A sociedade é instrumento constante de trabalho das diversas ciências, principalmente pelo seu aspecto evolutivo. Com o intuito de manter a ordem da vida social, o homem cria formas que lhe asseguram o equilíbrio e a paz das relações nessa sociedade. Estas relações envolvem direitos, garantias, deveres e obrigações, dos quais é possível destacar, como instrumento de estudo desse trabalho, a questão da ética no serviço público. Mais especificamente, a ideia perpassa pela construção de uma reflexão sobre a ocorrência de fatos em que a contratação temporária pela administração pública ultrapassa a exceção legal, prevista na Carta Magna, podendo ser considerada um ato de improbidade administrativa do agente político.
Como se sabe, os agentes públicos têm papel fundamental na administração, sendo muitas vezes protagonistas da ação estatal na vida do cidadão. No entanto, alguns desses agentes públicos, em especial aqueles denominados agentes políticos, apresentam condutas que não estão assistidas pelos princípios da administração, em especial no que tange à moralidade, configurando, assim, o ato de improbidade que traz prejuízos à ordem pública e social, seja a médio ou a longo prazo. A questão ética no serviço público e a moral são fundamentos essenciais em um Estado denominado Democrático de Direito, amparado pelo zelo aos princípios que regem a Administração Pública. Assim, antes de adentrar no tema central deste trabalho, imperiosa se faz uma análise dos conceitos essenciais que compõem o assunto, quais sejam agente político e improbidade administrativa.
O agente político é uma espécie do gênero "agente público", expressão esta que engloba toda e qualquer pessoa que, de qualquer maneira e a qualquer título, exerce uma função pública, ou seja, pratica atos imputáveis ao Poder Público, tendo sido investido de competência para isso. As características e as peculiaridades da espécie agente político são muito bem definidas por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, quando afirma que
agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do poder. Daí que se constituem nos formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores. O vínculo que tais agentes entretêm com o Estado não é de natureza profissional, mas de natureza política. Exercem um munus público. Vale dizer, o que os qualifica para o exercício das correspondentes funções não é a habilitação profissional, a aptidão técnica, mas a qualidade de cidadãos, membros da civitas e por isto candidatos possíveis à condução dos destinos da Sociedade. ("Curso de Direito Administrativo", Malheiros Editores, 25ª edição, 2008, pág. 151 e 152).
Já o conceito de improbidade tem origem latina – improbitate – e significa, dentre outras coisas, desonestidade, falsidade, desonradez, corrupção. Trata-se da conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, indireta ou fundacional, não se limitando apenas ao Poder Executivo. Conforme preleciona Marino Pazzaglini Filho, entende-se por improbidade
numa primeira aproximação, o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, democrático e Republicano), revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos. (PAZZAGLINI FILHO, Marino; ROSA, Marcio Fernando Elias; FAZZIO JR., Waldo. Improbidade administrativa. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 39.).
Partindo desse conceito pela doutrina, foi editada em 02 de junho de 1992, a lei nº 8.429, que dispõe sobre atos de improbidade administrativa. Segundo essa lei, improbidade administrativa comporta claramente três modalidades. Os artigos 9º, 10 e 11 definem respectivamente os atos de improbidade administrativa que importam no enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário e os que atentam contra os princípios da administração pública. Nesse trabalho, a análise se deterá aos atos previstos no artigo 11, que pode ser traduzido como a tipificação de atos visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência.
No entanto, após iniciado o desenvolvimento do tema, é encontrado um óbice no que tange à possibilidade jurídica da aplicabilidade da lei de improbidade administrativa a atos de agentes políticos, em especial ao ato de contratação temporária irregular, ou seja, não obedecendo os requisitos constitucionais da excepcionalidade. Esta dúvida surgiu quando o pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da reclamação n°. 2.138, definiu que agentes políticos que estejam sendo julgados por crimes de responsabilidade não podiam ser processados pela prática de atos de improbidade administrativa. Tal posicionamento hoje não assiste assentamento pacífico na jurisprudência da Corte Máxima, pois se mostra claramente prejudicial aos valores republicanos e aos princípios da administração. E três podem ser os motivos apontados para derrubar a posição definida no julgamento da reclamação n°. 2.138.
Em primeiro lugar, alguns dos votos que compuseram o acórdão foram dados à época do julgamento por Ministros que, hoje, não mais compõem o Supremo Tribunal Federal, o que modifica substancialmente o entendimento da Corte. Em segundo, porque, com a atual composição, o pleno do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a petição 3.923/SP, em que o requerente, condenado por prática de improbidade administrativa, postulava que o processo fosse encaminhado ao Supremo Tribunal Federal, visto ter sido eleito Deputado Federal, indeferiu, de forma unânime, o pedido e assumiu posição contrária à firmada na reclamação n°. 2.138, ao decidir que não há prerrogativa de foro para ação de improbidade. É mister ressaltar que os votos dos Ministros Joaquim Barbosa, relator, Ricardo Lewandowski, Carlos Ayres Britto e Carmem Lúcia Antunes Rocha adotaram o entendimento de que os agentes políticos estão sujeitos ao processo por ato de improbidade administrativa e sem o direito a foro especial.
