Resumo: Este artigo pretende analisar se existe compatibilidade entre as Centrais Sindicais, regulamentada pela Lei n.º 11.648/08, e o ordenamento jurídico brasileiro, em especial com a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho, que tratam do sistema confederativo de representação sindical. Assim, após explicar as suas principais características, bem como da estrura sindical hoje estabelecida no País, a conclusão deste trabalho seguiu pela plena possibilidade de inserção das Centrais Sindicais no ordenamento jurídico.
Abstract: This article aims to examine whether there is compatibility between the labor unions, regulated by Law No. 11648/08, and the Brazilian legal system, especially with the Federal Constitution and the Consolidation of Labor Laws, which deal with the confederal system of union representation. Thus, after explaining its main features, and the union today structure established in the country, the conclusion of this work followed by the possibility of full integration of labor unions in the legal system.
Palavras-chave: Centrais Sindicais – ordem jurídica – compatibilidade
Keywords: labor unions - legal - compatibility
1.Introdução
A Lei 11.648, de 31 de março de 2008, introduziu em nossa estrutura sindical a figura das Centrais Sindicais, que anteriormente só existiam no plano institucional através de algumas entidades conhecidas pela sociedade, tais como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), Força Sindical, CONLUTAS (Coordenção Geral de Lutas), USB (União Sindical Brasileira) e outras de menor expressão.
Com efeito, a Lei n.º 11.648/08 marca uma importante mudança do sistema sindical brasileiro, eis que as Centrais Sindicais que atinjam os critérios de representatividade passarão a ocupar um espaço importante de diálogo social, como na indicação de integrantes de alguns Órgãos públicos ou Fóruns Tripartites, que estejam discutindo questões de interesse geral dos trabalhadores, a teor do seu art. 2º.
O presente artigo possui como objetivo analisar algumas questões deste novel diploma normativo, como a sua compatibilidade com a ordem jurídica nacional, que dispõe sobre o sistema sindical brasileiro, e se existe alguma sobreposição das Centrais Sindicais com as demais entidades de representação dos trabalhadores.
Tais questões são polêmicas e serão adiante analisadas, visando contribuir com o debate jurídico sobre este novo cenário sindical brasileiro que foi trazido pela Lei n.º 11.648/08.
2.Da inserção das Centrais Sindicias no ordenamento jurídico brasileiro. Principais características trazidas pela Lei n.º 11.648/08
As Centrais Sindicais, que também denominadas de uniões ou confederações de trabalhadores, são consideradas entidades de cúpula, pois se situam no topo da estrutura sindical, acima dos sindicatos, das federações e confederações de trabalhadores.
Assim, as Centrais Sindiciais representam outras entidades sindiciais (e não trabalhadores isoladamente), que a ela se filiam espontâneamente. São consideradas entidades intercategoriais, pois abraçam categoriais profissionais distintas.
O surgimento desta entidade como órgão de cúpula foi explicado por ZANGRANADO (2009, p.4), nos seguintes termos:
O ambiente político propício, além do fenômeno inflacionário, a estagnação da economia trouxeram a necessidade de uma luta efetiva e constante para a recomposição das perdas salariais e demais direitos dos trabalhadores. Isso não poderia acontecer sem uma organização central, coordenativas dos esforçoes de das entidades sindicais de primeiro grau. Por tudo isso, e algo mais, as centrais sindicais se estabeleceram e cresceram em importância (...)
Houve diversas tentativas de disciplinar esta entidade [01], sem sucesso. No entanto, somente com o advento da Lei 11.648/08 que esta entidade foi finalmente foi regulamentada, introduzindo requisitos de representatividade para lhes conferir legitimação.
Os requisitos de representatividade das Centrais Sindicais estão previstos no art. 2º da Lei 11.648/08, e se referem, entre outros, ao número de entidades sindicais filiadas, às regiões do País onde atuam estas entes e às categorias econômicas defendidas.
