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O art. 187 do Código Civil e a criação abusiva de entidades sindicais de trabalhadores.

Contributos da teoria do abuso de direito para a efetiva representatividade sindical

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10/03/2009 às 00:00
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Para que os sindicatos obreiros sejam um vetor de contraforça aos desígnios empresariais, é essencial que tenham intuito de cumprir com suas funções precípuas de defesa dos interesses dos trabalhadores.

INTRODUÇÃO.

A organização dos trabalhadores em sindicatos profissionais e a efetiva atuação destes últimos na defesa dos interesses de suas respectivas categorias constituem condições imprescindíveis para a superação da natural hipossuficiência dos obreiros individualmente considerados em relação aos empregadores. O advento das entidades representativas viabilizou a formação de um contrapoder em relação ao empresariado na definição das condições de trabalho, cujo afloramento jamais seria possível no vetusto esquema de relações individuais do liberalismo clássico.

Entretanto, para que os sindicatos obreiros logrem ser efetivamente um vetor de contraforça aos desígnios empresariais, é essencial que a criação de tais entidades se faça no lídimo intuito de dotá-las de efetiva capacidade para cumprir com suas funções precípuas de defesa dos interesses dos trabalhadores. Do contrário, estabelecer-se-á situação de vácuo representativo a propiciar a atuação unilateral dos empregadores na fixação das condições laborais em total contrasenso aos desígnios que inspiraram o advento do sindicalismo.

Faz-se necessário, portanto, que a análise em torno da legitimidade da constituição dos sindicatos transcenda a singela perquirição acerca do preenchimento de requisitos meramente formais, de modo a investigar se a criação das entidades tem por efetivo escopo a defesa dos interesses dos trabalhadores ou se, ao revés, tem por móveis condutores finalidades estranhas às relevantes funções confiadas às organizações representativas.

A pertinência de tal observação ganha relevo no atual contexto jurídico pátrio, em que, ironicamente, o modelo de unicidade sindical por categoria e base territorial mínima plasmado no art. 8º, II, da Constituição convive com a ampla possibilidade de criação de entidades por desmembramento (especificação de espaços geográficos) ou dissociação (especificação de grupos profissionais), a teor do art. 571 da CLT, facilitada sobremaneira pela insubsistência do enquadramento sindical de outrora.

Na vigência de tal sistemática verifica-se a existência de entidades sindicais cuja constituição por desmembramento ou dissociação, muito embora se faça em estrita observância aos requisitos formais necessários para tanto, ocorre à revelia da vontade do grupo a ser representado e acaba tendo muitas vezes por intuito a promoção pessoal dos respectivos dirigentes ou o simples recolhimento da contribuição sindical a ser descontada compulsoriamente da categoria, sem que haja qualquer preocupação com a efetiva representatividade.

Nesse sentido, há de se reconhecer, primeiramente, que o arcabouço normativo pátrio a regulamentar o direito coletivo do trabalho e, mais especificamente, a constituição de entidades sindicais, não reúne mecanismos aptos a debelar de maneira eficaz a criação fraudulenta de organizações formalmente válidas, mas substancialmente carentes de representatividade e inaptas à consecução de seus fins sociais.

Tal situação faz surgir, portanto, típico suposto de aplicação do art. 8º, parágrafo único da CLT, em que o direito coletivo do trabalho deverá valer-se de institutos oriundos do direito civil para que seus desígnios protetivos possam se materializar, sob pena de desvirtuação das próprias funções atribuídas aos sindicatos.

E tais institutos cíveis a orientarem a investigação em torno da legitimidade substantiva das entidades sindicais obreiras far-se-ão representados pela "boa-fé" e pelo "abuso do direito", a propalarem hodiernamente o exercício das faculdades jurídicas de acordo com os fins sociais e econômicos a elas subjacentes, na acepção do art. 187 do Código Civil:

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Propor-se-á, portanto, no presente artigo, um modelo de legitimidade a qualificar as entidades sindicais por intermédio da análise substantiva acerca de seu interesse e capacidade na consecução dos fins sociais subjacentes ao sindicalismo, pautado pela noção de "abuso de direito" a constar do art. 187 do Código Civil.

