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Lei de Imprensa e mora do Legislativo

05/05/2009 às 00:00
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No julgamento da ADPF 130/DF, concluído no último dia 30/04/2009, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, declarou a inconstitucionalidade de todos os dispositivos da Lei nº 5.250/67 (Lei de Imprensa).

O pedido foi ajuizado em 19/02/2008, por um partido político com representação no Congresso Nacional (exercendo legitimidade que lhe é constitucional e legalmente conferida), e teve o pedido liminar parcialmente deferido pelo relator, Min. Carlos Britto (e referendado pelo Pleno), para suspender a vigência de diversos dispositivos da Lei de Imprensa.

Ao encerrar o julgamento, com o voto favorável de sete Ministros (e quatro votos contrários à revogação total), o Pleno do STF declarou a incompatibilidade integral da Lei nº 5.250/67 com a Constituição de 1988. Por não haver norma específica posterior àquela, entendeu-se que eventuais litígios envolvendo a imprensa, bem como as liberdades de manifestação do pensamento e de informação, deverão ser resolvidos com fundamento na Constituição, nos Códigos Civil e Penal, entre outros dispositivos legais aplicáveis.

O Min. Marco Aurélio, único dos Ministros do STF que votou pela manutenção total da Lei de Imprensa, afirmou que a revogação total da lei, sem uma lei em vigor específica da atividade de imprensa, criará insegurança jurídica, um vácuo; destacou também que compete aos representantes do povo editar uma nova lei de imprensa, mantendo-se em vigor a norma de 1967 até que se conclua essa tarefa.

Há quem afirme que o Congresso Nacional criou o mandado de injunção na Constituição de 1988 para transferir ao Judiciário a resolução de casos complicados. O cerne da questão não é somente jurídico, mas também político (no sentido de opções políticas do legislador no tratamento do assunto, e não de partidarismo político). Não se deve discutir somente quais são os possíveis efeitos da decisão do STF, e que normas já existentes regularão a atividade da imprensa, mas o porquê de o Congresso Nacional ainda não ter regulamentado todos os direitos fundamentais mais de 20 anos após a entrada em vigor da atual Constituição, e de não ter discutido e aprovado nova lei, mais de 40 anos depois do início da vigência da lei revogada.

Saulo Ramos, em seu "Código da Vida" (p. 226), salienta que a Constituição de 1988, quando publicada, dependia de 285 leis ordinárias e 41 leis complementares para conferir eficácia a todos os seus dispositivos (o que ainda não foi cumprido).

No início de 2009, foi noticiada no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal a continuidade de diversas omissões legislativas na implementação de leis regulamentadoras de direitos previstos na Constituição, referentes a processos (mandados de injunção ou ADI por omissão) já julgados por aquele tribunal. Entre eles, destacam-se o aviso prévio proporcional previsto no art. 7º, XXI (decidido em cinco ações), o direito de greve de servidores públicos, referido no art. 37, VII (resolvido em três mandados de injunção) e o direito à aposentadoria especial para os servidores públicos, garantido pelo § 4º, III, do art. 40, e que também depende da edição de lei específica.

O próprio STF vem tendo a iniciativa de realizar audiências públicas para debater temas polêmicos com a sociedade, como nos casos da Lei de Biossegurança (especialmente o uso de células-tronco), do abortamento de bebês anencéfalos, da importação de pneus usados e, mais recentemente, sobre o Sistema Único de Saúde. Por outro lado, não poderiam o Senado e a Câmara dos Deputados realizar audiências públicas para debater com a sociedade civil a saúde pública no Brasil, e o que pode ser feito para aprimorá-la? O mesmo não poderia ter sido feito com os jornalistas, para regulamentar o exercício e as responsabilidades da profissão?

É curioso o fato de que, em 2008, um partido político optou por requerer a prestação jurisdicional do STF para declarar a incompatibilidade de uma lei de 1967 com a Constituição de 1988, ao invés de, institucionalmente, elaborar uma nova lei sobre o assunto, revogando expressamente a anterior. Seria receio de se indispor com a imprensa? Com a decisão do Supremo de declarar a inconstitucionalidade integral da Lei nº 5.250/67, quanto tempo o Congresso levará para regulamentar a matéria? Serão realizadas audiências públicas para debater a nova lei?

Uma das principais justificativas utilizadas para tentar elucidar a morosidade do Legislativo é o excesso de medidas provisórias (elaboradas pelo Presidente da República) que necessita avaliar e votar. Porém, existe aí um "paradoxo de Tostines": o Congresso não consegue legislar porque há medidas provisórias demais para apreciar, ou o Executivo edita medidas provisórias em demasia justamente porque o Congresso não legisla, é omisso no exercício de suas atribuições? Sem precisar buscar qual a causa e qual o efeito, é inegável que um Presidente não pode ser culpado por elaborar mais normas do que 81 Senadores e 513 Deputados...

Não se pode ignorar, desse modo, que o Congresso Nacional tem (intencionalmente ou não) transferido ao Judiciário (ao STF, principalmente) a decisão sobre diversos assuntos polêmicos, deixando de cumprir com seu papel institucional.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Lei de Imprensa e mora do Legislativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2134, 5 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12755. Acesso em: 28 mar. 2024.

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