Artigo Destaque dos editores

Os novos danos

Exibindo página 1 de 2
10/04/2009 às 00:00
Leia nesta página:

Tais danos dizem respeito a esferas distintas da pessoa humana, nas quais foi possível identificar a possibilidade de ocorrência de lesão e que, por isso, passaram a ser protegidas.

Sumário: 1. Introdução. 2. Breves Considerações sobre os Danos Imateriais. 2.1 As Figuras do Préjudice d’agrément e do Loss of amenities of life. 2.2 O Gênero Dano Imaterial e a Espécie Dano Moral. 3. Novos Danos em Espécie. 3.1Dano Existencial. 3.2 Dano Biológico. 3.3 Dano Psíquico. 3.4 Dano Estético. 3.4.1 O Dano Estético e o Dano Moral. 3.4.2 Definição e Caracterização Dano Estético no Direito Brasileiro. 3.5 Dano à Privacidade. 4. Considerações Finais. 5. Referências. Notas


1.Introdução

Com o avanço da modernidade, o ser humano ampliou, dentre várias noções existenciais, aquelas que, inicialmente, eram unicamente vinculadas à idéia de patrimônio. Gradualmente, elementos dotados de imaterialidade – mas que eram próprios da pessoa humana – começaram a ganhar espaço nas considerações realizadas pela sociedade, passando a ser tutelados no Direito na medida em que tinham como reconhecidas a sua importância e a sua relevância para a dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto, surge o que alguns autores preferiram denominar como novos danos. Tais danos dizem respeito a esferas distintas da pessoa humana, nas quais foi possível identificar a possibilidade de ocorrência de lesão e que, por isso, passaram a ser protegidas.

A proposta desse trabalho consiste em analisar cinco danos específicos que apresentam contornos ainda novos (e, por vezes, aparentemente indefinidos) no sistema jurídico nacional e internacional. Serão tratados aqui o dano existencial, o dano biológico, o dano psíquico, o dano estético e o dano à privacidade.

A cada dano abordado, será traçado um paralelo entre esses e a espécie de dano moral. Cumpre ressaltar que este último – em que pese ser umas das espécies mais populares de dano – não será aqui considerado em um espaço específico, pois não se trata propriamente de um "novo dano".

Ocorre que, todavia, considerando que o dano moral apresenta um conteúdo demasiado amplo, é indispensável que ele seja referido em comparação aos outros tipos de danos com os quais ele é comumente confundido. Esse problema de definição é tão extenso, que alguns juristas terminam por considerar o dano moral, inclusive, como sendo um sinônimo ao gênero dos danos imateriais.


2.Breves Considerações sobre os Danos Imateriais

A matéria quanto aos danos já era prevista no Código Civil de 1916, havendo sido recepcionada pelo Código Civil de 2002. Nesse novo Código, deve se prestar especial atenção quanto ao dispositivo de numero 949, o qual determina, que "no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido".

A primeira parte do dispositivo oferece uma compreensão clara quanto ao seu conteúdo, abordando os danos de natureza denominada como patrimonial ou material, isto é, danos com uma natureza e uma expressão econômica que se manifestam de forma imediata. Porém, a última parte do artigo traz em si um problema de identificação, especificamente no que concerne a o que seria o referido outro prejuízo. [01]

Esse outro prejuízo faz referência ao que pode ser chamado de danos subjetivos, conhecidos também como danos à pessoa, pois são referentes ao ser humano em qualquer etapa de seu desenvolvimento existencial, inclusive quanto ao que se denomina como dano à integridade psicossomática. O que se sucede nesse ponto é que, conforme é superado o caráter individualista do direito privado, observa-se uma crescente tendência em se privilegiar a reparação de danos carentes de natureza patrimonial, contemplando-se a pessoa humana como um valor per se. [02]

O mencionado outro prejuízo vai além da dimensão material/patrimonial do dano, constituindo-se como um dano imaterial ou extrapatrimonial. Esse tipo de dano, na medida em que atinge a pessoa, deve ser sempre compensado (e não propriamente indenizado, pois a indenização significaria devolver o patrimônio ao seu estado anterior, o que é inviável no caso de dano extrapatrimonial) [03].

