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A necessidade e adequação da ação de reclamação ao STF para anular as nomeações inconstitucionais de conselheiros do TCE/MT

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09/04/2009 às 00:00
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CAPÍTULO IV COMISSÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE MATO GROSSO – TCE-MT:

O texto original da Constituição do Estado de Mato Grosso impôs ao TCE o dever de tomar a iniciativa de elaborar e enviar para a Assembléia Legislativa projeto de lei orgânica dispondo sobre a organização, funcionamento do TCE.

Esse mesmo texto original da Constituição Estadual não previa a existência, no TCE, de Auditores aprovados por concurso público (com a atribuição de substituir Conselheiros) nem previa a existência de um Ministério Público Especial junto ao TCE. Essas duas faltas de previsão do texto da CE desobedeciam à Constituição Federal.

O TCE enviou três projetos de lei à Assembléia Legislativa, o primeiro criando a sua Lei Orgânica para se adequar a nova ordem constitucional e os dois seguintes modificando-a. Observa-se, entretanto, que nenhum deles previam a existência do MPE nem a existência de Auditores e as situações em que eles substituiriam os Conselheiros. O primeiro projeto de lei foi votado e transformou-se na Lei Orgânica do TCE-MT (Lei Complementar n.º 11 de 18 de dezembro de 1991). O segundo transformou-se na Lei Complementar n.º 25 de 30 dezembro de 1992 que modificou a primeira, já o terceiro, na Lei Complementar n.º 192, de 06/12/04.

Como já informado no item 3.1.2 desta monografia, essa desobediência da Constituição Estadual em relação à Constituição Federal em não prever essas Carreiras, motivou o ajuizamento da ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 184 - 1 - Mato Grosso - de 25.06.93. No julgamento, dela o STF determinou que a Constituição Estadual deve estar em concordância com os artigos 73 e 75 da Constituição Federal que prevêem a existência do cargo de Auditor investidos no cargos por meio de concurso público e com a atribuição de substituir Conselheiros e do cargo de Procurador do Ministério Público Especial.

Também como já foi informado no item 3.1.3 desta monografia, a Emenda Constitucional Estadual n.º 06/93 foi feita para cumprir essa determinação do Supremo Tribunal Federal.

Pelo fato de os Tribunais de Contas terem a prerrogativa de, por meio de Lei de sua iniciativa, definir a sua organização, funcionamento e criar os cargos necessários a sua estrutura, deve-se inferir, então que, após a referida Emenda, a Constituição do Estado de Mato Grosso impôs ao TCE – Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso o dever de tomar a iniciativa de elaborar e enviar para a Assembléia Legislativa novo projeto de lei orgânica dispondo sobre a organização, funcionamento do TCE, contendo a previsão desses cargos, para serem preenchidos por concurso público, e, ainda, os casos em que esses Auditores substituiriam os Conselheiros.

Entretanto, somente após 13 (treze) anos da Emenda Constitucional n.º 06 de 10/12/2033, DOE de 15/12/1993 é que o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso encaminhou projeto de lei prevendo a criação dos cargos de Auditor investidos por meio de concurso público e com a atribuição de substituir Conselheiros e do cargo de Procurador do Ministério Público Especial, a fim de viabilizar o novo sistema constitucional previsto para os Tribunais de Contas. Tal proposta resultou na promulgação da Lei Complementar n.º 269, de 22 de janeiro de 2007, publicada no Diário Oficial de Mato Grosso em 29/01/2007

Porém, em que pese a importância da publicação da nova lei criando as carreiras de Auditor e membros do Ministério Público Estadual, as conseqüências dessa omissão ainda estão gravadas na forma inconstitucional em que alguns Conselheiros daquela Corte foram nomeados, atribuindo o caráter de ilegalidade na composição do quadro atual dos seus Pares.

Nesse sentido, importante ressaltar que em 2004 foi elaborada a primeira versão desta monografia intitulada "Inconstitucionalidade na nomeação dos Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso" [22] por meio da qual já se alertava sobre as omissões e inconstitucionalidades ora em comento.

