CONCLUSÃO.
Não há dúvidas de que o sistema brasileiro de unicidade sindical, caracterizado, em linhas gerais, pela possibilidade de dissociação ou desmembramento de entidades e pela inexistência de requisitos substantivos de representatividade, viabiliza a constituição de sindicatos voltados para finalidades estranhas à efetiva defesa dos interesses das categorias profissionais.
Paralelamente a isto, o postulado da liberdade sindical consagrado no art. 8º, caput, da Constituição Federal, abrange em seu escopo finalístico a necessidade de se assegurar aos trabalhadores a livre criação de entidades sindicais voltadas para a obtenção do equilíbrio de forças com a classe patronal. E para que isto ocorra, é imprescindível que as entidades obreiras sejam formal e substancialmente aptas a exercer a efetiva representatividade de suas respectivas categoria, sob pena de frustração do desígnio ínsito ao referido princípio.
Disso decorre a necessidade de que o ordenamento jurídico consagre mecanismos aptos a controlar a profusão de entidades inaptas para o exercício da efetiva defesa dos interesses de suas categorias e que os operadores do direito possam, por intermédio da aplicação casuística de tais instrumentos, invalidar ou chancelar a criação de tais sindicatos.
É justamente nesse sentido que a aplicação do art. 187 do Código Civil e de sua noção de "abuso de direito" às situações concretas de dissociação e desmembramento apresenta-se como solução juridicamente válida para enfrentar o problema da falta de representatividade dos entes criados por intermédio desse processo e da desvirtuação das finalidades que subjazem à faculdade de constituir sindicatos.
Mais precisamente, a aplicação em concreto do art. 187 do Código Civil às situações de dissociação ou desmembramento de base territorial e de categoria mais específica permitirá avaliar se a entidade tem condições substanciais de defender os interesses coletivos de seus respectivos grupos profissionais. Em caso negativo, a constituição do novo ente configurará "ato ilícito" e, portanto, inválido, a teor da própria dicção do dispositivo em apreço.
Tem-se, portanto, que a efetiva aplicação do art. 187 do Código Civil às situações de abuso do direito à constituição de entidades sindicais acabará, ao fim e ao cabo, por concretizar o postulado constitucional da liberdade sindical e dos fins a ela subjacentes nos casos concretos de dissociação e desmembramento. Eis, portanto, a contribuição do referido dispositivo civilista e da teoria que o fundamenta para a efetiva representatividade sindical.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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Notas
- Conforme assevera Mario de la Cueva, "sin duda, la finalidad originaria del sindicalismo fue la satisfacción del impulso asociativo, pero la unión por la unión no es una finalidad humana, sino más bien un contrasentido. De ahí que el movimiento obrero se propusiera la unión de los trabajadores para la lucha por una existencia digna de ser vivida por seres humanos." Ainda segundo o autor mexicano, "esta primera finalidad llevaba consigo una segunda, que no se declaro expresamente, tal vez porque no era necesario, pero que, a la postre, se convertió en su fundamento principal: en cada empresa o rama de industria el trabajo sería, por lo pronto, el igual del capital para la fijación de las condiciones de prestación de los servicios." DE LA CUEVA. Mario. El Nuevo Derecho Mexicano del Trabajo.Vol. II. 14ª Edición. México: Porrúa, 2006. p. 261.
- Nos dizeres de Arnaldo Süssekind, "o caput do art. 570 da CLT, depois de fixar a regra do sindicato por categoria de atividades específicas, admitiu a subdivisão da mesma, mediante proposta da Comissão de Enquadramento Sindical aprovada pelo Ministério do Trabalho. É claro que o desmembramento da categoria específica em razão da sua subdivisão não mais depende do pronunciamento da aludida Comissão, já extinta, e do Ministro de Estado. (...) Relevante é que as peculiaridades da respectiva entidade intervinculem as empresas que a empreendem, evidenciando a comunhão de interesses." SÜSSEKIND. Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 364.
- As razões a ensejarem a aplicação subsidiária das instituições de direito civil ao direito do trabalho são bem sintetizadas na seguinte passagem de Vázquez Vialard:
- Ainda segundo Lumia, "a esse poder corresponde, do lado passivo, uma sujeição: o destinatário da manifestação de vontade de quem exerce um direito potestativo não pode senão suportar-lhe os efeitos, sem nada poder fazer para esconjurá-los." LUMIA. Giuseppe. Trad: AGOSTINETTI. Denise. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 114.
