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A adaptabilidade do procedimento: regra ou princípio?

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Resumo:


  • O artigo aborda a diferença entre princípios e regras, destacando a adaptabilidade como um princípio e não uma regra no direito processual.

  • Apresenta a importância da adaptabilidade como ferramenta para lidar com situações não previstas na legislação, garantindo um processo justo.

  • Defende a aplicação da adaptabilidade sem condicionamentos impostos pelo legislador positivo, respeitando os princípios constitucionais do processo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O presente artigo tem por finalidade demonstrar que a adaptabilidade procedimental é um princípio e não uma regra. Para isso, procede-se a uma leitura do direito processual civil com as lentes do direito constitucional.

PALAVRAS-CHAVE: Princípio – Regra - Adaptabilidade

RESUMO: O presente artigo tem por finalidade demonstrar que a adaptabilidade procedimental é um princípio e não uma regra. Para isso, procede-se a uma leitura do direito processual civil com as lentes do direito constitucional – tutela constitucional do processo.

Demonstram-se as diferenças entre princípios e regras através da exposição das características de cada uma, com o objetivo de situar a adaptabilidade e introduzir base racional aceitável e apta a demonstrar a migração do instituto do plano das regras para o dos princípios.

Explicita-se a necessidade de mudança e da construção de novos paradigmas através da atuação dos julgadores, os quais enfrentam no cotidiano situações não previstas na codificação processual escrita, nas quais podem lançar mão da adaptabilidade para dar melhor solução à causa sob a ótica de um processo justo, ainda que não haja previsão legal expressa. Contudo, imprescindível sejam garantidas a segurança jurídica e a igualdade das partes.

Conclui-se com a intenção de se ter demonstrado a importância do princípio da adaptabilidade como ferramenta a ser utilizada sem peias ou condicionamentos impostos pelo legislador positivo.

SUMÁRIO: 1 Os princípios e as regras. 2 O Direito Constitucional Processual e a tutela constitucional do processo. 3 O princípio da adaptabilidade e seus pressupostos, na ótica da doutrina dominante. 4 Um novo significado da adaptabilidade: um verdadeiro princípio. 5 Conclusão. 6. Bibliografia


1 Os princípios e as regras

A adaptabilidade é um instituto pouco em voga nas discussões do ambiente jurídico.

Ao nosso ver é um preceito que em muito pode auxiliar na tessitura da norma processual face às particularidades do caso concreto.

A primeira questão que se põe é saber se se trata de um princípio ou de uma regra pois, consoante a definição, a aplicação prática do instituto será totalmente díspar.

Isto porque, por vezes, confundem-se os conceitos de princípios e regras, sendo necessário estabelecer a diferenciação entre ambos.

O certo é que os princípios pairam sobranceiros sobre as regras. Contudo, eleva-se à categoria de princípios algumas regras. O fato é que há de se fazer a diferenciação entre ambos.

Atento a isso, DINAMARCO, ao expor as nuances dos princípios econômico, lógico, jurídico e político, comenta acerca dos falsos princípios, que são regras técnicas, que não refletem opções políticas. Neste sentido, cita os "princípios" (falsos princípios e verdadeiras regras técnicas) da demanda, da correlação entre provimento e demanda, do livre convencimento, da oralidade, dispositivo, da lealdade, da instrumentalidade das formas, etc. E arremata:

É claro que, no fundo, a todas essas regras pode-se chegar, com algum esforço de raciocínio, a partir das idéias representadas pelos princípios gerais e políticos do processo, ou seja, a partir de suas premissas externas e fundamentais. Mas, em si mesmas, elas não são verdadeiros princípios do direito processual.