Desde então (e antes da promulgação da Lei n.º 269, de 22 de janeiro de 2007), houve tramitação na Assembléia Legislativa de algumas proposições criando o Ministério Público Especial no Tribunal de Contas e o cargo de Auditor Substituto, porém, havia previsão de se fazer uma "transposição" de um dos cargos já existente no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso denominado de "Auditor Público Externo" para o cargo a ser criado de "Auditor Substituto de Conselheiro". Já a carreira de membros do Ministério Público Especial seria ocupada por meio de uma "transposição" dos cargos de procuradores do Ministério Público Estadual que estão atuando naquela Corte.

Essas duas proposições, entretanto - transformação do cargo de Procuradores do Ministério Público Estadual para comporem o Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas e do cargo de Auditor Público Externo em Auditor Substituto -, estavam em desacordo com diversos preceitos constitucionais e com entendimentos já firmados pelo Supremo Tribunal Federal:

A primeira dessas proposições (que previa nova modalidade de promoção dos atuais membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas – possibilitava a transposição do cargo de procurador junto ao Ministério Público Estadual, para procurador junto ao Ministério Público Especial com possibilidade de substituir conselheiros nos termos do artigo 49, § 2.º, inciso I), porque o Supremo Tribunal Federal já havia, na ocasião, exarado entendimento de que o cargo de procurador junto ao TCE não deveria ser integrante do Ministério Público Estadual Comum, concernente se depreende das interpretações dadas pelo Supremo Tribunal Federal ao artigo 130 da Constituição Federal, conforme transcrição de trechos de interpretações dada a este artigo transcrito abaixo:

Art. 130. Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.

"A norma em questão atribui a Procurador de Justiça, integrante do Ministério Público do Estado, o exercício de funções junto ao respectivo Tribunal de Contas. Tais funções competem, porém, ao Ministério Público especial, que atua junto à Corte de Contas, nos termos dos artigos 25 e 130 da Constituição Federal. Precedentes." (ADI 2.068, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 16/05/03)

"Esta Corte já firmou orientação no sentido de que o Ministério Público que atua junto aos Tribunais de Contas não dispõe de fisionomia institucional própria (ADI 789, Celso de Mello, DJ de 19/12/94). As expressões contidas no ato legislativo estadual que estendem ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado as prerrogativas do Ministério Público comum, sobretudo as relativas ''à autonomia administrativa e financeira, à escolha, nomeação e destituição de seu titular e à iniciativa de sua lei de organização'' são inconstitucionais, visto que incompatíveis com a regra do art. 130 da Constituição Federal." (ADI 2.378-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 05/04/02)

"Relevância da argüição de inconstitucionalidade, perante o art. 130 da Constituição Federal, do art. 26 da Lei Complementar sergipana nº 4/90, que implica o funcionamento, junto ao Tribunal de Contas, de órgão do Ministério Público comum." (ADI 1.545-MC, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24/10/97).

Os entendimentos da Corte Suprema diversas vezes reiterados concluem pela existência de um Ministério Público Especial, que não integra o Ministério Público do estado. Devendo, pois, ser criado por lei de iniciativa do Tribunal de Contas, com investidura na Carreira por meio de prévio concurso público.

É o que também se depreende por meio da leitura da Ementa da ADI n.º 2.068-4 – Minas Gerais, por meio da qual o STF julgou inconstitucional, no dia 03/04/2003, a expressão "ao Tribunal de Contas e", constante do artigo 124 da Constituição do Estado de Minas Gerais (que preceituava "art. 124 - O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça Militar será exercido por Procurador de Justiça integrante do Ministério Público Estadual"), decidindo, por unanimidade, que o exercício de funções junto ao respectivo Tribunal de Contas, nos termos dos artigos 25 a 130 da Constituição Federal, compete ao Ministério Público Especial, que deve possuir atribuições definidas pela Lei Orgânica do próprio Tribunal, sujeitando-se subsidiariamente à Lei Orgânica do Ministério Público. Eis o teor da Ementa do Acórdão da mencionada ADI n.º 2.068-1:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL.

MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXPRESSÃO "AO TRIBUNAL DE CONTAS E", CONSTANTE DO ART. 124 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, QUE DISPÕE: "ART. 124. O MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TRIBUNAL DE CONTAS E DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR SERÁ EXERCIDO POR PROCURADOR DE JUSTIÇA INTEGRANTE DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL".

ALEGAÇÃO DE QUE SUA INCLUSÃO, NO TEXTO, IMPLICA VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 128, § 5º, INCISO II, ALÍNEA "d", 129, § 3º, e 130, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A norma em questão atribui a Procurador de Justiça, integrante do Ministério Público do Estado, o exercício de funções junto ao respectivo Tribunal de Contas. (sem grifos no original)

2. Tais funções competem, porém, ao Ministério Público especial, que atua junto à Corte de Contas, nos termos dos artigos 25 e 130 da Constituição Federal. (sem grifos no original)

3. Precedentes.

4. Ação Direta julgada procedente, declarando o S.T.F. a inconstitucionalidade da expressão "ao Tribunal de Contas e", constante do art. 124 da Constituição do Estado de Minas Gerais.

5. Plenário. Decisão unânime. [23]

O Pretório Excelso consolidou esse posicionamento ao analisar a ADI 2884/RJ – Rio de Janeiro - no dia 02/12/2004) – que tratava de caso similar, fixando orientação de que somente o Ministério Público Especial tem legitimidade para atuar junto aos Tribunais de Contas dos Estados. Nestes autos também ficou consolidada a jurisprudência no sentido de que a organização e a composição dos Tribunais de Contas dos Estados-membros deve obedecer ao modelo federal (CF, arts. 73, § 2º e 75 - Enunciado da Súmula 653 do STF), no qual está prevista a atuação do MP especial junto àqueles Tribunais. Abaixo transcrição de parte da Ementa dessa ADI:

...O MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL JUNTO AOS TRIBUNAIS DE CONTAS NÃO SE CONFUNDE COM OS DEMAIS RAMOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMUM DA UNIÃO E DOS ESTADOS-MEMBROS. - O Ministério Público especial junto aos Tribunais de Contas - que configura uma indiscutível realidade constitucional - qualifica-se como órgão estatal dotado de identidade e de fisionomia próprias que o tornam inconfundível e inassimilável à instituição do Ministério Público comum da União e dos Estados-membros. - Não se reveste de legitimidade constitucional a participação do Ministério Público comum perante os Tribunais de Contas dos Estados, pois essa participação e atuação acham-se constitucionalmente reservadas aos membros integrantes do Ministério Público especial, a que se refere a própria Lei Fundamental da República (art. 130). - O preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar, ao Ministério Público comum, as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando, ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um "status" jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva, a possibilidade de atuação funcional exclusiva e independente perante as Cortes de Contas. [24]

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Porém, em que pese o mandamento constitucional e as decisões já exaradas por esta Corte Suprema, o artigo 106, VIII, da Constituição do Estado de Mato Grosso de 1989, continuou afrontando o artigo 130 da Constituição Federal, diante da previsão de que o corpo funcional próprio do Ministério Público Especial do Tribunal de Contas seria composto por membros do Ministério Público Estadual, conforme se depreende pela transcrição desse dispositivo:

Art. 106 - Lei Complementar, cuja iniciativa é facultada ao Procurador-Geral de Justiça, disporá sobre:

VIII - exercício privativo das funções do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas e Justiça Militar Estadual;

Para corrigir essa situação, o Procurador Geral da República ajuizou no STF, em 21/09/04, Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n.º 3.307-7/MT – Mato Grosso, em face da expressão "exercício privativo das funções do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas", constante do inciso VIII, do artigo 106, da Constituição do Estado do Mato Grosso; dos artigos 68 e 80 a 82, da Lei Complementar Estadual n.º 11, de 18 de dezembro de 1991; e, do inciso III, do parágrafo 1.º, do artigo 16, da Lei Complementar n.º 27, de 19 de novembro de 1993, também do Estado de Mato Grosso, também, por violação aos artigos 75 e 130, da Constituição Federal.