Para ser possível uma maior compreensão quanto ao prejuízo de natureza extrapatrimonial, é necessário recorrer ao auxílio do Direito Comparado, pois esse ponto concerne a uma situação existencial substancialmente homogênea e presente em diversos sistemas jurídicos. [04] Assim, devem ser observadas, respectivamente, as figuras francesa e anglo-americana do préjudice d’agrément e do loss of amenities of life.

2.1.As Figuras do Préjudice d’agrément e do Loss of amenities of life

Tanto na experiência francesa como na anglo-americana a jurisprudência vem reconhecendo a presença de algo que pode ser considerado como sendo novos tipos de danos, os quais servem como justificativa para indenizações especiais, ou seja, independentes daquelas que tem por finalidade reparar a ofensa física como tal. [05] É com essa perspectiva que nasce a figura do préjudice d’agrément (danos à vida de relação) na jurisprudência francesa e a figura do loss of amenities of life na jurisprudência anglo-americana e australiana. [06]

O conceito do préjudice d’agrément é extremamente semelhante ao do loss of amenities of life. Esta última concepção é também chamada por loss of enjoyment of life ou hedonic damages. [07]

Em ambos os casos o objetivo é indenizar a privação que uma pessoa sofreu (em virtude das lesões causadas por outrem) da possibilidade de gozar dos prazeres da vida. Tais prazeres envolvidos são da mais diversa natureza, podendo ser próprios de uma idade, cultura e/ou meio social em que a pessoa ofendida vive (como, por exemplo, atividade sexual, dança, variedade gastronômica, etc). [08]

Em suma, o préjudice d’agrément é referente aos danos advindos pela impossibilidade de certas práticas, como o lazer, atividades desportivas, culturais ou até mesmo pela perda de algum sentido, como o olfato. Cláudio Sinoé Ardenghy dos Santos afirma que o préjudice d’agrément possui uma aplicação ainda muito tímida jurisprudência nacional, estando, porém, a ganhar espaço dentro do sopesamento realizado para a quantificação da reparação pelas perdas decorrentes de lesões. [09]

O conceito do préjudice d’agrément era, em princípio aplicado restritivamente, abrangendo apenas as hipóteses em que o ferido, antes das lesões, havia se destacado em atividades desportivas ou artísticas. Em 1973, todavia, por meio de uma lei francesa, o conceito do préjudice d’agrément adquiriu um significado mais abrangente. A partir de então, o prejudice direito’agrément passou a ser definido como "a diminuição dos gozos da vida causada pela impossibilidade de dedicar-se a algumas atividades prazerosas normais". [10]

Gradualmente, os sistemas jurídicos – dentre os quais o brasileiro – foram conferindo cada vez maior importância aos danos imateriais (também conhecidos como danos não patrimoniais ou extrapatrimoniais). Tais danos são concebidos como lesões que atingem negativamente interesses sem natureza e expressão econômica imediata e que podem afetar pessoas singulares ou coletivas dotadas ou não de personalidade jurídica. [11]

É possível visualizar a evolução da responsabilidade civil a partir do desenvolvimento do conceito dos danos imateriais, com sua conseqüente desvinculação de seus reflexos puramente patrimoniais. Os referidos danos imateriais decorrem fundamentalmente da afronta aos direitos de personalidade e representam gênero cujas espécies, exemplificativamente, são: o dano moral puro, o dano à identidade da pessoa, o dano biológico, o dano à vida privada, o dano à intimidade, o dano à imagem, prestígio e reputação, o dano à integridade intelectual, o dano estético, o dano psíquico e o dano existencial. [12]

Os danos à pessoa se caracterizam como aqueles que afetam o ser humano em sua integridade psicossomática e existencial, abrangendo o "dano biológico", o "dano à saúde", o "dano ao projeto de vida" e o "dano moral em sentido estrito". Ressalte-se que, muito embora exista uma tentativa de se defini-los, "os danos à pessoa constituem fattispecie em construção". [13]

Cada uma das espécies de danos referidas, mesmo sendo dinâmicas e não comportando uma classificação fechada, possui características próprias as quais lhe dão contornos de autonomia dentro do gênero danos imateriais. Por esse motivo, essas espécies de danos imateriais merecem tratamento doutrinário e jurisprudencial distinto, inclusive no que é pertinente à quantia concedida a título de indenização ao indivíduo lesado. [14]

