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A efetividade da implementação do novo mercado nas empresas que operam na BOVESPA.

Popularização do mercado de capitais em decorrência da implementação do referido segmento de negociação

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23/05/2009 às 00:00
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4. O "novo mercado".

A inspiração veio dos Estados Unidos, mais precisamente da Nasdaq que, na metade da década de 90, emergia como grande rival da Bolsa de Nova York. Ações das companhias em estágio de crescimento nela listadas se valorizavam mais que as de empresas grandes, inseridas na economia tradicional. Fascinante de tão bem sucedido, o modelo parecia perfeito aos olhos das empresas européias de pequeno e médio porte que atuavam nos setores de tecnologia, internet e biotecnologia. Elas enfrentavam fortes restrições de crédito e buscavam uma outra fonte de recursos para financiar o seu crescimento. Foi assim que, a partir de 1996, começaram a pipocar pelas bolsas do Velho Continente os segmentos especialmente destinados a companhias de crescimento acelerado. Em sua maioria, eles eram chamados de "novos mercados".

Acompanhando o movimento internacional, essas iniciativas levaram a recordes nas ofertas iniciais de ações (IPOs), e seus primeiros anos foram marcados por valorizações sem precedentes. Mas a flexibilidade nas regras de listagem concedida a essas companhias e, na maior parte dos casos, a sua tenra idade acabaram por levar os investidores a aplicar grandes descontos sobre os preços dos papéis, muitos dos quais passaram a valer poucos centavos. Desencadeou-se, então, um processo de seleção natural e as poucas sobreviventes acabaram migrando para os segmentos tradicionais — o que acelerou o fim dos tais novos mercados.

Foi assim que esses outros "novos mercados" — homônimos do nosso, mas diferentes na essência, principalmente por conta das regras de listagem mais flexíveis — morreram na praia depois da euforia provocada pelas elevadas projeções de lucro que se fazia para a "nova economia". Hoje, após mais de meia década, o sucesso de uma outra iniciativa — a do Alternative Investment Market [08](AIM), da Bolsa de Londres — inspira a criação de novos segmentos diferenciados, agora reformulados como mercados de acesso, nos moldes do nosso projeto de um Bovespa Mais.

O primeiro desses novos mercados foi estabelecido na França, em 1996. Era o Nouveau Marché, com requisitos de entrada mais brandos que os do segmento tradicional da Bolsa de Paris. Naquele mesmo ano, nasceu a Easdaq, sediada em Bruxelas e aberta a empresas de tecnologia de toda a Europa. Em 1997, a novidade foi adotada na Alemanha (Neuer Markt) e na Holanda (Niewe Markt). Em 1998, diversas bolsas menores, como as de Zurique (Suíça), Copenhague (Dinamarca) e Estocolmo (Suécia), formaram uma aliança denominada Euro.nm, que as unia ao Neuer Markt e ao Nouveau Marché, numa primeira tentativa de formar uma bolsa pan-européia. Em 1999, período áureo dos novos mercados, a Itália também criou o seu, e chamou-o de Nuovo Mercato.

De acordo com estudos publicados pelas universidades de Bocconi [09], na Itália, de Manchester e Sheffield, na Inglaterra, e de Tilburg, na Holanda, entre janeiro de 1998 e março de 2000, foram registrados 430 IPOs nos novos mercados europeus, metade deles no Neuer Markt — onde as regras de governança e transparência, ao contrário do que ocorria nos outros casos, eram mais rígidas. O Nouveau Marché vinha em segundo lugar, em termos de relevância. Essas aberturas de capital levantaram mais de € 23,5 bilhões em recursos e a capitalização de mercado dessas companhias somava € 234 bilhões.

Nesse mesmo período, a valorização das ações foi de estrondosos 561%, de acordo com o índice EuroNM All-shares, que acompanhava a evolução das ações listadas nesses mercados. Foi por essa capacidade de atrair novas companhias e ampliar a representatividade dos setores da economia na bolsa de valores que o Neuer Markt foi eleito como referência pela equipe contratada pela Bovespa para reinventar o "produto ação" no Brasil, no início de 1999.

Apesar de apresentar requisitos de listagem menos severos que os do mercado tradicional — como um patamar reduzido de lucratividade nos dois exercícios anteriores ao IPO —, o Neuer Markt compensava essa flexibilidade com regras mais duras em termos de transparência — como a obrigatoriedade de publicação dos balanços de acordo com um dos principais padrões internacionais vigentes (o IFRS ou o US Gaap) —, e de governança — como a exigência de um período mínimo de seis meses em que a negociação das ações detidas por executivos e proprietários ficaria interditada (lock-up). Foi essa a principal fonte do sucesso da iniciativa alemã, que acabou repercutindo também no setor tradicional da bolsa ao estimular novas aberturas de capital.

