Artigo Destaque dos editores

Possibilidade de revisão pelo Judiciário das decisões finais contrárias à Administração proferidas no processo administrativo tributário

Exibindo página 1 de 3
Leia nesta página:

CAPÍTULO 1 – O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O surgimento do Estado Democrático de Direito remonta a evolução de organização da sociedade, que, após ser submetida a inúmeras experiências de estruturação governamental, fez surgir tal modelo de composição da coletividade, hodiernamente considerado pela maioria dos cidadãos como o mais adequado até então existente.

O ponto de partida utilizado neste trabalho para a análise da formação do modelo estatal adotado atualmente é o cotejo e a posterior junção entre as concepções de Estado de Direito e de Estado Democrático.

O Estado de Direito, como ensina Silva (2004), apresenta como característica preponderante, além da divisão dos poderes, do enunciado e da garantia dos direitos individuais, a obediência ao princípio da legalidade, que traz o mandamento de obediência à lei na forma em que se encontra disposta e em vigência [01].

Esta forma de organização social, cujo apogeu foi verificado no momento em que o capitalismo iniciava seu desenvolvimento, passou, todavia, a ser bastante questionada após a evolução da mentalidade dos cidadãos que compunham a maioria da população, justamente os governados.

Isso porque estes se deram conta que em nada influíam na escolha dos governantes, no processo de elaboração das leis, nem na interpretação delas, dando margem ao Estado para praticar irregularidades e arbitrariedades sob a inverídica argumentação de estar agindo de acordo com previsões legislativas.

A insatisfação dos cidadãos em relação a isto acarretou na ocorrência de movimentos revolucionários bem sucedidos, cujo objetivo primordial foi, justamente, a busca da igualdade de condição entre todos, sem privilégios a determinadas pessoas ou classes sociais [02].

Com a sucumbência do Estado de Direito e a quebra de seus paradigmas, verificou-se uma oportunidade ideal para a implementação de outra forma de organização da sociedade, surgindo, então, o Estado Democrático.

Tal estrutura governamental tem como corolários a supremacia da vontade popular, bem como a preservação da liberdade e a igualdade de direitos.

Assim, o Estado Democrático surge como consequência da insurgência popular, cujo fim colimado era o de intervir diretamente no governo, seja para compô-lo ou participar da escolha dos governantes.

Relevante, então, tratar-se da supremacia da vontade popular como o principal aspecto que diferencia as formas de governo analisadas nesta oportunidade, levando em conta o fato de assemelharem-se significativamente quanto aos demais aspectos.

Esta ênfase é dada porque em um Estado Democrático há, inegavelmente, um poder político, que, todavia, sempre deve ser subordinado à soberania popular, ao contrário do Estado de Direito, no qual o poder político é limitado apenas às leis.

Dada a similitude na maioria dos aspectos, tendo o Estado Democrático, porém, conceito mais amplo em relação ao Estado de Direito, tangível é a conclusão deste haver sido incorporado por aquele.

Nesse sentido, Slaibi Filho (1993) expõe que "a Constituição é, talvez, redundante, no emprego da expressão ‘Estado Democrático de Direito’, porque já estão indissociáveis as idéias de prévia regulamentação legal e democracia [03]".

Este posicionamento configura crítica ao texto utilizado no primeiro artigo da Carta Magna, cujo teor dispõe que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito [04].

O Estado Democrático de Direito, no dizer de Barile (2004), "significa a exigência de reger-se por normas democráticas, com eleições livres, periódicas e pelo povo, bem como o respeito das autoridades públicas aos direitos e garantias fundamentais [05]".

No Brasil aplicam-se, então, as características do Estado Democrático, acrescidas às do Estado de Direito, resultando em uma forma de estrutura organizacional em que o poder político sempre está subordinado à soberania popular, decorrente da participação dos cidadãos no governo.

1.1.- O SISTEMA DE TRIPARTIÇÃO DOS PODERES

Com o êxito dos movimentos revolucionários do século XVIII, que trouxeram à tona a concepção de Estado Democrático de Direito, os cidadãos sentiram-se fortalecidos para continuar pleiteando a formação de uma sociedade mais justa e igualitária.

Assim, impulsionada pelos pensamentos da classe burguesa, a qual apresentava significativo crescimento em tal momento histórico, a população adotou o entendimento de que o Estado deveria intervir cada vez menos na vida individual.

Os Estados eram estruturados sob a forma de propiciar aos governantes a concentração das funções legislativa e executiva. Entretanto, tal sistema possibilitava a prática de condutas arbitrárias e tirânicas pelo detentor do poder, que criava as regras e as executava da forma que lhe era mais conveniente.

Imbuídos do espírito de enfraquecimento estatal, os cidadãos buscaram a modificação do sistema de estruturação do poder. Para tanto, sustentaram a aplicação do modelo sugerido por Monstequieu, na obra "De L’Esprit des Lois".

De acordo com esta concepção, todo o Estado deveria ser estruturado em poderes, cada um sendo comandado por pessoas diversas, porque "tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes [06]".

Os três poderes, aos quais o último excerto faz referência, são do de criar leis; o de executá-las; e o julgar e punir o conflito entre os indivíduos, atualmente denominados de Legislativo, Executivo e Judiciário, respectivamente.

Tamanha foi a aceitação dessa concepção, que constou no parágrafo quinto da Declaração de Direitos da Virgínia [07], datado de 1776, e no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão [08], aprovada pela França em 1789.

Hodiernamente, a separação dos poderes traduz-se como um verdadeiro princípio. Nesse sentido, Silva (2004) expôs que "esse é um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição inscreve como um dos princípios fundamentais que ela adota [09]".

