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Estudo sobre oficinas referenciadas no mercado de seguro de automóvel no Brasil.

Estudo do Projeto de Lei nº 272/2008, do Estado de São Paulo

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13/03/2009 às 00:00
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4. O PROJETO DE LEI 272, DE 2008 – CONTRIBUIÇÃO PARA O APRIMORAMENTO DA PROPOSTA LEGISLATIVA.

Em 14 de abril de 2008, o Deputado Estadual Fernando Capez apresentou projeto de lei à Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, vedando totalmente a imposição de oficinas referenciadas por parte das sociedades seguradoras para seus segurados ou terceiros.

Na justificativa do projeto o deputado estadual enfatiza que a proposição tem por objetivo "proteger os direitos dos segurados e terceiros em relação às seguradoras que têm imposto uma série de condições para cumprir com a sua parte nos contratos de seguro."

Afirma ainda a justificativa que "(...) as seguradoras não têm respeitado o direito básico da liberdade de escolha dos segurados em relação à oficina reparadora responsável pelo conserto dos veículos sinistrados, obrigando-os a somente reparar seus veículos em oficinas credenciada/referenciada."

Sendo essas as premissas sobre as quais se assenta o projeto de lei, a reflexão que ora se constrói propõe a análise de três aspectos: a) a razão do credenciamento/referenciamento de oficinas por parte das sociedades seguradoras; b) a liberdade do segurado na escolha e mitigação da vulnerabilidade; c) as alternativas possíveis para o aparente impasse existente.

Focando o primeiro aspecto, vale lembrar que referenciar ou credenciar oficinas e outros prestadores de serviço nas diferentes áreas do conhecimento é papel fundamental das sociedades seguradoras na regulação de sinistro, conforme salientado no item 02 deste trabalho.

Durante a fase de regulação de um risco materializado, ou de um sinistro para utilizar a linguagem técnica de seguros, compete às sociedades seguradoras avaliar a natureza do dano, ou seja, se ele é efetivamente decorrente de um risco predeterminado previsto no contrato; e, a extensão desse dano, normalmente consubstanciado no valor necessário para a reparação do bem sinistrado.

Nos seguros de automóvel ocorrido o sinistro e comunicado o mesmo à sociedade seguradora, ela deverá imediatamente certificar-se de que o risco materializado está no elenco de riscos predeterminados previstos no contrato de seguro. Superada essa checagem compete à sociedade seguradora mensurar a extensão dos danos e os valores necessários para reparar esses danos.

Assim, se houve uma colisão contra uma árvore, por exemplo, e o condutor não tiver agido de forma dolosa mas apenas e tão somente culposa o risco estará entre aqueles predeterminados no contrato. Cabe então mensurar quais os estragos decorrentes da colisão e quantificar os valores necessários para que se possa reparar o veículo e permitir que retorne ao estado em que se encontrava antes da colisão.

O terceiro passo do processo de regulação de sinistro consiste em viabilizar que os reparos ocorram com qualidade e em um tempo razoável, de sorte a não trazer mais prejuízos ao contratante ou consumidor.

Não basta, portanto, que se chegue ao valor necessário para a indenização, é preciso também garantir que os reparos sejam realizados com qualidade e que o segurado tenha seu interesse legítimo devidamente protegido.

Ao mensurar a extensão do dano nos sinistros amparados por contrato de seguro de automóvel durante a fase de regulação de sinistro, as sociedades seguradoras determinam que partes do bem prejudicado deverão ser reparadas, quais as peças que deverão ser substituídas e quais poderão ser reparadas e recolocadas no veículo, por exemplo.

Essa mensuração da extensão dos danos é papel das sociedades seguradoras derivado do seu dever fundamental de administrar o fundo comum, impedindo que ele sofra perdas indevidas que repercutirão para todos os demais participantes do grupo, inclusive majorando sensivelmente os valores de prêmio de seguro a serem pagos em período subseqüente de contratação.

Quem mensura extensão de danos e por vezes limita substituição de peças e componentes do veículo assume, subsidiariamente, a responsabilidade pelos serviços realizados.

Essa conclusão é resultado da interpretação sistemática e axiológica que o parágrafo único do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor permite. Determina o mencionado parágrafo que: "Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo."

Analisado o parágrafo único do artigo 6º de forma integrada com os artigos 18 e 19, caput, artigo 25 parágrafos primeiro e segundo e artigo 34, todos do Código de Defesa do Consumidor, é possível concluir que as sociedades segurados no momento que fixam a extensão dos danos e autorizam a efetivação de serviços de reparo que serão por ela remunerados, assumem a responsabilidade solidária prevista na lei consumerista pela prestação do serviço.