Nesse ínterim, verificar-se-á que as garantias derivadas da liberdade sindical individual – em especial a faculdade de criar entidades sem a interferência do Estado e de terceiros – qualificam-se, na teoria das relações jurídicas, como direitos potestativos, cujo exercício, no atual estágio evolutivo do conceito, exige a estrita observância a os fins sociais que justificam sua alocação no ordenamento jurídico.

Em seguida, procurar-se-á identificar com maior precisão quais as finalidades sociais a justificarem a criação de entidades sindicais e, nessa toada, quais os limites à dissociação e ao desmembramento cuja ultrapassagem configura o abuso de direito combatido pelo novel Código Civil.

Com esta abordagem do problema, estar-se-á conferindo aos operadores do direito um mecanismo de atuação apto não só a controlar a criação desmesurada de entidades sindicais - típica do modelo brasileiro de unicidade - como também a possibilitar a aferição da efetiva representatividade exercida por tais entes, em benefício último do almejado equilíbrio nas relações laborais.


1 – A LIBERDADE DE CRIAÇÃO DE ENTIDADES SINDICAIS COMO DIREITO POTESTATIVO A SER EXERCIDO NOS LIMITES DE SEUS FINS SOCIAIS.

O direito à liberdade sindical compreende, em sua acepção clássica, um espectro de faculdades exercitáveis pelos trabalhadores individualmente considerados (liberdade sindical individual positiva ou negativa) e outra vertente coletiva, a englobar garantias atribuíveis às entidades já constituídas (liberdade sindical coletiva).

Para o presente artigo, interessa-nos, por evidente, a análise da liberdade sindical no plano individual/positivo, em que se enquadra a faculdade de criar sindicatos titularizada pelos trabalhadores, a integrar os chamados "direitos potestativos" classificados por Giuseppe Lumia como aqueles em que "o interesse do sujeito agente é tutelado mediante o poder conferido a ele próprio de criar, modificar ou extinguir unilateralmente situações jurídicas nas quais outros sujeitos sejam interessados."

De fato, a criação de um novo sindicato por determinado grupo de trabalhadores não é, em regra, oponível pelos sujeitos coletivos diretamente afetados por tal decisão, quais sejam, os empregadores, o Poder Público e a entidade a ser desmembrada, sob a alegação de um pretenso direito subjetivo à não-constituição do novel ente.

Nesse sentido, a análise de tal circunstância aliada à leitura perfunctória dos dispositivos legais pátrios aplicáveis à matéria (art. 8º, I e II, da Constituição Federal, Título V, da CLT e Portaria nº 186, de 10.4.2008, do Ministério do Trabalho e Emprego) poderia levar à errônea conclusão de que o exercício pleno do direito potestativo à criação de entidades sindicais encontra-se pautado apenas pela observância à regra da unicidade, à exigência de base territorial mínima municipal e aos demais requisitos formais necessários à concessão do registro previstos naquele regulamento ministerial.

No entanto, muito embora a criação de entidades sindicais constitua, de fato, um direito potestativo na forma estabelecida pela teoria das relações jurídicas, não quer isto dizer que o exercício da referida faculdade mediante a singela observância aos sobreditos requisitos possa ocorrer de modo absoluto, sem a observância às finalidades que norteiam a organização sindical pátria.

Com efeito, o próprio direito civil já superou há muito a concepção individualista pura, fundada no princípio da autonomia privada em sua acepção clássica e na noção de que o exercício das faculdades jurídicas interessa apenas a seus titulares, para reconhecer a existência de um princípio de solidariedade social a limitar a plena fruição dos direitos e a exigir, para tanto, a observância a certos fins coletivos.

Se tal assertiva é verdadeira para o direito civil, também o é – e com mais força – para os fenômenos regulamentados pelo direito individual e coletivo do trabalho, cujo surgimento como disciplina autônoma no Séc. XIX teve por justificativa a necessidade de se limitar a autonomia privada clássica no âmbito das relações laborais, mais precisamente no que concerne à "livre" pactuação das condições de trabalho num contexto marcado pela abissal desigualdade de forças entre as partes contratantes.