Falar em princípios como pontos de partida ou colunas externas de apoio de uma ciência, exclui realmente que se tomem por princípios do direito processual essas regras que, sendo internas a ele, não têm a responsabilidade de atuar como elementos de sua ligação aos ramos maiores e ao tronco da grande árvore do conhecimento jurídico. Mesmo assim e com toda essa ressalva, podemos continuar falando em princípios nesses casos, para evitar inúteis discrepâncias verbais em face da doutrina em geral. Tenha-se sempre presente, contudo, que esses ‘princípios’ não têm todo o caráter de generalidade de que são dotados os de origem político-constitucinal, pois referem-se apenas a algum setor do direito e da ciência processuais e não ao processo civil como um todo (p. ex., o ‘princípio’ do livre convencimento tem pertinência exlcusivamente à disciplina da prova; o da oralidade, à forma dos atos no procedimento etc.). Jamais poderão ser considerados princípios gerais, portanto. [01]

Clássica é a afirmação de que princípios e regras são duas espécies de normas. Todavia, os princípios são superiores às demais normas porque ligados aos conceitos básicos jusfundamentais materiais, tais quais os de dignidade, liberdade e igualdade.

Os princípios não se circunscrevem à positivação, ainda que possam estar positivados. Eles podem ser implícitos e explícitos. De acordo com a melhor doutrina, os princípios:

a)são mandados de otimização, "são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas" (CANOTILHO); [02]

b)têm "caráter de fecundidade" (Paulo BONAVIDES);

c)são "...dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo direito em princípios" (Carmen Lúcia Antunes ROCHA); [03]

d)têm conteúdo axiológico explícito e estabelecem fundamentos diretivos para interpretação e aplicação do direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento (Humberto ÁVILA). [04]

e)decorrente do conteúdo axiológico possuem generalidade, densidade normativa, mediação concretizadora e vagueza - no sentido de enunciação larga e aberta, capaz de hospedar as grandes linhas na direção das quais deve orientar-se todo o ordenamento jurídico (ROTHENBURG, Walter Claudius); [05]

f)Quanto ao aspecto interpretativo são "polifórmicos", o que possibilita a plasticidade e multiplicidade de sentidos (Carmen Lúcia A. ROCHA). [06]

g)conferem unidade e coerência ao direito, que não é mero aglomerado de normas. De tal assertiva tem-se que a interpretação da Constituição é norteada pelos princípios.

h)são mandamentos nucleares e alicerces de um sistema, irradiando observância sobre as normas, inserindo-se abstratamente nelas com o fito de melhor

i) observância e compreensão (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELO). [07] constituem fundamentos das regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas (CANOTILHO); [08]

j)Ao contrário das regras, são implícitos: existem independentemente de estar positivados e decorrem do próprio sistema jurídico, não necessitando estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia; [09]

k)não proíbem, tampouco permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada – ao contrário das regras.

O processo civil positivado é farto em exemplos da adaptabilidade. É o que se dá na seara das ações cautelares inominadas e nos juizados especiais em que o legislador dá um espaço maior às partes e ao juiz para a eleição do procedimento face às nuances ínsitas nos diversos casos concretos.


2 O Direito Constitucional Processual e a tutela constitucional do processo

Destaca-se que os princípios estão entrincheirados na Constituição na qualidade de direitos humanos positivados, como o do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

Não passou despercebido a CANOTILHO a existência do direito processual constitucional e sua diferenciação do direito constitucional processual, sendo que os princípios residem no primeiro. Com efeito, de acordo com suas lições, na Constituição há duas espécies de normas processuais: o Direito Constitucional Processual e o Direito Processual Constitucional.

O Direito Constitucional Processual é o conjunto de normas de índole constitucional cuja finalidade é garantir o processo, assegurando que seja justo. Compõem o Direito Constitucional Processual os chamados "princípios gerais do direito processual" [10], como o contraditório e a ampla defesa. São os direitos fundamentais a um processo justo.

