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A legitimidade do crime de evasão de divisas como norma penal em branco e sua legislação integradora

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02/05/2009 às 00:00

Resumo:


  • O crime de evasão de divisas é definido no artigo 22 da Lei nº 7.492/86, sendo caracterizado pela realização de operações de câmbio não autorizadas, com penas de reclusão e multa.

  • Esse tipo penal é considerado uma norma penal em branco, com remissões à legislação extrapenal, como a regulamentação do Banco Central, que estabelece limites e condições para a realização de operações cambiais.

  • A legislação integradora desse crime inclui normativas do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central, que regulam as operações de câmbio, transferências internacionais e a manutenção de depósitos no exterior, visando controlar a política cambial do país.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3. DA EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO EXTRAPENAL SOBRE O CONTROLE DAS OPERAÇÕES CAMBIAIS

A disciplina da matéria cambial no País, como se verá a seguir, possui um histórico bastante diversificado, ora se materializando por decretos, ora por resoluções e circulares e ora por leis.

No final da década de 1950, foi editado pela União o Decreto nº 42.820/57, que, em seu artigo 17 [20], já previa o princípio próprio da atual economia globalizada, qual seja, a liberdade de entrada e saída do capital estrangeiro.

No entanto, o que se verificou no século passado, no País, foi uma forte política de restrição à saída e entrada de capital, estrangeiro ou nacional.

Com base no Decreto nº 23.528/33, o Poder Público poderia exigir a comprovação da origem da moeda estrangeira, bem como que ela somente fosse adquirida em estabelecimentos autorizados.

Referido Decreto foi editado para regulamentar a Lei nº 4.182/1920, que atribuía ao Poder Executivo, na pessoa do Ministro da Fazenda, o poder de exigir provas de que as operações de compra e venda de cambiais eram reais e legítimas, proibindo-as em caso contrário. [21]

Em 24/08/1968, o Banco Central editou a Resolução nº 98/68, por meio da qual, alguém que pretendesse viajar ao exterior, só poderia adquirir US$ 1.000,00, pelo câmbio oficial, ou seja, pela cotação determinada pelo Poder Público, independentemente do valor real da moeda segundo as leis de mercado.

Assim, quem pretendesse levar mais dinheiro consigo, tinha que recorrer à compra de moeda estrangeira no mercado negro (ou paralelo), que era composto pela entrada de dólares advindos do subfaturamento de exportações, do superfaturamento de importações e pelas exportações clandestinas e numerários que advinham do turismo. [22]

Em 1969, O Banco Central editou a famosa Carta Circular nº 5, por meio da qual as pessoas físicas ou jurídicas não residentes, não domiciliadas, ou com sede no exterior, poderiam abrir no Brasil apenas duas espécies de contas: a conta de outras origens e a conta proveniente de vendas de câmbio.

Essas contas possibilitavam ao estrangeiro no Brasil depositar os valores que viesse a receber quando em trânsito pelo nosso País.

A conta "de outras origens" destinava-se aos depósitos de valores em moeda nacional, que não tivessem origem de antecedente operação de câmbio e eram de livre movimentação.

A conta "proveniente de vendas de câmbio" recebia os valores em moeda nacional, resultantes da venda de moeda estrangeira que o não residente tinha trazido para arcar com os seus custos. Esses valores eram de livre movimentação.

Ocorre que somente os valores depositados nessa conta é que poderiam ser remetidos ao exterior, ou seja, somente a mesma quantia que havia sido trazida é que poderia ser enviada de volta para o exterior.

Desta maneira caminhou a política cambial, sempre visando impedir a saída de capital do País, até que no final dos anos 80, com a abertura da economia brasileira esse cenário começou a mudar.

Em 22/12/1988, o Banco Central editou a Resolução nº 1.542/88, com o fim de promover o controle do volume de moeda estrangeira que circulava no mercado paralelo.

Dentre outras medidas, a normativa revogou expressamente as Resoluções anteriores que dispunham sobre o tema (Resoluções nº 98/68, 759/82, 1.500/88, 1.514/88 e 1.522/88).

Os valores permitidos para cada tipo de operação, no chamado dólar turismo, foram ampliados para compra de moeda em até US$ 4.000,00 e para compras com o uso de cartões de crédito, no limite de US$ 8.000,00.

Em 1992, o Banco Central, visando atrair o investimento estrangeiro, flexibilizou a remessa dos lucros realizados no Brasil ao exterior, por meio da Carta Circular nº 2.259/92, que modificou a disciplina anterior da Carta Circular nº 5/69.