Nesse sentido, os Tribunais de Justiça do Estado de S.Paulo e do Rio de Janeiro já haviam determinado que:

PODER JUDICIÁRIOSÃO PAULOTRIBUNAL DE JUSTIÇASEÇÃO DE DIREITO PRIVADO36" CÂMARAAPELAÇÃO SEM REVISÃO N.° 900.586-0/0APELANTE: Marítima Seguros S/AAPELADO: Ademar Teixeira de CarvalhoCOMARCA: São Paulo - 11" V. Cível (Proc. n.° 64907/04)VOTO N.° 2113EMENTA:ACIDENTE DE VEÍCULO - SEGURO - OBRIGAÇÃODE FAZER - RELAÇÃO DE CONSUMOCONFIGURADA - RESPONSABILIDADE SOLÍDARIACOM OFICINAS CREDENCIADAS, CONVENIADASOU TERCEIRIZADAS PELOS DANOS CAUSADOS AOCONSUMIDOR - OCORRÊNCIA - DANO MORAL PRODUÇÃO DE PROVAS - DESNECESSIDADE INDENIZAÇÃO MANTIDA.

Apelação Improvida.2007.001.52827 - APELACAO CIVEL - 1ª Ementa

DES. CONCEICAO MOUSNIER - Julgamento: 08/10/2007 - VIGESIMA CAMARA CIVEL.

Ação indenizatória por danos materiais e morais. Contrato de seguro de automóvel. Roubo do veículo segurado. Má prestação do serviço. Sentença julgando procedente o pedido. Inconformismo da seguradora 1ª Ré. Entendimento desta Relatora quanto à parcial reforma da sentença a quo somente para fixar o termo a quo da correção monetária incidente sobre a condenação a título de danos morais a contar da publicação da sentença. S. 97 do TJRJ. Agravo retido não conhecido, tendo em vista o descumprimento do disposto no art. 523, § 1°, do CPC. Inexistência de cerceamento de defesa. Incidência do CoDeCon. Responsabilidade solidária das Rés (seguradora e oficina). O atraso de 6 meses na entrega do veículo ultrapassa os meros aborrecimentos do dia-a-dia. Configuração de dano extra patrimonial, adequadamente fixado em R$ 7.600,00. Danos materiais devidos, pois comprovados por meio de recibos. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO APELO na forma do art. 557, § 1°-A, do CPC.

Nos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais o tema foi tratado da mesma maneira, ou seja, com a condenação solidária de sociedades seguradoras e oficinas.

TIPO DE PROCESSO: Recurso Cível

NÚMERO:

 71000981381   Inteiro Teor   Decisão: Acórdão

RELATOR: Ricardo Torres Hermann

EMENTA: AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. CONTRATO DE SEGURO FACULTATIVO DE VEÍCULO. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO SERVIÇO. OFICINA MECÂNICA INDICADA PELA SEGURADORA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. SUBTRAÇÃO DE PEÇAS DO VEÍCULO E DO DOCUMENTO DE REGISTRO. CONSERTO DEFICIENTEMENTE PRESTADO. NECESSIDADE DE ALUGUEL DE RODAS E PNEUS. GASTOS COM TÁXI. ALUGUEL DE VÍCULO PARA VIAGEM. DANOS MORAIS EVIDENCIADOS. 1. Não se trata de mero vício de qualidad...

DATA DE JULGAMENTO: 09/11/2006

Número do processo: 1.0024.04.493505-4/001(1)

Relator: UNIAS SILVA

Relator do Acórdão: UNIAS SILVA

Data do Julgamento: 11/03/2008

Data da Publicação:

05/04/2008

Inteiro Teor:

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - SINISTRO - CONTRATO DE SEGURO DE VEÍCULO - ROUBO - RECUPERAÇÃO - CONSERTO - OFICINA - PRAZO CONTRATUAL PARA REGULAÇÃO TOTAL DO SINITRO - 30 DIAS - PERDA TOTAL - NÃO OCORRÊNCIA - DEMORA INJUSTIFICADA - DANOS MORAIS EXISTENTES.A seguradora e a oficina mecânica onde se encontra para conserto o veículo sinistrado não podem ultrapassar injustificadamente o prazo previsto no contrato para devolução do bem devidamente consertado, sob pena de serem condenadas ao pagamento de uma indenização por danos morais ao cliente.

