Todos os esforços que incontáveis organismos internacionais fizeram (desde 1988, data da famosa Convenção de Viena sobre lavagem de capitais) para evitar que o dinheiro sujo, especialmente o derivado da droga (narcodólares), transitassem pelo sistema bancário oficial (fora dos paraísos fiscais) pode estar se naufragando agora diante da crise econômica mundial. A denúncia foi feita por Antonio Maria Costa, que é o diretor executivo da UNODC – Agência das Nações Unidas contra as Drogas e o Crime (El País/Opinión, de 22.02.09, p. 11).
Os bancos, de um modo geral, a partir do imbróglio hipotecário norteamericano, mergulharam em 2008 numa imensa crise. A restrição ao crédito é visível. Não existe caixa (dinheiro) para quase nada. Alguns bancos estão buscando bens e capitais em todas as partes. Conseqüência: muitos deles estariam flexibilizando os necessários controles sobre a origem do dinheiro que aparece no banco. Em tempos de crise (de vacas magras) tudo seria válido (qualquer dinheiro seria bem-vindo).
Em outras palavras, os bancos estariam seguindo o princípio "non olet". Que é isso?
A expressão "non olet" (veja nosso site www.lfg.com.br) significa, literalmente, sem cheiro. Origem: em Roma, o imperador Vespasiano percebe que os cofres estão com problema orçamentário, então, chama seu filho, Tito, e sugere o aumento da tributação. Tito diz que a população não agüentaria um novo aumento. Como saída para esse problema de caixa, seu pai resolve tributar o uso das latrinas (banheiros). O filho disse que o dinheiro seria sujo, mas o pai disse que supriria a falta de dinheiro. Depois de arrecadado o dinheiro desse novo tributo, Vespasiano chama Tito e pede que ele o cheire. Por óbvio, o dinheiro proveniente da tributação dos banheiros não tinha cheiro.
Em outras palavras: dinheiro é dinheiro. Não tem cheiro de fezes, não tem cheiro de cocaína, não tem cheiro de maconha. Ele é simplesmente a salvação dos bancos, nestes tempos de aguda crise. E a ética? Deve ser a condutora de todas as nossas condutas em todos os tempos. Mas o banco que está na iminência da bancarrota teria preocupação com a ética?
De outro lado, o simples depósito bancário de dinheiro "sujo" (ou de cheques) já seria delito de lavagem de capitais? De acordo com a legislação penal brasileira sim (STF – 1ª Turma - RHC 80.816/SP – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – Julgamento: 18/06/2001 – Publicação: DJ 18/06/2001). Aliás, esse é o exemplo mais simples (que podemos recordar) de lavagem de dinheiro (ou de capitais).
Diante da escassez de moedas (bens correntes) os narcodólares se apresentam como o único dinheiro líquido disponível no mercado. A falta de liquidez no mercado estaria dando oportunidade para o crime organizado lavar seus bens e capitais ilícitos.
O desespero, em muitas praças, está levando alguns países à adoção de medidas que antes eram impensáveis. Na Argentina, por exemplo, está em andamento a idéia de repatriamento de capitais que se encontram no estrangeiro, sem que isso signifique qualquer tipo de risco criminal (ou seja: em troca da extinção da punibilidade, incentiva-se o retorno do dinheiro que está depositado fora do país, sem discutir sua origem).
É uma espécie de anistia fiscal, que estimularia o reingresso de muito dinheiro no sistema bancário argentino. O interessado firmaria um documento, dizendo que se trata de origem lícita. Isso bastaria.
Uma vez mais, seria o princípio do "non olet" o guia da crise bancária mundial. Por razões utilitaristas (salvar os bancos) a Argentina estaria passando por cima de muitos princípios éticos.
Será que é isso que queremos para o futuro da humanidade?