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Direitos fundamentais: aspectos estruturais

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30/05/2009 às 00:00
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4.Posicionamentos doutrinares sobre os Direitos Fundamentais de Quinta, Sexta e Sétima Gerações.

Sem a pretensão de fazer obra capaz de nortear o sistema que compreende os Direitos Fundamentais, acredito que, pelo desenvolver do Trânsito à Modernidade, os Direitos de Quinta Geração diriam respeito aos Direitos em Potência, ou seja, aqueles em Expectativa. Nesta modalidade, os tutelados seriam os grupos da Primeira à Quarta Geração.

Contudo, confesso que não tenho a capacidade para ir adiante nestas elucubrações, isto supondo que sejam corretas. Por esta razão, neste momento, mudo o foco de estudo para a observância dos demais critérios de classificação didática dos Direitos Fundamentais [08].

Defendida por apenas poucos autores, dentre eles, Antônio Carlos Wolkmer em seu livro "Introdução aos fundamentos de uma Teoria Geral dos "novos" Direitos", para tentar justificar os avanços tecnológicos, como as questões básicas da cibernética ou da internet, os Direitos de Quinta Geração.

Os sistemas informatizados e os de comunicação romperam fronteiras entre países e eliminaram a noção de presente e passado. A informação passou ser um bem jurídico essencial, para as mais simples vidas individuais e para as mais poderosas empresas e nações. O progresso tecnológico cresce, mas aumentam também os perigos de falta de respeito aos direitos humanos.

Para Hugo César Hoeschl, por sua vez, em "O Conflito e os Direitos da Vida Digital", "Já se fala em direitos de quarta, quinta, sexta e até sétima gerações, surgidas com a globalização, com os avanços tecnológicos (cibernética) e com as descobertas da genética (bioética)" [09].

José Alcebíades Junior definiu a Quinta Geração como aquela que trata dos direitos da realidade virtual, "que nascem do grande desenvolvimento da cibernética na atualidade, implicando no rompimento de fronteiras tradicionais, estabelecendo conflitos entre países com realidades distintas, via Internet, por exemplo" [10].

Nesta toada, Irving William Chaves Holanda, encontrado no sítio virtual do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática, lançando um esboço sobre esta nova espécie de direito, a qual cito:

"Ao enveredarmos no estudo do Direito encontramos as novas tendências oriundas dos avanços tecnológicos, tão comuns no mundo contemporâneo. Deparamo-nos com formas inovadoras de realizar acordos, contratos, acertos, negociações, enfim, Negócios Jurídicos em sua amplitude, o que ocasionou uma verdadeira reviravolta nas relações sociais, humanas, políticas e econômicas. Habetur pro veritate, vivenciamos, segundo José Alcebíades de Oliveira Junior, uma nova era, caracterizada por um impensável avanço tecnológico. Seguindo essa nova idéia que fora mesclada com os ensinamentos passados por Norberto Bobbio, originou-se a chamada quinta geração de direitos fundamentais, que se refere aos direitos da realidade virtual ou da cibernética, e é a partir dessas premissas que se desenvolvem a teorização feita nesta lavra. No presente estudo procura-se enfrentar a questão dos Negócios Jurídicos Virtuais que são, como consabido, os realizados por intermédio de PC''s (personal computer) interligados à Rede Mundial de Computadores. A idéia de que a internet é uma "terra sem lei" chega a oferecer certa dificuldade na compreensão dos novos institutos e gerar insegurança quanto à construção sólida de uma disciplina, o que dificulta a aplicação prática e dá azo à desconfiança de muitos. Contudo, esse tipo de relação tem crescido muito nos últimos anos e, como era de se esperar, trouxe novos questionamentos e indagações no âmbito ético e legal, exigindo, desta feita, novas ferramentas jurídicas e profissionais preparados para lidar com essa questão, e é dentro deste contexto que aflora um novo ramo do Direito, que de tão recente os especialistas sequer chegaram a um resultado comum de como denominá-lo, o mesmo começa a se desvencilhar do Direito Civil, ensejando, mesmo que de forma precária, fomentações inerentes a uma disciplina. O escopo do presente ensaio é traçar parâmetros que sirvam como fonte subsidiária na delimitação mais clara da expressão Negócio Jurídico Virtual, e, por conseguinte, na compreensão mais sistemática do tema. Para tanto, faremos alusão aos novos instrumentos que começam a ser implementados hodiernamente, tais como: Contratos Eletrônicos, Funções Unidirecionais de Hash, Assinatura Digital e a Criptografia. Por conseguinte, em breves linhas, fincaremos uma explicação sobre a Infra-estrutura de Chaves Públicas no Brasil (ICP - Brasil), tudo colimando uma desmistificação do tema, ora trazido à baila." [11]

