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Considerações fático-jurídicas sobre o caso Enersul, no Mato Grosso do Sul.

Bases para uma petição inicial

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08/05/2009 às 00:00
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4. Conclusões

De tudo quanto foi exposto pode-se concluir que o usuário prejudicado pela Enersul, pessoa natural ou jurídica, não está adstrito ao parcelamento concedido pela ANEEL. Pode perfeitamente ingressar em Juízo para exigir da concessionária a repetição do indébito de uma só vez, acrescidos de juros legais e correção monetária.

No caso do usuário tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor, a repetição do indébito é dobrada pelo parágrafo único do artigo 42 desse estatuto legal.

Além disso, tem direito o usuário, qualquer que seja, por força principalmente do artigo 7.º, II, da Lei de Concessões, o direito de requerer liminar para que se exija da Enersul o aqui denominado extrato analítico da dívida, consistente na relação mês a mês, desde abril de 2004 até dezembro de 2007, os seguintes dados:

a) os valores efetivamente cobrados da parte requerente;

b) ao lado, os valores que deveriam ter sido cobrados (em razão do recálculo da revisão tarifária de 2003);

c) a diferença de um pelo outro;

d) a atualização monetária da diferença;

e) o detalhamento, de forma simples e inteligível ao usuário, das premissas técnicas que levaram à composição dos valores corretos.

Vale lembrar, ainda, que não custa requerer também seja determinada multa diária para o caso de descumprimento da apresentação do extrato analítico da dívida.

Uma última questão, deixada propositalmente para o final: com a apresentação do extrato analítico da dívida pela Enersul, o usuário pode dispensar a perícia técnica, cuja necessidade é hoje a principal razão das tantas ações extintas sem resolução do mérito no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis.

Com efeito, o pedido liminar pode mesmo ser cumulado com a ação de repetição de indébito em sede dos Juizados Especiais, presumindo-se aqui que o Poder Judiciário não se furtará a garantir ao consumidor o direito garantido pelo artigo 7.º, II, da Lei 8.987/1995 [17].

É certo, porém, que o usuário não ficará vinculado aos números apresentados pela Enersul. Pode, por óbvio, discordar e exigir seja o extrato sujeito à perícia. Se isso acontecer, consoante vem decidindo a grande maioria dos magistrados dos Juizados Especiais sul-mato-grossenses, será o caso de extinção da ação principal sem resolução do mérito e ingresso com outra, na Justiça Comum.

Na prática isso raramente ocorrerá. Em verdade o que deseja o consumidor é um mínimo de respeito. De posse do extrato analítico informando a totalidade de seu crédito, a tendência é de que o consumidor evite os custos, no mais amplo sentido, de uma prova pericial, para abreviar o efetivo recebimento de seu crédito, ainda que em valor potencialmente menor.

Observa-se, finalmente, que o fornecimento de um extrato analítico da dívida incorreto pode ser também evitado por requerimento de multa cominatória quando da liminar. De certa forma, tanto o não fornecimento quanto o fornecimento incorreto são espécies de desatendimento da ordem judicial. O requerimento, é claro, deve constar do próprio pedido liminar.


Notas

  1. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/cedoc/areh2007571.pdf; acesso em 10/01/2009.
  2. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/cedoc/areh2007571_1.pdf, acesso em 10 de janeiro de 2009.
  3. Disponível em: https://www.in.gov.br/imprensa/visualiza/index.jsp?data=08/04/2008&jornal=1&pagina=62&totalArquivos=88, acesso em 10/01/2009.
  4. Resolução Homologatória n.º 624/2008:
  5. (..)

    "Art. 7º Fixar o valor de - R$151.122.221,68 (menos cento e cinqüenta e um milhões, cento e vinte e dois mil, duzentos e vinte e um reais e sessenta e oito centavos), base abril de 2008, a título de ajuste financeiro decorrente do recálculo da Revisão Tarifária de 2003, a ser utilizado pela ANEEL em parcelas anuais, nesta revisão tarifária e nos reajustes anuais subseqüentes, no sentido de atenuar eventuais aumentos tarifários.