Já o segundo, o Direito Processual Constitucional é o conjunto de normas de índole processual que se encontram na Constituição com o fim de garantir a aplicação e a supremacia hierárquica da Carta Magna. Aqui são encontradas as normas que regulam, entre outros, o mandado de segurança, o recurso extraordinário e o mandado de injunção, o habeas data, chamados "writs" constitucionais. [11]

No primeiro aspecto, trata-se da visão do processo sob as lentes do direito constitucional, a tutela constitucional do processo, ou seja, o exame do sistema processual à luz dos preceitos contidos na Constituição. Daí resta patente a publicização do processo e o entendimento de que as balizas-mestras insertas na Constituição Federal – elevadas à categoria de direitos fundamentais - deverão ser observadas no processo.

Com efeito, acerca do tema, ressalta RANGEL DINAMARCO que a "tutela constitucional do processo é feita mediante os princípios e garantias que, vindos da Constituição, ditam padrões políticos para a vida daquele. Trata-se de imperativos cuja observância é penhor da fidelidade do sistema processual à ordem político-constitucional do país (infra, nn. 76-77)". [12]

Ao reverso, sustenta a influência do sistema processual como fator influência das normas ditadas no plano constitucional:

Em sentido vetorialmente inverso ao da tutela constitucional do processo, apresenta-se o sistema processual como fator de efetividade das normas ditadas no plano constitucional, que ele promove de modo direto e de modo indireto (infra, n. 97). A tutela da Constituição pelo processo acaba produzindo, em alguns casos, verdadeiras mudanças informais desta, o que se dá quando os julgados dos tribunais se encaminham no sentido de alterar substancialmente o significado antes atribuído a alguma norma ou garantia. Essas mudanças são legítimas porque, sendo o juiz um intérprete da ordem jurídica como um todo, cumpre-lhe decidir com atenção à lei posta e também aos princípios gerais do direito (supra, n. 51) – e a conseqüência é que o continuado exercício da jurisdição faz com que em algumas matérias os textos legais e mesmo os constitucionais recebam interpretação à luz de valores vigentes no presente e que no momento de sua edição não eram aceiros ou eram dimensionados ou interpretados de modo diferente (Ana Cândida Cunha Ferraz). [13]

Assim, imiscuir princípios e regras não é de bom tom, dentre outras coisas, pelo valor sistemático dos princípios, porque pairam acima das regras, porque conferem coerência unitária. [14] Arrremata-se a questão da importância dos princípios, verdadeiros pontos de partida, com citação de DINAMARCO:

Os princípios em que toda ciência se apóia são dados exteriores a ela própria, pelos quais ela se liga a uma área de conhecimento mais ampla. São as premissas que determinam o seu próprio modo-de-ser e dão-lhe individualidade perante outras ciêncais, constituindo-se em raízes alimentadoras de seus conceitos e de suas propostas. Até etimologicamente compreende-se que os princípios científicos constituem verdadeiros pontos de partida de uma ciência (Miguel Reale), ou elementos de sua inserção na grande árvore do conhecimento humano (são os pontos em que a ciência principia). Os conceitos e estruturas de uma ciência maior são elementos de apoio em que se sustenta outra de menor amplitude a própria ciência mais ampla é sustentada por princípios hauridos em outra ainda mais ampla e assim sucessivamente até chegar-se aos grandes fundamentos filosóficos do conhecimento. Por isso, só se pode obter a racional determinação dos princípios responsáveis por uma ciência a partir de quando se saiba qual o lugar esta ocupa entre outros ramos do conhecimento humano – sem o que não se saberia onde buscá-los legitimamente. No tocante a uma ciência jurídica, seus princípios só se conhecerão com segurança quando se souber qual a posição ocupada na classificação das ciências jurídicas em geral". [15]

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3 O princípio da adaptabilidade e seus pressupostos, na ótica da doutrina dominante

Pois bem, Piero Calamandrei, ao comentar acerca as reformas no Código de Processo Civil italiano afirma que fundamental inovação foi introduzida via princípio da adaptabilidade do procedimento às exigências da causa ou da elasticidade processual. Tal princípio é de maior envergadura do que o festejado princípio da liberdade das formas, previsto no artigo 121 do Código de Processo Civil italiano [16], sendo que este "encontrará na prática muito pouca aplicação, porque, na realidade, segundo o novo Código, a forma dos atos processuais desta, na maior parte dos casos, expressamente determinada pela lei". [17]