Por essa normativa foi criada a conta de instituições financeiras, por meio da qual bancos estrangeiros ficavam autorizados a abrir contas correntes em bancos nacionais para que as quantias depositadas nessas contas fossem enviadas livremente para o exterior, por conta e ordem de terceiro.

A Circular nº 2.259/92 também instituiu o dever de identificação dos depositantes de valores nesta conta e dos beneficiários dos saques sobre ela efetuados. [23]

A remessa de valores para o exterior de um não residente, que não fosse uma instituição financeira, continuou sendo disciplinada da mesma forma que era pela Carta Circular nº 5, ou seja, só era possível o envio de valores depositados nas contas "proveniente de vendas de câmbio" e desde que o saldo a ser remetido tivesse sido resultante de moeda estrangeira vendida por ele a um banco brasileiro.

Também foi criado o SISBACEN, sistema que permitia a identificação de todas as operações de remessa de valores para o exterior.

Assim, a operação de depósito na conta da instituição financeira e a remessa do valor para o exterior deveriam ser devidamente identificadas e controladas pelo SISBACEN. Desta forma, o controle dos recursos que deixavam o País estava mais do que nunca reservado ao Banco Central.

Em 1994, houve a criação do Plano Real e aí tivemos as diretrizes básicas que são praticamente mantidas até hoje no controle da saída e entrada de moeda estrangeira no País.


4. A ATUAL LEGISLAÇÃO INTEGRADORA DO CIME DE EVASÃO DE DIVISAS (ARTIGO 22, DA LEI Nº 7.492/86)

Com a edição da Lei nº 9.069/95, que disciplinou o Plano Real, foi confirmado o princípio da liberdade de entrada e saída de moeda nacional ou estrangeira do País, mas com algumas restrições.

Nesse sentido foi que o artigo 65, caput, Lei nº 9.069/95, impôs que toda operação cambial deve ser realizada por meio de transferência bancária. [24]

Na hipótese da operação cambial envolver valores em espécie, deve ser acompanhada do preenchimento da Declaração de Porte de Valores (DPV) quando da entrada ou saída dos valores no País, exceto para quantias abaixo de R$ 10.000,00, quando o transporte será feito sem a necessidade da referida declaração (artigo 65, § 1º, inciso III [25], regulamentado pela Resolução/CMN nº 2.524/98 [26]).

Em 2001, o Banco Central finalmente regulamentou a obrigatoriedade da declaração da manutenção de depósitos no exterior, que já era prevista em termos genéricos pelo Decreto-lei 1.060/69. [27]

Com a edição da Circular nº 3.071/2001, estabeleceram-se os limites, a forma e as condições para a regular manutenção de depósitos no exterior, bem como o dever de declaração ao Banco Central. O valor máximo permitido a ser depositado fora do país, à época, foi o de R$ 10.000,00, estipulado em consonância com a Lei nº 9.069/95.

Com a edição da Circular nº 3.181/2003, em 06/03/2003, o limite passou a ser o de quantias inferiores a R$ 300.000,00.

Posteriormente, em 2004, nova Circular foi editada e o Banco Central passou a exigir a declaração dos depósitos que tivessem valores superiores a US$ 100.000,00 (Circular/BACEN nº 3.225/2004). Este "teto" é mantido até hoje por meio das Circulares nº 3.278/2005, nº 3.313/2006 nº 3.345/07 e nº 3.384/2008).

Relevante mudança na legislação cambial operou-se em 2005, ano da publicação da Resolução 3.265, de 04/03/05, e da Circular 3.280, de 09/03/05, ambas editadas pelo Banco Central e que consubstanciam o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI).

O funcionamento do mercado de câmbio brasileiro foi alterado, com o fim de reduzir os custos das operações cambiais, proporcionar maior transparência às operações de câmbio, visando, assim, um maior controle por parte do Banco Central.

Com o novo regulamento, os mercados de câmbio de taxas livre e flutuante (câmbio turismo) passaram a integrar um único mercado, o qual engloba as operações de câmbio, transferências internacionais em reais (TIR), ouro-instrumento cambial e os capitais brasileiros no exterior e os capitais estrangeiros no Brasil.

Com as novas mudanças introduzidas no mercado, a taxa de câmbio unificada pode ser pactuada livremente entre as instituições financeiras e os demais agentes autorizados, ou diretamente entre estes e os seus clientes. Isso significa que fica a critério da instituição financeira negociar com seu cliente a taxa de câmbio a ser aplicada em uma operação, ressalvada a realização de operações cambiais sob taxas que se situem fora dos patamares praticados pelo mercado ou que possam configurar evasão cambial, formação artificial ou, ainda, manipulação de preços, o que sujeita os agentes financeiros às penalidades e demais sanções previstas na legislação e regulamentação em vigor.

