guilherme Fernandes Neto (2004, p.142) pondera que:

objetivando proteger juridicamente a confiança, surgiu, inicialmente no âmbito dos negócios jurídicos, a teoria da confiança, também denominada teoria da validade ou teoria do crédito social, que os alemães denominam de Vertrauesnstheorie e os italianos de affidamento. A confiança tem exigido, todavia, proteção jurídica mais ampla e eficaz, que se pode obter com o estudo da proteção jurídica a ela propiciada pelo nosso ordenamento, partindo do princípio da confiança que é fundante da teoria da confiança, teoria jurídica de base da comunicação social.

Sem dúvida, a teoria da confiança foi adotada pelo sistema consumerista, podendo ser incluída como um dos deveres anexo da boa-fé objetiva. Contudo, ela vai além, está atrelada a idéia de fidúcia, e por ela o consumidor pode exigir determinado comportamento do fornecedor.

Destarte, a celebridade trava uma relação de fidúcia com o público alvo das mensagens publicitárias, o que lhe impõe certos deveres, com o fito de não vilipendiar a confiança do consumidor. Dessa concepção, devemos buscar a delineação da função social da celebridade.

Outra não é a origem do que chamamos de "função social da celebridade" que a própria Constituição Federal de 1988, onde, desde o preâmbulo, prevêem-se valores juridicamente relevantes, como a igualdade, a fraternidade, o bem-estar e principalmente a harmonia social. São justamente esses vetores que, ao lado dos fundamentos da cidadania, da dignidade da pessoa humana, bem como dos objetivos da República esculpidos no art. 3º da Carta Magna, quais sejam, a construção de uma sociedade justa e solidária, indicam os parâmetros impostos pelo legislador constituinte para a discussão em foco.

A idéia de função social deve ser compreendida seguindo os próprios ditames da República, não devendo ficar adstrita à idéia tradicional e ultrapassada que a associa de imediato ao capital. Vê-se, com louvor, o esforço da doutrina nas últimas décadas, passando a atribuir função social a outros institutos, como aos contratos, às empresas e não apenas a propriedade. Em verdade, o sistema jurídico atual está voltado para a sobreposição de valores coletivos e sociais em detrimento de interesses individuais.

Pois bem, feitas estas considerações, verifica-se que a celebridade deve estar sempre preocupada com a forma com que se expressa publicamente, em razão do poder que exerce sobre o público, sobretudo quando participa de mensagens publicitárias. A celebridade é capaz de impor comportamentos e alterar costumes, tendo suas palavras um peso maior do que a mesma coisa dita por uma pessoa comum, desprovida de notoriedade, por mais simples que seja a informação.

No contexto social atual, possuir notoriedade pública é algo que vem se tornando fascinante diante do glamour que envolve a circunstância. A corrida pela fama ganha cada vez mais concorrentes. Muitos vêm alcançando o sonhado sucesso, outros o conseguem, porém, de forma passageira.

Em tese, mau nenhum existe em alguém querer lograr a fama e muito menos em possuí-la, no entanto, ao alcançá-la deverá usá-la de forma positiva, tendo pleno conhecimento do poder que detém nas mãos.

A compreensão da função social da celebridade não é nada complexa, uma vez que se enquadraria como um agir voltado à prática de boas ações, sobretudo no campo profissional. Não pode a celebridade valer-se do seu prestígio e credibilidade para obter vantagens e lucros indevidos, induzindo o consumidor a adquirir produto ou serviço que não são bons.

A idéia a ser defendida, no que tange à função social que deve ter a celebridade, está diretamente ligada a valores éticos e morais, que encontram respaldo no ordenamento jurídico em diversos princípios, inclusive, constitucionais; portanto, não há que se falar em algo meta-jurídico. Nesse particular, cabe pontuar considerações realizadas por Guilherme Fernandes Neto (2004, p.144) ao tratar do princípio da função social no campo da publicidade, podendo perfeitamente ser remanejada a figura da celebridade. Pondera o referido doutrinador que:

O princípio da função social é imposto como forma de proteger a confiança depositada pela sociedade em determinados institutos. Desviada a comunicação de sua função social, impõe-se, em razão da responsabilidade social, a correção do desvio publicitário ou propagandístico, de forma a possibilitar o desfazimento do mal ocasionado, exterminando sua potencialidade lesiva.

A celebridade deve estar consciente que possui um papel social e que detém uma força persuasiva muito grande perante o consumidor. A fama das celebridades é construída pelo próprio público, que muitas vezes torna-se vítima da irresponsabilidade de alguns.