O Brasil, corroborando com a viabilidade de tal sistema de estruturação dos poderes, consagrou no artigo 2º de sua Carta Magna que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Analisando esta disposição, extrai-se a conclusão de haver imperiosa necessidade de harmonia entre os três poderes, apesar de serem independentes no exercício de suas funções.

A independência é definida pelo fato das pessoas poderem ser investidas, em suas funções, em um poder independente da vontade de outro; de cada servidor de um poder exercer suas atividades sem consultar ou requerer autorização de outro, atuante em poder diverso; e a liberdade na atuação dos poderes, devendo obediência tão somente à Constituição e Leis.

A harmonia, por outro lado, traduz-se no respeito, por um Poder, às atribuições e prerrogativas de outro, não invadindo sua esfera de competência, devidamente estabelecida e resguardada pela Constituição.

Sabido isto, é de extrema relevância ser ressaltado que a independência e harmonia entre os Poderes, aliado ao fato da inexistência de ordem hierárquica, caracteriza o chamado sistema de freios e contrapesos, garantindo a coexistência não conflituosa entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

1.2– A POSSIBILIDADE DOS PODERES EXERCEREM FUNÇÕES TÍPICAS E ATÍPICAS

Em conformidade com o exposto alhures, depreende-se que o sistema de tripartição dos poderes tem como ponto fulcral propiciar aos Estados razoável estruturação interna, possibilitando-os alcançar, da melhor maneira, seu fim colimado, qual seja organizar a sociedade.

Os poderes foram criados como instrumento para o Estado exercer as funções a ele inerentes. Para corroborar com o exposto, indispensável se faz a transcrição da lição formulada por Silva (2004) [10]:

"O governo é, então, o conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressada e realizada, ou o conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício das funções do poder político. Este se manifesta mediante suas funções que são exercidas e cumpridas pelos órgãos de governo. Vale dizer, portanto, que o poder político, uno, indivisível e indelegável, se desdobra e se compõe de várias funções, fato que permite falar em distinção das funções, que fundamentalmente são três: a legislativa, a executiva e a jurisdicional".

Óbvia, então, é a conclusão de que os poderes estão intimamente ligados às funções a eles atribuídas, devendo cumpri-las nos moldes previstos pela Constituição, que minuciosamente discrimina suas atribuições e prerrogativas.

Em que pese isto, deve ser esclarecido que as funções sobre as quais se trata nesta oportunidade podem ser exercidas pelos poderes de maneira típica ou atípica.

Cada poder possui sua função predominante. Ocorre que, para haver satisfatória estruturação interna e atendimento aos interesses sociais, os poderes têm a capacidade de exercer, também, outras funções, que não as tipicamente a ele inerentes.

Quando agem dessa forma, ao contrário da conclusão que se poderia alcançar, não estão violando o sistema de separação de poderes através da usurpação de competência. Nesse caso, está sendo consagrada a harmonia entre eles, corolário do aludido modelo de estruturação estatal.

Nessa acepção, segue transcrita a definição formulada por Alexandre de Moraes (2005) [11] sobre funções típicas e atípicas. Senão vejamos:

"A Constituição Federal consagrou em seu art. 2º a tradicional tripartição de Poderes, ao afirmar que são Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Com base nessa proclamação solene, o próprio legislador constituinte atribuiu diversas funções a todos os Poderes, sem, contudo caracterizá-la com a exclusividade absoluta. Assim, cada um dos Poderes possui uma função predominante, que o caracteriza como detentor de parcela da soberania estatal, além de outras funções previstas no texto constitucional. São as chamadas funções típicas e atípicas".

A função legislativa, exercida tipicamente pelo Poder Legislativo, consiste na elaboração de leis, observadas todas as normas constitucionais referentes ao processo legislativo, bem como a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo, conforme está disposto no art. 70 da Constituição Brasileira [12].

No que tange ao Poder Judiciário, deve ser salientado que este predominantemente executa a chamada função jurisdicional. Assim sendo, lhe cabe a administração da Justiça, atuando na solução de conflitos individuais, além de zelar pelas garantias constitucionais, assegurando, principalmente, a aplicabilidade dos princípios da legalidade e igualdade.

A função executiva, por sua vez, é exercida predominantemente pelo Poder Executivo e se caracteriza pela administração da coisa pública. Nesse cenário, apenas à guisa de esclarecimento, faz-se a observação de que o termo república tem origem a partir da união das expressões res (coisa) e pública.

Como se constata, apesar de um poder exercer tipicamente uma função, tal fato não implica em afirmar que está vedado a exercer outra, podendo, perfeitamente, exercê-la de maneira atípica, eis que cada poder não exerce exclusivamente uma função.

1.3.– O PODER EXECUTIVO E O EXERCÍCIO ATÍPICO DA FUNÇÃO JURISDICIONAL

Dúvidas não restam quanto ao fato de que o Poder Executivo exerce tipicamente a função de administração da república, praticando atos de chefia de Estado, de governo e administrativos.

Deve ser ressaltado, todavia, que em obediência ao princípio dos freios e contrapesos, decorrente da harmonia e independência dos poderes, prevista na Carta Magna brasileira, ao Executivo é facultado o exercício atípico de outras funções.

Ao discorrer sobre esse tema, Moraes (2005) salientou que "o Executivo, portanto, além de administrar a coisa pública (função típica), de onde deriva o nome república (res publica), também legisla (art. 62 – Medidas Provisórias) e julga (contencioso administrativo), no exercício de suas funções atípicas [13]".