Nesta ADI, o Procurador Geral da República, afirma que:

12 - vê-se, portanto, que flagrante a inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação do Estado do Mato Grosso, pois os mesmos permitem que o Ministério Público comum estadual oficie junto ao Tribunal de Contas, ignorando, por via de conseqüência, a exegese das normas constitucionais que fazem concluir, como reiteradamente manifesto por essa Corte, pela existência de um Ministério Público Especial, que não integra o Ministério Público do Estado. (grifou-se). [25]

Contudo, mesmo diante dos posicionamentos do Pretório Excelso, o Poder Legislativo do Estado de Mato Grosso mantinha entendimento contrário, o que ficou evidenciado pela aprovação da Emenda Constitucional nº 39, de 08 de dezembro de 2005, publicada no Diário Oficial do Estado, em 21/12/2005, p.76, que trata da criação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, por meio da qual além de manter os dispositivos ali citados contra os quais foi argüida a inconstitucionalidade na referida Ação, praticou outra, ferindo o inciso II do artigo 37, como demonstrado, a seguir:

Ao tratar da composição daquele órgão, o seu artigo 3º, que modificou o art. 51 e §§ da Constituição Estadual, estabeleceu que ele seria integrado por 04 Procuradores de carreira própria para a qual seriam investidos mediante concurso público.

No entanto, o art. 4º da mesma Emenda já citado, acrescentou os artigos 45 e 46 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os quais facultam aos atuais detentores dos cargos de Procuradores e Promotores de Justiça, a opção pela carreira naquele Cargo (Ministério Público Especial junto ao Tribunal) permitindo, assim que a investidura ao cargo seja feita sem a realização de concurso público específico, exigido pelo inciso II do art. 37 já mencionado.

Para melhor esclarecimento, reproduzem-se os artigos da Emenda n.º 39 de 08/12/2005 à Constituição do Estado de Mato Grosso:

Art. 3º – O artigo 51 da Constituição Estadual, passa a ter a seguinte redação:

"Art. 51 Fica criado o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso – MPTCE/MT – MPTC, instituição permanente, essencial às funções de fiscalização e controle externo contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial do Estado de Mato Grosso.

§2º O Ministério Público de que trata o caput deste artigo será integrado por quatro Procuradores de carreira própria, dirigida pelo Procurador-Chefe, escolhido pelos integrantes da carreira, para investidura a termo de dois anos, vedada a recondução imediata.

§5º A investidura dos Procuradores do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas pressupõe ingresso na carreira através de concurso público de provas e títulos, obedecendo-se, nas nomeações, a ordem de classificação, sem prejuízos das disposições constitucionais alusivas aos membros do Ministério Público Estadual." (sem grifos no original)

Art. 4º O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias fica acrescido dos seguintes artigos:

...

"Art. 45 Os Procuradores de Justiça, membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso que, na data da promulgação desta Emenda oficiam junto ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, permanecerão em suas funções até que se aposentem, cessando, a partir daí, a atuação do Ministério Público Estadual junto ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. (sem grifos no original).

...

Art. 46 Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, aos demais membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, investidos nos cargos de Procuradores e Promotores de Justiça, na data da publicação desta Emenda, será facultada a opção, de forma irretratável, pela carreira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso. (sem grifos no original).

I - (...)

IV – recebida a opção dos Procuradores de Justiça e Promotores de Justiça pela nova carreira do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, o Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público Estadual encaminhará a lista de optantes ao Presidente do Tribunal de Contas, que a submeterá à aprovação do Tribunal Pleno, para imediata investidura.