Acerca do princípio da elasticidade ou adaptabilidade comenta que:

A rigidez de um procedimento regulado de um – A adaptabilidade do procedimento como maneira de temperar a legalidade das formas – modo uniforme para todas as causas possíveis, tem o grande inconveniente de não prestar-se a satisfazer simultaneamente a exigência de cuidadosas e exaustivas investigações, que se sente especialmente em certas causas mais complicadas e difíceis, e a exigência de uma rápida resolução, que predomina nas causas mais simples e urgentes. Para conciliar harmoniosamente estas exigências contrapostas no sistema da legalidade, o Código tem se inspirado no princípio da adaptabilidade (ou, como também com autoridade se tem dito, da elasticidade) do procedimento: a cada etapa de seu iter processual as partes e o juiz encontram diante de si, oferecidos pela lei a sua eleição, múltiplos caminhos e lhes corresponde escolher, segundo as necessidades do caso, o mais longo ou os atalhos.

(...)

Não se incorre assim nos perigos que derivariam de deixar ao juiz convertido em árbitro absoluto do procedimento, porque o procedimento está fixado antecipadamente pela lei; mas a lei, no lugar de construí-lo todo de uma peça, o construiu como um mecanismo composto de peças desmontáveis e combináveis entre si de distintas maneiras, que corresponde à sensibilidade das partes e à prudência do juiz ao montar caso a caso do modo mais conforme aos fins da justiça.

(...)

Dessa adaptabilidade do procedimento à causa serão vistos, ao longo deste curso, exemplos muito variados. A mesma não consiste somente na possibilidade dada em certos casos à parte de escolher inicialmente entre distintos tipos de procedimento (por exemplo, entre o procedimento ordinário e o procedimento de inyunción, arts. 633 e ss.); senão, também, no – Art. 633 – poder dado ao juiz ou às partes de seguir, no curso do procedimento escolhido, o itinerário que melhor corresponda às dificuldades ao ritmo da causa. A lei, em suma, não traça um só caminho obrigatório para chegar à meta, senão que oferece uma série de variantes, de desvios e de conexões, cada uma das quais pode ter suas vantagens e seus inconvenientes. Assim, os escritos preparatórios – Exemplos de adaptabilidade – podem ser mais ou menos complicadas; as audiências da fase de instrução podem ser uma ou várias, segundo as provas a praticar a preclusão das deduções pode ser mais ou menos rigorosa segundo os casos; o juiz instrutor pode remeter preliminarmente ao colégio a decisão das questões prejudiciais mais graves, ou bem prover com ordenança para continuar ininterruptamente a instrução até o final; as partes podem entrar em acordo para atribuir ao juiz o poder de decidir segundo equidade, ou recorrer diretamente em cassação pulando a fase de apelação. ...Trata-se, então, de uma combinação do princípio da legalidade com o da pluralidade das formas; o juiz e as partes devem seguir, em geral, as formas estabelecidas pela lei, mas podem escolher, em cada caso, entre os vários tipos de formas que a lei deixa à sua disposição". [18]

A seguir, ao comentar sobre o princípio da adaptabilidade do órgão às exigências do processo, afirma que na reforma do processo italiano houve modificação da composição do órgão judicial, adaptando-se às necessidades da causa:

Assim, enquanto na legislação anterior a composição do órgão judicial (juiz único ou colégio), era constante para qualquer grau de juízo, atualmente tal composição se modifica, adaptando-se mais estreitamente ao desenvolvimento progressivo da atividade processual, no curso do mesmo grau. [19]

Do que se depreende do princípio da adaptabilidade ou elasticidade processual, referido por CALAMANDREI, que constitui uma mescla do princípio da legalidade com o da pluralidade das formas, é essencial que haja previsão expressa de lei e, por vezes, concordância entre as partes para que seja operacionalizada a modificação. Isto resta claro da seguinte assertiva: "o juiz e as partes devem seguir, em geral, as formas estabelecidas pela lei, mas podem escolher, em cada caso, entre os vários tipos de formas que a lei deixa à sua disposição".

