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O delito de ameaça: o cão que ladra morde e mata

22/05/2009 às 00:00
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Nos últimos dias, temos assistido a divulgação dispensada aos casos passionais ocorridos em nosso país, com várias vidas ceifadas. Percebe-se que a maioria dos casos tem como base primitiva ameaças praticadas pelos agressores. Por isso é importante sabermos que o delito de ameaça está previsto no artigo 147 do Código Penal Brasileiro e pune a conduta do agente que por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, ameace alguém de causar-lhe mal injusto e grave. A pena é de um a seis meses de detenção ou multa. Para que se possa tomar providências contra o autor do delito, a vítima necessita representar, ou seja, manifestar a sua vontade, expressar o seu desejo.

Desde o ano de 1995, com o advento da Lei 9.099 (Juizados Especiais Criminais) os delitos cuja pena máxima não ultrapassem dois anos, se tornaram conhecidos como crimes de menor potencial ofensivo. Assim, para a sua investigação, bem como para a prestação jurisdicional o legislador dispensou no seu procedimento os princípios da celeridade, economia processual, simplicidade, informalidade e oralidade.

Desta forma, o delito de ameaça, cuja pena máxima não extrapola a previsão em apreço (02 anos de prisão) é apurado por via do Termo Circunstanciado, conhecido como "TC". Este procedimento inicia-se na Delegacia de Polícia com a colheita das informações visando a investigação do delito, da mesma forma que é realizado pelo Inquérito Policial (oitiva da vítima, testemunhas, apreensões de objetos, cartas, documentos e oitiva do autor do delito). A seguir, o procedimento é encaminhado à Justiça, para que seja decidido quanto a eventual punição do infrator.

A previsão legal permite que em determinadas situações, seja realizada a transação penal, ou seja, a reparação dos danos sofridos pela vítima e a imediata aplicação de pena não privativa de liberdade, isto é, o infrator aceita em receber a pena pecuniária como solução dispensada a resolução do delito. Noutras situações, ainda é possível a aplicação das penas de prestação de serviço à comunidade, perda de bens, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. Para tanto, o Juiz leva em conta a culpabilidade, os antecedentes criminais, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstancias do crime e o comportamento da vítima.

Contudo, a adoção dessas medidas somente será possível acaso a vítima manifeste a sua vontade, pois caso contrário o Estado não poderá tomar providências contra o autor da infração. Por tal motivo é que, quando a vítima da ameaça comparece na Delegacia de Polícia e registra o boletim de ocorrência, ela já é cientificada quanto À necessidade de representar; caso deseje, o Policial Civil colhe de pronto a sua representação. Cabe então à Polícia Civil dispensar à vítima a devida orientação e, depois de colher todas as informações, encaminhá-las à Justiça.

Uma outra inovação surgiu em virtude da Lei 11.340 conhecida como "Lei Maria da Penha" que entrou em vigor em 2006. Com a sua aplicação, houve a possibilidade do Delegado de Polícia postular junto ao Juiz a pronta e imediata adoção das medidas protetivas de urgência. Dentre as medidas, temos: o afastamento do lar por parte do agressor; a proibição da sua aproximação e de manter contato com a vítima e seus familiares. Porém, tais providencias somente podem ser adotadas nos casos que sejam considerados como violência doméstica e familiar contra a mulher, isto é, naqueles em que a mulher seja a vítima e que o delito tenha ocorrido no âmbito doméstico, no âmbito da família ou em virtude de uma relação íntima de afeto. Nestas situações é possível a adoção das ditas medidas protetivas de urgência.

Mesmo a despeito do registro do boletim de ocorrência, isto por si só não garante à vítima a segurança que ela entende passar a desfrutar com o simples registro do boletim de ocorrência. O que temos visto nos noticiários é que algumas vítimas "entendem" que após o registro da ocorrência policial, elas passam a ter a segurança que julgam conveniente, a qual até talvez realmente devesse ser a necessária, justa e merecida segurança. Na prática não é isto o que acontece. O Estado colhe a notícia dos fatos por meio do registro da ocorrência policial, mas não torna a vítima objeto inviolável de novos atos ou mesmo, imune inclusive da consecução das ameaças já recebidas. Isto porque no sistema existente são estas as ferramentas disponíveis e aptas ao atendimento destas ocorrências.

Há até as Delegacias de Polícia Especializadas para tratarem destes casos, conhecidas como Delegacia de Defesa da Mulher (DDM). Tratam-se, na linguagem do filósofo Michel Foucault, de mecanismos do Biopoder e da Biopolítica. Tais unidades cuidam especificamente destas ocorrências policiais, sendo estruturadas de modo a dispensar às vítimas um tratamento digno.

Porém, malgrado todos os esforços as estatísticas demonstram que os delitos de ameaças frutos de relacionamentos entre casais jamais podem ser atendidos com displicência, visto que na maioria dos casos as promessas vêm a se consumar conforme os noticiários já mencionados. Quando das denúncias de ameaças é imprescindível esclarecer todos os detalhes, especialmente se há informes sobre a posse de arma de fogo e em caso positivo efetuar buscas. Resta então às Entidades Estatais agir e dispensar às vítimas de ameaças e dos outros delitos toda a atenção necessária, em especial as orientações devidas para que não sejam elas duplamente vítimas.

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Sobre o autor
André Luís Luengo

Delegado de Polícia Titular da DIG de Dracena e Professor Universitário do CESD. Especialista em Direito Penal e Processo Penal. Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pela UNIVEM (Fundação Ensino Marília)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUENGO, André Luís. O delito de ameaça: o cão que ladra morde e mata. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2151, 22 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12892. Acesso em: 28 mar. 2024.

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