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A indivisibilidade da obrigação no contrato de trabalho e o fim dos dias da Súmula nº 331 do TST

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28/05/2009 às 00:00
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4. CONCLUSÕES.

Muitos países vêm atuando em sentido contrário a um "inevitável contexto da economia globalizada", re-regulando, buscando novamente tutelar a coletividade de trabalhadores – que, nas últimas décadas, tem sofrido a onda neoliberal.

Exemplo indubitável disso é a jurisprudência, em decisão exarada pelo Tribunal de Apelação de Montevideo/Uruguai envolvendo a empresa T.I.N.S.A. (Sentença n° 145 de 04.05.1988), onde em uma relação terceirizada de trabalho se atribuiu responsabilidade pelo todo em decorrência de obrigação indivisível em proveito dos empregados [25], precedente este que acabou por inspirar este trabalho.

O legislador uruguaio entendeu por editar a lei 18.099/2007, para declarar legalmente que se trata de uma obrigação solidária a responsabilidade dos créditos trabalhistas nas relações contratuais que envolvem Empresas de Subcontratação, Intermediação ou de Suministração de Mão-de-obra, resgatando a tranqüilidade dos trabalhadores no desenvolver de suas atividades, pois estarão seguros da percepção de seus direitos pela alienação de força de trabalho; o contrário acabaria por gerar inquietude e verdadeiro stress laboral.

Creio que com tal lei, o Uruguai evitou maiores discussões jurisprudenciais e longas caminhadas até a consolidação de um entendimento que melhor atenda os trabalhadores, reformando sua legislação e preferindo, como tratou MONTEIRO FERNANDES antes da reforma do Código de Trabalho Português, "... uma garantia consistente e efectiva dos direitos laborais fundamentais, à defesa imóvel de um reduto edificado sobre os símbolos e os avatares de um tempo social que vai longe" passando a exigir uma "tradução legislativa de um equilíbrio autêntico e estável entre competitividade econômica e protecção social." [26]

No Brasil, é plenamente possível buscar a efetividade dos créditos trabalhistas dos subcontratados via revisão da Súmula n° 331, IV, do TST, seja com o reconhecimento da indivisibilidade da obrigação e responsabilidade pelo todo por parte das empresas, ou ainda, como sugeriu SOUTO MAIOR, atribuindo simplesmente responsabilidade solidária para as relações triangulares [27], pois o ser humano não pode ser transformado em coisa, eis que também o trabalho não é uma mercadoria.

Antes mesmo da proposta de tal revisão sumular, CATHARINO já havia referido sobre a responsabilidade solidária ou indivisível pelo todo em analogia com a relação na empreitada prevista no artigo 455 da CLT, ressaltando a responsabilidade direta existente, quando disse que: "Essa solução é a que, por analogia evidente, prevista no art. 8° da CLT, deve ser aplicada quando há contrato de prestação de serviço interempresário. Tendo o tomador de serviços responsabilidade direta para com os empregados do recebedor, por certo providenciaria resguardar-se do risco correspondente." [28]

Tenho pra mim que estes são exemplos de que perde força a vigente ordem econômica mundial – e não estou só, pois muitos brilhantes juristas com freqüência reflexionam sobre os sinais de desgaste do Neoliberalismo [29] e já vêm constatando tal fato.

Ademais, como referiu GARMENDIA ARIGÓN, "... el impulso hacia la desregulación del Derecho del Trabajo no parece hasta el momento poseer la energia necesaria como para enervar la sustância conceptual Del orden público social, que permanece a salvo, em um sitial superior al alcanzable por la norma de nível legislativo." [30]

A atribuição de responsabilidade solidária ou pelo todo face às obrigações indivisíveis nas terceirizações buscam tutelar direitos e somente vem a demonstrar que os meteoros não estão tão desordenados assim, e que as lutas de classes dos trabalhadores não se limitam a frear ritmos com artifícios paliativos ou quedando silentes com assistencialismos, mas galgam garantias em verdadeira efetivação do que prevêem Cartas Políticas Constitucionais como a dignidade da pessoa humana do trabalhador.