As medidas provisórias caracterizam-se por serem instrumentos normativos utilizados em situações de urgência e relevância, quando o chefe do Executivo (Presidente da República) as edita, dando a elas a natureza jurídica de lei, enquanto produzirem efeitos.

Limita-se a tais afirmações sobre as medidas provisórias, já que não configuram objeto relevante ao desenvolvimento deste trabalho, esclarecendo-se, tão somente, o fato de tais atos normativos configurarem exemplo adequado de exercício atípico da função legislativa pelo Poder Executivo.

No que tange ao contencioso administrativo, meio através do qual o Poder Executivo exerce atipicamente a função jurisdicional, aprofundada análise merece ser feita, com o objetivo de subsidiar a melhor compreensão do conteúdo que será apresentado posteriormente.

O contencioso administrativo é exercido através da instauração de um processo (ou procedimento), cujo objetivo consiste em dirimir conflitos entre a administração pública e os administrativos no âmbito interno do próprio Poder Executivo.

Para Bandeira de Mello (2008), "procedimento administrativo ou processo administrativo é uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo [14]".

O processo administrativo, meio através do qual o Poder Executivo exerce a função atípica jurisdicional, detém previsão legal [15], sempre a ser seguida pelos servidores públicos, dado ao fato da atividade por esses exercida ser vinculada ao disposto na legislação.

Isto ocorre em decorrência do processo administrativo ser um forte instrumento utilizado pelos administrados para resguardar ou pleitear direitos previstos expressamente no ordenamento jurídico que estiverem sendo violados ou ignorados pela Administração Pública.

O processo administrativo, como gênero que é, comporta divisões em algumas espécies, as quais, por serem dotadas de características próprias, obedecem, inclusive, normas jurídicas específicas, possibilitando o alcance mais satisfatório de seu objetivo.

Meirelles (2003) aduziu que "o processo administrativo é gênero, que se reparte em várias espécies, dentre as quais as mais frequentes apresentam-se no processo disciplinar e no processo tributário ou fiscal [16]".

Independente da espécie, o objetivo do processo administrativo é oferecer aos administrados a solução extrajudicial dos conflitos que envolvam a Administração Pública como interessada, de forma justa e adequada, atendendo, assim, aos mecanismos inerentes ao Estado Democrático de Direito.

Este é o motivo responsável pela criação de normas expressas que regulamentam o desenvolvimento do processo administrativo, bem como a criação dos princípios (sobre os quais se discorrerá em momento oportuno) que sempre devem ser observados e aplicados em seu trâmite.

Se a Administração está revestida, ainda que atipicamente, da função jurisdicional, deve primar pela aplicação de todas as disposições consagradas na Constituição Federal e nas leis processuais para o satisfatório desenvolvimento de tal mister.

Caracterizado está, pelo aqui exposto, o exercício pelo Poder Executivo da função jurisdicional, bem como as razões pelas quais deve agir com zelo e probidade quando estiver agindo com esta finalidade.


CAPÍTULO 2 - O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Impende esclarecer, prefacialmente, que o termo processo pode ser explicado como meio utilizado por litigantes para submeter o conflito de seus interesses à análise de um julgador imparcial, incumbido da função de determinar a quem o direito assiste em cada demanda.

O processo, portanto, não constitui um fim em si mesmo, servindo apenas como instrumento para a aplicação das normas vigentes aos casos concretos.

Além disso, tem-se como função precípua do processo a busca pela pacificação social, seja evitando a ocorrência de conflitos, seja eliminando-os, quando impossível obstar seu surgimento.

Cintra, Dinamarco e Grinover (2005) [17] trataram desse aspecto de maneira louvável, conforme se constata da análise do trecho transcrito a seguir:

"Falar em instrumentalidade do processo, pois, não é falar somente nas suas ligações com a lei material. O Estado é responsável pelo bem-estar da sociedade e dos indivíduos que a compõem: e, estando o bem-estar social turbado pela existência de conflitos entre pessoas, ele se vale do sistema processual para, eliminando os conflitos, devolver, devolver à sociedade a paz desejada. O processo é uma realidade desse mundo social, legitimada por ter ordens de objetivos que através dele e mediante o exercício da jurisdição o Estado persegue: sociais, políticos e jurídico. A consciência dos escopos da jurisdição e sobretudo do seu escopo social magno da pacificação social constitui fator importante para a compreensão da instrumentalidade do processo, em sua conceituação e endereçamento social e político".

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nessa esteira de raciocínio denota-se a acentuada importância do processo no ordenamento jurídico brasileiro, pois serve como instrumento para garantir todas as prerrogativas das partes envolvidas em litígios, possibilitando sua justa e adequada solução.

No momento em que o Poder Judiciário estiver exercendo sua função típica, qual seja a jurisdicional, o processo (judicial) será o instrumento para solucionar os conflitos e dar efetividade às decisões proferidas.

Não se deve olvidar que o Poder Executivo poderá, ainda que atipicamente, exercer a função jurisdicional. Neste caso, o processo (administrativo) será o instrumento utilizado para a obtenção de um ato final capaz de decidir a demanda.

Como o objetivo deste trabalho está relacionado especificamente ao processo administrativo, guardando escassas conexões com o processo judicial, será dado enfoque ao primeiro com a finalidade de propiciar melhor compreensão do tema a ser discorrido.

Para Di Pietro (2004), o processo administrativo é conceituado como "uma sucessão de atos preparatórios que devem obrigatoriamente preceder a prática do ato final [19]".