Saindo do cerne de direito eletrônico, Bonavides, novamente tentando inovar no tocante aos Direitos de Quinta Geração, e lança uma preleção como sendo "O direito à paz como direito fundamental da quinta geração", artigo disponível na revista do Superior Tribunal de Justiça, "Interesse Público", volume 8, nº. 40, de nov./dez. de 2006. Em dezembro, publicou o seguinte artigo no Jornal O Estado de São Paulo:

"O DIREITO à paz é o direito natural dos povos. Direito que esteve em estado de natureza no contratualismo social de Rousseau e que ficou implícito como um dogma na paz perpétua de Kant.

[...]

A essa idéia de concórdia adere uma ética que tem a probabilidade de governar o futuro, nortear o comportamento da classe dirigente, legitimar-lhe os atos e as relações de poder.

[...]

Devemos assinalar que a defesa da paz se tornou princípio constitucional, insculpido no artigo 4º, inciso VI, da nossa Constituição. Desde 1988, avulta entre os princípios que o legislador constituinte estatuiu para reger o país no âmbito de suas relações internacionais. E, como todo princípio na Constituição, tem ele a mesma força, a mesma virtude, a mesma expressão normativa dos direitos fundamentais. Só falta universalizá-lo, alçá-lo a cânone de todas as Constituições.

[...]

Elevou-se, assim, a paz ao grau de direito fundamental da quinta geração ou dimensão (as gerações antecedentes compreendem direitos individuais, direito sociais, direito ao desenvolvimento, direito à democracia). Fizemo-la, aliás, objeto de recente conferência em Curitiba, por ocasião do 9º Congresso Ibero-Americano de Direito Constitucional, que teve a presença de 2.000 pessoas de 20 Estados da Federação e de outros países. A paz logrou ali a dignidade teórica de um direito e de um princípio constitucional, constando da carta que o plenário daquela assembléia de juristas da América Latina e da Europa aprovou por aclamação.

[...]

A lição conclusiva destas reflexões se resume também em fazer da paz axioma da democracia. Fundamentando, enfim, a nova figura introduzida no rol dos direitos humanos, inspirada de dois filósofos da liberdade, asseveramos que a guerra é um crime e a paz é um direito. Sem a memória e a percepção dessa verdade gravadas na consciência dos povos e na razão dos governantes, nunca concretizaremos a mais solene, a mais importante, a mais inderrogável cláusula do contrato social: o direito à paz como supremo direito da humanidade." [12].

Em que pesem o entendimento dos autores, tanto no sentido de vincular os Direitos Fundamentais de Quinta Geração à questão da informática, como também à questão da paz mundial, acredito que ambos estão lançando posicionamentos equivocados.

Retornando ao cerne de classificação dos Direitos Fundamentais, temos que estes se classificam por critérios de abrangência de tutelados, não simplesmente pelo mero desenvolvimento do pensamento humano ou pelo avançar da tecnologia.

Se classificarmos os Direitos Fundamentais pelo desenvolver da humanidade, a cada novidade filosófica ou tecnológica irá fazer nascer nova Geração de Direito Fundamental. Acredito que não é o melhor caminho, sob pena de se banalizar o instituto.

A paz Kantiana defendida por Bobbio e dita por Bonavides como sendo a Quinta Geração dos Direitos Fundamentais se enquadra tranquilamente nos critérios dos Direitos Fundamentais de Quarta Geração, pois tem como destinatários a humanidade atual e futura e em um prisma globalizado.

Por outro lado, os direitos virtuais mais parecem se enquadrar, dependendo dos casos, nos direitos de Primeira Geração, como, por exemplo, no caso de sigilo bancário e de correspondência, como também nos de Terceira Geração, como é o caso dos eventos que atingem uma coletividade de pessoas.

Sem grandes pretensões de fazer doutrina, pelo desenvolver do Trânsito à Modernidade, acredito que os Direitos de Quinta Geração diriam respeito aos Direitos em Potência, ou seja, aqueles em Expectativa. Nesta modalidade, os tutelados seriam os grupos da Primeira à Quarta Geração.