Assim, para CALAMANDREI, é a própria lei que fixa de forma expressa a possibilidade ou não de aplicação do princípio da adequação, em um meio termo entre a legalidade e a pluralidade das formas. [20]

Tais cuidados devem se dar para evitar que o juiz seja árbitro absoluto e tenha discricionariedade desmedida no oferecimento de soluções, bem como evitar que as partes sejam pegas de surpresa.

Pela explanação dos doutrinadores mencionados, é essencial para que se dê aplicação ao princípio da adaptabilidade que haja previsão normativa expressa, ou seja, que conste no texto de lei esta possibilidade. Assim, o princípio da elasticidade ou adaptabilidade do procedimento está imbricado, imantado, às regras processuais existentes ou a se elaborar. [21]


4 Um novo significado da adaptabilidade: um verdadeiro princípio

Data máxima venia do posicionamento exposto acima, ousamos discordar cientes da importância do mestre para o processo civil.

Isso porque atrela-se a aplicação da adaptabilidade à expressa previsão legal.

Em primeiro lugar, consoante já dito, há certa confusão terminológica quanto aos princípios e regras, fato que dificulta a compreensão do tema.

Ora, princípios são superiores às regras. Eles podem orientar a trilha delas e não o contrário. Consoante já visto eles:

- são mandados de otimização;

- têm "caráter de fecundidade";

- são dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional;

- têm conteúdo axiológico explícito e estabelecem fundamentos diretivos para interpretação e aplicação do direito;

- constituem fundamentos das regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas;

- ao contrário das regras, são implícitos: existem independentemente de estarem positivados e decorrem do próprio sistema jurídico, não necessitando estar previstos expressamente em normas legais, para que se lhes empreste validade e eficácia;

- não proíbem, tampouco permitem ou exigem algo em termos de tudo ou nada – ao contrário das regras;

- São pontos de partida.

Daí se infere uma questão e uma indagação:

1ª - ou a adaptabilidade (elasticidade processual) é um princípio ou é uma regra;

2ª - in concreto, se não previsto expressamente e a possibilidade de "adaptação" não se amoldar à necessidade concreta da causa, quid inde (para onde ir)?

O mestre, e inúmeros sucessores, qualifica a adaptabilidade como regra e não como princípio, cientes das nuances de cada qual. Contudo, o que se almeja no presente trabalho é proceder a uma leitura do instituto com novas lentes, enxergando-o de uma maneira diferente e elevando-o ao status de princípio com sede constitucional.

Ora, os princípios, apesar de lentamente, surgem das labutas do dia-a-dia, da necessidade de evolução da sociedade e dos institutos e, ademais, não precisam estar explícitos. Não há labuta maior do que a desenrolada nos processos – em que são discutidos inúmeros direitos fundamentais – nos quais a norma posta não oferece a situação adequada para a solução justa da causa. Os processos são organismos vivos que contribuem para o desenvolvimento da norma posta.

Pois bem, demonstrado o instituto e a possibilidade de mudança, tenta-se moldar uma base justificável racionalmente para demonstrar que a adaptabilidade é um princípio constitucional processual.

Parte-se das seguintes indagações, que se acresce à anterior, com a simples finalidade de ilustrar hipóteses correntias nos foros judiciais:

- Se determinada norma processual ferir a possibilidade de defesa pelo excesso de prova que deve ser analisada antes de ser produzida a defesa, poderá o magistrado corrigi-la, adaptando-a à realidade concreta?

- Apesar de a lei excepcionar os casos em que a apelação é recebida no efeito meramente devolutivo - ope legis - (art. 520 e incisos, CPC), pode o juiz, ante à situação concreta, ope judicis, receber o recurso em um só dos efeitos (devolutivo), não-obstante o caso concreto não se enquadrar em um dos incisos do mencionado artigo?