    § 1º As tarifas do Anexo III contemplam a primeira parcela do ajuste financeiro de que trata o "caput", no valor de -R$18.450.387,51 (menos dezoito milhões, quatrocentos e cinqüenta mil, trezentos e oitenta e sete reais e cinqüenta e um centavos).

    § 2º As tarifas de que tratam o § 1º deverão constar da fatura de energia elétrica, em separado, com menção de que tratam da primeira parcela do ajuste financeiro decorrente do recálculo da Revisão Tarifária de 2003.

    § 3º O saldo não amortizado do ajuste financeiro será remunerado mensalmente pela taxa SELIC.

    § 4º Nos reajustes tarifários anuais será calculado o saldo a compensar em função do montante efetivamente considerado nas faturas de energia elétrica ter sido maior ou menor do que o considerado no processo tarifário imediatamente anterior.

  6. Para facilitação da leitura, por vezes a Nota Técnica 90/2008 é designada nesta petição simplesmente "NT 90/2008".
  7. Disponível em:http://www.aneel.gov.br/cedoc/nreh2008624.pdf, acesso em 10/01/2009.
  8. Como consta em nota de rodapé da própria, a NOTA TÉCNICA "é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destinam-se a subsidiar as decisões da Agência".
  9. Disponível em: http://www.aneel.gov.br/cedoc/areh2008624_1.pdf, acesso em 10/01/2009.
  10. TJMS-015572) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE CUMULADA COM REPETIÇÃO DE INDÉBITO - SERVIÇO DE TELEFONIA - ASSINATURA BÁSICA MENSAL - PARTICIPAÇÃO DA ANATEL - DESNECESSIDADE - DECADÊNCIA DO DIREITO À REPETIÇÃO DO INDÉBITO - NÃO-OCORRÊNCIA - LEGALIDADE DA COBRANÇA - RECURSO PROVIDO.
  11. A Justiça estadual é competente para processar e julgar as ações de rito ordinário ou cautelar, sob o procedimento comum, nas quais figuram como parte a Brasil Telecom S/A e usuário, envolvendo questão acerca da legalidade de cláusula relativa à ''assinatura básica residencial ou não residencial'' de contrato de prestação dos serviços de telefonia, motivo pelo qual é desnecessária a participação da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. (Apelação Cível nº 2007.001179-8/0000-00, 1ª Turma Cível do TJMS, Rel. Josué de Oliveira. j. 05.06.2007). TJMS-018850)

    TJMS-018611) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ANATEL - LITISCONSORTE PASSIVO - DESNECESSIDADE - COBRANÇA DA TARIFA MENSAL DE ASSINATURA BÁSICA DE TELEFONE -ILEGALIDADE - FALTA DE PREVISÃO LEGAL - LEI Nº 9.472/97 E RESOLUÇÃO Nº 85/90 - COBRANÇA ABUSIVA E ILEGAL NOS TERMOS DO CDC - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO QUE PRODUZ EFEITOS EX NUNC SOMENTE APÓS A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ATO NORMATIVO ADMINISTRATIVO QUE PREVIA A POSSIBILIDADE DE COBRANÇA DA TARIFA DE ASSINATURA MENSAL - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

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    A ANATEL não é litisconsorte necessária da ação ajuizada pelo consumidor que visa a discutir a legalidade da cobrança da tarifa básica mensal pela concessionária do serviço público.(...)" (Apelação Cível nº 2007.021352-9/0000-00, 3ª Turma Cível do TJMS, Rel. Rubens Bergonzi Bossay. j. 12.11.2007, maioria).

