INTRODUÇÃO
Inicialmente, é necessário ressaltar que a criação de normas jurídicas, dentro do nosso sistema, não constitui um monopólio estatal, haja vista este reconhecer valor a outras modalidades de fontes, tais como: os costumes e, mais especificamente dentro do âmbito do direito do trabalho, as convenções e acordos coletivos, os estatutos sindicais, a sentença normativa etc.
Nesse mesmo sentido, começou-se a entender – em consonância com as regras ditadas pelo ordenamento – que os conflitos trabalhistas também poderiam ser resolvidos sem a imprescindível intervenção do Estado.
Normalmente, como meio autônomo típico, pensa-se logo na negociação, a qual pode ser efetuada em qualquer lugar e em qualquer tempo, praticamente sem formalidade alguma.
Com relação à conciliação, se esta é feita dentro de um processo judicial, apesar das partes terem feito concessões recíprocas, estão sob a chancela do juiz, caracterizando-se, portanto, em um misto de autonomia e heteronomia. Porém, se for extrajudicial, não dependerá de homologação do Poder Judiciário.
Dessa forma, somando-se às inúmeras formas de solução dos eventuais conflitos que venham a aparecer, dá-se também cada vez mais importância à mediação e à arbitragem. Valendo ressaltar que aquela funciona como uma espécie de auxílio para o objetivo da conciliação.
Entrando, de fato, no tema central deste trabalho, passaremos a esclarecer as idéias referentes às Comissões de Conciliação Prévia (CCP). Estas, como veremos, são uma alternativa válida para a solução extrajudicial de questões entre empregados e empregadores, seja durante a relação de emprego, seja após a extinção desta – hipótese mais comum de acontecer.
No resto do mundo, percebe-se uma constante tendência ao surgimento de organismos especializados na promoção do entendimento e colaboração entre os atores da relação empregatícia. Para isso, cite-se a Recomendação nº 94 de 1952 da OIT. Esta, como dito, pretende o aperfeiçoamento de algumas estruturas de apoio, até mesmo dentro da própria empresa, para a prevenção e intermediação da conciliação nas controvérsias que aparecerem naquele ambiente; excluindo-se de sua competência as questões concernentes às negociações coletivas – campo em que atuariam os Sindicatos.
Ademais, em outros países, as Comissões de Conciliação Prévia já são uma realidade, estando em pleno funcionamento.
A título de exemplo, vejamos a Espanha e a Argentina. Nesses dois países, é obrigatória a tentativa de conciliação prévia perante um órgão administrativo para que se possa tramitar um processo.
Já em outros lugares do mundo (Alemanha, Canadá, Suíça, EUA, entre outros) é uma constante a utilização de arbitragem trabalhista, sendo esta feita, inclusive, de forma privada e voluntária. Aliás, como ressalta Arnaldo Sussekind, na Alemanha vem se desenvolvendo uma nova modalidade de conciliação por meio de "organismos intra-empresariais com representação de administração da empresa e dos seus empregados" [01] que vem caindo na graça de muitos países da Europa continental.
No Japão não poderia ser diferente, a conciliação surgiu nessas terras e constitui a mais importante forma de pacificação dos problemas. Cappeletti e Garth retratam bem esse panorama: "Cortes de conciliação, compostas por dois membros leigos e (ao menos formalmente) por um juiz, existe há muito tempo em todo o Japão, para ouvir as partes informalmente e recomendar uma solução justa" [02].
Assim, o mundo, incentivado pelas suas próprias particularidades regionais, começa a criar as mais variadas formas de solução dos litígios que venham surgindo com o passar do tempo; e mais: procuram criar formas de resolução rápida e eficaz, já que há algum tempo a celeridade entrou dentro do próprio conceito de justiça.
Dentro da nossa realidade, apesar de não se ter notícia de sua existência ou, pelo menos da sua eficiência, a CLT permite que se criem comissões mistas até para a solução de algumas divergências quanto aos acordos e às convenções coletivas. É o que nos sugere os arts. 613, V, e 621 da Consolidação das Leis Trabalhistas.
Por outro lado, a Lei nº 9.958/2000 veio para acrescentar mais um título à Consolidação das Leis Trabalhistas com o intuito de, antes de se promover uma reclamação consistente em direito individual do trabalho, buscar-se a transação entre os indivíduos.
Contudo, apesar de não ter ainda muito sucesso, é preciso que a nossa sociedade, caso queira se inserir no ambiente das modernas relações de consumo e comunicação global, se curve diante de formas mais práticas e seguras de pacificação (principalmente quanto às relações empregatícias).
A nossa cultura ainda é formada de muita desconfiança quando a questão se refere à Economia de Mercado e à péssima relação que observamos entre o capital e a mão-de-obra.
Dito isto, passemos à análise estrita dos artigos acrescentados na nossa Consolidação por meio da lei supra-referida.
ART. 625-A
Segundo este artigo, pode-se chegar à rápida conclusão que a instituição das referidas CCP é facultativa, não estando as empresas nem os sindicatos obrigados a fazê-la.
Nesse sentido, caso desejem instituí-las, as empresas ou os Sindicatos terão que respeitar a composição paritária de seus membros, ou seja, deve ser constituída tanto de representantes dos empregados como dos empregadores, logicamente, em número igual – tendo como objetivo a tentativa de conciliação das divergências que tratem de direito individual do trabalho. Caso se refira a dissídio coletivo, entram em cena os Sindicatos que são os responsáveis por esse tipo de negociação.
Dessa forma, as CCP podem surgir de quatro modos distintos segundo Vicente José Malheiros da Fonseca [03]: "no âmbito de uma só empresa (empresarial); no âmbito de mais de uma empresa (interempresarial); no âmbito de um só sindicato (sindical); e no âmbito de mais de um sindicato (intersindical). Os ‘Núcleos Intersindicais’ (art. 625-H) são espécies deste último tipo de Comissão."
Desse modo, acreditamos que todos eles possam ter um bom funcionamento, no entanto, é assente que aqueles instituídos por meio de sindicatos gozarão de uma maior liberdade de atuação e negociação, pois estarão longe dos olhares aguçados dos patrões.
Aliás, nestes tipos do parágrafo anterior, depende-se de norma coletiva – o que impede a sua utilização perante a administração pública direta, autárquica e fundacional. Já as sociedades de economia mista e empresas públicas estão sujeitas a qualquer tipo de Comissões, pois, segundo a própria Constituição Federal, elas devem respeitar os mesmos ditames que as empresas privadas.
ART. 625-B
O art. 625-B explica como se dará a composição das Comissões no âmbito empresarial, iniciando sobre a afirmação de que terá, pelo menos, 02 e, no máximo, 10 membros de forma proporcional entre representantes da empresa e os dos empregados. Observe-se que esse critério quanto ao número dos representantes não é obrigatório para as Comissões sindicais. Contudo, a paridade o é.
Os representantes da empresa são indicados por esta e não gozam dos mesmos direitos que os representantes dos empregados, que são eleitos pelos trabalhadores por meio de voto secreto, devendo o Sindicato relacionado acompanhar o trâmite.
Para cada titular haverá um suplente relacionado, os quais cumprirão o mandato de 01 ano, podendo este ser reconduzido por apenas uma vez de mesmo tempo, possuindo os que foram eleitos pelos empregados a estabilidade no emprego desde o registro de sua candidatura até um ano após o encerramento do seu mandato. Não poderá, portanto, ser demitido, salvo por motivo de cometimento de falta grave (art. 482) – a qual deverá ser apurada mediante a instauração de inquérito judicial perante a Justiça do Trabalho.
Eles, dessa forma, estarão prestando seus serviços normais na empresa, mas, quando forem convocados, se afastam de suas atividades e passam a exercer a função de conciliadores, porém, sendo-lhes computado como tempo de serviço (art. 625-B, §2º).
Como já dito antes, os representantes dos empregadores não têm estabilidade e podem ser dispensados mesmo sem justa causa a qualquer tempo, pois dependem da confiança do patrão para continuar a exercer o cargo.
ART. 625-C
Este artigo ressalta aquilo que já fora antes esposado no que se refere à constituição das CCP sindicais. Elas devem resultar de acordo coletivo e, caso forem abranger toda uma categoria patronal, devem observar uma convenção coletiva entre o sindicato dos trabalhadores e o econômico.
ART. 625-D
Neste dispositivo encontra-se a maior discussão que se trava dentro da instituição dessas tão-faladas Comissões de Conciliação Prévia.
Por meio de uma rápida leitura, pode-se acreditar que, aqui no Brasil, apesar de ser facultativo seu surgimento, as CCP devem ser sempre procuradas por aqueles que queiram discutir algo perante a Justiça. Ou seja, seria um pré-requisito à análise do Judiciário a ocorrência das partes já terem tentado a conciliação neste órgão. Essa discussão já ensejou até a propositura de uma ADIN, que foi recepcionada sem o deferimento inicial de sua liminar.
Na nossa CF/88 está bem expresso em seu art. 114, §2º, que, em se tratando de dissídio coletivo, deve-se primeiramente buscar uma solução através de prévia tentativa de conciliação. Contudo, isso se refere apenas em relação aos dissídios coletivos, não havendo tal limitação quanto aos dissídios individuais. Desta feita, uma lei ordinária não teria o condão de limitar o acesso à justiça, de acordo com os preceitos do art. 5º, inc. XXXV, da CF.
Por causa disso, muitos autores vêm entendendo que não seria obrigatório o início da lide diante de uma CCP. Seria apenas mera faculdade das partes que não impediria o ajuizamento direto de uma reclamação.
Mais uma vez abrimos um parêntesis para tornar bastante claro esse ponto: nem toda discussão é passível de ser analisada pela CCP, tais como as que lidam com matéria de ordem pública e retratam direito individual indisponível e irrenunciável. Contudo, em algumas ocasiões, isso poderá acontecer, como é o caso do reconhecimento de uma relação de emprego (a transação desse direito não é possível).
Uma questão também polêmica diz respeito à possibilidade de ser admitida para a conciliação a divergência individual plúrima. Com o entendimento do art. 842, o litisconsórcio ativo seria possível (inclusive com substituição pelo Sindicato), assim como o litisconsórcio passivo (um demandante entra contra empresas solidárias do mesmo grupo econômico).
Algumas questões formais: desnecessário advogado; pode ser iniciada verbalmente (reduzida a termo, até mesmo pelo próprio membro da Comissão); a CCP se encarrega de mandar cópias assinadas pelo demandante para os interessados; a realização de sessão para tentativa da conciliação tem que se dar dentro de 10 dias contados da notícia; se a conciliação restar frustrada deve-se emitir uma declaração com a falta de sucesso (a qual, de acordo com o texto de lei, teria que acompanhar a inicial da reclamação); dentre outros detalhes. Assim, desnecessária a formação de autos do processo, devendo ambas as partes se desligarem de eventual burocracia excessiva. Lembre-se que essa tentativa será até mesmo gratuita.
Segundo o §3º do art. 625-D, só se poderia entrar diretamente com a reclamação trabalhista (em lugares onde há CCP) caso fosse declarada a existência justificada de motivo relevante. Um deles seria a discussão sobre direitos não passíveis de transação, mas este estudo resta prejudicado diante do entendimento de que seria facultativa a tentativa de conciliação perante a CCP.
No último parágrafo deste mesmo artigo, deixa-se para escolha do interessado em qual CCP ele porá a discussão caso exista mais de uma. É caso de, por exemplo, ter no mesmo território uma CCP sindical e outra empresarial. Será, portanto, competente aquela que primeiro conhecer da matéria, devendo o pedido na outra ser arquivado por motivo de litispendência.
ART. 625-E
Em havendo sucesso na conciliação, deve a CCP lavrar um termo no qual constem todos os detalhes e condições da transação – parecido com o que acontece dentro da Justiça do Trabalho. Alguns exemplos são: o valor do acordo, algumas obrigações de fazer por parte do empregado ou empregador, quais obrigações estão sendo quitadas, a assinatura de ambas as partes etc.
E mais: este termo de conciliação tem peso de título executivo extrajudicial, podendo ser levado para a Justiça sem a necessidade de todo o desenrolar do processo de conhecimento, indo direito para a execução.
Cite-se o enunciado nº 330 do TST: "a quitação passada pelo empregado, com assistência de entidade sindical de sua categoria, ao empregador, com observância dos requisitos exigidos nos parágrafos do art. 477 da CLT, têm eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo, salvo se oposta ressalva expressa e especificada ao valor dado à parcela ou às parcelas impugnadas".
Trazendo interpretação nova, a lei nº 9.958/2000 considera o termo com eficácia liberatória geral, sendo excluídas desta eficácia somente as parcelas expressamente ressalvadas.
Não podendo haver reconvenção, em caso de compensação quanto às verbas rescisórias na conciliação intermediada pela CCP, esta será limitada ao valor do crédito do trabalhador diante de seu patrão, obedecendo rito célere e informal.
Aliás, embora não possa haver conhecimento quanto à matéria de conflitos coletivos, a CCP pode excepcionalmente entender pelo cumprimento de normas coletivas.
Se já houver reclamação trabalhista instaurada, não pode haver início de proposta em CCP, pois estaria afrontado um dos poderes da República – o Judiciário com o seu poder decisório. Porém, se desistirem da demanda e ela for homologada pelo juiz, podem as partes fazer isso. Mas se já existir coisa julgada, tal será impossível.
Afinal, não cabe ação rescisória contra o termo de conciliação, mas apenas ação anulatória perante uma das Varas do Trabalho, haja vista aquela primeira servir apenas para desconstituir julgados da própria Justiça.
ART. 625-F
Neste dispositivo reflete-se apenas que a CCP tem 10 dias para fechar um acordo entre as partes, independentemente de quantas audiências sejam necessárias, desde que o problema seja resolvido dentro deste tempo.
Não havendo o encontro entre as partes perante a CCP, será fornecida a mesma certidão que falamos ao explicar o art. 625-D, §2º: tentativa de conciliação frustrada. Não há qualquer sanção àquele que não comparecer, entendendo-se esta postura simplesmente como uma vontade de não transigir.
ART. 625-G
Quando se inicia um processo na Justiça, normalmente, interrompe-se o prazo prescricional – o qual será reiniciado do começo, mesmo que a demanda seja arquivada. No caso das CCP, ao haver uma representação, suspende-se a prescrição, ou seja, caso não seja possível a conciliação ou ultrapassem os 10 dias, a prescrição volta a correr de onde havia parado.
ART. 625-H
Por fim, este último artigo do título concernente às Comissões de Conciliação Prévia revela que aqueles Núcleos Intersindicais de Conciliação Trabalhista, a que fizemos alusão no meio deste trabalho, também estão sujeitos a todas essas regras aqui esposadas no que couber, sendo imprescindível que tenha se formado por meio de negociação coletiva e que respeitem os princípios de paridade dos seus integrantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo que se pode constatar do estudo feito das Comissões de Conciliação Prévia, entende-se que apesar do legislador ter tido um bom intuito ao tentar nos equiparar aos países mais avançados do mundo – pelo menos em termos normativos – a nossa cultura ainda tolhe em muito os anseios de desenvolvimento no campo negocial.
Talvez isso seja reflexo direto da insegurança sentida por nossos cidadãos quanto aos órgãos judiciários; que dirá em relação a órgãos instituídos dentro da própria empresa? Realmente, apesar de não vivermos em um país onde o liberalismo é tão influente (como nos EUA), sentimos na pele e em todas as famílias o medo de ser dispensado de uma hora para outra (medo este até dos representantes que atuam nas CCP). Esse fantasma assola em todos os lugares, refletindo até na grande demanda de pessoas que correm para os concursos públicos.
No nosso entender, portanto, ainda falta muito para termos confiança naquelas novidades. Se o nosso Congresso Nacional desse o exemplo de competência e eficácia, poderíamos começar a pensar numa resolução rápida dos conflitos.
Pelo contrário, na norma a obrigatoriedade é mais clara do que tentar fazer contornos hermenêuticos para se concluir pela facultatividade. De fato, o nosso Judiciário está abarrotado de processos. Será que daqui a alguns anos não serão as CCP que sequer conseguirão empreender seu objetivo(?): conciliar em 10 dias a contar da representação.
Achamos que esta "formalidade" poderá vir a ser utilizada apenas como mais um degrau para a resolução pela Justiça. Tenta-se na CCP, espera-se 10 dias, não terá sido cumprido esse prazo, e, então, começa tudo de novo nas Varas (só que desta vez já com 10 dias de atraso).
As CCP devem se preparar para estarem prontas para a grande demanda que o Direito do Trabalho precisa, ou serão meramente letras mortas – o que já transborda nos nossos Códigos.
BIBLIOGRAFIA:
BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007.
CAPPELETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Fabris Editor: 1998.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2007 .
FONSECA, Vicente José Malheiros da. Comissões de conciliação prévia. Texto disponível em http://jus.com.br/artigos/1236
SARAIVA, Renato. Processo do Trabalho. São Paulo: Método, 2008.
SUSSEKIND, Arnaldo. Comissões de conciliação prévia. LTr: 1992.
Notas
- SUSSEKIND, Arnaldo. Comissões de conciliação prévia. LTr: 1992, p.166.
- CAPPELETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Fabris Editor: 1998, p. 84.
- FONSECA, Vicente José Malheiros da. Comissões de conciliação prévia. Texto disponível em http://jus.com.br/artigos/1236