Há, ainda, autores que defendem outro posicionamento no tocante às Dimensões dos Direitos Fundamentais. É o caso de Hugo Hoeschl, que afirma que os direitos de quinta geração são "os direitos difusos, principalmente nas questões ambientais e de consumo, provocaram uma nova aglutinação, de muito destaque na atualidade". E continua: "Os temas ligados às questões da Bioética, como manipulação genética, transplantes de órgãos e hibridação homem/máquina, entre outros, motivam a sexta dimensão. Realidade Virtual, Inteligência Artificial e Internet são os principais acontecimentos ligados à telemática e à vida digital. Centralizam a discussão sobre o direitos de sétima dimensão, e são o principal norte do direito digital. [13]"

Para Hoeschl, a Quinta Geração diria respeito aos Direitos Difusos, enquanto que a Sexta Dimensão, à Bioética. Finalmente, a Sétima Dimensão se escoraria nos direitos da informática e telemática [14]. Reitero minha crítica que fiz no capítulo em que classifiquei a forma de estudo dos Direitos Fundamentais: embora coerente, esta classificação apresenta, a meu ver, alguns lapsos em função de seu critério.

O que define a Sétima e Sexta Dimensões como sendo, aquela a que tutela os direitos de informática e telemática, e esta, a que tutela o biodireito? Os avanços médicos não decorreram, também, do desenvolvimento da informática?

E quanto aos Direitos de Primeira Dimensão, não seria um tanto superficial vinculá-los apenas à Legalidade? E os demais princípios?

Enfim, são dúvidas que parecem ter mais do que uma resposta correta; mas, como o direito é uma ciência "inexata", todas as respostas são válidas.


Conclusão.

Afirmei durante este trabalho que os Direitos Fundamentais guardam melhor classificação enquanto estudados sob a ótica de destinatários e alcance da tutela dos direitos e garantias arrolados.

De todos os critérios possíveis, entendi este como sendo o mais adequado, tendo em vista a evolução histórica dos Direitos Fundamentais e o rumo que possivelmente estão tomando, em termos inclusive de neoconstitucionalismo, com o "diálogo das fontes" e os jusnaturalismo e juspositivismo atualizados de acordo com as tendências filosóficas atuais.

Percebi, indubitavelmente, que o rol dos Direitos Fundamentais não pode ser engessado, como também não pode ser aberto e irrestrito, provocando, com isto, uma "inflação" de Direitos Fundamentais.

Em verdade, Bobbio [15] bem comenta acerca da transformação e ampliação dos direitos, afirmando bastar examinar os escritos dos primeiros jus-naturalistas para ver quanto se ampliou a lista dos direitos; Hobbes conhecia apenas um deles, o direito à vida. Complementa, ainda: "como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais – concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia – tiveram como conseqüência a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos valores –, como os de bem-estar e da liberdade através ou por meio do Estado."

Em contraposição, Philip Alston verificou uma falência dos Direitos Fundamentais, tendo em vista o crescente quadro de se "fundamentalizar" todo e qualquer direito, dentre os quais cita o direito ao turismo, ao desarmamento, ao sono, de não ser morto em guerra, de não ser sujeito a trabalho aborrecido, a co-existência com a natureza, de livremente experimentar modos de viver alternativos, etc. [16]

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Exageros à parte, noto que a maior parte destes direitos decorre de Direitos Fundamentais já existentes e consagrados.

Como solução a esta inflação de Direitos Fundamentais, autores como Maurice Cranston, F.G. Jacobs e o próprio Alston procuraram eleger critérios para eleição de Direitos Fundamentais, dentre os quais resumo: o direito deve ser fundamental, refletindo valor social importante, independente do lugar do mundo, de modo a ter alcance universal.

Interessante é que mesmo após tanto tempo em debate, questões tão básicas em Direito ainda, hoje, são objeto de discussões acaloradas.

Analisando-se a parte histórica deste trabalho, notamos os diversos fatores que fizeram permear ideais que, mais tarde, consolidaram Direitos Fundamentais. Interesses escusos e interesses econômicos, como o dos burgueses, em defender com tanta garra o respeito dos direitos individuais, revoltas e revoluções com interesses políticos, como foram os casos dos direitos sociais objeto de profunda crise entre os empregados e trabalhadores, movimentos gradativos e despretensiosos, tal como o que fez surgir os direitos trans-individuais na Europa, ainda pelos idos de 1200, e finalmente uma conscientizarão humana global em quase uma totalidade, fazendo emergir os direitos da humanidade.