- É o que assinala Luiz Edson Fachin nas seguintes passagens:
- O ambiente em que surgiu o direito do trabalho é bem descrito por Manuel Carlos Palomeque Lopez na seguinte passagem:
- O processo histórico-evolutivo iniciado pela tomada de consciência coletiva por parte dos trabalhadores, mediado pela constituição dos sindicatos e finalizado pela criação de um arcabouço jurídico protetivo é descrito com precisão na pioneira obra "Apontamentos de Direito Operário", de Evaristo de Moraes, nos seguintes termos:
"De acuerdo con su finalidad, [el derecho del trabajo] se convierte en un derecho especial, en el que no son aplicables sin más las normas básicas de otras ramas del derecho (del civil en particular). En cada caso, debe comprobarse que la aplicación de ellas al ámbito de las relaciones laborales, no está en pugna con el princípio primordial del derecho del trabajo, que es la protección del trabajador como parte más débil de la relación.
Esta especialidad, que debe destacarse, no significa una independencia absoluta entre el derecho del trabajo y el derecho civil, como pretendian algunos. En la medida en que aquél no elabore – y quizá no haya razones para que así ocurra – una doctrina general que comprenda los actos jurídicos, obligaciones, personas, etc., no hay razón para que no se admita, con carácter subsidiário, la recepción de los princípios elaborados por el derecho civil, mientras no se opongan a la citada finalidad protectora." VIALARD. Antonio Vazquez. Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Tomo I. 7ª Edición. Buenos Aires: Astrea, 1996. p. 101-102.
"O Direito do homem sozinho, centrado em uma hipotética auto-regulamentação de seus interesses privados, e conduzido pela insustentável igualdade formal, serviu para emoldurar o bem acabado sistema jurídico privado. Daí deriva a disciplina das noções de ato jurídico e capacidade.
Conciliando liberdade formal e segurança, a base da teoria geral das relações privadas foi o que sustentou, no domínio econômico, o ´laissez-faire´ da Escola Liberal. Esse mecanismo se refletiu no distanciamento propositado entre o direito e as relações de fato excluídas do sistema.
Essa experiência jurídica, sob tais valores, tem sido merecedora de veemente condenação. O que está em questão não é mais apenas a crítica à igualdade formal e a rigidez dos pactos. Os acontecimentos desencadeiam uma crise mais profunda. Não é o caso, apenas, de atender às novas exigências da convivência social do século XX, como a limitação da autonomia privada, ou a formulação da função social do contrato.
(...)
A ´reelaboração´ de uma teoria do Direito Civil há de ter como ponto de partida mais que a sua utilidade e, como perspectiva, a reordenação dos fundamentos do sistema jurídico à luz de outro projeto socioeconômico e político.
(...)
Passando por sobre o sistema tradicional do individualismo, cuja força ainda gera uma ação de retaguarda para mantê-lo incólume, os princípios da justiça distributiva tornaram-se dominantes, a ponto de serem considerados tendências mundiais da percepção bem concreta dessa coisa que se chama solidariedade social que nas modernas sociedades já penetrou profundamente na área do direito privado." FACHIN. Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 211-216.
"Embora os princípios liberais da contratação contidos nos Códigos Civis não deixassem de proclamar a liberdade e igualdade das partes na determinação do conteúdo do contrato, um singular mecanismo ligado às leis do mercado encarregava-se, contrariamente, de esvaziar o conteúdo daquelas formulações igualitárias. Com efeito, a troca de trabalho por salário estava submetida, tal como quaisquer outras relações económicas, à lei da oferta e da procura dos bens objecto de transacção (trabalho e salário).
Por um lado, a <<oferta>> de trabalho não cessava de crescer como consequência da destruição do emprego, decorrente da generalizada industrialização da produção. (...) Por outro lado, a <<procura>> de trabalho controlada pelo empresário era cada vez mais reduzida, por idênticas razões de substituição da máquina pelo homem.
(...)
empresário podia assim livremente dispor de condições de trabalho a baixo custo (...), sabendo que seriam aceites por um ou outro indivíduo de uma superpovoada oferta de trabalho. A igualdade formal dos contratantes de trabalho (trabalhadores e empresários) alterava-se, de facto, para o predomínio da vontade omnímoda do empresário na fixação das condições contratuais, que não duvidaria em impô-las sem pejo, a favor da maximização de seu benefício. No entanto, o sistema havia sido edificado precisamente para amparar tais comportamentos.
(...)