Nesse sentido, há de se ressaltar que a implementação efetiva do conjunto de princípios e regras a definir o que hoje se conhece por "direito do trabalho" somente foi possível graças à tomada de consciência coletiva por parte do proletariado a respeito de sua vulnerabilidade social, sucedida pela mobilização esporádica através das coalizões, em um primeiro momento, e, posteriormente, por intermédio da criação e do reconhecimento dos sindicatos.

E se no passado a mobilização dos trabalhadores nesse sentido foi fundamental para a implementação de um arcabouço jurídico voltado para a superação das aviltantes condições sociais então vigentes, no presente, a atuação efetiva e verdadeiramente representativa dos atuais sindicatos é condição essencial para assegurar o equilíbrio nas relações entre obreiros e empregadores, de modo a evitar a preponderância destes últimos, tal como ocorria sob o império da autonomia privada absoluta.

Pode-se dizer, portanto, que o fim social a nortear a constituição e a atuação das entidades sindicais consiste, justamente, na busca do sobredito equilíbrio de forças. E para a consecução de tal finalidade, os ordenamentos jurídicos democráticos não só reconhecem aos sindicatos o direito à livre e autônoma organização interna, como também lhes confiaram uma série de funções institucionais, dentre as quais destacam-se a promoção da negociação coletiva e a representação judicial e extrajudicial dos interesses coletivos do grupo profissional.

Disso se infere que as funções atribuídas aos sindicatos em defesa dos interesses de suas respectivas categorias constituem verdadeiros "poderes-deveres", o que conduz, por via de consequência, à necessidade de que aquelas entidades não só sejam constituídas genuinamente no fito de exercer tais prerrogativas, como também estejam aptas a fazê-lo.

É justamente nesse ponto que as noções de "boa-fé" e "abuso do direito" talhadas no art. 187 do Código Civil importam para a constituição das entidades sindicais. Com efeito, para que a criação destas últimas seja plenamente lícita, não basta apenas cumprir com os requisitos formais elencados na legislação específica. Hão de ser elas, paralelamente a isto, efetivamente criadas com vistas à defesa dos interesses da categoria e substancialmente dispostas à fazê-lo.

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Dito em outros termos, o direito potestativo à criação de entidades obreiras- aí destacadas a dissociação e o desmembramento - somente poderá ser exercido por seus titulares (os trabalhadores) se a constituição do ente não comprometer o pleno cumprimento daquelas finalidades sociais atribuídas à organização sindical no fito de assegurar o equilíbrio entre os atores das relações laborais e a efetiva representatividade da categoria, conforme se infere do magistério de Pietro Perlingieri:

No ordenamento moderno, o interesse é tutelado se, e enquanto for conforme não apenas ao interesse do titular, mas também àquele da coletividade. Na maior parte das hipóteses, o interesse faz nascer uma situação subjetiva complexa, composta tanto de poderes quanto de deveres, obrigações, ônus.

(...)

No vigente ordenamento não existe um direito subjetivo (...) ilimitado, atribuído ao exclusivo interesse do sujeito, de modo tal que possa ser configurado como entidade pré-dada, isto é, preexistente ao ordenamento e que deva ser levada em consideração enquanto conceito ou noção, transmitido de geração em geração. O que existe é um interesse juridicamente tutelado, uma situação jurídica que já em si mesma encerra limitações para o titular. (...) O ordenamento tutela um interesse somente enquanto atender àquelas razões, também de natureza coletiva, garantidas com a técnica das limitações e dos vínculos. Os limites, que se definem externos ao direito, na realidade não modificam o interesse pelo externo, mas contribuem à identificação da sua essência, da sua função.

Do contrário, se o direito potestativo à criação de entidades sindicais for exercido no fito de concretizar objetivos estranhos àquelas finalidades históricas que permeiam o sindicalismo, ter-se-á aí configurado o abuso do direito mencionado no art. 187 do Código Civil, restando comprometida, por conseguinte, a validade dos atos constitutivos do novo ente, bem como a sua própria existência.

Daí a necessidade de se buscar mecanismos voltados para a coibição da constituição abusiva de sindicatos, a fim de operacionalizar a aplicação prática do art. 187 do Código Civil, transformando-o em efetivo instrumento de averiguação em torno da legitimidade substancial do imenso número de entidades criadas nos moldes formais talhados pelo princípio da unicidade aliado à possibilidade legal de dissociação e desmembramento.