Esclarece-se, por oportuno, a adoção da terminologia "processo administrativo" em detrimento da expressão "procedimento administrativo" por estar sedimentado pela doutrina [20] que este está contido naquele, cuja abrangência é maior.

Fora discorrido que o processo é um instrumento utilizado na busca da paz social, eliminando os conflitos já existentes e prevenindo o surgimento de novos. Para tratar das nuances do processo administrativo tributário é de indispensável valia fazer alguns esclarecimentos.

Ao contrário da conclusão passível de ser alcançada em apressada análise, a relação entre a Administração Pública (Estado) e administrado (contribuinte) é jurídica, e não de poder do primeiro em relação ao segundo.

O Estado é responsável pela instituição e cobrança dos tributos, sendo considerado como sujeito ativo da relação jurídica tributária desenvolvida com o contribuinte, sujeito passivo, detentor do dever de cumprir as obrigações (principais e acessórias) impostas por lei.

Machado (2004) [21] já fez uma abordagem no que tange ao tema ora tratado. Leia-se o excerto a seguir colacionado:

"Importante, porém, é observar que a relação de tributação não é simples relação de poder, como alguns têm pretendido que seja. É relação jurídica, embora o seu fundamento seja a soberania do Estado.

"Nos dias atuais, entretanto, já não é razoável admitir-se a relação tributária como relação de poder, e por isto mesmo devem ser rechaçadas as teses autoritaristas".

A partir do exposto, observa-se a existência de vários instrumentos considerados como meios hábeis a propiciar ao contribuinte a garantia de não ser compelido a efetuar recolhimentos tributários indevidos, decorrentes de práticas arbitrárias do Estado.

Uma das limitações ao poder arrecadatório do Estado, que configura garantia essencial ao contribuinte, diz respeito à impossibilidade de cobrança de tributo cuja instituição não haja sido feita por lei. Nesse sentido, dispõe o artigo 3º do Código Tributário Nacional:

"Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada".

Tal situação consagra o princípio da legalidade, cujo corolário é caracterizar o tributo como obrigação "ex lege", ou seja, sempre decorrente de lei, para ser considerado como válido e exigível.

A argumentação expendida nos parágrafos anteriores tem a finalidade de desmistificar qual é a efetiva relação entre Estado e contribuinte, não deixando margem a dúvidas acerca do liame capaz de vinculá-los, qual seja o jurídico, e não o de poder.

Em que pese isto, algumas vezes agentes públicos, no exercício de suas funções, praticam condutas totalmente dissonantes às previstas na Constituição Federal e leis esparsas, caracterizando tentativas de conversão da relação jurídica em relação de poder.

Frente a situações como esta, criou-se o chamado processo administrativo tributário, meio utilizado pelo contribuinte para discutir, no âmbito interno da própria Administração Pública, a validade da exação cujo pagamento está sendo a ele imposto.

Nesse sentido, aliás, de indispensável valia se faz a menção da importância do processo administrativo a partir da análise dos apontamentos formulados por Marins (2005) [22], senão vejamos:

"No âmbito fiscal, direciona-se o procedimento e o Processo Administrativo para o delicado campo da autotutela tributária do Estado em que se afigura como mero exercício de estritas prerrogativas legais de praticar o ato impositivo (lançamento), retirá-lo ou emendá-lo (prerrogativas denominadas ora de ‘poderes’ ora de ‘potestades’) com a finalidade de realizar a apuração e a arrecadação tributária".

Como instrumento importante que é, o processo administrativo tributário já foi objeto de definição por inúmeros doutrinadores, dentre eles Machado (2004) [23], cujo conceito segue:

"... a expressão processo administrativo fiscal pode ser usada em sentido amplo e em sentido restrito. Em sentido amplo, tal expressão designa o conjunto de atos administrativos tendentes ao reconhecimento, pela autoridade competente, de uma situação jurídica pertinente à relação fisco-contribuinte. Em sentido estrito, a expressão processo administrativo fiscal designa a espécie do processo administrativo destinada à determinação e exigência de crédito tributário".

O processo administrativo tributário mostra-se, então, um meio costumeiramente utilizado com o objetivo de buscar a pacificação e harmonia da relação jurídica de tributação, firmada entre o Estado, na condição de sujeito ativo, e contribuinte, que é o sujeito passivo.

2.1.– EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Analisando-se o texto constitucional em vigor, depreende-se que o processo administrativo está nele perfeitamente estabelecido, sendo revestido de características e prerrogativas cuja obediência é obrigatória, sob pena de nulidade dos atos praticados irregularmente.

Tal assertiva é feita ponderando o disposto no artigo 5º, incisos LV e XXIV, "a", transcritos:

"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

(...)

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes".

Apesar de, hoje, haver sido nitidamente conferida pela Constituição Federal a garantia da existência de processo administrativo sempre que se verificar conflitos de interesses entre a Administração Pública e administrados, nem sempre se pôde extrair tal conclusão do texto das Cartas Políticas anteriores.

No texto da Constituição Federal de 1967 existia previsão expressa de processo administrativo, especificamente nos artigos 103, II [24] e 138, §1º [25], entretanto, guardava relação apenas com a questão disciplinar, sendo instrumento de imperiosa necessidade quando estivesse sendo apurado o cometido de faltas por servidores públicos e membros do Ministério Público.

Assim, conclui-se que o amplo acesso ao processo administrativo teve previsão constitucional ampla, pela primeira vez, com a promulgação da Constituição Federal, no ano de 1988, pois anteriormente sua forma era absolutamente restrita.

