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A ação penal popular no ordenamento jurídico brasileiro

24/04/2009 às 00:00
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O presente estudo trata da discussão acerca da possibilidade, ou não, de existência, em nosso ordenamento jurídico, da ação penal popular.

A ação penal popular é um instituto existente no ordenamento jurídico espanhol e anglo-americano e, historicamente, entende-se como o direito de qualquer pessoa do povo denunciar crime visando punição do autor do delito.

É do conhecimento dos estudiosos do direito que a legislação brasileira contempla, de forma expressa, a ação penal pública (incondicionada e condicionada) e a ação penal privada. No entanto, parte da doutrina propugna pela existência de uma terceira espécie de ação penal, a ação penal popular. É o que preleciona René Doti, segundo o qual,

"existem três tipos de ação penal em nosso sistema processual: a ação penal pública; a ação penal privada e a ação penal popular. A primeira, indicada no art. 129, I da Constituição Federal, é regulada pelo art. 100, parágrafo 1º. do CP e art. 24 e seguintes do Código de Processo Penal. A segunda é referida no art. 100, parágrafos 2º a 4º do CP e 30 e seguintes do CPP. E a terceira, é prevista na Lei 1.079 de 10.4.1950, que define os crimes de responsabilidade e cuida do respectivo processo e julgamento. O art. 14 desse diploma estabelece que é permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou ministros de Estado, por crimes de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. Este tipo de ação foi recepcionado pela Constituição de 1988, que dispõe sobre os crimes de responsabilidade do Presidente da República (arts. 85 e 86). Artigo publicado no jornal "O Estado do Paraná", caderno "Direito e Justiça", de 13.02.05 (Apud Donizetti, 2008)".

A corrente doutrinária que admite a ação penal popular no direito brasileiro baseia-se na Lei 1.079/50, cujo artigo 14, trata da denúncia levada a efeito por qualquer cidadão.

Art. 14. É permitido a qualquer cidadão denunciar o Presidente da República ou Ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados.

Na realidade, esta norma apenas afirma uma prerrogativa democrática, tendo como pressuposto que os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República, ou quaisquer outros administradores da res pública, representamflagrante ilegalidade constitucional e atentam contra o interesse público, uma vez que preservação dos interesses da coletividade é máxima a ser observada pelo gestor público. Em suma, a objetividade jurídica da norma é defender o normal funcionamento da Administração.

A previsão legal (artigo 14 da lei 1.079/50), tem por finalidade a comunicação formal de fato para eventual apuração da responsabilidade penal do Presidente da República, sendo dirigida à autoridade competente, no caso, a Câmara dos Deputados, a quem cabe a titularidade da ação penal contra o Chefe do Executivo Federal.

Os crimes de responsabilidade são infrações político administrativas, se cometidas no desempenho da função, definidas na legislação federal e em conformidade com o artigo 85 da Constituição da República,

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Em seguida, o parágrafo único do referido artigo preleciona que:

"Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento".

O artigo 85 da Constituição Federal apresenta um rol meramente exemplificativo dos crimes de responsabilidade, pois o Presidente poderá ser responsabilizado por todos os atos atentatórios à Constituição Federal, passíveis de enquadramento idêntico ao referido no rol, desde que haja previsão em lei federal, pois o brocardo nullum crimen sine typo tem aplicação a todos os delitos, e obviamente aos delitos político administrativos.

A Lei 1.079/50 é a lei especial que regula os crimes de responsabilidade do Presidente da República, os quais, conforme dispõe o seu artigo 2º, são passíveis de sanção política, ainda quando simplesmente tentados.

Entendo que a autoridade atribuída pela Lei 1.079/50, a qualquer do povo para dar início a ação penal nos crimes de responsabilidade do Presidente da República, o termo "denúncia" deve ser interpretado como tendo natureza jurídicade direito a delatio criminis, mesmo porque, sequer é condição de procedibilidade da ação penal a ser movida pela Câmara do Deputados, conforme se depreende da leitura do artigo 51 da Carta Magna:

Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados:

I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado;

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Para Guilherme de Souza Nucci,

"Realmente, se qualquer pessoa do povo denunciar o Presidente da República, por crime de responsabilidade, somente se os órgãos internos da Câmara dos Deputados derem prosseguimento à delação feita instaurar-se-á processo para apurar o delito apontado. São inúmeros os casos de denúncia apresentada, que não são processados por questões políticas, razão pela qual não se pode deduzir a existência de ação penal popular. Aliás, no caso da ação civil popular, não há como deixar de apreciar o pedido do autor, o que inexiste no caso da Lei 1.079/50".

De tal sorte, a regra constante no artigo 16, p. ex., da Lei 1.079/50, segundo a qual:

Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser encontrados, nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter o rol das testemunhas, em número de cinco no mínimo.

É letra morta, visto que foi aplicada em situações no passado, mais precisamente no Direito Imperial e nos primeiros tempos da República, não mais encontrando espaço a se adequar às regras e princípios constitucionais, de onde se depreende que a titularidade da ação penal pertence ao Ministério Público e ao ofendido, nos casos expressamente previstos em lei.

Cabe salientar, ainda, que segundo o artigo 86 da Constituição Federal

"Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, (grifei) será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade".

Do que foi dito, conclui-se não ser possível em nosso direito a ação penal popular, mormente no seu sentido histórico, além de não ter sido recepcionado pela nova ordem constitucional o artigo 14 da Lei 1.079/50, entendido em seus termos como forma de denúncia propriamente dita e sim, espécie de notitia criminis.


Bibliografia

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil – Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 1.079 de 10 de abril de 1950. Define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

DONIZETTI, Elpídio. Para passar em concursos públicos. 4ª. ed – Rio de Janeiro : Editora Lumens, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008.

VADE MECUM – 6. Ed – São Paulo : Saraiva, 2009.

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Sobre a autora
Liduina Araujo Batista

Advogada. Professora. Servidora pública federal na Universidade Federal do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Liduina Araujo. A ação penal popular no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2123, 24 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12689. Acesso em: 24 nov. 2024.

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