Por fim, em terceiro lugar, porque, em regra, as decisões dos órgãos do Poder Judiciário não se vinculam previamente às decisões do Supremo Tribunal Federal, salvo algumas exceções, com destaque em relação às matérias que integrarão as súmulas vinculantes, nos termos do art. 103-A da Constituição da República.
Assim, ultrapassada a questão que impedia a condenação do agente político por improbidade administrativa, é mister analisar a questão do provimento de cargos públicos por meio da contratação temporária e os limites que o assistem, sem que seja considerado ato de improbidade pelo gestor público.
A Lei Maior restringiu o provimento de cargos, sem aprovação prévia em concurso público, aos de comissão, assim declarados em lei, como de livre nomeação e exoneração, art. 37, II. Essa é a regra. No entanto, o mesmo texto constitucional traz uma exceção, autorizando a contratação por tempo determinado de agentes públicos para suprir necessidade temporária de excepcional interesse público, art. 37, IX. Assim, para que seja permitida tal contratação pela administração pública, é imprescindível o cumprimento dos requisitos da necessidade não-permanente e da excepcionalidade na contratação. Ausentes quaisquer desses requisitos, torna-se vedada a contratação, por tempo determinado.
É preciso que a lei ordinária preveja quais são as situações em que existe o excepcional interesse público, não sendo conferido ao administrador o poder de indicar se, em determinada situação, existe interesse público para fins de contratação por tempo determinado. A Constituição Federal deixa a critério do legislador ordinário a definição de "excepcional interesse público", expendendo os demais requisitos. Alexandre de Moraes, a respeito leciona e elucida:
Outra exceção prevista constitucionalmente, permitindo-se a contratação temporária sem concurso público, encontra-se no art. 37, IX, da Constituição Federal. O legislador constituinte manteve disposição relativa à contratação para serviço temporário e de excepcional interesse público, somente nas hipóteses previstas em lei.
Dessa forma, três são os requisitos obrigatórios para a utilização dessa exceção, ''muito perigosa'', como diz Pinto Ferreira, por tratar-se de uma ''válvula de escape'' para fugir à obrigatoriedade dos concursos públicos, sob pena de inconstitucionalidade: excepcional interesse público; temporariedade da contratação; hipóteses expressamente previstas em lei. (Direito Constitucional. 18. ed. - São Paulo: Atlas, 2005, p. 315).
Também pertinente ao tema, Hely Lopes Meirelles ensina que
a contratação só pode ser por tempo determinado e com a finalidade de atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. Ademais, a lei deve prever os casos de contratação temporária de forma específica, não se admitindo hipóteses abrangentes ou genéricas. O inc. IX não se refere exclusivamente às atividades de natureza eventual, temporária ou excepcional. Assim, não veda a contratação para atividades de natureza regular e permanentes. O que importa é o atendimento da finalidade prevista pela Norma. Assim, ''desde que indispensáveis ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, quer para o desempenho das atividades de caráter eventual, temporário ou excepcional, quer para o desempenho das atividades de caráter regular ou permanente'', a contratação é permitida. Desta forma, embora não possa envolver cargos típicos de carreira, a contratação pode envolver o desempenho da atividade ou função da carreira, desde que atendidos os requisitos acima. Fora daí, tal contratação tende a contornar a exigência de concurso público, caracterizando fraude à Constituição. (Direito Administrativo Brasileiro. 33. ed. - Malheiros Editores: São Paulo, 2007, p. 415-416)
Assim, ao contratar sem concurso, mesmo que não haja efetivo prejuízo ao erário, o gestor que não apresentar os requisitos legais para a contratação temporária poderá praticar ato de improbidade administrativa, violando, assim, diversos princípios que regem a administração pública, como o da legalidade, porque tal prática é vedada pelo ordenamento jurídico; o da eficiência, já que no concurso presume-se a escolha dos melhores candidatos para os quadros da administração pública; e o da impessoalidade, pois a escolha do contratado se dirige a determinadas pessoas em detrimento de outras, por uma série de razões, inclusive clientelismo político e outros tipos escusos de favorecimento. Tais contratações vão de encontro, ainda, aos princípios da moralidade, sendo que o trato da coisa pública impõe que se paute por parâmetros éticos e legais, incompatíveis com o favorecimento de poucos, e ao da isonomia, visto que devem todos ter a mesma oportunidade de acesso ao serviço público.