Mesmo antes da promulgação da Carta Magna, quando o processo administrativo tributário carecia de previsão constitucional expressa, este era tido como existente no ordenamento jurídico, constando disposições apenas em legislações esparsas.

O Código Tributário Nacional, datado de 1966, contém em seu bojo referências expressas acerca da existência de processo administrativo tributário, de onde se extrai que é indispensável sua instauração para a constituição válida do crédito tributário.

Tal afirmação pode ser ilustrada a partir da análise do texto contido nos artigos 151, III [26] e 159, IX [27] do diploma legal supramencionado, onde é nítida a admissão do processo administrativo como instrumento para o contribuinte manifestar sua irresignação quanto ao lançamento efetuado pelo Estado.

Além disso, antes da promulgação da Constituição Federal ora em vigor, foi publicado o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, que "dispõe sobre o processo administrativo fiscal e dá outras providências" (Ementa do Decreto nº 70.235/1972).

Na legislação citada no parágrafo anterior estão dispostas todas as normas procedimentais que devem ser obedecidas para o deslinde do processo administrativo tributário no âmbito federal.

Ressalta-se, por oportuno, que neste trabalho será feita exclusivamente a análise do processo administrativo tributário no âmbito federal, afastando-se as esferas estadual e municipal, pois estas colidem entre si em alguns aspectos.

Tamanha foi a importância dada pela Constituição Federal de 1988 ao processo administrativo, que garantiu, inclusive, o seu deslinde em, no mínimo, dois graus de jurisdição, como consta expressamente em seu art. 5º, LV [28].

Todavia, com a inclusão deste dispositivo na Carta Magna, o Poder Constituinte nada mais fez do que ratificar e recepcionar o disposto no art. 33 [29] do Decreto nº 70.235/1972.

Deve ser ressaltado, apenas em sede de esclarecimento, que o segundo grau de jurisdição fiscal no âmbito federal é exercido pelos Conselhos de Contribuintes, paritário em sua composição, ou seja, é formado por representantes do Fisco e dos contribuintes, possibilitando a maior discussão acerca da interpretação da legislação aplicada a cada caso concreto.

Decorrido breve lapso temporal da publicação do Decreto nº 70.235/1972, foi criado o Decreto-lei nº 1.455/76, que, especificamente em seu artigo 27 [30], admite expressamente a existência do processo administrativo fiscal, cuja menção se faz apenas para expor como este historicamente se consolidou.

Como já dito em linhas pretéritas, a Constituição Federal de 1988 veio apenas corroborar a existência do processo administrativo tributário como meio propício a oferecer aos cidadãos maiores garantias de preservação dos seus direitos.

Então, a partir dessa concepção de busca de equilíbrio na relação jurídica entre Estado e contribuinte, o processo administrativo tributário evolui até alcançar a forma com que hoje se apresenta à sociedade, ou seja, como um instrumento hábil a propiciar maior segurança aos administrados sobre a legalidade das decisões proferidas pela Administração Pública em seu âmbito interno.

2.2.– A NATUREZA ADMINISTRATIVA DO LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO

Tratou-se alhures acerca da imperiosa necessidade de publicação de lei para que qualquer tributo seja instituído ou majorado pelo Poder Público. Nesta esteira de raciocínio, depreende-se que toda e qualquer exação imposta ao contribuinte deve, obrigatoriamente, deter previsão legal, sob pena de caracterizar-se como irregular a sua cobrança.

Estão fixadas na legislação, por isso, várias situação abstratas direcionadas à coletividade em geral que, uma vez ocorridas, implicam o nascimento do dever de pagar determinados valores ou praticar e se abster de realizar determinada conduta.

A esse conjunto genérico de normas denomina-se hipótese de incidência, ou, como prefere Carvalho (2000) [31], hipótese tributária, que definiu como "a descrição normativa de um evento que, concretizado no nível das realidades materiais e relatado no antecedente de norma individual e concreta, fará irromper o vínculo abstrato que o legislador estipulou na conseqüência".

Quando ocorre a projeção factual da conduta geral e abstrata prevista na legislação será verificada a ocorrência do fato gerador, instituto este já conceituado por inúmeros doutrinadores, dentre eles Machado (2004), que o fez da seguinte maneira: "a expressão fato gerador diz da ocorrência, no mundo dos fatos, daquilo que está descrito na lei" [32].

Verificada a ocorrência do fato gerador, nasce, de imediato, a obrigação tributária, cuja consequência, dependendo de sua natureza, é a de impor ao contribuinte o pagamento de certa quantia ou determinar a prática ou abstenção de determinada conduta.

Em decorrência do que foi exposto, extrai-se que a obrigação tributária comporta divisões, podendo ser principal ou acessória, caracterizando-se da primeira forma quando houver a obrigação de recolhimento econômico aos cofres públicos, e da segunda forma no momento em que se fizer necessária a prática ou abstenção de certo procedimento.

Esclarece-se, por oportuno e em conformidade com o disposto no art. 113, §3º [33] do Código Tributário Nacional, que a obrigação acessória, quando descumprida, poderá converter-se em principal, todavia, assim ocorrerá apenas em relação à penalidade pecuniária.

Ora, não teria qualquer relevância para o mundo jurídico se as obrigações tributárias nascessem e o Estado não tomasse conhecimento delas. Por esta razão, não mais que óbvia, foi criado o mecanismo do lançamento tributário.

Segundo Torres (2004), lançamento tributário é "ato de aplicação da lei ao caso emergente, na busca da exata adequação entre a realidade e a norma" [34].

Assim como as obrigações tributárias, o lançamento também comporta divisões, podendo ser procedido de ofício, através de declaração, ou, finalmente, por homologação.