Desse modo, é provável que algumas das Centrais Sindicais formadas antes da Lei n.º 11.648/08, que não consigam atender aos requisitos legais ali insertos, terminem por perder espaço no cenário sindical brasileiro.
Como mencionado por NASCIMENTO (2008, p. 89), a redução do número de Centrais Sindicais foi justamente um dos objetivos da lei:
A exposição de motivos mostra que a nova lei resultou do entendimento entre Governo e trabalhadores para corrigir o elevado número de entidades que se apresentavam como tal sem prerrogativas e atribuições definidas.
Reconhecida a sua representatividade, as centrais sindicais passam a possuir duas prerrogativas, que são a de coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais filiadas e participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social, nos quais se discutam questões afetas aos interesses gerais dos trabalhadores.
Por este motivo, DELGADO (2008) afirmou que as centrais sindicais "constituem, do ponto de vista social, político e ideológico, entidades líderes do movimento sindical, que atuam e influenciam em toda pirâmide regulada pela ordem jurídica."
Diante das prerrogativas que a lei conferiu às centrais sindicais, interessa saber se existe uma sobreposição de atribuições com os orgãos sindicais existentes, bem como se existe alguma incompatibilidade deste novo diploma com a Constituição Federal e a Consolidação das Leis do Trabalho.
3. A ESTRUTURA DO sistema sindical brasileiro. COMPATIBILIDADE com as centrais sindicais.
A Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 8º, caput, considera livre a associação sindical, e em seu inciso I vedou a interferência do Poder Público em sua organização.
O direito à livre associação sindical é uma espécie autônoma do princípio da liberdade de associação, previsto no art. 5º, inciso XVII da Constituição Federal. Possui um amplo escopo, pois contempla, entre outros, a liberdade de constituição de sindicato, a liberdade de inscrição, direito de auto-organização e auto-extinção e direito ao exercício da atividade profisisonal da empresa.
Por sua vez, a teor do art. 8º, inciso II do nossa Carta Constitucional, o legislador constituinte repetiu a escolha pelo princípio da unicidade sindical [02], que veda a criação de mais de uma organização sindical, de categorial profissional ou econômica, na mesma base territorial, não inferior a um Município.
DELGADO (2002, p. 1307) realiza uma importante definição do princípio da unicidade sindical:
A unicidade corresponde à previsão normativa obrigatória de existência de um único sindicato representativo dos correspondentes obreiros, seja por empresa, seja por profissão, por categoria profissional ou ramo empresarial de atividades. Trata-se de imposição legal imperativa do tipo de sindicato passível de organização na sociedade, vedando-se a existência de entidades sindicais concorrentes com outros tipos sindicais. É, em síntese, o sistema de sindicato único, com monopólio de representação sindical dos sujeitos trabalhistas.
De acordo com o princípio da unicidade sindical adotado pelo Brasil, a nossa estrutura sindical foi organizada de forma ascendente: sindicato → federação → confederação, sendo as duas últimas consideradas como associações de grau superior, conforme teor do art. 533 da Consolidação das Leis do Trabalho [03].
Assim, temos que o Brasil adotou o princípio da unicidade sindical em nível conferativo, que inicia dos sindicatos e se estende até às confederações.
Existe uma cizânia doutrinária a respeito da compatibilidade das centrais sindicais com o ordem jurídica nacional. Dentre os motivos utilizados, um dos principais seria que a incompatibilidade deste órgão sindical com o princípio da unicidade sindical adotado pela Constituição da República.
Nesse sentido, vale transcrever as lições de NASCIMENTO (2008, p. 261/262):
Há doutrinadores que entendem que não há espaço para as centrais sindicais em nosso ordenamento jurídico, diante da inadimissibilidade de pluralismo sindical, sendo essa a posição, entre outros, de Eduardo Gabriel Saad, em "Constituição e direito do trabalho" (1989).