Por fim, o novo regulamento traz também algumas modificações quanto às transferências internacionais em reais (TIR), meio pelo qual os não-residentes, titulares de contas bancárias mantidas no país, usam para a remessa ao exterior de recursos existentes nas referidas contas.

A Circular nº 2.259/92 permitia que referidas transferências fossem realizadas em nome de terceiros. Agora, as remessas realizadas por transferência internacional não podem ser realizadas desta forma [28], mas somente pelo titular da conta e também por meio de realização de contrato de câmbio [29].

Tais medidas permitem o controle individualizado de cada operação e dificultam as fraudes cambiais que ocorriam na vigência da Carta Circular nº 5/69. [30]

Portanto, atualmente, qualquer nacional que queira remeter dinheiro para o exterior deve obedecer aos limites para a manutenção de depósito no exterior (US$ 100.000,00), bem como realizar contrato de câmbio que será registrado no SISBACEN.

Também deverá remeter o dinheiro por meio de transferência bancária ou, quando deter o valor em espécie, apresentar a Declaração de Porte de Valores (na hipótese de valores acima de R$10.000,00 ou o equivalente em moeda estrangeira).

A remessa de valores para o exterior, de maneira diversa da mencionada nos últimos dois parágrafos, importará em ilícito cambial e também, em ilícito penal de evasão de divisas, previsto no artigo 22, da Lei nº 7.492/86.

4.1. A LEGISLAÇÃO INTEGRADORA DO CRIME DO CAPUT, DO ARTIGO 22, DA LEI Nº 7.492/86

Nos termos da legislação atual, podemos concluir que a elementar do caput, do artigo 22, da Lei nº 7.492/86 "operação de câmbio não autorizada" deve ser entendida como a realização de operação de câmbio em desacordo com a lei ou as normativas do Banco Central.

É que, como já explicado, a partir da criação do SISBACEN, em 1992 (Circular BACEN nº 2.259/92), o Banco Central não mais exigiu autorização prévia para a maior parte das operações de câmbio e com isso, o exame de legalidade da operação ficou em momento posterior à sua realização.

De acordo com a redação conferida pela Circular/Bacen nº 3.280/05, operações de câmbio são: "as operações de compra e venda de moeda estrangeira, as transferências internacionais em reais e as operações envolvendo ouro-instrumento cambial, bem como as matérias necessárias ao seu regular funcionamento".

Por outro turno, a Lei nº 9.069/95, em seu artigo 65, determinou que as operações que envolvam entrada ou saída de moeda nacional ou estrangeira acima de valores superiores a R$10.000,00, deverão ser realizadas por meio de transferência bancária, cabendo ao banco a perfeita identificação do cliente ou do beneficiário. Assim, o referido artigo integra a norma penal em branco que constitui o caput do artigo 22, da Lei nº 7.492/86, assim como a Circular/Bacen nº 3.280/05, que definiu o conceito de operação cambial.

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4.2. A NORMA INTEGRADORA DO CRIME PREVISTO NA 1ª PARTE DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 22, DA LEI Nº 7.492/86

No parágrafo único, do artigo 22, pune-se a conduta da promoção da evasão de divisas sem autorização legal.

A conduta típica pode ser realizada por três modalidades:

A primeira é o envio de valores em espécie, equivalentes ou acima de R$10.000,00, sem a respectiva Declaração de Porte de Valores (DPV), disciplinada na Resolução nº 2.254/98, editada pelo Conselho Monetário Nacional, e, portanto, a norma integradora para essa hipótese.

A segunda consiste na remessa de valores equivalentes ou superiores a R$ 10.000,00, sem a realização de transferência bancária específica, em desacordo com o artigo 65, da Lei nº 9.069/95, situação em que o próprio artigo legal referido será a norma integradora da norma penal em branco, nesse caso de natureza heterogênea.

4.3. A NORMA INTEGRADORA DO CRIME PREVISTO NA 2ª PARTE DO PARÁGRAFO ÚNICO, DO ARTIGO 22, DA LEI Nº 7.492/86

A conduta incriminada consiste em manter depósito no exterior não declarado à repartição federal competente.

A sua norma integradora é atualmente estabelecida pelo artigo 3º, da Circular/Bacen nº 3.384/08, devendo ser observada a época do crime e a Circular vigente, de acordo com o exposto no item 3. [31]


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Sobre o autor
Milton Fornazari Junior

Delegado de Polícia Federal em São Paulo (SP), Especialista em Direito Público pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo e Mestre em Direito Penal pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FORNAZARI JUNIOR, Milton. A legitimidade do crime de evasão de divisas como norma penal em branco e sua legislação integradora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2131, 2 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12688. Acesso em: 22 dez. 2024.

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