2.2.O Gênero Dano Imaterial e a Espécie Dano Moral

É tecnicamente inadequado equiparar o conceito de dano moral com o conceito de dano imaterial porque o primeiro é espécie enquanto que o segundo é gênero muito mais abrangente. A equivocada equiparação causou grandes erros de avaliação de casos concretos, nos quais as circunstâncias não permitiam que os danos respectivos fossem propriamente considerados como danos morais, sendo que, conseqüentemente, esses danos acabaram por ficarem desprotegidos, em razão da falta de um "enquadramento" adequado. [15]


3.Novos Danos em Espécie

A valorização da pessoa fez com que os elementos "periféricos" dessa pessoa, relacionados ao seu bem-estar, também fossem considerados com mais relevância. A qualidade de vida, então, passou a receber uma atenção maior, sendo reconhecida como um interesse imaterial autônomo e juridicamente relevante da pessoa. [16]

No Brasil, segundo Flaviana Rampazzo Soares, o dano existencial – apesar da análise dos conceitos e características de outros danos extrapatrimoniais servir para comprovar sua autonomia – é ainda muitas vezes aplicado sob a denominação de dano moral [17] (problema que ocorre com muitas das espécies de danos imateriais). Essa aplicação, além de equivocada, manifesta-se também como problemática, pois prejudica a real apreciação jurídica do respectivo dano, tanto quanto a sua extensão quanto com relação à indenização a ser estabelecida.

O dano existencial não só não pode ser confundido com a espécie de dano moral, como também não se confunde com outras espécies de danos extrapatrimoniais. O dano existencial pode ser entendido, sumariamente, como uma alteração prejudicial e involuntária da cotidianidade da pessoa.

De forma mais específica, o dano existencial é aquele que causa uma modificação prejudicial, seja esta alteração de caráter total ou parcial e de cunho permanente ou temporário. Essa modificação prejudicial pode ser uma atividade ou um conjunto de atividades que a vítima do dano normalmente tinha como incorporado ao seu cotidiano e que, em razão do evento lesivo, precisou suprimir, modificar ou delegar a sua realização. [18]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Além do aspecto que considera o cotidiano da vítima, o dano existencial é indicado também a partir da idéia de potencialidade. O dano existencial que leva em conta o elemento potencial surge como forma de abranger também as atividades que a vítima, segundo a "lógica do razoável", ou as "regras de experiência", poderia desenvolver segundo o curso normal da vida, isto é, acaso o dano nunca houvesse ocorrido. Nesse sentido, o dano existencial apresenta-se como a perda de uma chance. [19]

3.2.Dano Biológico

O Prof. Clóvis do Couto e Silva, a respeito dos danos biológicos, entendia que era aplicável ao direito pátrio a distinção germânica feita entre danos pessoais primários e danos pessoais secundários. Os primeiros seriam concernentes a danos que implicassem na morte ou nos ferimentos em si considerados, enquanto que os segundos seriam aqueles relativos às conseqüências resultantes das lesões. [20]

Na experiência germânica, os danos decorrentes de lesão corporal são tradicionalmente denominados de danos à pessoa ou danos biológicos. Dentro do âmbito desses danos, é possível perceber a existência de uma tendência, cada vez maior, em discriminar outros tipos de danos, dotando-os de uma capacidade de quantificação autônoma.

É o caso, por exemplo, dos danos psicológicos, caracterizados como representativos de um comprometimento durável e objetivo, o qual seja referente à personalidade individual da pessoa, na sua eficiência, adaptabilidade e equilíbrio. Trata-se, portanto, de um dano consistente, não efêmero nem meramente subjetivo, e que reduz, de alguma forma, a qualidade de vida do indivíduo, seja pela diminuição das capacidades ou das potencialidades dessa pessoa. [21]

A doutrina italiana, em contraposição à germânica, preferiu rotular diversamente a distinção relativa aos danos biológicos. Assim, tem-se o aspecto estático e o aspecto dinâmico do dano biológico.