2 – OS SUPOSTOS DE MATERIALIZAÇÃO DO ABUSO DO DIREITO POTESTATIVO À CRIAÇÃO DE ENTIDADES SINDICAIS E SUA COIBIÇÃO.

A análise da estrutura de organização sindical plasmada no art. 8° da Constituição Federal e no Título V da CLT conduz à conclusão de que esta última potencializa a constituição abusiva de entidades voltadas para fins alheios à efetiva representatividade do grupo obreiro e à busca do equilíbrio de forças com a categoria patronal correspondente.

De fato, a possibilidade de dissociação e desmembramento em relação às entidades já constituídas mediante a observância de exigências meramente formais, aliada à inexistência, na legislação pátria, de requisitos substantivos voltados para a aferição da efetiva representatividade exercida pelo ente a ser criado e a subsistência da contribuição sindical compulsória a ser descontada da totalidade da categoria são condições convidativas à criação de entidades destituídas de finalidades lícitas, na acepção constante do art. 187 do Código Civil.

Tal constatação explica, em certa medida, a enorme quantidade de sindicatos, federações e confederações registradas no Ministério do Trabalho e Emprego, a ultrapassar, em números atuais, as 20.000 (vinte mil) entidades, bem como o crescente número de embates travados no âmbito do Poder Judiciário a respeito da validade dos registros conferidos por aquele órgão da Administração Pública direta.

A fim de suplantar tal situação que redunda, ao fim e ao cabo, em notórios prejuízos aos integrantes das categorias obreiras pretensamente representadas, faz-se mister elencar, ainda que em rol meramente exemplificativo, as situações mais comuns a configurarem o abuso do direito à constituição de entidades sindicais e, em seguida, as formas de coibição a decorrerem da aplicação em concreto do art. 187 do Código Civil.

Com efeito, a prática demonstra que já durante a implementação dos atos constitutivos da nova entidade, verifica-se a ocorrência de situações provocadas por seus fundadores no intuito deliberado de dificultar a divulgação das respectivas assembleias, bem como de obstar a participação da categoria a ser representada, no fito de impedir a prevalência de manifestações em sentido contrário ao desmembramento ou dissociação.

Tais supostos afiguram-se abusivos, a teor do art. 187 do Código Civil, na medida em que sua materialização, muito embora não contrarie, a princípio, as formalidades legais pertinentes e nem encontre vedação expressa no direito positivo, acaba por resultar no advento de entidades sindicais cujo processo de criação não contou com a efetiva participação da categoria e que tendem a não primar pela defesa dos interesses desta última, carecendo, portanto, de representatividade.

Como exemplo de situações desse jaez, tem-se a corriqueira publicação de editais de convocação em periódicos desconhecidos, de circulação restrita ou sabidamente ignorados pela categoria a ser representada, acompanhada da designação de datas e horários pouco atraentes (vg: em fins de semana e feriados) e de locais ermos para a realização da respectiva assembleia.

E como se já não bastassem as tentativas de dificultar a divulgação dos sobreditos atos coletivos e a participação da categoria nestes últimos, observa-se, com assustadora frequência, o recurso à contratação de seguranças com o pretexto de manter a ordem no recinto em que se realiza a assembleia de dissociação ou desmembramento, a mascarar o real intuito de impedir o ingresso de integrantes do grupo profissional naqueles locais, muitas vezes com o uso de coação moral ou mesmo de violência física.

Nessas situações, verifica-se que a participação nas respectivas assembleias de dissociação ou desmembramento se limita a um número ínfimo de interessados, cujo quantitativo, em determinados casos, não ultrapassa a casa das dezenas, afigurando-se, portanto, ínfimo em relação à totalidade da categoria a ser pretensamente representada.

Mesmo quando o pedido de registro sindical é precedido de tais circunstâncias, o Ministério do Trabalho e Emprego tende a aceitá-lo, uma vez que a Portaria nº 186/2008 exige para tanto apenas a juntada do estatuto da nova entidade, acompanhado da ata da assembleia de criação e de eleição da primeira diretoria, bem como do edital de convocação da categoria para o referido ato coletivo devidamente publicado nos órgãos oficiais de imprensa e em jornal de grande circulação.