Neste deplorável estado e condição das classes trabalhadoras resultante da industrialização capitalista, o que eufemisticamente chegou a denominar-se, na época, a questão social, encontra-se, precisamente, o gérmen da sua própria destruição. A resposta imediata face ao alarmante estado de coisas chegou, certamente, através de uma dupla via paralela que permite clarificar os dois processos históricos cruciais, indispensáveis ao conhecimento da génese do Direito do Trabalho: primeiro, a organização e mobilização do proletariado industrial, (...) que articula uma reacção de auto-tutela colectiva dos próprios trabalhadores face à sua injusta situação; e, segundo, a intervenção do Estado no problema social através de uma legislação protectora do trabalho assalariado (legislação operária)." LOPEZ. Manuel Carlos Palomeque. Trad: MOREIRA. António. Direito do Trabalho e Ideologia. Coimbra: Almedina, 2001. p. 23-24.
"A experiência tem demonstrado, efetivamente, que a organização sindical dos operários corrige os maiores defeitos do regime capitalístico e atenua as imposições da grande indústria, quase insuportáveis, e dia a dia mais vexatórias e deprimentes.
(...)
De fato: a liberdade individual sòmente poderia bastar para assegurar a harmonia coletiva, se não houvesse profundas desigualdades das fôrças individuais, a liberdade sem freio tornou-se uma causa fatal de usurpação e de opressão.
isolamento entre os assalariados foi o meio mais seguro de conduzi-los ao estado de inferioridade em que se encontram.
(...)
Até hoje, a mercadoria que se chama trabalho tem sido vendida a retalho, parcela por parcela, por homens isolados; presentemente, é preciso, por meio de associação, estabelecer o comércio por atacado, coletivo, dessa mercadoria que se chama trabalho humano.
É o ideal a atingir, incontestàvelmente, esse da substituição do contrato individual pelo contrato coletivo de trabalho. E o sindicato operário está destinado a realizar essa revolução no sistema industrial moderno.
(...)
Demais, embora legalmente possam êles tomar o compromisso do trabalho em nome dos operários sindicalizados, nada obriga êstes últimos a permanecerem fiéis ao mesmo compromisso. É preciso, pois, estender a ação dos sindicatos, proteger oficialmente sua organização, dar-lhes fôrças, recursos e valimento. (...) E a ação dos sindicatos se imporá, em especial, na regulamentação das condições do trabalho assalariado." MORAES. Evaristo de. Apontamentos de Direito Operário. 4ª Edição fac-similar. São Paulo: LTr, 1998. p. 93-104.
"Art. 8º. É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:
(...)
III – ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas;
IV – a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei."
(...)
"Art. 513. São prerrogativas dos sindicatos:
a)representar, perante as autoridades administrativas e judiciárias, os interesses gerais da respectiva categoria ou profissão liberal ou os interesses individuais dos associados à atividade ou profissão exercida;
b)celebrar contratos coletivos de trabalho;
c)eleger ou designar os representantes da respectiva categoria ou profissão liberal;
d)colaborar com o Estado, como órgãos técnicos e consultivos, no estudo e solução dos problemas que se relacionam com a respectiva categoria ou profissão liberal;
e)impor contribuições a todos aqueles que participarem das categorias econômicas ou profissionais ou profissões liberais representadas.
Parágrafo único. Os sindicatos de empregados terão outrossim, a prerrogativa de fundar e manter agências de colocação."
De modo ainda mais preciso, Heloísa Carpena assinala que "exercer legitimamente um direito não é apenas ater-se à sua estrutura formal, mas sim cumprir o fundamento axiológico-normativo que constitui este mesmo direito, que justifica seu reconhecimento pelo ordenamento, segundo o qual será aferida a validade do seu exercício." CARPENA. Heloísa. Abuso de Direito nos Contratos de Consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 380.
Após isto, abrir-se-á prazo de 30 (trinta) dias para a impugnação do pedido por entidades cuja representatividade coincida com a do postulante. Não havendo a apresentação de impugnações tempestivas ou, em caso afirmativo, inexistindo afronta ao princípio da unicidade, o Ministério do Trabalho e Emprego concederá o registro pleiteado, nos termos do art. 14, II c/c o art. 10, V do referido regulamento.
Para a inserção entre nós de um sistema de aferição em torno da maior representatividade sindical sem ofensa ao art. 8°, II, da Constituição Federal, vide o nosso Sindicato Mais Representativo e Mutação Constitucional (São Paulo: LTr, 2007).