Enquanto que o aspecto estático é entendido como a mera diminuição da integridade psicofísica (dano biológico em sentido estrito), o aspecto dinâmico, no qual se encontra especificamente o dano à saúde [22], consiste nas conseqüências causadas pelos danos biológicos sobre as atividades laborais ou extralaborais da vítima. Segundo a concepção italiana ambos esses aspectos do dano biológico devem ser indenizados. [23]

O dano biológico em sentido estrito e o dano à saúde são ambos aspectos elementares de uma mesma realidade. Todavia, é indispensável que haja uma distinção entre esse dano biológico propriamente dito e o dano à saúde. [24]

O dano biológico em sentido estrito é simplesmente a lesão considerada em si mesma na pessoa vitimada, como, por exemplo, no caso de uma ferida ou uma fratura. Este dano, geralmente, será visível. Já no caso do dano à saúde, este se refere às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa atingida, sendo, logo, na maioria das vezes, invisível. [25]

O dano à saúde é uma hipótese ampla e mais difícil de se diagnosticar do que o dano biológico em sentido estrito, pois, além de sua freqüente invisibilidade, ele pode englobar a totalidade do estado de bem-estar da pessoa. Esse aspecto dinâmico do dano biológico compreende, entre outros fatores, uma lesão psíquica capaz de interferir na normalidade das atividades usuais do vitimado, sejam estas atividades laborais, recreacionais, sexuais, sociais, sentimentais e outras. [26]

3.3.Dano Psíquico

De forma similar ao dano biológico em sentido estrito, é possível haver uma lesão à estrutura psíquica da vítima do dano. Essa lesão, vinculada ou não a uma prévia agressão físico-corpórea, pode repercutir de forma danosa na saúde do indivíduo, podendo ter conseqüências patrimoniais ou extrapatrimoniais. [27]

Pode-se abordar o dano psíquico a partir de uma comparação entre este e o dano moral, pois o dano psíquico adveio, em parte, a partir do próprio dano moral. Para alguns autores, o parâmetro para essa distinção estaria no conceito de sofrimento, consistindo esse último em uma piora de determinada situação que leva em conta não apenas a intensidade do dano, mas também o significado que a pessoa lesada atribuí a esse dano. [28]

Essa concepção, no entanto, traz várias dificuldades, pois o conceito de sofrimento é subjetivo e de difícil determinação, sendo influenciado pela percepção do indivíduo e o contexto social, histórico e cultural em que este vive. Em decorrência de tanto, para Álvaro Pereira da Silva Júnior, essa distinção deve ser feita por um perito da área da saúde mental que possua experiência forense. [29]

O dano psíquico é aquele resultante de transtornos mentais, os quais podem decorrer por diversas circunstâncias

. Esses transtornos mentais, geralmente, não surgem desacompanhados de outros danos, podendo, inclusive, ter sido causados por outro tipo de dano, o qual pode ter tanto natureza material como imaterial. [30]

Observa-se a existência de dano psíquico em um determinado sujeito quando este apresenta deterioração, disfunção ou distúrbio ou transtorno, ou desenvolvimento psico-gênico ou psico-orgânico. Tais transtornos mentais se manifestam de forma a afetar as esferas afetiva e/ou intelectual e/ou volitiva da pessoa, limitando a sua capacidade de gozo individual, familiar, de atividade laborativa, social e/ou recreativa. [31]

A distinção entre o dano psíquico e o dano moral deve ser fundamentada pela análise da existência ou não de um caráter patológico presente ao dano. Em outras palavras, enquanto que o dano psíquico, para se concretizar, vai sempre exigir a presença de uma patologia a ele relacionada, o dano moral, ainda que implique em sofrimento, não haverá de implicar em nenhuma conformação patológica por parte do sujeito. [32]

3.4.Dano Estético

3.4.1.O Dano Estético e o Dano Moral

Ao contrário das outras espécies de danos abordadas nessa pesquisa, o dano estético apresenta dificuldades quanto a sua determinação como espécie de dano extrapatrimonial. Ocorre que o dano estético apresenta tanto feições de natureza imaterial quanto contornos de natureza patrimonial. [33]

Isso levou a alguns autores a questionar se o dano estético não seria um terceiro gênero de dano, ao lado dos danos material e imaterial. Contudo, essa visão não se apresenta acertada, sendo juridicamente inviável. [34]

Cavalieri Filho e Rui Stoco sustentam que o dano estético é uma modalidade do dano moral [35][36]. Tomando isso por verdade, tem-se que, no caso concreto, há a necessidade de se identificar se o dano estético está inserido dentro do dano moral puro ou do dano moral indireto.