Diante desse entendimento, as sociedades seguradoras passaram a credenciar/referenciar oficinas mecânicas para serem utilizadas pelos segurados para os reparos de seus veículos, ou ainda dos veículos de terceiros nos casos de seguros de responsabilidade civil facultativa de veículos. Essas oficinas que devem atender a critérios de qualidade e eficiência propostos pelas sociedades seguradoras, são visitadas por técnicos em reparos automotivos que avaliam as condições de trabalho apresentadas e se comprometem a manter padrões de qualidade, eficiência e segurança sob pena de não serem referenciadas por seguradoras.

Os critérios para escolha são eminentemente técnicos, mas sem dúvida existem também componentes de ordem mercadológica que precisam ser considerados.

Ao ser referenciada por uma sociedade seguradora a oficina adquire a expectativa de receber uma significativa quantidade de serviços, com regularidade e de forma sistemática. Também adquire a expectativa de construir uma relação comercial que permita práticas que não seriam possíveis para clientes com atendimento esporádico, como por exemplo, uma melhor precificação do valor da hora-trabalhada ou, ainda, a prioridade no atendimento dos casos encaminhados pela sociedade seguradora com redução do tempo do veículo na oficina, ou também o atendimento de requisitos de qualidade e eficiência mais minuciosos, exigidos pelo parceiro regular.

Essa relação comercial e técnica mais fortalecida que se estabelece entre aquele que seleciona e credencia e aquele que é selecionado e credenciado é fruto das relações de mercado, relações que como se sabe tem natureza econômica mas não se limitam a essa dimensão, alcançando também aspectos de direito, de política e de ética.

Nesse sentido, Perlingieri afirma

Mercado e iniciativa econômica privada, colocados no sistema sócio-normativo historicamente determinado, são noções não apenas de forte valor jurídico, mas também ideologicamente emblemáticas.

As perspectivas são multiformes e antagonistas: mercado como garantia ou negação da liberdade, lugar dos méritos pessoais ou ocasiões de sorte e de risco, fator de subjetividade ou de homologação, rede de cooperação ou arena conflitual. É inegável, além disso, que o desenvolvimento histórico do mercado, na grande variedade de suas formas, colocou em evidência a progressiva necessidade de direção ética e jurídica da vida econômica. (O Direito Civil na Legalidade Constitucional, 2008, p. 500)

O mercado é, portanto, o espaço privilegiado da atividade econômica na sociedade contemporânea, mas que não se limita ao econômico incluindo aspectos éticos e jurídicos que se impõe pela própria natureza da atividade econômica e de sua repercussão na vida dos seres sociais, na proteção ou no ultraje da dignidade das pessoas humanas destinatárias dessa atividade econômica.

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A construção de uma parceria entre os agentes que realizam negócios de forma reiterada e sistemática pode alcançar parte dessa dimensão ética e jurídica, apresentando traços de moralidade fortalecidos pela confiança e parceria que relações contínuas e cotidianas costumam propiciar.

Em princípio, portanto, não há nada condenável seja no âmbito empresarial ou no aspecto de defesa do consumidor que agentes econômicos fortaleçam laços de parceria e trabalho conjunto, sempre que respeitados os aspectos éticos e jurídicos dessas parcerias e, em conseqüência, respeitados os direitos do consumidor.

No aspecto jurídico as parcerias entre sociedades seguradoras e oficinas referenciadas está garantido pela proteção do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil brasileiro, ambas leis nascidas sobre a égide de uma nova ordem jurídica instaurada a partir da Constituição Federal de 1988, com marcante dimensão protecionista da dignidade da pessoa humana em todos os seus múltiplos aspectos.

Ao indicar uma oficina referenciada a sociedade seguradora assume, imediatamente, a responsabilidade solidária sobre a qualidade e eficiência dos serviços prestados. Mas isso não é tudo. Ao indicar ao consumidor que utilize os serviços de uma oficina mecânica referenciada, a sociedade seguradora contribui para mitigar a vulnerabilidade do consumidor.

A utilização de veículos de passeio nos grandes centros urbanos é cada vez mais imperiosa, seja pelo exacerbado crescimento das cidades, seja pela fragilidade do transporte coletivo que não atende satisfatoriamente todos aqueles que dele necessitam. Utilizar um veículo de passeio para se deslocar de casa para o trabalho e deste para outras atividades regulares, como escola, universidade, centros de compra, academias de ginástica, práticas de lazer, entre outras, tornou-se um hábito de grande parte dos moradores.