E havendo impugnação ao pedido de registro sindical, nos termos do Capítulo II da Portaria MTE nº 186/2008, a análise deste último pelo Ministério do Trabalho e Emprego cingir-se-á à verificação em torno do conflito de representatividade e base territorial entre as entidades impugnadas e impugnantes, não havendo espaço, nessa instância, para a averiguação acerca das vicissitudes ocorridas anteriormente ao início do procedimento administrativo e de seu caráter abusivo.

Ao fim e ao cabo, em se materializando o arquivamento das impugnações oferecidas e estando o pedido acompanhado dos documentos exigidos pelo art. 2º da Portaria nº 186/2008, o Ministro do Trabalho estará vinculado à concessão do registro sindical à nova entidade.

Com a concessão do registro sindical, abrir-se-á caminho para que a nova entidade passe a recolher as contribuições descontadas compulsoriamente da categoria em sua respectiva base territorial, independentemente da atuação efetiva exercida em defesa dos interesses do referido grupo profissional. Ter-se-á, nesse caso, típico exemplo do que se conhece coloquialmente como "sindicato de cartório"

Há de se destacar, nesse diapasão, que o simples advento dos chamados "sindicatos de cartório" configura, por si só, abuso de direito a teor do art. 187 do Código Civil. Com efeito, muito embora as entidades nessa situação reúnam todos os requisitos formais para se qualificarem como "sindicatos", sua existência volta-se para finalidades alheias à efetiva defesa dos interesses da categoria na busca do equilíbrio de forças com os empregadores.

Mais precisamente, ainda que o chamado "sindicato de cartório" esteja formalmente constituído de acordo com os requisitos legais, sua atuação não visa a representatividade efetiva da categoria, mas sim a busca de promoção pessoal por parte de seus dirigentes ou o mero recolhimento da contribuição compulsória. Nisso reside, justamente, a subversão da finalidade social do direito potestativo à constituição de entidades sindicais combatida pelo art. 187 do Código Civil.

Dada a multiplicidade de situações passíveis de configurar as desvirtuações finalísticas aqui relatadas, a coibição de tais práticas por parte do Poder Judiciário não prescinde da análise individualizada e aprofundada dos casos postos à sua apreciação, para que se possa decidir, ao fim e ao cabo, se as hipóteses se enquadram na noção legal de abuso de direito.

Dito em outros termos, trata-se da adoção de uma nova postura diante do problema a ser tomada pelos órgãos judiciais, a exigir a superação da idéia de que a legalidade das entidades sindicais reside no simples atendimento aos requisitos formais de constituição e funcionamento estabelecidos em lei.

Para tanto, impende reconhecer, em primeiro lugar, que a amplitude e a indeterminação do texto do art. 187 do Código Civil tem por intuito, justamente, assegurar sua aplicação à totalidade das situações a denotarem a desvirtuação dos fins subjacentes às faculdades titularizadas pelos mais diversos sujeitos de direitos.

Com isto em mente, impõe-se, em seguida, o reconhecimento de que caberá ao juiz promover a integralização prática do conteúdo do art. 187 do Código Civil, aplicando-o aos casos concretos postos à sua análise e verificando, desse modo, se a criação e a subsistência das entidades sindicais atendem os fins sociais a elas subjacentes, tal como determina o dispositivo legal em referência.

Se compreendida desta forma, a aplicação do art. 187 do Código Civil às situações de abuso do direito potestativo à constituição de sindicatos acabará por contribuir substancialmente para a concretização dos princípios da liberdade e da autonomia sindical (art. 8º, caput e I, da Carta Magna), a propalarem a atuação representativa e independente das entidades com vistas à efetiva defesa dos interesses de suas categorias, de modo a contemplar o almejado equilíbrio nas relações entre empregados e empregadores.

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Sobre o autor
Paulo Roberto Lemgruber Ebert

Advogado. Doutorando em Direito do Trabalho e da Seguridade Social na Universidade de São Paulo-USP. Pós-Graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília - UnB. Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário de Brasília - UniCEUB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EBERT, Paulo Roberto Lemgruber. O art. 187 do Código Civil e a criação abusiva de entidades sindicais de trabalhadores.: Contributos da teoria do abuso de direito para a efetiva representatividade sindical. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2078, 10 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12443. Acesso em: 26 abr. 2024.

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