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Denúncia ou queixa inconstitucional por vibração da garantia da imputação delimitada

09/05/2009 às 00:00
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"Art. 41.  A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas" [grifamos] (CPP).

As exigências relativas à exposição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias, constantes no art. 41 do CPP, atendem à imprescindibilidade de se dever possibilitar, desde tão logo, o exercício da ampla defesa. Sabendo dos limites da imputação, poderá o acusado a ela se contrapor o mais amplamente possível "desde, então, a delimitação temática da peça acusatória, em que se fixará o conteúdo da ação penal" (PACELLI DE OLIVEIRA, 2008, p. 152).

É obrigação do acusador – Ministério Público ou ofendido – promover a imputação completa e bem descrita, sendo-lhe permitindo deixar de lado apenas as circunstâncias genéricas de elevação da pena (NUCCI, 2008). "[...] O acusado terá ampla defesa assegurada desde que os fatos, com todas as circunstâncias [específicas] que os envolvam, estejam bem descritos na denúncia" (NUCCI, 2006, p.197). Deveras, não é viável o exercício do direito fundamental de defesa por parte do acusado sem que saiba, com exatidão, qual o fato que lhe é imputado.

A imputação penal clara e precisa é, pois, que vai delimitar o espaço dentro do qual o acusado irá exercer seu direito fundamental à ampla defesa, porquanto, consabidamente, o mesmo se defende dos fatos narrados na denúncia ou queixa e não do artigo de lei mencionado no pedido de condenação. E mais. A imputação clara e precisa é uma necessidade processual "decorrente do princípio constitucional da ampla defesa visando impedir surpresas desagradáveis ao réu comprometendo sua dignidade enquanto pessoa humana" (RANGEL, 2000, p.1). Ex vi, art. 1º, inc. III, da CF/88.

Assim, no processo penal, também da garantia da ampla defesa (ou da plenitude da defesa, se a ação tramitar pelo rito do júri, a teor do art. 5º, inc. XXXVIII, alínea "a", da CF/88) decorre a GARANTIA DA IMPUTAÇÃO DELIMITADA, que não poderá ser vibrada pela denúncia ou queixa. E a vibração, aqui, ocorre com a simples possibilidade de imposição de sanção sem que possa o réu se defender ampla ou plenamente dos fatos que lhe foram (mal) imputados, pois "só a imputação por fato certo, explícito e bem definido é que fornece condições para a percepção da extensão e da profundidade da acusação, como propõe a garantia da ampla defesa" [grifamos] (BOSCHI, 2002, p. 2008).

Nesse compasso, como garantia do acusado, a garantia da imputação delimitada, para não ser vibrada com a diminuição do exercício da ampla defesa, impõe, inclusive, que, quando houver mais de um acusado, é necessário que se indique, com claridade e precisão, o que cada um deles realizou (Vide: art. 29, CP), evitando-se, assim, a denúncia ou queixa genérica, salvo absoluta impossibilidade. [01] "O ordenamento brasileiro repudia as acusações genéricas [...]" (STF, HC n.º 89.427/BA e HC n.º 84.436/SP). Neste peculiar, é necessário discernir, porém, que uma coisa é denúncia genérica e outra coisa é denúncia geral.

Quando o acusador imputa a todos os acusados o mesmo fato criminoso, indistintamente, independentemente da modalidade de contribuição, a hipótese não será de denúncia genérica e conseqüente inépcia da inicial, desde que seja certo e induvidoso fato a eles atribuído. "A questão relativa à efetiva comprovação de eles terem agido da mesma maneira é, como logo se percebe, matéria de prova, e não pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo" [grifamos] (PACELLI DE OLIVEIRA, 2008, p. 154).

Por tal garantia, ainda, ao contrário do que defende MIRABETE (2005) e JARDIM, apud BADARÓ (2008), entende-se ser vedado pelo ordenamento jurídico pátrio o oferecimento ao juiz de alternância de imputações (denúncia ou queixa alternativa), no intento de se apresentar ao juiz duas versões contra o mesmo réu, deixando que uma delas prevaleça ao final. Comungam desse entendimento: MARQUES, 1965, JESUS, apud BADARÓ, 2008, GRINOVER, 1985, apud MIRABETE 2005, e NUCCI, 2006. "O tema é polêmico, predominando [entretanto] os autores que admitem a denúncia alternativa [...] Da mesma forma, a jurisprudência majoritária é pela possibilidade de denúncia alternativa: [inclusive o] STF, RT 610/429 [...]" (BADARÓ, 2008, p. 94).