§2º Os membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, bem como o seu Procurador-Chefe, serão nomeados pelo Presidente do Tribunal de Contas. [26]

Importante ressaltar que esta Emenda Constitucional (n.º 39 de 08/12/05) previa a "transposição" de membros do Ministério Público que já oficiavam junto ao Tribunal de Contas para a recém criada carreira do Ministério Público Especial em claro desrespeito ao artigo 37, inciso II, da Carta Magna, bem como a entendimento já assentado pelo Supremo Tribunal Federal por meio da Súmula n.º 685 (aprovada em sessão plenária do dia 24/09/2003) a respeito da exigência de concurso público para a investidura em cargos ou empregos públicos. Vale mencionar, que no voto do Ministro Relator da ADI acima referida (ADI 2068/MG de 03/04/2003), há menção específica da impossibilidade dessa transposição, in verbis:

Destarte, forçoso concluir que o ato normativo questionado nesta ação não respeito a distinção estabelecida pela Constituição Federal entre Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado e Ministério Público Estadual, porquanto preceituou que o ''Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (...) será exercido por Procurador de Justiça integrante do Ministério Público Estadual". E, ao assim, dispor, o texto constitucional mineiro afrontou o artigo 130, c/c o artigo 129, § 3.º. da Constituição Federal, pois autoriza o ingresso na carreira própria do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas de pessoas que não prestaram concurso específico para o cargo de membro daquela Instituição, autorizando verdadeira transposição de cargos, forma de investidura vedada pela Carta Republicana. (sem grifos no original). [27]

Ressalta-se que não houve efetivação desses dispositivos, principalmente devido às providências tomadas por alguns membros do Ministério Público do Estado de Mato Grosso de comunicar e solicitar providências ao Procurador-Geral da República que em atendimento ao pedido, ajuizou, no dia 25/04/2006 a ADI n.º 3307-7-MT – Mato Grosso por meio da qual requereu a inconstitucionalidade dos arts. 45, caput e parágrafo único e 46, caput e 1.º, incisos I, II, III e IV, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado de Mato Grosso, acrescidos pela Emenda Constitucional n.º 39, de 08/12/05. Essa ação, bem como a ADI 3307/MT – Mato Grosso, ainda estão em trâmite no STF – Supremo Tribunal Federal.

Por sua vez, a segunda proposição previa a transformação dos cargos de Auditor Público Externo criados por meio da Lei n.º 7.858, de 19/12/2002 no cargo de Auditor previsto no inciso I do § 2.º do artigo 73 da Constituição Federal e no artigo 49, § 2.º, inciso I, da Constituição do Estado de Mato Grosso. Este cargo tem como atribuições constitucionalmente preestabelecidas a de judicatura e a de substituição de Conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais (§ 3.º do artigo 49 da Constituição Estadual) ou Municipais, ou de Ministros na esfera federal (§ 4.º do artigo 73 da Constituição Federal) e é dentre servidores ocupantes desse cargo, que o Chefe do Poder Executivo deve escolher um Conselheiro do TCE, já aqueles (Auditor Público Externo), têm atribuições definidas pela Lei n.º 8.388, de 11 de novembro de 2005 (que alterou a Lei n.º 6.960, de 17 de novembro de 1997) não constando desta norma o direito à promoção ao Cargo de Auditor Substituto de Conselheiro.

Assim sendo, os ocupantes dos cargos atuais de Auditor Público Externo, não podem exercer as funções do Auditor substituto citado no inciso I, do § 2.º e § 4.º do artigo 73 da Constituição Federal, por absoluta falta de previsão legal, conforme entendimento firmado pela Suprema Corte por meio da ADI 1193-6/AM de 10/02/1995.

Felizmente as proposições contidas no projeto de Lei acima comentado que previam transposição de cargos não prosperaram. E no final do exercício de 2006, após 13 (treze) anos de vigência da Emenda Constitucional n.º 06/1993 e 18 anos de vigência da Carta Magna, aquela Corte enviou projeto de lei prevendo a criação de cargos de Auditor e membros do Ministério Público Especial providos mediante concurso público, que após deliberação da Assembléia Legislativa, transformou-se na Lei n.º 269, de 22 de janeiro de 2007 – Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso.

