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Alta programada: afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana

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22/05/2009 às 00:00

Resumo:


  • O programa de alta programada do INSS, baseado no Decreto nº. 5.844/06, prefixa a data de alta médica sem considerar a real condição do segurado.

  • Esse mecanismo gera controvérsias, levando sindicatos e trabalhadores a contestarem judicialmente sua legalidade e afronta aos princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana.

  • A alta programada resulta em retornos precoces ao trabalho, prejudicando a recuperação dos segurados, gerando impactos econômicos e sociais negativos, e desrespeitando direitos fundamentais e a legislação vigente.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Considerações finais

A alta programada não só abandona a proteção e promoção dos direitos humanos, como afronta o ideal de justiça social, fraternidade e igualdade, anteriores e superiores a qualquer modelo de Estado, desprezando qualquer sentido filosófico, religioso ou moral do que se entende por respeito ao próximo e a si mesmo e omitindo-se no escopo de propiciar existência digna a todos.

À vista do exposto, mister reconhecer que o programa implantado pelo INSS com fulcro na Orientação Interna Conjunta nº 01 Dirben/PFE, de 13 de setembro de 2.005, e posteriormente mantido com base no artigo 1º, do Decreto nº. 5.844, de 13 de julho de 2.006, que alterou o artigo 78, do Decreto nº. 3.048/99, é flagrantemente inconstitucional, representando inexorável afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho como condição da dignidade humana, além dos direitos sociais à saúde e à previdência social.

O mecanismo, aplicado da forma como concebido, resulta no retorno ao trabalho de empregados sem o restabelecimento da capacidade laboral, o que implica em queda no rendimento e produtividade, gerando impacto econômico; agravamento das lesões ou enfermidades, prolongando o tempo de tratamento e recuperação; no aumento das desigualdades sociais, com a proliferação de camadas marginalizadas pelo Poder Público; e na onerosidade ainda maior dos cofres públicos, deixando de ser questão de ordem previdenciária para ser problema de saúde pública.

Levando-se em consideração que a melhor exposição do Direito dá-se mediante a consideração biangular dos institutos jurídicos a partir dos elementos forma e estrutura, na qual a estrutura de qualquer norma ou instituto jurídico deve ser interpretada em vista das funções, próprias ou impróprias, do conjunto de seus elementos ou disposições, e toda função é limitada pela estrutura do conjunto, é possível, então, rechaçar qualquer legitimidade de referida prática previdenciária.

Isto porquanto, considerada a proteção social como direito social, compete ao Poder Público, uma vez exigida e recolhida a contribuição previdenciária (vertente garantística) e ocorrido o evento determinante tutelado pelo direito, pagar o benefício ao segurado (vertente prestacional), assegurando-lhe condições de subsistência digna, como forma de proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, mesmo porque, como visto, o mecanismo não é compatível com o modelo de Estado adotado pelo Brasil, que privilegia o bem-estar social.

Não sendo somente uma determinação da Constituição de 1988, mas também reconhecida em inúmeras convenções internacionais, dos quais o Brasil é signatário, vale dizer que o descumprimento na implementação dos direitos humanos, nos quais se insere a tutela protetiva estatal nos casos expressos em lei, autoriza a denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e, ainda, em caso de omissão, à Corte Interamericana de Direitos Humanos, cuja competência o país já admitiu.

A adoção de mecanismos para minimizar os custos, longe de ser medida racional, mas sim demonstrativa da incapacidade do Estado de encontrar formas viáveis e socialmente responsáveis para equilibrar receitas e despesas, não pode ser tomada em detrimento do direito securitário dos filiados, porquanto os direitos econômicos não se apresentam como absolutos a ponto de sobressaírem à efetivação dos direitos sociais, cujo escopo principal está na concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, sob pena de retrocesso nas conquistas sociais.

O desenvolvimento nacional e a justiça social apenas serão consolidados no Estado Democrático de Direito que pretende ser o Brasil, consoante disciplinado nas suas inúmeras normas programáticas constitucionais, quando práticas como a alta programada não demandarem determinação judicial para serem afastadas, mas sim suas suspensões partirem do próprio Estado, consciente que sua existência deve-se em função da pessoa humana.


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Notas

  1. BALERA, Wagner. Alta programada – quem foi o gênio que estimou tempo de cura para doenças? In: Consultor Jurídico, 08 abr. 06. p. 2.
  2. Eis a fundamentação: "Consoante entendimento desta Corte, a suspensão do benefício de auxílio-doença somente é possível após a realização de perícia médica pelo INSS, atestando a cessação da incapacidade da parte autora para o trabalho (...) No entanto, valendo-se do malsinado programa COPES, a autarquia previdenciária tem fixado, previamente, a data da cessação do benefício sem realização da devida perícia médica (...) Verifico, de início, que o INSS demonstra que sua preocupação dirige-se unicamente à questão financeira do benefício, não atentando para a saúde do segurado, tema este que lhe diz respeito diretamente e pela qual deveria velar."
  3. NUNES, Milton José. A crise da previdência social no Brasil. In: Universidade do Vale do Paraíba, 20 dez.2002. p. 7-10.
  4. "Estado de Bem-estar Social ou Estado-providência (em inglês: Welfare State) é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação em questão. Cabe ao Estado do bem-estar social garantir serviços públicos e proteção à população." (In: SCHUMPETER, Joseph E. On the Concept of Social Value. In Quarterly Journal of Economics, volume 23, 1908-9. p. 213-232).
  5. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 2006. p. 5.
  6. "No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente, mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.
  7. direito à vida, à honra, à integridade física, à integridade psíquica, à privacidade, dentre outros, são essencialmente tais, pois, sem eles, não se concretiza a dignidade humana. A cada pessoa não é conferido o poder de dispô-los, sob pena de reduzir sua condição humana; todas as demais pessoas devem abster-se de violá-los." (In: KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes, 1986, p. 77).

  8. Ibid. Ibidem.
  9. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 2003. p. 106-107.
  10. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 1999. p. 30.
  11. Para Ingo Wolgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana consiste na "qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos." (Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2001. p. 60).
  12. MORAES, Alexandre de apud SILVA, Renato Lopes Gomes da. Primeira pessoa – dignidade deve ser ponto de partida para interpretar o Direito. In: Consultor Jurídico, 29 mai 06. p. 3.
  13. IBRAHIM, Fábio Zambitte. Op. cit. p. 66.
  14. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 2006. p. 36.
  15. "O expresso reconhecimento da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz, em parte, a pretensão constitucional de transformá-lo em um parâmetro objetivo de harmonização dos diversos dispositivos constitucionais (e de todo sistema jurídico), obrigando o intérprete a buscar uma concordância prática entre eles, na qual o valor acolhido no princípio sem desprezar os demais valores constitucionais, seja efetivamente preservado." (In: MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princípio constitucional fundamental. 2003. p. 63).
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Sobre o autor
Marcel Thiago de Oliveira

Advogado e Assessor Jurídico da Câmara Municipal de Rio Claro / Graduado em Ciências Jurídicas e Mestrando em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcel Thiago. Alta programada: afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2151, 22 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12882. Acesso em: 23 dez. 2024.

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