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A jurisdição constitucional como agente democratizador da Justiça

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17/04/2009 às 00:00
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5. Limites da Interpretação Constitucional

A nova interpretação constitucional não procura mais por um único sentido válido para todas as situações sobre as quais incidam, porque diante das cláusulas constitucionais de sentido aberto, com conteúdo principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente, o texto pode demarcar apenas uma moldura dentro da qual se desenham diferentes possibilidades interpretativas em determinados casos.

Evidente que permanecem as normas que não dão margem a uma interpretação constitucional mais complexa, quanto ao presente tópico é importante ressaltar o que afirma o professor Luís Roberto Barroso [13]:

Muitas situações subsistem em relação às quais a interpretação constitucional envolverá uma operação intelectual singela, de mera subsunção de determinado fato à norma. Tal constatação é especialmente verdadeira em relação à Constituição brasileira, povoada de regras de baixo teor valorativo, que cuidam do varejo da vida. Alguns exemplos de normas que, de ordinário, não dão margem a maiores especulações teóricas: (i) implementada a idade para a aposentadoria compulsória, o servidor público deverá passar para a inatividade...; (ii) o menor de trinta e cinco anos não é elegível para o cargo de Senador da República...; (iii) não é possível o divórcio antes de um ano da separação judicial...

Nesse norte, quando está a se falar em nova interpretação constitucional, normatividade dos princípios, ponderação de valores, teoria da argumentação, tudo fruto de uma evolução seletiva, que preserva vários conceitos clássicos, mas também segue agregando novas teorias e idéias, não está a se negar, nem tampouco afastar, a importância das técnicas e premissas convencionais já tratadas anteriormente.

Para controlar a abrangência que vem assumindo as técnicas interpretativas, ressaltam-se os princípios instrumentais norteadores dessa tarefa, a saber: o princípio da supremacia da Constituição, o princípio da presunção de constitucionalidade das leis e atos do poder público, o princípio da interpretação conforme a Constituição, o princípio da unidade da Constituição, o princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade e o princípio da efetividade.

Interpretar as leis conforme a Constituição propicia ao STF priorizar um sentido da norma em conformidade com o texto constitucional, aumentando o grau de segurança jurídica do ordenamento jurídico e sua respectiva unidade, numa visão positiva do ativismo judicial.


6. A atuação do Supremo Tribunal Federal

O Poder Judiciário, especialmente o Supremo Tribunal Federal, no controle de constitucionalidade híbrido adotado no Brasil, quer seja tanto no difuso como no concentrado, por meio da interpretação constitucional, tem sido capaz de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, fator que modificou a visão clássica de legislador negativo, legitimando o juiz a atuar excepcionalmente como legislador positivo, por óbvio que não com a mesma amplitude do Poder Legislativo, o que feriria o princípio da separação dos poderes, o qual também tem assumido uma nova concepção diante do pluralismo social e do intercâmbio entre as nações.

A legitimidade para os órgãos do Poder Judiciário exercerem essa atividade decorre do atual contexto da democracia participativa, na qual a vontade do povo não é só a representada pelo sufrágio universal, porque, se assim o fosse, as minorias, que não têm votos suficientes para eleger seus representantes políticos, estariam à margem da garantia da efetiva aplicação dos direitos fundamentais.

Dessa maneira, o Judiciário deixou de ser apenas fiscal da implementação do programa das políticas sociais constantes do texto constitucional, nos termos da teoria da Constituição dirigente. Nesse viés, José Afonso da Silva[11] afirma que os constituintes optaram por um modelo de democracia representativa com possibilidades de participação dos cidadãos:

Daí decorre que o regime assume uma forma de democracia participativa, no qual encontramos participação por via representativa (mediante representantes eleitos através de partidos políticos, arts. 1º, parágrafo único, 14 e 17; associações, art. 5º, XXI; sindicatos, art. 8º, III; eleição de empregados junto aos empregadores, art. 11) e participação por via direta do cidadão (exercício direto do poder, art. 1º parágrafo único). Iniciativa popular, referendo e plebiscito, já indicados; participação de trabalhadores e empregadores na administração, art. 10, que, na verdade, vai caracterizar-se como uma forma de participação por representação...A esse modelo, a Constituição incorpora princípios da justiça social e do pluralismo. Assim o modelo é o de uma democracia social, participativa e pluralista.

A importância das técnicas de interpretação das normas infraconstitucionais à luz da Constituição Federal está na possibilidade de trazer para o âmbito jurídico anseios da sociedade que ainda não tenham sido reconhecidos pelo legislador ordinário.