Na hipótese do dano estético estar inserido no dano moral puro, ocorre que o prejuízo repercutirá somente na esfera valorativa da pessoa ofendida. Já quando for o caso do denominado dano moral indireto, observa-se que, além do campo moral, o dano estaria relacionado a prejuízos de natureza patrimonial. [37]

Deve ser ressaltado que, ainda que o dano estético seja uma espécie de dano moral, vislumbra-se a possibilidade de se cumular o dano estético com esse último. Isso ocorrerá em todas as situações em que cada um desses danos, ainda que originados do mesmo fato lesivo, gerem prejuízos de natureza diversa, sendo ambos indenizáveis. [38]

A discussão sobre se o dano estético seria ou não uma espécie dentro do dano moral não está ainda pacificada. Enquanto que Teresa Ancona Lopes entende que sim, o dano estético é um tipo de dano moral [39], Nereida Veloso da Silva sustenta que não, pois "entender o dano estético como parte integrante do dano moral é complicar a própria indenização do prejuízo resultante da lesão estética" [40].

Segundo essa última autora, o dano estético é, em verdade, o "fato gerador da lesão", capaz de provocar prejuízos tanto na esfera patrimonial quanto moral. Assim, tem-se que "o dano estético está para o dano moral da mesma forma que está para o dano patrimonial", sendo que incluí-lo dentro do dano moral seria "desconsiderar a sua importante participação na configuração do dano patrimonial". [41]

A presente pesquisa não tem o objetivo de sanar essa discussão doutrinária. O que importa aqui destacar é que, independentemente do dano estético estar ou não inserido dentro do dano moral, deve ser sempre observada a esfera patrimonial que dele decorre. Se o dano estético é ou não espécie de dano moral, é conclusão a ser chegada através não só pela doutrina mas também pela jurisprudência, sendo que o debate se demonstra ainda como novo, merecendo maiores considerações a serem realizadas no futuro.

3.4.2.Definição e Caracterização do Dano Estético no Direito Brasileiro

O Código Civil de 1916 disciplinava expressamente o dano estético através do artigo 1.538 e seus parágrafos. O respectivo dispositivo estabelecia o seguinte conteúdo:

Art.

1.538 - No caso de ferimento ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de lhe pagar a importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente.

§ 1º - Esta soma será duplicada, se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.

§ 2º - Se o ofendido, aleijado ou deformado, for mulher solteira ou viúva, ainda capaz de casar, a indenização consistirá em dotá-la, segundo as posses do ofensor, as circunstâncias do ofendido e a gravidade do defeito

Tal dispositivo, entretanto, não foi transcrito para o texto do Código Civil de 2002 e nem encontrou nesse documento um correspondente direto, sendo que o novo Código, ao contrário da codificação anterior, não estabeleceu uma disciplina específica para o caso de dano estético. Contudo, essa circunstância não pode de forma alguma implicar no entendimento de que o dano estético não teria sido recepcionado pelo novo Código Civil.

O fato do dano estético não possuir mais um dispositivo que o regule de forma tão específica como o fazia o Código Civil de 1916 não significa, absolutamente, que ele tenha deixado de ser reparável, até mesmo concomitantemente com danos morais puros, já que ambos são espécies de danos extrapatrimoniais.

O que ocorre apenas é que, no Código Civil de 2002, o fundamento legal do dano estético passou a ser genérico e não específico. O dano estético pode ser enquadrando na previsão específica do já mencionado artigo 949, parte final, o qual é aplicável a todos os tipos de danos imateriais e, também, na cláusula geral dos artigos 186 e 927, que são aplicáveis a qualquer tipo de dano.

Código Civil de 2002, artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Código Civil de 2002, artigo 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Teresa Ancona Lopes oferece o conceito de dano estético como sendo "qualquer modificação duradoura ou permanente na aparência externa de uma pessoa, modificação esta que lhe acarreta um ‘enfeamento’ e lhe causa humilhações e desgostos, dando origem, portanto, a uma dor moral". [42]

Através do conceito supracitado, é possível identificar a presença de quatro elementos essenciais para a caracterização do dano estético. São eles: (1) qualquer modificação; (2) "enfeamento"; (3) acarretação de dano moral; e (4) efeito danoso prolongado ou permanente. [43]

Quanto ao último elemento necessário para a existência do dano estético – efeito danoso prolongado ou permanente – Teresa Ancona Lopes sustenta que, para que haja dano estético propriamente dito, este deve ser sempre permanente e nunca apenas prolongado. Isso porque, por pior que seja a modificação prejudicial na estética da pessoa, o caráter prolongado do dano (apesar de poder causar dano moral) faz com que este seja, em verdade, um dano material, superável e facilmente indenizável. [44]