- Pode o juiz deferir liminar acautelatória em feito cognitivo sem que se dê a hipótese de fungibilidade das tutelas de urgência, ou mesmo que haja equívoco por parte do requerente?

Responde-se afirmativamente a todas as indagações.

Deverá o juiz assim proceder, in concreto, adaptando o procedimento à peculiaridade do caso concreto, para fazer valer o princípio constitucional do devido processo legal, sob a ótica de um processo justo. Resta patente a dissonância da norma processual, que não se amolda ao caso debatido em juízo: a vestimenta (procedimento) ficou excessivamente justa ao corpo, imobilizando-o (caso concreto, situação jurídico-material).

Isso porque há situações em que as regras do direito processual não são suficientes a tutelar determinado caso sub judice. Acresce-se a isso que os princípios são implícitos, constituem fundamentos das regras, não proíbem nem permitem algo em termos de tudo ao nada - ao contrário das regras, que permitem a plasticidade necessária à tutela de determinada situação jurídica, excepcional.

Após tal exposição, não entendemos possível condicionar a eficácia do princípio à autorização legislativa expressa. Isso é o óbvio ululante, em nosso pensar. Se assim fosse estaríamos diante de uma regra cujos balizamentos são os estreitamente elencados na lei, como os demonstrados por jovem doutrinador baiano. [22]

Contudo, temos a crença que a adaptabilidade é um princípio e não uma regra. Princípio com todos as características: mandado de otimização, conteúdo axiológico, fecundidade, generalidade, densidade normativa, mediação concretizadora e vagueza.

Defendemos o status constitucional da adaptabilidade, obviamente desde que obedecidos os balizamentos dos demais princípios constitucionais processuais para evitar surpresas e o arbítrio judicial.

O instituto deve ser repensado e melhor compreendido em prol da técnica mais adequada ao caso concreto, da efetividade e da busca do escopo social do processo: pacificar com justiça. Já estamos maduros o suficiente e cansados de saber que o processo civil não se contenta mais com a verdade formal – e isso é incansavelmente repetido em livros, simpósios e cursos -, mas deve-se buscar a verdade material, mesmo que para isso seja suplantada regra procedimental, o que se justifica face à peculiaridade do caso concreto, consoante se verá. Sob o receio de se ferir a segurança jurídica e a igualdade das partes, os operadores do direito são bastante tímidos e receosos de desafiar a norma posta. Mas há como atuar de uma forma ativa sem ferir a segurança jurídica e a igualdade das partes.

Ora, a par do devido processo legal e do regramento procedimental explícito ("rules of the game") para evitar surpresas às partes, não pode o legislador prever todos os casos concretos a surgir, regulamentando todos eles e fincando na leis hipóteses rígidas de flexibilização ou adaptabilidade do procedimento.

Tal possibilidade deve ficar a cargo do juiz que a exercerá com ponderação e balanceamento dos valores contrastantes, fazendo prevalecer a solução mais justa ao caso concreto. Assim, no manejo de tal técnica deve o magistrado realizar a um juízo de ponderação, de equilíbrio, entre os valores contrastantes: a segurança jurídica, com forte na previsibilidade procedimental e o devido processo legal, com seus consectários da ampla defesa, do contraditório e da igualdade das partes. Se a garantia do primeiro ocasionar ferimento aos segundos deve-se – tendo em mira que os princípios são mandados de otimização, bem como "polifórmicos", o que possibilita a plasticidade e multiplicidade de sentidos - proceder a um juízo de ponderação, a um balanceamento em que um dos princípios se afasta, em certa porção, para render ensejo à aplicação, em uma maior intensidade, de outro.

Tal proceder a nosso ver é o mais ponderado e justo. Ruy Barbosa, assim refletia acerca necessidade da criação para o aperfeiçoamento:

Mas, senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas idéias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila.

Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas. [23]

O que se deve garantir, sob o pálio da tutela constitucional do processo, é a observância dos princípios constitucionais. Dessa maneira, a conduta judicial deverá obedecer aos princípios constitucionais do processo, por exemplo, ampla defesa e contraditório. Se assim for, e mesmo porque no conflito entre os princípios eles devem coexistir, permitindo o balanceamento de valores e interesses [24], é possível aplicar a adaptabilidade sem prejudicar ou pegar de surpresa a parte adversa.

Nesta ótica, comenta DINAMARCO que "o que caracteriza fundamentalmente o processo é a celebração contraditória do procedimento, assegurada a participação dos interessados mediante o exercício das faculdades e poderes integrantes da relação jurídica processual". [25]

Contudo, mesmo se não prevista determinada faculdade processual pode o juiz, excepcionalmente e desde que respeitados o contraditório e a ampla defesa outorgar a ambas as partes uma faculdade, de molde a não privilegiar alguma.

Em que pese argumentar o autor (DINAMARCO) que "a observância do procedimento ... é que legitima o ato final do processo, vinculativo dos participantes" [26], nada impõe a legalidade estrita dos atos processuais, tendo o princípio do devido processo legal uma abrangência mais ampla:

"No contexto processual bastante amplo afirmado pela doutrina moderna, due processo of law é mais que uma garantia: é ‘o conjunto de garantias constitucionais que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes processuais e, do outro, são indispensáveis ao correto exercício da jurisdição’. Na sua redução mais sintética, é uma garantia de justiça e consiste no direito ao processo, ou seja, ao direito ao serviço jurisdicional corretamente prestado e às oportunidades que o conjunto de normas processuais-constitucionais oferece para a defesa judicial de direitos e interesses". [27]

Ressalta o autor que a estrita legalidade dos atos do processo não significa que seus resultados sejam benéficos ao processo e que, ademais, a "liberdade das formas, deixada ao juiz entre parâmetros razoavelmente definidos e mediante certas garantias fundamentais aos litigantes é que, hoje, caracteriza os procedimentos mais adiantados". [28] Isto mesmo porque o juiz não se traduz no arbitrário déspota que desvirtua o processo eleito democraticamente via legislativa, e deturpando o ativismo judicial, elege vias que entende as mais adequados. Ao contrário, em tais situações impõe-se uma postura serena e a participação dos interessados diretos no resultado do processo.

Mais adiante critica o fetichismo à forma, obcecado e irracional:

"...Não é enrijecendo as exigências formais, num fetichismo à forma, que se asseguram direitos; ao contrário, o formalismo obcecado e irracional é fator de empobrecimento do processo e cegueira para os seus fins. No processo civil brasileiro, temos a promessa da liberdade das formas em normas programáticas dos dois sucessivos Códigos de Processo Civil nacionais, mas só a promessa: ambos foram tão minuciosos quanto à forma dos atos processuais (aliás, segundo os tradicionais modelos europeus) que com segurança se pode afirmar ser o princípio da legalidade formal o que realmente prepondera". [29]

No mesmo sentido, JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE entende que "as regras processuais existem para assegurar o bom desenvolvimento do procedimento e o real equilíbrio entre os sujeitos parciais dessa relação jurídica, para o quê também é fundamental a efetiva participação do juiz. A regulamentação desse método de solução de conflitos chamado ‘processo’ destina-se a possibilitar que o resultado da atividade estatal contribua decisivamente para a manutenção da integridade do ordenamento jurídico, a eliminação dos litígios e a pacificação social". [30] Mais adiante, comenta que "a técnica processual deve ser observada não como um fim em si mesmo, mas para possibilitar que os objetivos, em função dos quais ela se justifica, sejam alcançados". [31]

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Sobre o autor
Antônio Veloso Peleja Júnior

Juiz de Direito no Estado de Mato Grosso. Professor de Direito Processual Civil. Autor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PELEJA JÚNIOR, Antônio Veloso. A adaptabilidade do procedimento: regra ou princípio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2161, 1 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12788. Acesso em: 22 dez. 2024.

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