Verifica-se a cada dia a influência que os julgados do Supremo Tribunal Federal têm assumido no âmbito social, e por essa razão passa-se a análise de um caso concreto.

6.1. ADIN 3168-6/DF

O art. 10 da Lei 10.259/2001, que trata dos Juizados Especiais Federal, foi impugnado pela Ordem dos Advogados do Brasil por meio da ADIN 3168-6/DF, tem o seguinte teor:

Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.

§ único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.

A questão remete à relevância de se prestigiar o princípio do acesso à justiça, por essa razão o acórdão ora colacionado é o lançado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.168-6/DF, requerida pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, que se insurgia contra a constitucionalidade do art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados especiais federais.

Duas questões foram essenciais para o deslinde do julgamento publicado no Diário Oficial de Justiça de 03 de agosto de 2008, a saber, a técnica de interpretação da Constituição utilizada e o peso dos princípios constitucionais em aparente conflito.

A questão amplamente discutida na ADI 3168-6/DF foi a de se o art. 10 da Lei 10.259/2001 afronta o Princípio da Indispensabilidade do Advogado previsto no art. 133 da Constituição Federal, que assim preceitua:

Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

Nos debates da votação no pleno, o Ministro Carlos Britto (p. 398) fez as seguintes ponderações quanto aos valores constitucionais que estavam se contrapondo:

De uma parte, com a dispensabilidade do advogado, se favorece mesmo o acesso à jurisdição. O acesso à jurisdição fica desembaraçado. Mas como disse o Ministro Eros Grau: por outro lado, em contraposição a esse argumento, a garantia constitucional da ampla defesa estará muito mais bem efetivada com a presença do advogado.

A maior preocupação verificada nas discussões foi a de não se institucionalizar a figura do rábula, uma vez que na lei dos juizados federais foi facultada a presença em juízo sem advogado, quer seja, sozinho ou mediante um representante (não necessariamente advogado). O ministro Gilmar Mendes frisou que essa opção se deu porque são massas de casos, a exemplo do INSS, que coloca um técnico para fazer a representação em juízo.

O Ministro Gilmar Mendes (p. 411) ressaltou, ainda, que a discussão assume viés corporativo, quando, em sua opinião, os Juizados Especiais e, depois, os Juizados Especiais Federais, foram as únicas coisas feitas pelo cliente, o mais tem sido em interesse de corporações.

O ministro Joaquim Barbosa, relator da ADI 3.168/DF (p. 387), ora analisada, afirmou que aplicou ao caso a técnica da declaração de constitucionalidade sob reserva de interpretação, quer seja, declarou a constitucionalidade do referido artigo, desde que sejam excluídos de seu âmbito de incidência os feitos de competência dos juizados especiais criminais da Justiça Federal e, nas causas cíveis, sejam aplicados subsidiariamente os dispositivos da Lei 9.009/99, especificamente quanto a possibilidade de comparecer em juízo sem a presença de advogado.

O relator para chegar a tal conclusão, lançou mão de três argumentos. O primeiro foi fundamentar que o art. 10 da Lei 10.259/2001 está no bojo das normas que tratam de processos cíveis. O segundo foi de que a diferença entre os juizados especiais da Justiça Comum e da Justiça Federal restringe-se à competência, portanto não seria razoável interpretar que o legislador teria dado tratamento diferenciado a eles. O terceiro argumento foi o da determinação expressa no artigo 1º da referida lei da utilização subsidiária dos dispositivos constantes na Lei 9.099/1995.

Dúvidas não restam de que a presença do advogado é fator importantíssimo, contudo é necessário lembrar que sua indispensabilidade no processo não é absoluta, já tendo nesse sentido julgado o STF na ADI 1539 [14], bem como continua existindo, excepcionalmente, a possibilidade de a lei outorgar o jus postulandi a qualquer pessoa, a fim de assegurar a garantia de direitos constitucionais, a exemplo do habeas corpus e da revisão criminal (art. 623 do CPP) e a recentemente editada Súmula Vinculante n. 5, a qual admite a dispensa do profissional no âmbito dos processos administrativos.

O indispensável papel que o advogado desempenha na busca da justiça, parece que deve ser visto como um direito constitucional, que visa garantir principalmente o princípio da ampla defesa, e não como uma limitação da cidadania, excludente de outros princípios e garantias.