4.2 – Das implicações da demora em se criar cargos de Auditor e Membros do Ministério Público Especial:

Como já foi exposto acima, em razão da inconstitucionalidade declarada relativamente à alínea "b", inciso XIX, art. 26, artigo 49, II e art.50, caput e § 1.º e 2.º, e, posteriormente com a nova redação dada pela Emenda Constitucional n.º 06 de 10 de dezembro de 1993, alterando os artigos inconstitucionais para ficarem de acordo com o texto da Constituição Federal (art. 73, § 2.º, I), o Tribunal de Contas Estadual, naquela época, deveria ter adequado sua estrutura por meio de iniciativa de lei criando cargo de auditor e de Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal a fim de possibilitar o cumprimento da determinação de que no terço dos Conselheiros escolhidos pelo Governador, dois alternadamente, seriam dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados pelo Tribunal de Contas segundo os critérios de antiguidade e merecimento.

Uma das implicações principais na demora de o Tribunal de Contas cumprir seu dever constitucional para propor projeto de Lei criando o cargo de auditor e de membros do Ministério Público junto à Corte de Contas (o que só foi feito por meio de apresentação de projeto de lei em 2006 que foi aprovado pela Assembléia Legislativa e se transformou na Lei Complementar n.º 269 de 22/01/2007 – DOE de 29/01/2007) é que desde o advento da Constituição Estadual, o Governo Estadual não está escolhendo os dois Conselheiros do terço constitucional de sua clientela dentre os auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal.

Outra implicação é que nas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal dos Conselheiros não há quem os substitua.

Caso já existissem os cargos e já houvessem sido providas as vagas, estes auditores estariam contribuindo com a celeridade dos trabalhos desta Corte, pois, eles poderiam presidir a instrução de processos, relatando-os com propostas de acórdão por escrito a ser votada pelos membros do respectivo colegiado, como assim fazem os auditores do Tribunal de Contas da União.

Para servir como parâmetro de como deveria ser a Lei Orgânica do TCE-MT no que se refere às atribuições de Auditores (substitutos de Conselheiros) e de Membros do Ministério Público Especial, no item seguinte será demonstrada a forma de provimento dos auditores e membros do Ministério Público junto ao TCU – Tribunal de Contas da União, bem como, a Lei Orgânica desse órgão e seu Regimento Interno, que tratam de suas atribuições, forma de provimento e outros.

4.3 – Formas de provimento do Auditor e do Procurador no TCU

A Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União - TCU, Lei n.º 8.443 de 16 de julho de 1992, dispõe sobre a natureza, competência, jurisdição (artigo 1.º ao 5.º), julgamento e fiscalização (6.º a 61) e Organização do Tribunal (art. 62 a 113). Nesta seção, há a determinação de que (art. 63), os Ministros, em suas ausências e impedimentos por motivo de licença, férias ou outro afastamento legal, serão substituídos pelos auditores.

Para dar condições e efetividade à nova ordem constitucional na escolha de Ministros, nos artigos 77 a 82 da Lei n.º 8.443 de 16.07.92, bem como no Regimento Interno (Resolução n.º 155, de 4 de dezembro de 2002), daquela Corte, foram criados cargos e atribuições para as carreiras de Auditor substituto de Ministro (§ 2.º, I e § 4.º do artigo 73 da Constituição Federal) e de Membros do Ministério Público Especial (artigo 130 da Constituição Federal).

O Tribunal de Contas da União, ao tratar da forma de escolha dos Ministros, (art. 72), repete, ipsis litteris, o disposto na Constituição Federal, e, ainda, estipula no art. 105 e incisos de sua Lei Orgânica, o processo de escolha desses ministros, conforme transcrevemos:

Art. 105. O processo de escolha de ministro do Tribunal de Contas da União, em caso de vaga ocorrida ou que venha a ocorrer após a promulgação da Constituição de 1988, obedecerá ao seguinte critério:

I - na primeira, quarta e sétima vagas, a escolha caberá ao Presidente da República, devendo recair as duas últimas, respectivamente, em auditor e membro do Ministério Público junto ao Tribunal.