  12. O trecho aqui transcrito foi colhido da Contestação apresentada pela Enersul nos autos do processo 007.08.101078-4, que tramita perante o Juizado Especial da Comarca de Cassilândia.
  13. ATA n.º 26, de 29 de julho de 2008, em Sessão Extraordinária da Segunda Câmara, publicada em 31 de julho de 2008. Disponível em: http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/sessoes/atas/repositorio_atas/tcu_162304729153.pdf. Acesso em 10 de janeiro de 2009.
  14. "1.4. em cumprimento ao disposto no art. 4.º, XVI, Anexo I, do Decreto n.º 2.335/97, observe a legislação de proteção e defesa do consumidor, especificamente no parágrafo único do art. 42 do CDC, haja vista a previsão legal de que os valores cobrados indevidamente deverão ser restituídos aos consumidores em dobro, acrescido de juros e correção monetária". (grifou-se)
  15. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8987.htm, acesso em 10/01/2009.
  16. Note-se que o texto normativo, sem prejuízo dos direitos conferidos aos consumidores pelo CDC, estendeu a todos os usuários, e não somente aos consumidores, os direitos de receber serviço adequado e de obter do poder concedente e da concessionária informações para a defesa de interesses individuais ou coletivos.
  17. "A determinação anterior da distribuição destas cargas não dá conta da riqueza da realidade, permitindo, com maior facilidade, o cometimento de injustiças na aplicação desavisada da conseqüência na desatenção do ônus da prova. Já a distribuição dinâmica deste ônus, a par de dispensar toda a digressão aqui feita, amolda o processo mais perfeitamente à realidade a ser examinada, permitindo resultados mais adequados e aperfeiçoando o processo"(ARENHART, Sérgio Cruz. Ônus da prova e sua modificação no processo civil brasileiro. Revista Juris Plenum, Ano IV, Número 24, Novembro de 2008. São Paulo: Ed. Plenum, 2008, pág. 68.).
  18. Por mais de um modo o tempo pode ser nocivo. A primeira hipótese é a do processo que chega ao fim e o provimento de mérito é emitido, quando o mal temido já está consumado e nada mais se pode fazer (...). O segundo grupo de situações é representado pela tutela jurisdicional demorada que chega depois de uma espera além do razoável e muito sofrimento e privações impostos ao titular de direitos (...). O terceiro caso é o do processo que deixa de dispor dos meios externos indispensáveis para sua correta realização ou para o exercício útil da jurisdição (...); as medidas verdadeiramente cautelares, que nenhum bem oferecem desde jogo ao sujeito em sua vida comum, têm, no entanto a virtude de aparelhar o processo e habilitá-lo a cumprir no futuro, adequadamente e segundo os padrões do justo, a sua missão pacificadora" (DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova era do processo civil. 2.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007, págs. 66-67.
  19. A primeira decisão nesse sentido foi da lavra da Juíza de Direito Tatiana Dias de Oliveira Said, no processo n.º 007.09.000226-8, que tramita na 1.ª Vara da Comarca de Cassilândia - MS, em cujo despacho inicial constou: "A fim de assegurar a facilitação dos direitos do consumidor (parte autora), com a inversão do ônus da prova (art 6º, VIII, do CDC), defiro a liminar requerida na inicial, para que a ré, no prazo da contestação, apresente relação, informando mês a mês, desde abril de 2004 até dezembro de 2007,os valores efetivamente cobrados do requerente, assim como os valores que deveriam ter sido cobrados; diferença de um pelo outro; o detalhamento de forma simples e inteligível das premissas técnicas que levaram à composição dos valores corretos. Cite-se, para, querendo, responder no prazo legal. Consigne-se que não sendo contestada a ação, presumir-se-ão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pela requerente (CPC, artigos 285 e 319)".
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Sobre o autor
Davi Nogueira Lopes

Pós-Graduando em Direito Constitucional pela PUC/SP. Advogado, domiciliado em Cassilândia (MS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOPES, Davi Nogueira. Considerações fático-jurídicas sobre o caso Enersul, no Mato Grosso do Sul.: Bases para uma petição inicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2137, 8 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12779. Acesso em: 16 abr. 2024.

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