Notas

  1. Existe discussão jurisprudencial acerca da abrangência das parcelas indenizatórias inadimplidas pelo empregador direto do trabalhador, que seriam indevidas por não ser considerado crédito salarial.
  2. GODINHO DELGADO, MAURICIO. Curso de Direito do Trabalho, 5ª ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 458.
  3. LIMA TEIXEIRA FILHO, JOÃO. Instituições de Direito do Trabalho, 22ª ed, São Paulo: LTr, 2005, p. 280.
  4. PINTO MARTINS, SÉRGIO. A terceirização e o Direito do Trabalho. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 124, 125.
  5. PLÁ RODRIGUEZ, AMÉRICO. Los Princípios del Derecho del Trabajo. Montevideo: Editorial B.M.A, 1975, p.47.
  6. ROMAGNOLI, Umberto. El Derecho Del Trabajo: ¿Qué futuro? In: Evolución Del Pensamiento Juslaboralista, Montevideo: FCU, 1997, p. 432
  7. comutativo pois há uma presunção de equivalência de prestações.
  8. GOMES, ORLANDO. Direito das Obrigações.10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 2.
  9. GOMES, ORLANDO. Ob cit, p. 10.
  10. RIBEIRO DE VILHENA, PAULO EMÍLIO. Relação de Emprego. Estrutura Legal e Supostos. 2ª ed., São Paulo: LTr, 1999, p. 107.
  11. CASSI, La Subordinazione del Lavoratore nel Diritto Del Lavoro, pp. 34 e 158 e segs; SAVINO, La Subordinazione nel Rapporto di Lavoro, pp. 109 e segs. In: GOMES, ORLANDO. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. Rio de Janeiro. Forense. 2000, p. 119.
  12. SANTORO PASSARELLI. Nozzioni di Diritto Del Lavoro, 6ª ed, 1952, p.139. In: GOMES, ORLANDO. Curso de Direito do Trabalho. 16ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 119.
  13. PLÁ RODRIGUEZ, AMÉRICO. Curso de Derecho Laboral. Tomo 1, vol 1., Montevideo: Ediciones IDEA, 2000, p. 96.
  14. BARBAGELATA, HECTOR HUGO. Derecho Del Trabajo. Tomo I, Volumen 1, 2ª ed, Ed., Montevideo: FCU,1995, p.85.
  15. CATHARINO, JOSÉ MARTINS. Compêndio de Direito do Trabalho. Vol. 1, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 1982, p. 40.
  16. Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
  17. In: SUSSEKIND, ARNALDO et al. Instituições de Direito do Trabalho. Vol I, 22ª ed., São Paulo: Ed. LTr, 2005, p. 348.
  18. CATHARINO, JOSÉ MARTINS. Tratado Jurídico do Salário. Edição Fac-similada de 1951. São Paulo: Ed. LTr, 1994, p.74.
  19. Claro que também existem as obrigações patronais em pagar verbas de natureza indenizatória, encargos sociais, bem como outros direitos legais e contratuais.
  20. GOMES, ORLANDO. Ob. Cit, 1995, p. 75.
  21. Art. 258 – A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por natureza, por motivo de ordem econômica ou dada a razão determinante do negócio.
  22. PEIRANO FACIO, JORGE. Curso de Obligaciones. Tomo IV. Montevideo: Oficina de Apuntes Del Centro Estudiantes de Derecho. 1968, p. 111 e 118.
  23. Art. 891 – Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda.
  24. Parágrafo único – O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros co-obrigados.

  25. BEVILÁCQUA, CLÓVIS. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Vol. I, 6ª ed., Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora, 1940, p. 31
  26. Assim foi fundamentada a decisão: "... hay uma relación de trabajo con un consorcio, lo que equivale a decir que la relación es mixta, pues em cierto aspecto ella involucra a la empresa ES por la contratación y paga, y por subordinación laboral y beneficio econômico, a la empresa ER. En tales casos, que es el de autos, ambas empresas, componentes del empleador complejo, son responsables cada una por el todo. Esto deriva, no por convención ni por solidariedad, sino por el carácter indivisible de las deudas (arts. 1376 y 1381/3° CC), pues las prestaciones laborales son compactas y no admiten división.
  27. MONTEIRO FERNANDES, ANTONIO. Um rumo para as leis laborais. Coimbra: Almedina, 2002, p.70.
  28. Ementas Selecionadas da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, COMISSÃO I - Direitos Fundamentais e as Relações de Trabalho, 8ª Proposta de autoria de Jorge Luiz Souto Maior - EMENTA: "A Justiça do Trabalho, vocacionada para a proteção do ser humano, deve reconhecer o equívoco da Súmula 331, do TST, que transforma o empregado em coisa ("coisificação" do ser humano) e declarar nula qualquer forma de intermediação de mão-de-obra, afirmando o vínculo de emprego diretamente com o dito "tomador dos serviços" seja em atividade-fim, seja em atividade-meio, pois o ser humano não pode ser mercantilizado. A terceirização, assim, será restrita a prestações de serviços especializados, de caráter transitório, desvinculados das necessidades permanentes da empresa, mantendo-se, de todo modo, a responsabilidade solidária entre as duas empresas." http://www.anamatra.org.br/jornada/ementas/comissao1.cfm
  29. CATHARINO, JOSÉ MARTINS. Neoliberalismo e Seqüela. São Paulo: Ed. LTr, 1997, p. 74.
  30. Assim como discutido na mesa redonda do Seminário Internacional ocorrido em 2007 em Montevideo/Uruguay, intitulado "Después del Neoliberalismo", onde juristas do mundo todo trouxeram não só sintomas graves da globalização e atentados contra a dignidade da pessoa do trabalhador em suas sociedades, mas também traços de que coletividades vêm buscando forças representativas para alterações legislativas positivas, que concedam direitos e não somente os retire sob a pecha de competitividade mercantil.
  31. GARMENDIA ARIGÓN, MARIO. Orden Público y Derecho del Trabajo. Montevideo: FCU, 2001, p. 136.
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Sobre o autor
Daniel Tolentino

Advogado Trabalhista. Especialização em Direitos Sociais do Trabalho e Previdenciário - UNIRITTER/2004. Mestrando em Direito do Trabalho e Seguridade Social pela Universidade da República do Uruguai - UDELAR - 2007/09. Membro da AGETRA - Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas Membro da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas do Advogado - CDAP da OAB/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Daniel. A indivisibilidade da obrigação no contrato de trabalho e o fim dos dias da Súmula nº 331 do TST. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2157, 28 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12902. Acesso em: 24 abr. 2024.

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