Evidenciando a despreocupação de algumas celebridades perante o consumidor e demonstrando a violação de sua função social, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2001, p. 159), noticia caso ocorrido com a atriz Maitê Proença, que realizou publicidade das pílulas Microvlar. Pelo que consta, a atriz participou de publicidade da referida pílula, tendo, na oportunidade, garantido e atestado sua qualidade. Ocorre que logo em seguida foram descobertas várias irregularidades com o produto, passando-se a questionar sua eficácia. Diante dos fatos, a atriz entendeu que sua imagem havia sido prejudicada, mas asseverou que se a empresa fabricante do medicamento tivesse interesse em contratá-la novamente, deveria pagar um cachê muito mais alto.

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Na mesma obra, Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (2001, p. 159), traz notícia de que os apresentadores Faustão, da Globo, Gugu e Ratinho, do SBT, e Leão Lobo, da Record, fizeram publicidade contra a aquisição de remédios genéricos a pedido da Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica, recebendo para tanto vultosos cachês.

Podem-se citar, ainda como exemplo, os mais recentes anúncios de bancos e financeiras oferecendo empréstimos para aposentados. Tem-se nesses anúncios diversos artistas famosos a exemplo de Suzana Vieira, Nair Belo, Paulo Goulart e tantos outros que ganham cachês milionários daquelas instituições, alugando seu prestígio e conquistando a atenção dos aposentados para realizarem empréstimos, desconhecendo estes as reais taxas de juros aplicadas. Sabe-se que esse tipo de publicidade é voltado para aposentados de parcos rendimentos, portanto presas fáceis para a ganância de alguns fornecedores.

Ilustrando ainda mais o tema, tem-se a notícia trazida pela jornalista Malu Fontes (2005), que dá a medida exata do quanto os famosos, desde que em troca de muito dinheiro, são capazes de convencer consumidores a consumir coisas que eles jamais comprariam. Em matéria publicada no Jornal A Tarde consta que:

[...] o francês Laurent Suaudeau, chef de cozinha e uma estrela da alta gastronomia paulistana, confessava que mentia em um anúncio publicitário. Na maior naturalidade, o chef confessava que, apesar de circular em revistas um anúncio no qual se dizia cliente do Banco Santos e o recomendava, jamais teve conta naquela instituição financeira. A revelação foi feita na semana em que foi anunciada a falência do banco, deixando os clientes com prejuízos dificilmente contornados. Laurent confessava à colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, que nunca teve conta no Banco Santos e ainda ironizava: "ainda bem, não?" (FONTES, 2005, p.16).

Verifica-se claramente, em ambos os casos, que não existiu por parte das celebridades nenhuma preocupação com o consumidor. O que impera é o aspecto financeiro, altíssimos valores são recebidos por essas celebridades, no entanto, elas nem de longe desempenham o seu papel social, ou melhor, sua função social.

As celebridades passaram a integrar a cadeia de consumo a partir do momento em que se tornaram capazes de induzir os consumidores, dada a confiança e credibilidade que possuem. Diante desses atributos e da maneira como se apresentam nos anúncios, essas personalidades adquiriram vínculo com os consumidores, na medida em que garantem e aconselham o uso de produtos e serviços;

As celebridades não devem jamais esquecer a sua função social, pois, enquanto estiverem apenas preocupadas com os altíssimos cachês que irão receber, certamente estarão prestando um desserviço ao público que colaborou imensamente com seu sucesso.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, nº 191-A, 05 de outubro 1988.

BRASIL. Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e de outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 12 de setembro de 1990.

FERNANDES NETO, Guilherme. Direito da Comunicação Social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

FONTES, Malu. A extorsão da velhice. Jornal A Tarde. Salvador, Caderno da Tv, pág. 16, 15 de maio de 2005.

GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilícita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. São Paulo: Revista dos tribunais, 2001.

XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua portuguesa. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Ediouro, 2000.


Notas

01 Pelo que consta na obra do referido autor Claudia Schiffer recebeu US$ 150.000 para elogiar o linho produzido pela empresa Braspérola, enquanto que Daniela Mercury recebeu a "módica" quantia de R$ 450.000,00 para participar de um comercial de cerveja.

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Sobre o autor
Josinaldo Leal de Oliveira

Advogado. Professor universitário. Especialista em direito civil e direito do consumidor. Especialista em docência do ensino superior.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Josinaldo Leal. A função social da celebridade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2071, 3 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12404. Acesso em: 27 dez. 2024.

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