Para minimizar essa responsabilidade assumida automaticamente a partir da indicação de uma oficina referenciada, as sociedades seguradoras são rigorosas na escolha de seus credenciados ou referenciados, realizando visitas prévias para análise de equipamentos e de pessoal técnico utilizado, tempo de serviço médio, precificação praticada, fornecedores de peças e equipamentos, entre outros itens avaliados previamente à escolha.

Os parâmetros de avaliação que as sociedades seguradoras utilizam não são aleatórios. Ao contrário, são fruto de pesquisas realizadas pelo CESVI BRASIL, Centro de Experimentação e Segurança Viária) que é o único centro de pesquisa do país dedicado ao estudo da reparação automotiva, tendo sido ainda o primeiro da América Latina. O CESVI é membro do RCAR (Research Council for Automobile Repair), um conselho internacional que reúne 26 centros de pesquisa em reparação e segurança viária em todo o mundo.

Os objetivos do Centro de Experimentação e Segurança Viária – CESVI BRASIL são estudar, avaliar e oferecer soluções para os trabalhos de reparação automotiva e contribuir para a prevenção de acidentes automotivos. Para isso ele realiza pesquisas, treinamento e publicações técnicas.

O CESVI mantém convênio com a Confederação Nacional das Empresas de Seguros e Capitalização, a CNSeg, e esse convênio proporciona às seguradoras que integram a confederação que tenham o CESVI como um verdadeiro Núcleo de Pesquisa Automotiva, para o qual são encaminhadas consultas e do qual recebem informações técnicas referentes a reparação dos diversos veículos disponíveis no mercado de automóveis.

As exigências que as sociedades seguradoras fazem para avaliar uma oficina reparadora e concluir se ela pode ou não ser credenciada ou referenciada são oriundas das informações técnicas desse Núcleo de Pesquisa Automotiva. É a partir do resultado dos estudos e pesquisas do Núcleo que as sociedades seguradoras estabelecem parâmetros que deverão obrigatoriamente ser atendidos pelas oficinas reparadoras, não apenas no tocante à formação técnica de seus empregados, como também no que se refere a equipamentos e técnicas que devam utilizar.

Infelizmente, nem sempre as reparadoras conseguem atender a esses parâmetros de qualidade técnica, ficando desse modo impedidas de serem relacionadas como referenciadas de sociedades seguradoras.

De outro lado, é essencial que as sociedades seguradoras sejam rigorosamente técnicas em sua avaliação para ingresso de oficinas em sua rede referenciada, porque com isso garantem maior respeito e segurança aos consumidores que forem utilizar os serviços dessas oficinas.

Resta discutir, ainda, se a o credenciamento ou referenciamento de oficinas reparadoras pode significar uma ameaça à livre iniciativa, princípio constitucional fundamental da ordem econômica brasileira.

No sistema constitucional brasileiro os princípios da livre-iniciativa e da livre-concorrência caminham juntos, um garantindo que o outro possa ser respeitado integralmente. Não há liberdade de iniciativa privada possível de ser concretizada se não houver livre concorrência. Em um cenário de monopólio, por exemplo, a liberdade de iniciativa empresarial estará fadada ao insucesso. Empresas que concentram produção e domínio de mercado impedem a concorrência e, com isso, igualmente impedem a liberdade de iniciativa.

José Afonso da Silva adverte

Os dois dispositivos se complementam no mesmo objetivo. Visam tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência, contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista. A Constituição reconhece a existência do poder econômico. Este não é, pois, condenado pelo regime constitucional. Não raro esse poder econômico é exercido de maneira anti-social. Cabe, então, ao Estado intervir para coibir o abuso. (1999, p.769)

Analisando os princípios constitucionais da ordem econômica, Luiz Antonio Rizzatto Nunes enfatiza

Ao estipular como princípios a livre concorrência e a defesa do consumidor, o legislador constituinte está dizendo que nenhuma exploração poderá atingir os consumidores nos direitos a eles outorgados (que estão regrados na Constituição e também nas normas infraconstitucionais). Está também designando que o empreendedor tem de oferecer o melhor de sua exploração, independentemente de atingir ou não os direitos do consumidor. Ou, em outras palavras, mesmo respeitando os direitos do consumidor, o explorador tem de oferecer mais. A regra constitucional exige mais. Essa ilação decorre do sentido da livre concorrência.