Outros sustentam que as centrais não integram o sistema confederativo (...).
Somente para ressaltar a polêmica existente, salientamos que foram ajuizadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade – n.ºs 3.761 e 3.762 - perante o Supremo Tribunal Federal, quando se tentou regulamentar a questão das Centrais Sindicais através da Medida Provisória 293/2006 [04].
Dentre as questões levantadas nestas ADIN´s, alega-se que a Consituição Federal de 1988, ao regulamentar o art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho, não faz alusão às Centrais Sindicais. Assim, inseri-la no ápice da pirâmide sindical, seria afrontar à opção do legislador constituinte de 1988, sendo um ato dotado de manifesta inconstitucionalidade.
Embora não tenham logrado êxito perante o Supremo Tribunal Federal, por questões não diretamente relacionadas com o presente parecer, essas ADIN´s demonstram que a aceitação das Centrais Sindicais no nosso ordenamento está longe de ser um tema pacífico.
No entanto, entendemos que a presença das Centrais Sindicais no topo da pirâmide sindical não ofende à Constituição Federal, muito menos ocasiona uma sobreposição com as confederações ou federações sindicais, ou ofende o princípio da unicidade sindical.
Isso poque as confederações são organizações sindicais de grau mais elevado de determinada categoria, sendo formadas por no mínimo três federações, conforme determina o art. 535, CLT.
Já as federações são situadas abaixo das confederações e acima dos sindicatos. São organizações sindicais de segundo grau e são consituídas por cada Estado e representam um grupo de atividades ou profissões conexas, similares ou idênticas. Possuem entre suas atribuições o de coordenar os interesses dos sindicatos a ele filiados.
Por sua vez, as Centrais Sindicais são orgãos de representação multicategoriais de âmbito nacional. Assim sendo, como as centrais sindicais englobam distintas categorias, afasta-se a questão da ofensa ao princípio da unicidade sindical.
Em outras palavras, o princípio da unicidade sindical é válido para os sindicatos, federações e confederações, mas não para as Centrais Sindicais, que englobam diversas categorias profissionais no seu mister.
Frise-se, entretanto, que existe uma relação muito próxima das Centrais Sindicais com os demais órgãos do sistema confederativo. Nos dizeres de NASCIMENTO (2008, p. 91):
Terceiro, a conexidade entre as Centrais e o sistema confederativo. Estamos convencidos que há uma vinculação estreita na pirâmide, apesar de sua construção gradativa. Não há como se negar a relação entre as Centrais e as organizações nem entre os trabalhadores sócios dos sindicatos no território nacional e as Centrais. Daí ser possível dizer que as Centrais são organizações conexas ao sistema confederativo, pela natureza, atribuição e finalidades.
Desse modo, as Centrais Sindicais não terão as mesmas atribuições dos sindicatos, das federações e confederações. Por exemplo, a responsabilidade pela realização de negociação coletiva continuará sendo dos sindicatos e, supletivamente, das federações e confederações, conforme art. 617, § 1º da CLT. As Centrais, como já mencionado, possuirão atribuições superiores, arrticulando ações de interesse geral dos trabalhadores.
Deve ser lembrado que, antes mesmo de sua regulamentação, diversos diplomas normativos já disciplinavam sobre a atuação das Centrais Sindicais nos órgãos públicos e fóruns tripartites nos quais se discutam questões de interesses gerais dos trabalhadores, como o art.3º, §3º da Lei 8.036/90; art. 3º, §2º da Lei 8.213/91; art. 18, §3º da Lei n.º 7.998/90.
E, apesar da Constituição Federal e a CLT tratarem do sistema confederativo, isso não impede a criação das centrais sindicais como órgão de cúpula, acima das confederações.