Será de ofício o lançamento quando a autoridade fiscalizadora o fizer sem que o contribuinte colabore ou preste qualquer espécie de auxílio à Administração Pública

Estará configurada a modalidade de lançamento por declaração na hipótese do contribuinte ou um terceiro prestar ao Fisco informações indispensáveis para a apuração e cálculo do montante devido a título de tributo.

Por fim, o lançamento por homologação opera-se quando o próprio contribuinte confessa ao Fisco o valor da exação devida, antecipando o pagamento da quantia declarada, enquanto a Administração Pública o analisa para retificá-lo ou ratificá-lo.

Ressalta-se, no entanto, que a autoridade fiscalizadora sempre poderá efetuar o lançamento de ofício, mesmo quando a legislação fixar outra forma, com a única ressalva da exação não haver sido lançada por outra modalidade.

Apesar dos conceitos expostos anteriormente serem distintos entre si, comportam uma semelhança extremamente relevante, qual seja a obrigatoriedade do lançamento tributário ser procedido por um agente administrativo revestido da função fiscalizadora para que seja considerado válido.

Não se cogite que na modalidade de homologação o contribuinte efetue o lançamento. Tal premissa apresenta-se absolutamente equivocada, pois tal ato depende de condição resolutória do Fisco, seja ela expressa (quando for ratificado pela autoridade competente) ou tácita (após haver expirado o prazo fixado em lei para a análise da confissão sem que isto ocorra).

Posiciona-se em sentido contrário, todavia, Carvalho (2000) [35], cujas idéias traduzem-se no sentido de expor a perfeita possibilidade do contribuinte realizar o lançamento tributário, rechaçando o preceito, até então pacificado, que tal ato incumbe unicamente à Administração Pública.

O doutrinador mencionado acima justifica seu entendimento da seguinte forma:

"Deixando entre parênteses as qualificações jurídicas inerentes à autoria, poderíamos mesmo dizer que, em substância, nenhuma diferença existe, como atividade, entre o ato praticado por agente do Poder Público e aquele empreendido pelo particular. Nas duas situações, opera-se a descrição de um acontecimento do mundo físico-social, ocorrido em condições determinadas de espaço e tempo, que guarda estreita consonância com os critérios estabelecidos na hipótese de norma geral e abstrata (regra matriz de incidência). Por isso mesmo, a conseqüência desse enunciado será, por motivo de necessidade deôntica, o surgimento de outro enunciado protocolar, denotativo, com a particularidade de ser relacional, vale dizer, instituidor de uma relação entre dois ou mais sujeitos de direito. Este segundo enunciado, como seqüência lógica, não cronológica, há de manter-se, também, em rígida conformidade ao que for estabelecido nos critérios da conseqüência da norma geral e abstrata (regra matriz) [36]".

Suas idéias, em síntese, estão consubstanciadas no argumento de que o ato homologatório exercitado pela Administração Pública, cuja consequência é extinguir definitivamente o crédito tributário, nada mais é que um ato de fiscalização, o qual, por si só, não corresponde ao ato de lançamento.

Com todo o respeito dispensado ao jurista em comento, afigura-se, entretanto, equivocado seu raciocínio, pois a condição resolutória da qual depende o lançamento por homologação tem o condão de caracterizá-lo como ato tipicamente administrativo, sendo tal sua natureza jurídica.

2.3 – A IMPUGNAÇÃO COMO TERMO INICIAL DA FASE LITIGIOSA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

Tratou-se, nos tópicos anteriores, acerca da indispensabilidade da existência de um processo administrativo para a constituição válida de um crédito tributário passível de ser objeto de Execução Fiscal movida pela Fazenda em desfavor do contribuinte.

Dada a natureza tipicamente administrativa do lançamento, conforme exaustivamente tratado no tópico anterior, quando for imputado ao administrado o pagamento de crédito decorrente de obrigação tributária descumprida, este deverá ser notificado para insurgir-se contra tal ato administrativo, nas formas previamente fixadas na legislação.

Já se ressaltou o fato da ênfase deste trabalho voltar-se para o processo administrativo fiscal no âmbito federal. Assim sendo, sempre que se tratar da cobrança administrativa de créditos tributários cuja competência for da União, o procedimento a ser adotado é o constante no Decreto nº 70.235/1972.

A afirmação de que a impugnação administrativa constitui o termo inicial da fase litigiosa do processo administrativo está consubstanciada no fato do contribuinte, ao tomar ciência da lavratura do Auto de Infração, ser notificado para pagar o valor discriminado ou apresentar defesa no prazo de 30 (trinta) dias, em conformidade com o disposto nos art. 10, V [37] e 11, II [38] do Decreto nº 70.235/1972.

Assim sendo, caso o contribuinte pague o valor alegado pelo Fisco como devido, tal atitude ensejará o encerramento do processo administrativo tributário em decorrência da extinção do crédito tributário, de acordo com previsão do art. 156, I [39] do Código Tributário Nacional.

Ora, quando o contribuinte efetua a quitação do tributo considerado pela Administração Pública como devido, anui tacitamente com sua legalidade, encerrando qualquer espécie de discussão sobre sua validade dentro do Processo Administrativo.

Todavia, com a apresentação de impugnação administrativa pelo contribuinte, inicia-se a fase litigiosa do processo administrativo tributário, pois é através deste instrumento que demonstrará sua irresignação acerca do lançamento efetuado pelo agente administrativo.