Quando se fala em regime capitalista fundado na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais e da cidadania, como é o nosso caso, o que se está pressupondo é que esse regime capitalista é fundado num mercado, numa possibilidade de exploração econômica que vai gerar responsabilidade social, porque é da sociedade que se trata.

(...)

A livre concorrência é essencialmente uma garantia do consumidor e do mercado. Ela significa que o explorador tem de oferecer ao consumidor produtos e serviços melhores do que os de seu concorrente. Essa obrigação é posta ad infinitum, de forma que sempre haja melhora. Evidente que esse processo de concorrência se faz não só pela qualidade, mas também por seu parceiro necessário: o preço. Todo elemento concorrencial na luta pela consumidor é o binômio: "qualidade/preço". (2005, p. 56-57)

A lição do professor Dr. Rizzatto Nunes aborda dois aspectos fundamentais para o tema ora tratado: a necessidade de permanente melhora nos produtos e serviços prestados ao consumidor; e, a necessidade de oferta de boa qualidade acompanhada com boa precificação.

Ao credenciar/referenciar oficinas reparadoras de automóveis, as sociedades seguradoras tentam atender a essas duas exigências emanadas da própria Constituição Federal: oferecer qualidade e bom preço.

De fato, a lógica matemática é a de que quanto menos a seguradora utilizar do fundo comum para pagamento de indenizações, mais sólido e hígido será esse fundo comum permitindo que na renovação dos contratos de seguro após o período de um ano que normalmente vigem, não seja necessário acrescer muito ao valor do prêmio que deverá ser pago pelo segurado.

O aumento de gastos com reparação de veículos repercute na experiência anual do fundo comum, repercute nas reservas que a sociedade seguradora precisa manter por força de lei. Dessa forma, quanto mais o fundo comum for utilizado maior será a necessidade de compensá-lo com o aumento de entrada de capital que virá exclusivamente do pagamento de prêmios de seguro feito pelos próprios segurados.

Hoje se sabe, por meio de estudos sistemáticos de sinistralidade e localização geográfica que algumas regiões do país são mais propensas a furto e roubo de veículos que outras. Nessas localidades de maior incidência de furto e roubo o valor dos prêmios anuais de seguro também é maior, porque o fundo comum é mais utilizado e precisa ser recomposto.

No caso dos reparos de veículos a lógica é a mesma. Quanto mais caros forem os reparos maior será a necessidade de utilizar o fundo comum e, consequentemente, de recompô-lo. Quanto mais ele for utilizado com ciência e eficiência, mais benefício terá o consumidor que contará com serviços de qualidade a preços justos.

Assim, o credenciamento ou referenciamento de oficinas reparadoras não apenas contribui para a melhoria do mercado de reparação de veículos, porque incentiva a constante melhoria de pessoal e de equipamentos utilizados, como também é benéfica para o consumidor que tem sua vulnerabilidade mitigada e, ao mesmo tempo, ganha a parceria das sociedades seguradoras no momento de escolher quem fará os reparos de seu veículo.

Se esses aspectos positivos do referenciamento não podem ser ignorados, resta propor alternativas que possam contribuir para a melhoria do projeto de lei apresentado pelo Deputado Estadual Fernando Capez da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Em princípio, o projeto poderia ser acrescido de dois aspectos fundamentais, para torná-lo totalmente em consonância com a legislação consumerista em vigor:

a) a possibilidade de indicação de oficina referenciada mediante concordância expressa do segurado ou do terceiro;

b) a necessidade de cláusula específica no contrato de seguro a respeito da possibilidade de ser indicada oficina referenciada.

No tocante ao primeiro item, é importante que a lei especifique que as seguradoras poderão indicar oficinas referenciadas, e que os segurados ou terceiros utilizarão essas oficinas se concordarem com o oferecimento. Caso concordem deverão fazê-lo expressamente, por escrito, encaminhando por intermédio da própria oficina, ou por meio eletrônico diretamente para a sociedade seguradora.

Assim, os consumidores que desejarem utilizar os serviços da rede referenciada poderão fazê-lo, bastando que forneçam um comprovante de que foram previamente consultados e concordaram.

Havendo oferta prévia de utilização de oficina reparadora referenciada e concordância do segurado ou do terceiro quanto à utilização do serviço dessa natureza, a sociedade seguradora poderá diferenciar prazos e serviços a serem fornecidos, estabelecendo um diferencial que lhe permita cumprir de forma mais adequada a regra de livre-concorrência e respeito ao consumidor previstas na Constituição Federal.