No caso analisado, diante de aparente conflito entre princípios constitucionais, prevaleceu o princípio do acesso à justiça em consonância com a moderna teoria de Cappelletti [15], que após estudar a fundo os problemas de acesso à justiça, a fim de buscar meios de facilitar a busca do cidadão pela solução jurisdicional, afirma que a terceira onda de acesso à justiça é um progresso na obtenção de reformas da assistência jurídica e da busca de mecanismos para a representação de interesses da sociedade, o que proporciona um significativo acesso à justiça.

Portanto, a possibilidade de dispensa excepcional da presença de advogado para determinados atos pelo cidadão, sem que ocorra conflito com o citado princípio constitucional da indispensabilidade do advogado à administração da justiça, e a efetividade da Democracia, coloca a presente decisão do STF em sintonia com a onda de facilitação dos instrumentos processuais para efetivar o acesso à justiça.

Certamente a decisão do acórdão analisado está em consonância com essa nova era do constitucionalismo, se de outra forma tivesse sido o julgamento, os Juizados Especiais Federais não teriam a grandeza e importância alcançadas para a sociedade.

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7. Conclusão

A evolução do conceito de democracia, a participação do cidadão nas respostas aos conflitos sociais, a constante evolução da sociedade, são fatores que determinam a necessidade da interpretação constitucional moderna, conforme leciona o professor Inocêncio Mártires Coelho[12]

Essas constantes mudanças de interpretação, é de registrar, não decorrem de nenhum preciosismo hermenêutico, antes resultam do caráter nomogenético dos fatos sociais, como fatores determinantes da criação e da regeneração dos modelos jurídicos – sejam eles legislativos ou costumeiros, negociais ou jurisdicionais – a compasso de sempre renovadas exigências axiológicas.

Nos casos em que o Supremo Tribunal Federal é chamado legitima e democraticamente a se manifestar, fica evidenciada a intenção da Corte em avançar no sentido de conferir maior efetividade aos institutos trazidos para o texto constitucional de 1988, propiciando concreção aos direitos fundamentais concebidos pelo constituinte originário.

No momento jurídico brasileiro de profundas reformas, a Lei 10.259/2001, que trata os Juizados Especiais Federais, por sua vez, veio ao encontro dos anseios da sociedade, que espera ter ampliado seu acesso à justiça, por meio de uma prestação jurisdicional mais célere, que prestigie os princípios da oralidade, da publicidade, da simplicidade e da economia processual, e a decisão do STF na ADI 3168-6/DF demonstra esse compromisso.

A democratização da justiça tem que ser de tal forma que viabilize uma real aproximação do cidadão à Justiça. De nada adianta uma sofisticada legislação e modernos instrumentos processuais, se não há possibilidade do efetivo exercício da cidadania, em virtude da permanência de uma visão estática dos institutos jurídicos e princípios constitucionais.

A Democracia coloca o povo na base do poder, o que se concretiza pelo voto e se organiza por meio do Estado, que por sua vez encontra suas coordenadas gerais no bojo da Constituição. Da junção desses elementos resulta o Estado Constitucional Democrático de Direito, que vem garantir a todos o direito fundamental de acesso à justiça como instrumento de participação democrática e realização dos direitos constantes na carta constitucional.

A idéia do constitucionalismo moderno está calçada nesse equilíbrio entre os poderes transferidos para as mãos do Estado e o respeito e conseqüente realização dos direitos fundamentais. O cidadão de hoje aprendeu com os fatos históricos a conhecer seus direitos, compará-los e exigir a concretização do que entende justo.

Salienta-se o que afirma Cappelletti, de que o acesso à justiça é o requisito fundamental e o mais básico dos direitos humanos para a construção de um sistema jurídico moderno e igualitário que efetivamente garanta os direitos de todos.

A legitimidade de uma Constituição está exatamente no acordo entre o conteúdo e a concretização dos preceitos normativos, o que só é possível incorporando as circunstâncias da realidade à norma chamada a regular o caso concreto, o que vem ocorrendo por meio da moderna interpretação constitucional realizada pelo Supremo Tribunal Federal.

Conclui-se que o Tribunal ao fixar como conforme a Constituição uma determinada interpretação não está necessariamente em posição de ativismo judicial, do ponto de vista invasivo da competência legislativa originária. Contudo, a pergunta que permanece é em que medida se permite essa atuação judicial positiva com o fim de concretizar valores constitucionais?

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Sobre a autora
Janete Ricken Lopes de Barros

bacharel em Direito, analista judiciário, Diretora da Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante/DF, pós-graduada em Processo Civil pelo IDP, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Janete Ricken Lopes. A jurisdição constitucional como agente democratizador da Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2116, 17 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12646. Acesso em: 26 dez. 2024.

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