Cumpridos os requisitos de admissibilidade da impugnação administrativa, esta será remetida à apreciação da autoridade competente, que poderá requerer novas diligências por parte do auditor fiscal responsável por proceder o lançamento, determinar a realização de perícias ou efetuar o julgamento em primeira instância

Frisa-se, por oportuno, que ao processo administrativo tributário aplica-se a teoria geral da prova, ou seja, o ônus de confirmar o fato alegado é de quem o faz, descaracterizando, assim, a idéia de incumbir sempre ao contribuinte demonstrar ao Fisco a inocorrência do alegado, como alguns imaginam.

Quanto a este aspecto, não diverge Machado (2004) [40], pelo contrário, coaduna com este entendimento, apenas ressalvando que em determinados casos a Administração Pública poderá presumir a ocorrência do fato gerador, cabendo ao contribuinte, nessas situações, demonstrar a inexistência de quantias alegadas pelo Fisco como passíveis de tributação. Vejamos:

"O ônus da prova dos fatos em disputa no procedimento administrativo fiscal não é do contribuinte, como alguns afirmam. O ônus da prova quanto ao fato constitutivo do direito é de quem o alega. Aplica-se a teoria geral da prova, que está consubstanciada nas disposições do Código de Processo Civil. Ocorre que, em face de indícios fortes da existência do fato gerador da obrigação tributária, capazes de autorizar a presunção de tal ocorrência, pode dar-se a inversão do ônus da prova. A não ser em tal circunstância, o ônus de provar a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária é naturalmente do fisco".

Superado este aspecto, deve ser esclarecido que a decisão proferida em primeira instância, quando desfavorável ao contribuinte, poderá ser atacada por Recurso Voluntário, sendo desfavorável ao Fisco, o processo deverá ser remetido ao órgão superior, para reexame da matéria.

O julgamento em segunda instância do processo administrativo tributário no âmbito federal é realizado, conforme brevemente ventilado acima, por um órgão colegiado, denominado de Conselhos de Contribuintes, que detém composição paritária (membros representando Fisco e contribuintes), com o objetivo de garantir, sempre, julgamentos justos e técnicos.

Em casos específicos, a legislação faculta a interposição de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais, que funciona como espécie de terceira instância administrativa, garantindo a ampla defesa do contribuinte no processo administrativo tributário.

Denota-se, assim, que o litígio administrativo, cujo início se dá na apresentação de impugnação, tem um longo percurso, caso todos os recursos cabíveis sejam esgotados pelas partes.

Entretanto, é de extrema relevância tecer alguns comentários acerca da perfeita possibilidade da constituição definitiva do crédito tributário em processo administrativo no qual não seja oportunizado momento para o contribuinte apresentar impugnação administrativa e inaugurar sua fase litigiosa.

Tal situação apresentar-se-á exclusivamente quando se tratar de lançamento feito por homologação, em que o contribuinte apresenta a declaração do valor por ele apurado como devido, mas se abstém de proceder o recolhimento da quantia, ou o faz em montante inferior ao confessado.

A Secretaria de Receita Federal do Brasil, inclusive, publicou em 2 de novembro de 1998 a Instrução Normativa n.º 126, que "institui a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais - DCTF e estabelece normas para a sua apresentação" [41], da qual se compila o disposto no art. 7, §1º para corroborar as alegações expendidas neste ato:

"Art. 7º Todos os valores informados na DCTF serão objeto de procedimento de auditoria interna.

§ 1º Os saldos a pagar relativos a cada imposto ou contribuição, informados na DCTF, serão enviados para inscrição em Dívida Ativa da União, imediatamente após a entrega da DCTF (g/n)".

Este entendimento, ademais, já foi pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça [42], sendo aplicado corriqueiramente nas causas submetidas à apreciação desta Corte.

Observada esta ressalva, nos demais outros casos configura-se indispensável a notificação do sujeito passivo para apresentar impugnação administrativa ao lançamento, caso contrário, incorrer-se-á em cerceamento de direito de defesa, ensejando a nulidade dos atos praticados em desobediência aos princípios da ampla defesa, contraditório e devido processo legal.

2.4 – PRINCÍPIOS INERENTES AO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO

A terminologia princípio, mesmo despida de qualquer significado jurídico, traduz a idéia de origem, base. Assim sendo, quando nos deparamos com esta acepção, a entendemos como o momento em que algo iniciou ou a partir do qual teve origem.

Não é diferente o conceito de tal expressão quando utilizada dentro do ordenamento jurídico, pois denota um ponto de partida para a elaboração de normas e a determinação de prática ou abstenção de algum ato, seja por parte do Poder Judiciário ou Executivo.

Esta abordagem ora procedida coaduna ao entendimento de Carrazza (2005) [43], conforme se depreende da análise do excerto transcrito abaixo:

"Por igual modo, em qualquer Ciência, princípio é começo, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. Nesta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema".

Os princípios, portanto, estão revestidos de um papel preponderante perante a sociedade, porque exercem a condição de garantir aos cidadãos a segurança jurídica [44], instrumento de observância obrigatória em qualquer Estado Democrático de Direito.

Pelo fato de servirem como guia para a elaboração legislativa, bem como à pratica de atos administrativos e civis, os princípios são utilizados em todos os ramos do Direito, servindo como mais um meio de controle das condutas praticadas por cidadãos comuns ou agentes da Administração Pública.

Após este breve intróito, deve ser exposto que o Processo Administrativo Tributário está revestido de uma série de princípios, cujo objetivo é o de assegurar a observância das garantias neles implícitas, propiciando aos contribuintes um julgamento justo por parte do Poder Executivo, dentre outros aspectos.