De fato, se a sociedade seguradora oferece uma rede referenciada previamente analisada e avaliada e para a qual se tem a expectativa de que os serviços serão de melhor qualidade e de melhor preço, é justo que a sociedade seguradora que está assumindo a responsabilidade pela indicação ofereça um tratamento diferenciado ao segurado ou terceiro optante do serviço credenciado.

Essa diferenciação vedada no projeto atende ao disposto no princípio constitucional da livre-concorrência e não ofende a legislação consumerista que, pugna pela oferta de melhores produtos e serviços por melhores preços de modo a oferecer maiores possibilidades para o consumidor de todas as faixas de poder aquisitivo.

Essa diferenciação, a propósito, é prática costumeira de mercado. Os portadores de certos cartões de crédito têm mais benefícios que outros; os correntistas de determinadas instituições bancárias têm maior quantidade de agências e caixas eletrônicos que correntistas de outros bancos; consumidores que escolhem determinados supermercados têm tratamento diferenciado de outros; ser portador de cartão de fidelidade de farmácias, bares, restaurantes ou livrarias permite acesso a descontos que outros consumidores não possuem; as companhias aéreas fornecem programas de milhagem diferenciados para seus consumidores, conforme utilizem maior quantidade de vezes a mesma companhia e adquiram passagens para destinos mais distantes.

O Código de Defesa do Consumidor não veda e nem poderia fazê-lo, a livre concorrência e suas múltiplas formas de manifestação. Ao contrário, como assevera Rizzatto Nunes

Por que a Constituição Federal brasileira assimilou da história essa idéia de livre concorrência? Na verdade, ela assimilou porque a livre concorrência implica proteção ao consumidor.

Pensar, então, essa questão constitucional é entender o que ela quer dizer com livre concorrência e isso só pode significar melhores produtos e serviços a iguais ou menores preços. "Melhor" produto ou serviço quer dizer mais segurança, mais eficiência, mais economia de uso, maior durabilidade, menor índice de quebra (vício) e menor possibilidade de acidente (defeito), etc. (2005, p. 59)

Se as sociedades seguradoras têm elementos técnicos para selecionar no mercado de oficinas reparadoras aquelas que atendem melhor às necessidades de qualidade, eficiência e preço, e se gastam valores pecuniários para aferir e relacionar essas oficinas, é justo que possam oferecer aos segurados e terceiros que quiserem utilizá-las melhores condições gerais de consumo, seja no tocante a prazos de entrega, a tempo de uso de carros reserva, entre outros benefícios.

Esse diferencial é constitucional, integra o princípio da livre-concorrência, não traz prejuízos àqueles que não optarem porque eles certamente levarão em conta outras facilidades, como a localização da oficina reparadora, a proximidade com os funcionários e proprietários, entre outros de livre escolha do consumidor.

De todo modo, o princípio constitucional da livre-concorrência é completado na área do consumo pelo princípio do dever de informar. Por isso ganha vulto e importância o segundo item, ou seja, a redação de clausulado específico nos contratos de seguro para esse fim.

No tocante ao segundo item, do clausulado, é fundamental que os contratos de seguro contenham cláusula específica estabelecendo que as sociedades seguradoras podem oferecer rede referenciada para a reparação dos veículos danificados em acidente, e explicitando que a rede referenciada foi elaborada após análise dos serviços prestados pelas reparadoras, que foram avaliadas a partir de conceitos técnicos sugeridos por entidade de pesquisa, no caso o CESVI BRASIL.

A lista de reparadoras referenciadas deverá estar acessível na página da sociedade seguradora na rede mundial de computadores, como já se pratica atualmente. A retirada ou substituição de uma oficina reparadora da lista deverá ser informada imediatamente na página eletrônica da sociedade seguradora, em campo próprio.

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Sobre a autora
Angelica Luciá Carlini

Advogada e professora universitária. Mestre em História Contemporânea, em Direito Civil, Doutora em Educação e Doutoranda em Direito Político e Econômico. Diretora da Associação Internacional de Direito do Seguro - AIDA BRASIL

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARLINI, Angelica Luciá. Estudo sobre oficinas referenciadas no mercado de seguro de automóvel no Brasil.: Estudo do Projeto de Lei nº 272/2008, do Estado de São Paulo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2081, 13 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12459. Acesso em: 23 abr. 2024.

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