A propósito, AROUCA (2008, p. 1167) traz a seguinte observação sobre a possibilidade de criação das Centrais Sindicais:
A Constituição criou o sistema confederativo de representação sindical, acatando a solicitação das confederações patronais e de trabalhadores, unidas na luta pela sobrevivência, ameaçadas pelas centrais que pouco a pouco as supraram. O sucesso do grupo de pressão foi tamanho que conseguiu mais, além de referência ao sistema em lugar estranho, ou seja, no inciso IV do art. 8º que criava uma nova contribuição, a ressalva de ficar mantida a mais antiga, prevista em lei, ou seja, a sindical. Com isto, para muitos, do que foi recepcionado pela "velha" CLT, o sistema continuaria o mesmo, constituído pelos sindicatos de base, suas federações e as confederações de cúpula. No entanto, nada impedia que a lei colocasse as centrais no sistema como organzação horizontal, multicategorial e de nível nacional.
Por último, o princípio da liberdade sindical previsto no art. 8º, caput da Constituição Federal, que abrange tanto a criação como a autoextinção de entidades sindicais, como a prerrogativa de livre filiação e desfiliação, também serve como argumento para a criação das centrais sindicais e a sua aceitação .
À conta destes argumentos, podemos concluir que existe plena compatibilidade entre a Lei n.º 11.648/08, que instituiu as Centrais Sindicais com o ordenamento jurídico pátrio.
4. Conclusão
Como se demonstrou acima, a Lei n.º 11.648/08 regulamentou as centrais sindicais no ordenamento jurídico pátrio, reconhecendo como uma das suas atribuições a participação em órgãos públicos e fóruns tripartites que tratem de questões de relevo aos trabalhadores, se atingidos os critérios de legimitidade mencionados.
Em suma, as Centrais Sindicais constituem uma entidade sindical ímpar, atuando e influenciando toda a pirâmide sindical que tem sobre si. Seu interesse é estratégico, de propor políticas e ações coletivas em benefício geral dos trabalhadores.
A temática das Centrais Sindicais é muito rica, não sendo a pretensão deste artigo esgotar o assunto. O objetivo é bem mais simples, de analisar a compatibilidade com a estrutura sindical brasileira prevista no ordenamento jurídico, e se existe alguma sobreposição ou incompatibilidade com os demais organismos sindicais.
Nesse passo, podemos concluir que não existe qualquer incompatibilidade das centrais sindicais com a forma de organização sindical adota pelo Brasil, tampouco sobreposição com as confederações ou federações previstas no texto constitucional e na Consolidação das Leis do Trabalho.
REFERÊNCIAS
AUROCA. José Carlos. Centrais Sindicais – Autonomia e Unicidade. Revista da LTr, vol. 72, n.º 10, p. 1159-1171, out. 2008.
DELGADO, Maurício Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 3ª
ed., São Paulo: LTr, 2008.
___________________________. Curso de Direito do Trabalho. 1ª ed., 2ª tiragem, São Paulo: LTr, 2002.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical.
5ª ed.,São Paulo: 1997.
___________________________. A legalização das Centrais. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, São Paulo, ano XVI, n.º 16, p. 89-94, 2008.
ZANGRANADO. Carlos Henrique da Silva. Breves Considerações sobre a lei das Centrais Sindicais. Jornal Trabalhista Consulex, São Paulo, p. 4-7, fev. 2009.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em http://www.stf.jus.br: Acesso em 30/03/2009.
Notas
- Recomenda-se, para este mister, a leitura do artigo "Centrais Sindicias – Autonomia e Unicidade’, do José Carlos Arouca (Revista LTr 72-10/1159).
- Implantado no Brasil nos ditatoriais de 1930 até 1945, e mantido nas décadas seguintes.
- Art. 533 - Constituem associações sindicais de grau superior as federações e confederações organizadas nos termos desta Lei.
- A tentativa de regulamentação das Centrais Sindicais através da MP 293/06 está retratada no artigo "Centrais Sindicias – Autonomia e Unicidade", do José Carlos Arouca (Revista LTr 72-10/1159)