II - na segunda, terceira, quinta, sexta, oitava e nona vagas, a escolha será da competência do Congresso Nacional;

III - a partir da décima vaga, reinicia-se o processo previsto nos incisos anteriores, observada a alternância quanto à escolha de auditor e membro do Ministério Público junto ao Tribunal, nos termos do inciso I do § 2° do art. 73 da Constituição Federal. [28]

Para melhor visualização do critério estabelecido nos termos dos incisos do artigo 105 da Lei nº 8.443/92, elaborou-se o quadro a seguir:

Quadro 4 – Processo de escolha de Ministro do TCU estipulado pelo artigo 105 da Lei n.º 8.443/1992

Vagas (09)

1ª vaga

Escolha de competência do Presidente da Presidência da República (Livre Escolha)

2ª vaga

Escolha de competência do Congresso Nacional

3ª vaga

Escolha de competência do Congresso Nacional

4ª vaga

Escolha de competência do Presidente da Presidência da República (dentre auditor e membro do Ministério Público junto ao Tribunal)

5ª vaga

Escolha de competência do Congresso Nacional

6ª vaga

Escolha de competência do Congresso Nacional

7ª vaga

Escolha de competência do Presidente da Presidência da República (Livre Escolha)

8ª vaga

Escolha de competência do Congresso Nacional

9ª vaga

Escolha de competência do Congresso Nacional

Fonte: Brasil. Lei n.º 8.443 de 16 de julho de 1992. Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências. Brasília. Congresso Nacional, 1992, artigos 105 e seus incisos.

Pelo acima demonstrado duas ações foram fundamentais para dar cumprimento ao inciso I do § 2.º do art. 73 da Constituição Federal e para evitar discussões ou dúvidas sobre a qual dos Poderes (Legislativo e Executivo) pertencia o direito de proceder a escolha dos Ministros daquela Casa: (a) a regulamentação do processo de escolha de ministro do Tribunal de Contas da União para as vagas que viriam a ocorrer após a promulgação da Constituição de 1988; (b) e a criação de cargos de Auditores para substituir ministros e a criação do Ministério Público junto ao Tribunal constituído de cargos de subprocurador-geral e procurador (arts. 77 a 83 da Lei n.º 8.443, de 16 de julho de 1992).

Por outro lado, a não-adoção dessas providências pelos Presidentes em exercício no Tribunal de Contas de Mato Grosso por ocasião das nomeações inconstitucionais em comento contribuiu para o descumprimento do preceito constitucional no que se refere à proporção ali estabelecida e quanto origem que deveria ser respeitada (das 03 (três) indicações da cota do Poder Executivo, 02 (duas) deveriam ser dentre Auditores e procuradores pertencentes ao Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas).

Essa omissão está retratada na legislação que vigorava à época das nomeações dos Conselheiros indicados pelo Poder Executivo após a Constituição Federal de 1988 e Constituição Estadual de 1989: a Lei Orgânica do Tribunal de Contas Estadual pertencente a esse Estado (Lei Complementar n.º 11 de 18 de dezembro de 1991, alterada pelas Leis n.º 025/92 e n.º 192/2004), bem como o Regimento Interno daquela Corte (Resolução n.º 02 de 21/05/2002).

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Sobre o autor
Loide Santana Pessoa

Auditor público externo do Tribunal de contas do Estado de Mato Grosso, bacharel em ciências contábeis,bacharel em Direito, especialista em auditoria das entidades governamentais. Especialista em gestão pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Loide Santana. A necessidade e adequação da ação de reclamação ao STF para anular as nomeações inconstitucionais de conselheiros do TCE/MT. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2108, 9 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12598. Acesso em: 23 abr. 2024.

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