Doutrinando sobre os requisitos que devem estar presentes para a contratação por tempo determinado, é possível encontrar três pressupostos inafastáveis: o primeiro deles é a determinabilidade temporal da contratação, ou seja, os contratos firmados com esses servidores devem ter sempre prazo determinando, contrariamente, aliás, do que ocorre nos regimes estatutário e trabalhista, em que a regra consiste na indeterminação do prazo da relação de trabalho.
Em segundo, o pressuposto da temporariedade da função, ou seja, a necessidade desses serviços deve ser sempre temporária. Se a necessidade é permanente, o Estado deve processar o recrutamento através dos demais regimes. Está, por isso, descartada a admissão de servidores temporários para o exercício de funções permanentes; se tal ocorrer, porém, haverá indisfarçável simulação e a admissão será inteiramente inválida. Lamentavelmente, algumas Administrações, insensíveis (para dizer o mínimo) ao citado pressuposto, tentam fazer contratações temporárias para funções permanentes, em flagrante tentativa de fraudar a regra constitucional. Tal conduta, além de dissimular a ilegalidade do objetivo, não pode ter outro elemento mobilizador senão o de favorecer a alguns apaniguados para ingressarem no serviço público sem concurso, o que caracteriza inegável desvio de finalidade.
O último pressuposto é a excepcionalidade do interesse público que obriga ao recrutamento. Empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial. Algumas vezes o Poder Público, tal como sucede com o pressuposto anterior e em regra com o mesmo desvio de poder, simula desconhecimento de que a excepcionalidade do interesse público é requisito inafastável para o regime especial.
Assim, não observados os pressupostos, resta configurada a lesão aos princípios administrativos, contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92, não exigindo necessariamente a existência de dolo ou culpa na conduta do agente nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para ser configurado o ato de improbidade.
A referida lei, com fundamento na Constituição Federal, visando limitar e condicionar a atuação do agente público, impõe estrita obediência aos princípios norteadores da administração pública. Consequentemente, todo agente público deve, sempre, ao gerir a coisa pública, levar em conta o dever de probidade, lealdade, retidão, honestidade, impessoalidade, imparcialidade, seriedade, diligência e responsabilidade, sob pena de macular o princípio da boa-fé objetiva, chamando para si as sanções da Lei de Improbidade Administrativa.
Na hipótese de violação da figura prevista no art. 11 da Lei 8.429/92, doutrina Marçal Justen Filho que o ato de improbidade administrativa "não depende, para sua consumação, da percepção de um benefício econômico, assim como não se exige dolo específico, para a caracterização conduta intencional, consumando-se a improbidade, nos termos do artigo 11 da Lei n. 8.429/92, por uma ação ou omissão violadora aos deveres da legalidade, honestidade, imparcialidade, honestidade e lealdade." (Curso de Direito Administrativo. São Paulo; Saraiva, p. 686-691).
Nesse mesmo sentido, a doutrina de José Carvalho dos Santos Filho: "o pressuposto exigível de improbidade cometida com base no artigo 11 da Lei n. 8.429/92 é somente a vulneração em si dos princípios administrativos. Conseqüentemente, são pressupostos dispensáveis o enriquecimento ilícito e o dano ao erário, não sendo essencial lesão patrimonial às pessoas mencionadas no artigo 1º da Lei n. 8.429/92." (Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 15ª edição).
Violados, portanto, os deveres de probidade, retidão, impessoalidade, seriedade, imparcialidade, diligência e responsabilidade, o requerido está sujeito às sanções da Lei de improbidade Administrativa, ainda que não tenha havido dano patrimonial ou enriquecimento ilícito. O artigo 21 da Lei n°. 8.429/92 admite a possibilidade de aplicação de sanção, independentemente da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público. Emerson Garcia assevera: "Na dicção do art. 21, I, da Lei n. 8.429/92, a aplicação das sanções previstas no art. 12 independe ''da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, logo, não sendo o dano o substrato legitimador da sanção, constata-se que é elemento prescindível à configuração da improbidade." (Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2ª edição, p. 292).
Diante do exposto, a conclusão deste trabalho versa no sentido de entender pela possibilidade jurídica do agente político ser responsabilizado por ato de improbidade administrativa, caso haja contratação por tempo determinado, sem a observância devida aos requisitos legais para a aplicação desta exceção constitucional. Sob a luz dos princípios que regem a administração pública, a exceção prevista no art. 37, IX, Constituição Federal, demonstra que a aplicação de tal dispositivo pela administração pública é legalmente restrita, sob pena de restar caracterizada o ato de improbidade administrativa pelo agente político que o definir.