Mas, a partir da metade do ano 2000, quando as facilidades de financiamento via emissão de ações e as histórias de jovens empreendedores que amanheciam bilionários começaram a estimular o surgimento de empresas com planos de negócios menos sólidos que os das pioneiras, os investidores deram um passo para trás e passaram a julgar de maneira mais dura toda e qualquer iniciativa da chamada nova economia. A partir daí, a queda no preço das ações chegou a mais de 80%. Muitas companhias viram seus papéis caírem a menos de € 1 e optaram por fechar o capital. Quando a esse movimento se somaram escândalos envolvendo o mau uso de informações privilegiadas (insider trading) e também a falência de algumas empresas, a imagem dos novos mercados estava arranhada para sempre.

A heterogeneidade no desempenho pós-abertura de capital das companhias listadas nos novos mercados europeus teve papel fundamental nessa virada de expectativas, em que as desvalorizações foram puxadas por um ceticismo cada vez maior quanto à sua capacidade de geração de valor futuro. A pesquisa de Laura Botazzi e Marco Da Rin [10], da Universidade de Bocconi, na Itália, revela que "as companhias listadas no Neuer Markt também foram as que mais corresponderam às expectativas dos investidores. Elas apresentaram incrementos nas vendas, nos ativos e no número de empregados duas vezes maiores do que aquelas listadas no Nouveau Marché — graças, especialmente, ao fato de os descontos sobre os preços das ações no momento da abertura de capital aplicados no Neuer Markt terem sido consideravelmente menores que os de seus concorrentes".

Essa diferença de desempenho se deu não apenas porque as companhias do novo mercado alemão captaram mais recursos no IPO — e, portanto, puderam investir mais em seu crescimento —, mas também porque a exigência de publicação de demonstrativos financeiros, de acordo com os padrões internacionais, as forçou a adotar estruturas mais sólidas de relacionamento com investidores e também a melhorar a qualidade dos controles internos e, conseqüentemente, de suas informações financeiras, aumentando o preparo para lidar com a volatilidade dos mercados

Embora homônimos do nosso Novo Mercado, os modelos Europeus partiam de um conceito diferente: tinham regras de listagem mais flexíveis

Na opinião do professor Antonio Gledson, em seu artigo científico "Can Voluntary Market Reforms Improve Corporate Governance? Evidence from Firm’s Migration to Premium Markets in Brazil" [11] que sugeriu o modelo do Neuer Markt como referência para a criação do Novo Mercado brasileiro, dois aspectos contribuíram significativamente para a sua derrocada: a regra que proibia a migração de companhias já listadas em outros segmentos da bolsa e a restrição a empresas que não fossem consideradas "de crescimento", naquele tempo altamente concentradas no setor de Tecnologia da Informação e de internet. "Quando, em meados de 2002, a bolsa alemã tentou endurecer ainda mais as regras, o estrago já estava feito. A única solução foi igualar os requisitos aos do mercado tradicional e salvar as companhias que realmente sobreviveram à turbulência, transferindo-as para a bolsa regular."

De todos os empreendimentos daquela época, o único sobrevivente é o Alternative Investments Market (AIM), da Bolsa de Londres, criado em 1995. Seu grande diferencial foi, justamente, não ter considerado que as companhias de crescimento estavam restritas aos setores de tecnologia, internet e biotecnologia. Além de incluir um grande número de companhias de mineração e fontes alternativas de energia, o AIM oferece incentivos fiscais significativos aos investidores pessoa física e, embora tenha regras de listagem muito flexíveis, pega pesado nos requisitos de governança. Até dezembro de 2006, o segmento reunia cerca de 1.580 companhias e já havia inspirado a criação de similares na Austrália (Australia Pacific Exchange) e na Irlanda (Irish Enterprise Exchange).


5. Critérios para listagem na BOVESPA:

O Novo Mercado é um segmento de listagem destinado à negociação de ações emitidas por companhias que se comprometam, voluntariamente, com a adoção de práticas de governança corporativa adicionais em relação ao que é exigido pela legislação.

Cabe destacar que tais exigências extras, são de natureza contratual e de adesão, e a relação jurídica é entre a BOVESPA e a companhia.

A valorização e a liquidez das ações são influenciadas positivamente pelo grau de segurança oferecido pelos direitos concedidos aos acionistas e pela qualidade das informações prestadas pelas companhias. Essa é a premissa básica do Novo Mercado.

A entrada de uma companhia no Novo Mercado ocorre por meio da assinatura de um contrato e implica a adesão a um conjunto de regras societárias, genericamente chamadas de "boas práticas de governança corporativa", mais exigentes do que as presentes na legislação brasileira.

Essas regras, consolidadas no Regulamento de Listagem do Novo Mercado [12], ampliam os direitos dos acionistas, melhoram a qualidade das informações usualmente prestadas pelas companhias, bem como a dispersão acionária e, ao determinar a resolução dos conflitos societários por meio de uma Câmara de Arbitragem, oferecem aos investidores a segurança de uma alternativa mais ágil e especializada.

A principal inovação do Novo Mercado, em relação à legislação, é a exigência de que o capital social da companhia seja composto somente por ações ordinárias. Porém, esta não é a única. Por exemplo, a companhia aberta participante do Novo Mercado tem como obrigações adicionais:

- Extensão para todos os acionistas das mesmas condições obtidas pelos controladores quando da venda do controle da companhia (tag along).