Deveras, os Direitos Fundamentais (as três primeiras Gerações, ao menos) nasceram em épocas próximas umas das outras. Rememorando, a Magna Charta Libertatum, que constitui o marco dos Direitos de Primeira Geração é de 1215; o Poor Law Act ou Poor Relief Act, que constitui a primeira lei social, data também da Inglaterra de 1601; a primeira ocorrência de substituto processual, marco no direito trans-individual, é do ano de 1199, na Corte Eclesiástica de Canterbury, igualmente, na Inglaterra, se não considerar a ação coletiva de 1179, em Paris, dos aldeões de Rosnysous-Bois.

Entrementes, foi a modificação paulatina do pensamento humano que propiciou a consolidação de cada uma destas Gerações no patrimônio jurídico dos seres humanos. Primeiro, a preocupação é proteger o homem, individualmente falando; posteriormente, muda-se o foco para uma coletividade social de homens; mais adiante, uma coletividade nem sempre determinada de homens, ligados por situação de fato ou de direito; e finalmente, a proteção da humanidade como um todo.

Tendo visto isto, proponho a seguinte síntese gráfica:

É certo que é quase impossível prever o nascimento de novos Direitos Fundamentais até que surjam situações de clara anti-judiricidade que não guarneçam previsão de tutela legal, de maneira que, pelo andar da carruagem, provavelmente os próximos Direitos Fundamentais tutelados sejam os em expectativa, os direitos futuros que se consolidam a um indivíduo, a uma classe de indivíduos, a uma sociedade e a humanidade como um todo.

De uma forma ou de outra, é necessário a conscientização da humanidade que toda e qualquer ação, por menor e mais particularizada que pareça ser, acaba por refletir em uma série de eventos que eram imprevisíveis quando de seu início: uma bola de neve, uma reação em cadeia.

E é por este exato motivo que há necessidade de se mudar o foco do individualismo de Primeira Geração, que apartado de seu contexto não faz sentido, para o humanismo (ou altruísmo) de Quarta Geração.

Nesta toada, outra possibilidade para uma futura geração de Direitos Fundamentais, além da tutela de Direitos em Expectativa, seria o reconhecimento do direito das criaturas vivas deste planeta e de nossa atribuição de guardá-las e protegê-las.

É claro que seria necessária uma adequação aos princípios norteadores dos Direitos Fundamentais, mudando-se o foco, por exemplo, da Dignidade Humana para a Dignidade das Criaturas.

Contudo, esta proteção e guarda não pensada como forma de proteção da humanidade em si, como ocorre na Quarta Geração que idealizei, mas sim como forma de proteção da vida diversa da humana, ou seja, o altruísmo levado a outras espécies de habitantes do nosso planeta. Utopia?

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Sobre o autor
Thiago Felipe S. Avanci

Ph.D. em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (Brasil – 2020), com bolsa integral e aprovação summa cum laude. Estágio de Pós Doutorado pelo Mediterranea International Centre for Human Rights Research, Università Mediterranea di Reggio Calabria (Itália – 2021), com bolsa integral. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos (Brasil – 2011), com bolsa integral CAPES e aprovação summa cum laude. Pós-Graduado em Gestão Pública, Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal de São Paulo (Brasil – 2019). Professor da Universidade Paulista (Brasil – 2014-…). Professor daUniversidade Presbiteriana Mackenzie (Brazil – 2022-…). Professor daUniversidade Católica de Santos (Brazil – 2022-…). Professor da Universidade São Judas Tadeu (Brasil – 2017-…). Pesquisador do Centro de Estudos Sociedade e Tecnologia (CEST)/Faculdade Politécnica/Universidade de São Paulo (Brasil – 2020-…). Advisory board member do IGOAI (Inglaterra – 2021-…). Advisory board member da Global AI Ethics (França – 2021-…). Editor científico da Journal of Liberty and International Affairs (Macedônia do Norte – 2021-…). Avaliador INEP/MEC (Brasil – 2018-…). Avaliador em diversos periódicos na América Latina. Advogado/Legal Head (Brasil – 2008-…). Professor de Direito (2009-…). GRH e PMP (2008-…). Servidor público municipal (Brasil – 2019-…).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AVANCI, Thiago Felipe S.. Direitos fundamentais: aspectos estruturais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2159, 30 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12838. Acesso em: 28 mar. 2024.

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