Hoje em dia, até as pedras das ruas clamam pela urgência
de uma ampla reforma constitucional tributária, única
alternativa à derrocada iminente e irremediável
de setor público e empresas, como ameaçam os noticiários
de todos os dias.
Quanto exagero há nesta unanimidade...
Por certo, o projeto de reforma apresentado pelo Governo Federal
(PEC nº 175/95), assim como o substitutivo formulado pela
Comissão Especial da Câmara dos Deputados que o apreciou,
tem pontos positivos. Assim, a regra que qualifica o princípio
da anterioridade das leis tributárias, exigindo que sejam
publicadas até noventa dias antes do fim de um exercício
financeiro, para vigorar no seguinte. Ou aquela, suprimida no
substitutivo, que defere à União competência
para isentar tributos estaduais e municipais por meio de tratado
internacional, facilitando a integração do País
em blocos regionais.
Na mesma linha, principalmente, a substituição
do IPI por um ICMS federal, incidente sobre base idêntica
à do ICMS dos Estados, que permanece, e a progressiva federalização
das operações interestaduais, com repasse da receita
gerada pela alíquota federal ao Estado em que se situa
o consumidor final. A submissão parcial do ICMS à
competência da União, entre outras finalidades, visa
a minimizar os efeitos da guerra de incentivos fiscais que antagoniza
os Estados da federação, em prejuízo da unidade
do mercado interno. A medida seria mais eficiente se conjugada
à proibição, suprimida no substitutivo, de
qualquer benefício que anule no todo ou em parte o ônus
econômico do imposto.
Ainda no que tange à implementação mais
perfeita de um imposto sobre o valor adicionado, o projeto demonstra
timidez ao manter a atual separação entre ICMS e
ISS, impeditiva do aproveitamento de créditos relativos
ao imposto incidente sobre serviços prestados no processo
de produção e circulação de mercadorias,
ou sobre serviços prévios e necessários à
prestação subseqüente.
As propostas não são de desmerecer. Mas força
é reconhecer que seu impacto econômico nem de longe
será o trombeteado pelos arautos da reforma como panacéia
dos males nacionais. No que toca à instituição
do ICMS federal, por exemplo, não é lícito
esperar nenhuma redução da carga tributária,
e muito pelo contrário, eis que o novo imposto gravará
operações desbordantes do campo de incidência
do atual IPI.
Especialmente digna de nota é a desproporção
entre meios e fins que caracteriza o projeto em discussão.
Com efeito, o esforço de reforma constitucional não
se justifica no tratamento de matérias postas à
disposição do legislador ordinário ou complementar,
não só porque a elevação do quorum
e a solenidade do rito importam em maior demora no processamento,
maior risco de rejeição e maior absorção
das atenções do Parlamento, em desfavor do debate
de outras questões relevantes, mas ainda porque, no caso
concreto, boa parte das medidas propugnadas já se encontra
em plena vigência, retirando toda a utilidade ao árduo
processo revisional.
É o caso da extensão da imunidade de ICMS às
exportações de produtos primários e semi-elaborados,
cujos efeitos práticos foram antecipados pela Lei Complementar
nº 87/96, que lhes concedeu isenção heterônoma,
nos termos do art. 155, XII, e, da Constituição
Federal. Ou do reconhecimento de créditos do imposto pela
compra de bens para o ativo imobilizado do contribuinte, em verdade
alargado pela LC nº 87/96, que permite o aproveitamento integral
e imediato dos créditos referentes a bens destinados ao
uso, consumo e ativo permanente das empresas (no qual se inclui
o ativo imobilizado). Ou ainda da submissão do oferecimento
da denúncia, em crimes contra a ordem tributária,
ao encerramento do processo tributário administrativo que
aprecie as infrações imputadas ao sujeito passivo,
consagrada no art. 83 da Lei nº 9.430/96, em perfeita sintonia
com a Constituição em vigor (cf. ADIn nº 1571-1,
Rel. Min. Néri da Silveira, liminar indeferida em 20.03.97).
Desnecessita de status constitucional, por fim, o dispositivo
que transfere para o Município da efetiva prestação
do serviço a competência para a imposição
do ISS. Para tanto, é suficiente a alteração
do art. 12, a, do Dec-Lei nº 406/68, de resto já relegado
à dessuetude pela recente jurisprudência do STJ (cf.
interplures REsp. nº 54.002/94-PE, 1ª turma, Rel. Min.
Demócrito Reinaldo, votação unânime,
in DJ de 08.05.95, pág. 12.309). O projeto de reforma do
Governo abriga outras impropriedades, como a permissão
de cobrança de impostos cumulativos pela União,
no exercício de sua competência residual, a supressão
da exigência de lei complementar para a instituição
de empréstimos compulsórios e a exclusão
VAF como padrão de repartição da receita
do ICMS entre os Municípios, as duas últimas sanadas
no substitutivo, que mantém os termos da Constituição
vigente. Diante dos fatos, a conclusão surpreende: o Brasil
tem muito o que fazer antes de alterar o capítulo tributário
da Constituição.
Reforma constitucional tributária: uma falsa prioridade
Advogado em São Paulo (SP), sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Doutor, Mestre e Especialista em Direito Tributário pela UFMG.
SANTIAGO, Igor Mauler. Reforma constitucional tributária: uma falsa prioridade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 20, 12 out. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1285. Acesso em: 22 nov. 2024.
Texto publicado no jornal Forense Informa, ano IV, nº 22, p. 3
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