Já a errônea qualificação jurídica dos fatos – como em linhas tímidas já foi exposto – não vibra a garantia da imputação delimitada, posto que o acusado se defende dos fatos que lhe são imputados, e não da qualificação jurídica dada aos mesmos. "Equívocos na tipificação não inviabilizam a apreciação da causa penal [...] exatamente pelo fato de não turbarem a defesa" (MEDEIROS, 1995, BOSCHI 2002, RANGEL, 2000 e 2003, CAPEZ, 2007, MIRABETE, 2005, NUCCI, 2006, BADARÓ, 2008 e PACELLI DE OLIVEIRA, 2008, p. 159). Assim entendem o Egrégio Supremo Tribunal Federal e o Egrégio Superior Tribunal de Justiça. [02]

Pois bem. Disse-se que a garantia da imputação delimitada decorre "também" da garantia da ampla defesa, pois, na verdade, ela tem duas origens. A segunda origem da garantia da imputação delimitada está na necessidade de se proteger a sociedade (direito fundamental à segurança), pois ao passo em que o fato não está bem individualizado existe, ainda, uma dívida do acusado para com os seus pares (RANGEL, 2003). É dizer: a proteção da sociedade reside, por certo, na correta aplicação da lei penal que, por sua vez, pressupõe formulação de uma escorreita acusação penal (imputação delimitada), posto que impera no Direito Processual pátrio o afamado princípio da congruência ou correlação [03].

[...] de outro lado, a correta delimitação temática, ou imputação do fato, presta-se, também, a viabilizar a própria aplicação da lei penal, na medida em que permite ao órgão jurisdicional dar ao fato narrado na acusação a justa e adequada correspondência normativa, isto é, valendo-nos de linguagem chiovendiana, dizer a vontade concreta da lei (subsunção do fato imputado à norma penal prevista no ordenamento [grifamos] (PACELLI DE OLIVEIRA, 2008, p. 152)

Destarte, o processo penal tem uma função garantista dada ao cidadão de que todos os direitos previstos na Constituição lhe serão assegurados e à sociedade de que a pena será corretamente imposta como um imperativo de (máxima efetividade do direito fundamental à) segurança pública e como projeto, permanente, de redução da impunidade, tudo em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento maior do Estado Democrático de Direito (CF/88, art. 1º, inc. III). Afinal, o conflito que se estabelece em juízo para a imposição da sanctio poenalis é de dignidades, incumbindo ao instrumento denominado processo penal a sua integral resolução (Cf. http://jus.com.br/artigos/11745).

A garantia da imputação delimitada é, portanto, uma garantia da sociedade e do acusado, contra denúncia ou queixa obscura, imprecisa e, conseguintemente, não delimitada. Caso a denúncia ou queixa abale a garantia da imputação delimitada e, por conseqüência, a garantia da ampla defesa e o direito fundamental à segurança pública (art. 1º, inc. III, art. 5º e art. 144, CF/88), será ela flagrantemente inconstitucional. [04]

Nesse sentido, posiciona-se o STF, entendo que, como consectário da necessidade de fundamentação das manifestações ministeriais (CF/88, art. 129, § 4º, c/c art. 93, inc. IX) e do princípio da obrigatoriedade da ação pública, é dever do Ministério Público formular denúncia juridicamente apta, ou seja, denúncia que não viole o aqui lançado (ao menos no que tange à nomenclatura) princípio ou garantia da imputação delimitada. Para o Pretório Excelso o Parquet não é só obrigado a intentar ação pública como também é obrigado a intentá-la juridicamente apta, proporcionando, assim, ampla defesa e proteção social pela correta aplicação da lei penal. (STF, n.º HC nº 73.590/SP e HC n.º 83.947/AM).