Cumpre aqui ressaltar que também é considerado como modificação prejudicial não permanente os casos que são corrigíveis através de cirurgia plástica ou outros métodos, desde que, obviamente, a pessoa ofendida aceite submeter-se a essas intervenções. Caso a vítima do dano, por razões diversas, não quiser passar pelo procedimento capaz de corrigir a alteração, ninguém poderá obriga-la a tanto, não podendo o autor do dano se utilizar dessa negativa da vítima para eximir-se de sua responsabilidade por indenizar o respectivo dano estético (então permanente) que provocou.

3.5.Dano à Privacidade

A discussão sobre o direito à privacidade nasceu nos Estados Unidos, em 1890, com a publicação "The right to privacy", da autoria de Warren e Brandeis. Segundo essa obra, havia a necessidade de criação de um direito que protegesse a esfera íntima de cada sujeito, no sentido de que todos teriam "o direito de ficar só" (the right to be let alone). [45]

Conforme foi crescendo o desenvolvimento tecnológico, a proteção da vida privada também passou a se desenvolver, pois, juntamente com o aumento da tecnologia também as possibilidades de ofensas à privacidade cresceram. Assim, a concepção inicial de privacidade, ligada ao isolamento e reserva do ambiente doméstico, passou a ser ampliada, voltando-se para o interesse do sujeito com relação à "construção de uma esfera pessoal" baseada na "liberdade de escolha", viabilizando o desenvolvimento da personalidade do sujeito. [46]

Atualmente, a noção de privacidade a ser protegida alcança um caráter pautado na relação do sujeito com os outros e com o mundo exterior. Assim, "vislumbra-se a possibilidade de controle das informações pessoais, a ‘determinação de inserção e de exposição’ e por conseqüência o fortalecimento da esfera privada do indivíduo em consonância com o ideal de dignidade da pessoa humana". [47]

No Brasil o direito (fundamental) à privacidade é estabelecido no conteúdo do inciso X, do artigo 5º, da Constituição Federal, segundo qual é determinado que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação". Observa-se que o dispositivo constitucional parece regular a privacidade sob dois momentos: quanto à intimidade e quanto à vida privada.

Muitos juristas consideram que a intimidade seria uma esfera mais restrita dentro da vida privada, enquanto que outros afirmam que o constituinte haveria sido redundante no texto do inciso X, do dispositivo 5º. [48] Na presente pesquisa, compartilha-se da opinião de que a intimidade e a privacidade são elementos distintos, ainda que intimamente relacionados.

Destarte, pode-se definir a intimidade como sendo aquilo de exclusivo que o indivíduo reserva para si mesmo, não o dividindo, em geral, com outras pessoas, por mais proximidade e intimidade que essas possuam. Exemplos de intimidade seriam o caso de um diário, segredos sob juramentos, convicções próprias, etc. Já a vida privada, diz respeito a situações de opção pessoal, mas que não exclui por completo a comunicação a terceiros. [49]

A privacidade é tema também regulado pelo artigo 21 do Código Civil. Segundo esse dispositivo "a vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".

A privacidade é um complexo de interesses. Isso implica no fato de que ela pode ser depreendida a partir de diversas formas, das quais aqui se destacam as seguintes: (1) a inviolabilidade de domicílio, (2) a inviolabilidade do sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, (3) a proteção dos meios jurídicos lícitos, (4) o resguardo da fonte de informação quando necessária ao exercício profissional, (5) a restrição da publicidade de atos processuais, (6) a previsão de um instrumento processual que viabilize o acesso a informações em bancos de dados cadastrais (habeas data), etc. [50]

O direito à privacidade é um dos direitos considerados como de primeira dimensão, constituindo-se como uma projeção dos princípios da liberdade e da dignidade humana. [51] O direito de privacidade se encontra diretamente vinculado ao direito de personalidade, decorrendo da noção moderna que se tem quanto à dignidade da pessoa humana desvinculada da simples noção do patrimônio.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Natália de Campos Grey

Advogada. Especialista em Direito Ambiental pela PUCRS. Mestranda no pós-graduação Mestrado em Direito da PUCRS.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GREY, Natália Campos. Os novos danos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2109, 10 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12600. Acesso em: 23 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos