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O Supremo Tribunal Federal e o Inquérito nº 2424.

Ingenuidade ou cientificidade?

30/03/2009 às 00:00
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Quem assistiu às sessões do Supremo Tribunal Federal que, em composição plena, recebeu a denúncia oferecida contra o Ministro Paulo Medina, poderá ter ficado perplexo com os pronunciamentos inteiramente antagônicos dos Ministros Cesar Peluzo e Marco Aurélio. Pareceu que ambos julgaram casos completamente diferentes, tal a oposição que o convencimento de um fez à certeza do outro. Alguns dos demais Ministros expressaram dúvidas quanto a pontos diversos da denúncia e, por isso, aceitaram algumas e rejeitaram outras imputações. Mas os dois, sentados lado a lado, nenhuma dúvida aparentavam ter quanto à improcedência, segundo o Ministro Marco Aurélio, e a procedência, conforme o Ministro Cesar Peluzo, da mesma denúncia. Ora, aquele espectador perplexo poderia perguntar: como é possível que dois juízes sábios, inteligentes e experientes possam afirmar, sobre o mesmo caso, com toda certeza, juízos tão discrepantes? Quem terá e quem não terá razão? Qual dos dois posicionamentos está correto?

As decisões judiciais não são mesmo muito compreensíveis, especialmente para quem não estudou ou não sabe Direito, mas um descompasso assim tão evidente parece inimaginável, e talvez seja por isso que o povo costuma dizer "de urna e cabeça de juiz, só se sabe o conteúdo depois de abrir". Não deveria ser assim, tanto por se tratar de um processo de conhecimento que deve chegar o mais próximo possível do fato que se está a julgar quanto por causa da necessária segurança jurídica que a prestação jurisdicional deve garantir a todos quantos recorrem ao Poder Judiciário.

Se os membros do Supremo Tribunal Federal começam a manifestar opiniões totalmente contraditórias sobre a mesma questão de fato ou de direito, é plausível que se tenha cautela e até mesmo desconfiança quanto ao acerto ou desacerto de seus julgados e isso, evidentemente, não contribui para a credibilidade que a sociedade, desde há muito, depositou em seus juízes. Afinal, são apenas onze aqueles que, em última instância, ou seja, sem qualquer chance de recurso, decidem questões importantíssimas que têm efeito permanente na vida de muitas pessoas, no seio de muitas famílias. Se suas decisões não inspiram a confiança que a sociedade espera, certamente teremos intensificada a crise que o Direito enfrenta há muitos anos.

As manifestações dos Ministros Marco Aurélio e Cesar Peluzo, de tão contraditórias, deixam em aberto as seguintes indagações: será que eles, efetivamente, estudaram o mesmo processo? E se o fizeram, como é de se crer, pois não havia senão aquele a ser analisado, será que o examinaram de maneira científica, com método apropriado, ou fizeram uma análise superficial das afirmações do Ministério Público Federal? Será que ao tomarem conhecimento das imputações tiveram o cuidado de submetê-las a um crivo racional próprio ou será que aceitaram as acusações sem a necessária crítica que a lei processual exige? Será que buscaram desvelar o fato e dele retirar tudo o que, expresso em retórica, poderia apenas traduzir, como é comum, as opiniões de quem acusa e, bem por isso, não está autorizado a julgar? Tão acurada discordância nos leva a pensar que, pelo menos a uma daquelas decisões, aquela que recebeu a denúncia, não se agregou inteligência, porque sua fundamentação não se cansa de repetir e homologar, como verdade apodítica, os argumentos de fato e de direito deduzidos pelo Órgão acusador. Tanto é assim que, para Ricardo Noblat, por exemplo, o Relator acusou o Ministro Paulo Medina [01]. A ser assim, pode-se até imaginar o julgamento antecipado da ação e dispensável a instrução criminal.

As recentes alterações introduzidas na lei processual penal incluem o dever-poder conferido ao juiz de absolver sumariamente aquele contra quem se deduz imputação descabida e, para tanto, ainda que apenas declare inepta a denúncia, é necessário fazer exame crítico não apenas do relato ofertado pelo membro do Ministério Público mas, sobretudo e principalmente, diante de imprescindível resposta preliminar, do arcabouço probatório que o sustenta, de modo a entregar à sociedade prestação jurisdicional segura e coerente com os princípios de Direito e garantias individuais postas pelo texto constitucional à disposição do cidadão, da pessoa humana.


Notas

  1. Cezar Peluso, ministro relator do caso, abriu o julgamento com um voto bem menor do que o esperado. E acusou Medina por três crimes: corrupção passiva, prevaricação e formação de quadrilha". Disponível em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/post.asp?t=stf-aceita-denuncia-contra-paulo-medina&cod_Post=142863&a=111 - acessi em 12,3,2009, 09:25h
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Sobre o autor
Antonio Fernandes Dutra

Bacharel em Direito pelo UNICEUB, Analista Judiciário do STJ em Brasília-DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUTRA, Antonio Fernandes. O Supremo Tribunal Federal e o Inquérito nº 2424.: Ingenuidade ou cientificidade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2098, 30 mar. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12533. Acesso em: 22 dez. 2024.

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