Forçoso esclarecer, apesar de tudo, que a concisão da denuncia ou queixa é "medida que se impõe, para não tornar a peça inicial do processo penal uma autêntica alegação final, avaliando provas e sugerindo jurisprudência aplicada" (NUCCI, 2006, p. 199), e que não exclui e nem mitiga a garantia da imputação delimitada, ao contrário, reforça-a. A peça deve conter uma imputação precisa e clara, delimitada, pois, isto é, dizer claramente o que o agente fez. Se envolver outros argumentos, tornará impossível o seu entendimento pelo réu, prejudicando a ampla defesa, ou até mesmo o seu entendimento pelo juiz, lesando o correto exercício da jurisdição. [05]

Posto isso, a fortiori, não só a falta de denúncia ou queixa (CPP, art. 564, inc. III, alínea "a") como também a denúncia ou queixa inconstitucional importa em nulidade de processo. "[...] A falta da exposição do fato criminoso equivale à própria inexistência da denúncia [ou queixa], o que acarreta a nulidade do processo". "[...] Se a deficiência descritiva acarreta prejuízo ao direito de defesa [também] há nulidade" (MEDEIROS, 1995, p. 84). E tal nulidade será, indubitavelmente, absoluta, pois atentatória, frontalmente, à Constituição.

Diante de uma denúncia ou queixa inconstitucional por vibração da garantia constitucional implícita da imputação delimitada, o melhor que tem o juiz a fazer (na verdade ele deverá fazer, respeitando, até mesmo, o due processo of law insculpido no art. 5º, inc. LIV, da CF/88) é rejeitá-la, dada a manifesta e mais grave inépcia, lançando mão, inclusive, da nova redação do art. 395, inc. I, do CPP, determinada pela Lei 11.719 de 2008.


Referências Bibliográficas:

BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy. Direito Processual Penal. Tomo 1. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 338 p.

______. Direito Processual Penal. Tomo 2. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 318 p.

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RANGEL, Paulo. O garantismo penal e o aditamento à denúncia. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1057>. Acesso em: 08 jun. 2008.


Notas

"Nos crimes societários tem se admitido que a denúncia não individualize a conduta de cada um dos envolvidos, ficando tal tarefa reservada para a sentença, conforme as provas produzidas na instrução processual" (BADARÓ, 2008, p. 93).

  1. Segundo PACCELI DE OLIVEIRA (2008), tendo em vista que a atividade do partícipe não é típica em si mesmo, necessária é a delimitação das condutas praticadas pelos autores e das condutas realizadas pelos partícipes. Não se indicando, com claridade e precisão a modalidade de contribuição para a prática do fato (se autoria ou participação), outra solução não será possível senão a absolvição do partícipe, sendo suficiente que se comprove não ter ele realizado atos de execução.
  2. Nesse sentido: na doutrina: MEDEIROS (1995), BOSCHI (2002), RANGEL (2002) e (2003), CAPEZ (2007), MIRABETE (2005), NUCCI (2006), BADARÓ (2008); e na jurisprudência do STF (HC n.º 70.620/DF, HC n.º 73.389/SP, HC n.º 79.856/RJ, HC n.º 85.496/SC e HC n.º 92.181/MG) e do STJ (HC n.º 35.773/SP e RHC n.º 11.515/SC).
  3. Em apertada síntese, impõe o princípio da congruência ou correlação que o juiz julgue o caso penal nos limites entre os quais foi proposto na exordial e na defesa, sendo-lhe vedado, portanto, conhecer de questões não ventiladas as quais a lei exige iniciativa das partes e julgar ultra, citra e extra petita.
  4. Além das garantias da ampla defesa, da plenitude da defesa e da conseqüente garantia da imputação delimitada, o princípio da concretude da acusação também sustenta a necessidade (inarredável) imprescindibilidade de se dever possibilitar, desde tão logo, o exercício da ampla ou plena defesa, porque toda a acusação há de ser por fato certo e explícito.
  5. Advirta-se, todavia, que para o encimado MIRABETE (2005) é inepta e não deve ser recebida a denúncia concisa, lacônica.
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Sobre o autor
Rafael Miguel Delfino

bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Rafael Miguel. Denúncia ou queixa inconstitucional por vibração da garantia da imputação delimitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2138, 9 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12778. Acesso em: 24 nov. 2024.

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