- Realização de uma oferta pública de aquisição de todas as ações em circulação, no mínimo, pelo valor econômico, nas hipóteses de fechamento do capital ou cancelamento do registro de negociação no Novo Mercado.

- Conselho de Administração com mínimo de 5 (cinco) membros e mandato unificado de até 2 (dois) anos, permitida a reeleição. No mínimo, 20% (vinte por cento) dos membros deverão ser conselheiros independentes.

- Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Trimestrais (ITRs) – documento que é enviado pelas companhias listadas à CVM e à BOVESPA, disponibilizado ao público e que contém demonstrações financeiras trimestrais – entre outras: demonstrações financeiras consolidadas e a demonstração dos fluxos de caixa.

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- Melhoria nas informações relativas a cada exercício social, adicionando às Demonstrações Financeiras Padronizadas (DFPs) – documento que é enviado pelas companhias listadas à CVM e à BOVESPA, disponibilizado ao público e que contém demonstrações financeiras anuais – entre outras, a demonstração dos fluxos de caixa.

- Divulgação de demonstrações financeiras de acordo com padrões internacionais IFRS ou US GAAP.

- Melhoria nas informações prestadas, adicionando às Informações Anuais (IANs) – documento que é enviado pelas companhias listadas à CVM e à BOVESPA, disponibilizado ao público e que contém informações corporativas a quantidade e características dos valores mobiliários de emissão da companhia detidos pelos grupos de acionistas controladores, membros do Conselho de Administração, diretores e membros do Conselho Fiscal, bem como a evolução dessas posições.

- Realização de reuniões públicas com analistas e investidores, ao menos uma vez por ano.

- Apresentação de um calendário anual, do qual conste a programação dos eventos corporativos, tais como assembléias, divulgação de resultados etc.

- Divulgação dos termos dos contratos firmados entre a companhia e partes relacionadas.

- Divulgação, em bases mensais, das negociações de valores mobiliários e derivativos de emissão da companhia por parte dos acionistas controladores.

- Manutenção em circulação de uma parcela mínima de ações, representando 25% (vinte e cinco por cento) do capital social da companhia.

- Quando da realização de distribuições públicas de ações, adoção de mecanismos que favoreçam a dispersão do capital.

- Adesão à Câmara de Arbitragem do Mercado para resolução de conflitos societários.

5.1. A CVM E O NOVO MERCADO:

Como já delineado anteriormente, a adesão ao "Novo Mercado" é de natureza contratual e a relação jurídica é entre a BOVESPA e a companhia.

A CVM adota os fundamentos da auto-regulação para determinadas atividades no mercado de valores mobiliários, isso objetiva aumentar a eficiência da atividade regulatória, evitando a centralização excessiva do poder de editar normas e fiscalizar seu cumprimento.

A auto-regulação está fundamentada nos seguintes pressupostos [13]:

- A ação eficaz do órgão regulador sobre os participantes do mercado de valores mobiliários implica custos excessivamente altos quando se busca aumentar a eficiência e abrangência dessa ação.

- Uma entidade auto-reguladora, pela sua proximidade das atividades de mercado e melhor conhecimento das mesmas, dispõe de maior sensibilidade para avaliá-las e normatizá-las, podendo agir com maior presteza e a custos moderados.

- A elaboração e o estabelecimento, pela própria comunidade, das normas que disciplinam suas atividades fazem com que a aceitação dessas normas aumente e a comunidade se sinta mais responsável no seu cumprimento, diminuindo-se a necessidade de intervenção do órgão regulador.

Esses pressupostos refletem a preocupação de reduzir o porte e de tornar mais eficiente a atuação do órgão regulador, já que só poderia ter uma ação sensível, ágil e eficaz caso duplicasse inúmeras funções desempenhadas por entidades privadas existentes no mercado de valores mobiliários.

Adicionalmente, o maior zelo na observância das normas, decorrente da participação em sua elaboração e da consciência da importância de sua preservação, implica menor dispêndio de recursos nas tarefas de acompanhamento e fiscalização de seu cumprimento.

Por outro lado, na delegação de poderes de normatização e fiscalização, o órgão regulador conserva competências residuais que lhe permitem evitar possíveis inconvenientes da auto-regulação, como a complacência em relação a assuntos de interesse público, a tendência à autoproteção dos regulados, a leniência na imposição de sanções e atitudes tolerantes, decorrentes do desejo de evitar publicidade adversa aos negócios.

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Sobre o autor
Rodrigo Gasparini

Advogado e consultor jurídico militante em São Paulo, especialista em Direito Empresarial pela Escola Superior de Advocacia da OAB/SP, pós graduado com extensão em Direito Internacional das relações econômi-cas pela FGV/SP, aluno participante de estudos avançados de extensão universitária na London Business School (Londres - UK) com ênfase em Direito Empresarial Internacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GASPARINI, Rodrigo. A efetividade da implementação do novo mercado nas empresas que operam na BOVESPA.: Popularização do mercado de capitais em decorrência da implementação do referido segmento de negociação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2152, 23 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12849. Acesso em: 16 abr. 2024.

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