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Reforma constitucional tributária: uma falsa prioridade

12/10/1997 às 00:00
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Hoje em dia, até as pedras das ruas clamam pela urgência de uma ampla reforma constitucional tributária, única alternativa à derrocada iminente e irremediável de setor público e empresas, como ameaçam os noticiários de todos os dias.
Quanto exagero há nesta unanimidade...
Por certo, o projeto de reforma apresentado pelo Governo Federal (PEC nº 175/95), assim como o substitutivo formulado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados que o apreciou, tem pontos positivos. Assim, a regra que qualifica o princípio da anterioridade das leis tributárias, exigindo que sejam publicadas até noventa dias antes do fim de um exercício financeiro, para vigorar no seguinte. Ou aquela, suprimida no substitutivo, que defere à União competência para isentar tributos estaduais e municipais por meio de tratado internacional, facilitando a integração do País em blocos regionais.
Na mesma linha, principalmente, a substituição do IPI por um ICMS federal, incidente sobre base idêntica à do ICMS dos Estados, que permanece, e a progressiva federalização das operações interestaduais, com repasse da receita gerada pela alíquota federal ao Estado em que se situa o consumidor final. A submissão parcial do ICMS à competência da União, entre outras finalidades, visa a minimizar os efeitos da guerra de incentivos fiscais que antagoniza os Estados da federação, em prejuízo da unidade do mercado interno. A medida seria mais eficiente se conjugada à proibição, suprimida no substitutivo, de qualquer benefício que anule no todo ou em parte o ônus econômico do imposto.
Ainda no que tange à implementação mais perfeita de um imposto sobre o valor adicionado, o projeto demonstra timidez ao manter a atual separação entre ICMS e ISS, impeditiva do aproveitamento de créditos relativos ao imposto incidente sobre serviços prestados no processo de produção e circulação de mercadorias, ou sobre serviços prévios e necessários à prestação subseqüente.
As propostas não são de desmerecer. Mas força é reconhecer que seu impacto econômico nem de longe será o trombeteado pelos arautos da reforma como panacéia dos males nacionais. No que toca à instituição do ICMS federal, por exemplo, não é lícito esperar nenhuma redução da carga tributária, e muito pelo contrário, eis que o novo imposto gravará operações desbordantes do campo de incidência do atual IPI.
Especialmente digna de nota é a desproporção entre meios e fins que caracteriza o projeto em discussão. Com efeito, o esforço de reforma constitucional não se justifica no tratamento de matérias postas à disposição do legislador ordinário ou complementar, não só porque a elevação do quorum e a solenidade do rito importam em maior demora no processamento, maior risco de rejeição e maior absorção das atenções do Parlamento, em desfavor do debate de outras questões relevantes, mas ainda porque, no caso concreto, boa parte das medidas propugnadas já se encontra em plena vigência, retirando toda a utilidade ao árduo processo revisional.
É o caso da extensão da imunidade de ICMS às exportações de produtos primários e semi-elaborados, cujos efeitos práticos foram antecipados pela Lei Complementar nº 87/96, que lhes concedeu isenção heterônoma, nos termos do art. 155, XII, e, da Constituição Federal. Ou do reconhecimento de créditos do imposto pela compra de bens para o ativo imobilizado do contribuinte, em verdade alargado pela LC nº 87/96, que permite o aproveitamento integral e imediato dos créditos referentes a bens destinados ao uso, consumo e ativo permanente das empresas (no qual se inclui o ativo imobilizado). Ou ainda da submissão do oferecimento da denúncia, em crimes contra a ordem tributária, ao encerramento do processo tributário administrativo que aprecie as infrações imputadas ao sujeito passivo, consagrada no art. 83 da Lei nº 9.430/96, em perfeita sintonia com a Constituição em vigor (cf. ADIn nº 1571-1, Rel. Min. Néri da Silveira, liminar indeferida em 20.03.97).
Desnecessita de status constitucional, por fim, o dispositivo que transfere para o Município da efetiva prestação do serviço a competência para a imposição do ISS. Para tanto, é suficiente a alteração do art. 12, a, do Dec-Lei nº 406/68, de resto já relegado à dessuetude pela recente jurisprudência do STJ (cf. interplures REsp. nº 54.002/94-PE, 1ª turma, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, votação unânime, in DJ de 08.05.95, pág. 12.309). O projeto de reforma do Governo abriga outras impropriedades, como a permissão de cobrança de impostos cumulativos pela União, no exercício de sua competência residual, a supressão da exigência de lei complementar para a instituição de empréstimos compulsórios e a exclusão VAF como padrão de repartição da receita do ICMS entre os Municípios, as duas últimas sanadas no substitutivo, que mantém os termos da Constituição vigente. Diante dos fatos, a conclusão surpreende: o Brasil tem muito o que fazer antes de alterar o capítulo tributário da Constituição.

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Sobre o autor
Igor Mauler Santiago

Advogado em São Paulo (SP), sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Doutor, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela UFMG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTIAGO, Igor Mauler. Reforma constitucional tributária: uma falsa prioridade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 20, 12 out. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1285. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Texto publicado no jornal Forense Informa, ano IV, nº 22, p. 3

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