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Hermenêutica constitucional e as causas de pedir da ação de impugnação de mandato eletivo (AIME)

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15/05/2009 às 00:00
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5 – Conclusão

No sentir dos argumentos expendidos, não há mais sustentação à exclusão do abuso de poder político como causa de pedir da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

Nenhuma das argumentações que defendem tal limitação pode resistir à discussão mais profunda. O texto constitucional pede espaço para a AIME. O atual momento do Direito Eleitoral requer o mesmo espaço. A democracia brasileira precisa se desenvolver expurgando os candidatos mal intencionados e as práticas políticas danosas.

Infelizmente, para se chegar ao ponto de homenagens sem fronteiras ao princípio da supremacia da vontade popular, antes se deve buscar a garantia de que essa vontade não se expressará de modo viciado. O próprio eleitor desconhece a própria manipulação que sofre. Desconhece expressar vontade que está irremediavelmente manchada. E, portanto, age com repulsa às ocasiões onde o candidato eleito é destituído do poder por agir contra a lei.

Mas ao jurista não é possível ignorar a perpetração dos abusos. O jurista conhece o caminho trilhado pelos candidatos espúrios, sabe os métodos que são levados a frente em campanhas eleitorais. E a este jurista cabe coibir.

À doutrina e à jurisprudência cabe a tarefa de moralizar e resguardar as eleições. Os julgadores que passam pelas instâncias eleitorais devem buscar interpretações que promovam o desenvolvimento democrático. A vontade do povo deve ser respeitada, contanto que não viciada. E os meios para evitar ou punir o causador destes vícios devem ser potencializados, interpretados à luz da vontade constitucional, que coloca a moralidade administrativa e a lisura eleitoral em pedestal altíssimo.

A vontade expressada por vício deve ser revogada, mesmo que contra sua própria vontade. Há que se demonstrar ao povo os malefícios que são trazidos às suas comunidades por essas práticas condenáveis. E esta demonstração se dá pela punição, pela demonstração da Justiça de que aquelas condutas estão erradas, indo de encontro aos princípios mais lídimos da ordem constitucional.

Representantes populares eleitos em procedimentos viciados não possuem legitimidade para exercer o poder delegado pelo povo. É exatamente em nome desta legitimidade que a Constituição demonstrou tanta preocupação em manter as eleições afastadas dos abusos de poder genericamente considerados.

Não se trata de fomentar a judicialização das eleições, mas sim de aplicar a lei da forma que ela foi criada, e com a finalidade para que ela foi criada. Neste sentido, não procede a alegação de falta de legitimidade no pleito em que o candidato eleito é cassado. São poucos os casos, diante do atual regramento das eleições, em que o segundo colocado, notadamente negado nas urnas, seria empossado sem participação popular.

Portanto, tal pavor de se levar as eleições à apreciação do Poder Judiciário não merece prosperar, mormente sob a égide argumentativa da falta de legitimidade das eleições decididas judicialmente. Percebe-se que a aplicação correta – e não exacerbada, sem limites – será destinada apenas a afastar os candidatos que não se comprometem com a lisura das eleições.

Some-se, ainda, à derrocada do argumento acima combatido, outro ponto fundamental para a presente discussão, qual seja, a desnecessidade de o eleitorado conviver com pleitos sempre viciados, influenciados pelos abusos de poder e pela corrupção. Tudo em nome de uma pretensa legitimidade dada ao candidato justamente por votos viciados.

O candidato que comprovadamente abusa do poder, capta votos ilicitamente e pratica ingerências administrativas em prol de reeleição não deve ser condecorado com um mandato eletivo.

Aquele que assim procede, desde já, demonstra todo o seu desinteresse e sua falta de compromisso com a coisa pública e o bem estar coletivo. Candidatos que praticam tais ilícitos eleitorais certamente não possuem a lisura e altivez necessárias ao exercício da representação popular, devendo ser afastados da prática de atos públicos, principalmente aqueles de regência política de uma sociedade.

Por fim, cumpre gizar que a ação da Justiça Eleitoral, fiel aos princípios democráticos e às regras constitucionais e legais que regulam as eleições, certamente imporia aos candidatos desonestos, no mínimo, o receio de agir contra as normas eleitorais postas, sabendo que, mesmo sagrando-se vitorioso num pleito, todos os seus esforços, incluindo os atos imorais e ilegais, seriam postos ao chão pela cassação de seu diploma em função dos abusos perpetrados.

Com efeito, a coercitividade das reprimendas eleitorais voltaria a intimidar os maus políticos, impingindo-os de justo receio de cometer ilícitos eleitorais. Com o passar do tempo, a cultura de desorganização e ineficácia das leis eleitorais, criada pela inércia pretória, daria lugar ao respeito dos candidatos às instituições eleitorais, principalmente a realização de eleições equilibradas, justas e lisas.

Mas não se trata apenas de questão de justiça. Cuida-se também de questão de direito. O direito aponta para a AIME plena, forte, apta a coibir todos os abusos possíveis de serem cometidos por candidatos equivocados em suas intenções. A Constituição indica este sentido, seja de maneira literal ou sistemática. Não é possível outra interpretação quando o objetivo é proteger as eleições e o sistema democrático.

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Notas

  1. HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da república federal da Alemanha. Tradução de Luís A. Heck, Porto Alegre. Sérgio Antonio Fabris Editor. 1998, pág. 55.
  2. Dicionário Michaelis. Disponível para consulta em http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues
  3. idem
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Sobre o autor
Rafael da Silveira Petracioli

Advogado em Salvador (BA). Especialista em Direito Público. Professor de Direito Eleitoral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRACIOLI, Rafael Silveira. Hermenêutica constitucional e as causas de pedir da ação de impugnação de mandato eletivo (AIME). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2144, 15 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12827. Acesso em: 19 abr. 2024.

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