Nesta esteira de raciocínio, Marins (2005) [45] consideram inerentes ao Processo Administrativo Tributário/Fiscal os seguintes: legalidade objetiva, vinculação, oficialidade, verdade material, dever de investigação, dever de colaboração, inquisitoriedade, cientificação, acessibilidade aos autos, formalismo moderado, fundamentação, celeridade, gratuidade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa, ampla competência decisória, ampla instrução probatória, duplo grau de cognição e do julgador competente.

Neste estudo, todavia, nem todos os princípios mencionados ao norte serão abordados. Não por serem menos importantes, mas simplesmente pelo fato de restringir-se ao tratamento daqueles que guardam maiores relações com o tema desta monografia.

O princípio da verdade material consiste no dever, inerente ao Fisco, de diligenciar para apurar a efetiva realidade da situação que é objeto de discussão no contencioso administrativo, com o escopo de, a partir dela, verificar a ocorrência ou não de descumprimento às obrigações principais e/ou acessórias.

Traduz, então, uma garantia aos contribuintes de que serão praticados pela Administração Pública todos os atos necessários para a constatação da efetiva realidade fática ocorrida, ou, ao menos, aproximar-se bastante do acontecimento sobre o qual recai a controvérsia.

Este princípio opõe-se à verdade formal, utilizada nos processos judiciais, em que as provas são ônus das partes, e, caso não produzidas no momento adequado, sofrem os efeitos da preclusão. A justificativa para a adoção deste modelo no contencioso jurisdicional é garantir segurança jurídica aos litigantes.

Outro princípio sobre o qual se trata é o da fundamentação, cujo corolário é a absoluta necessidade dos atos administrativos praticados estarem fundamentados expressamente em dispositivos constantes na legislação.

Tal garantia encontra, inclusive, previsão legal no art. 2º, VII da Lei nº 9.784/1999 [46], ratificando a sua indispensabilidade para a conclusão regular do processo administrativo tributário, bem como o dever de vinculação dos atos administrativos às normas vigentes.

Salienta-se que o princípio em comento relaciona-se sobremaneira com outro, qual seja o da motivação, consagrado no art. 93, X da Carta Magna Brasileira [47], cuja ordem é impedir a discricionariedade na conduta dos agentes públicos, rechaçando a possibilidade de agirem em conformidade com seus próprios juízos de conveniência e oportunidade.

Além disso, deve ser exposto que, segundo o princípio da vinculação, todo ato ou procedimento administrativo deve estar revestido de prévia capitulação legal, ficando o agente administrativo impossibilitado de agir sem embasar sua conduta em algum diploma legislativo.

A idéia de vinculação, inclusive, configura-se como antônimo de discricionariedade, como bem observou Marins (2005) [48], senão vejamos:

"Ato vinculado é o oposto de ato discricionário, naquele deve haver estrita correspondência entre o coando da norma ao administrador e o ato praticado e neste a nora jurídica confere ao agente a faculdade de escolher subjetivamente os caminhos possíveis abertos pela norma".

Abordou-se alhures, de maneira breve e superficial, acerca da garantia consagrada pela Constituição Brasileira (art. 5º, LV) no sentido de propiciar no bojo do processo administrativo o julgamento em, no mínimo, duas instâncias, sendo a segunda hierarquicamente superior à primeira.

Esta idéia corresponde ao princípio do duplo grau de cognição, que também traz consigo a busca pela qualidade da decisão administrativa, inclusive porque, como já mencionado, os órgãos de instância administrativa superior são compostos, de maneira paritária, por membros representantes do Fisco e dos contribuintes.

Além destes, faz-se necessário tratar, também, do princípio da ampla defesa, cujo objetivo é assegurar ao contribuinte o direito de apresentar e ver conhecidos todos os argumentos suscitados à Administração Pública, acrescido da possibilidade de produzir todas as provas que julgar necessárias para dar sustentáculo às suas alegações.

Ora, a ampla defesa do contribuinte pode ser exercida de inúmeras formas, dentre as quais se menciona a apresentação de impugnação, recursos, manifestações a diligências, requerimento de provas periciais, documentais e realização de sustentação oral.

O princípio do contraditório, por sua vez, está intimamente ligado à ampla defesa, pois também constitui um mecanismo cujo objetivo é propiciar igualdade de condições entre o contribuinte e o Fisco no decorrer do processo administrativo tributário.

A garantia intrínseca a ele diz respeito à faculdade atribuída ao sujeito passivo de manifestação sobre qualquer ato ou informação produzida pelo Poder Executivo nos autos do processo administrativo tributário no qual exerce a condição de interessado.

Tão grande é a relação entre os princípios do contraditório e ampla defesa que são tratados no mesmo dispositivo constitucional, qual seja o art. 5º, LV, onde consta que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (g/n)".

Por fim, dentre os princípios selecionados para abordagem neste estudo, o princípio do devido processo legal afigura-se como uma das maiores garantias atribuídas pela Carta Magna brasileira aos cidadãos, sendo também tradicionalmente conhecida como cláusula do due process of law.

O princípio em comento comporta duas divisões, a substancial e a processual. Marins (2005) [49] abordou-as da forma compilada abaixo:

"Em sua vertente substantiva a cláusula do devido processo legal compreende os postulados de direito material, como, no Direito Tributário por exemplo, as garantias concernentes ao princípio da legalidade, princípio da isonomia, princípio da capacidade contributiva, princípio da anterioridade, princípio do não-confisco etc.

Em seu sentido estritamente processual (procedural due process), o princípio do devido processo legal expressa as garantias elementares das quais derivam inumeráveis princípios de processo, seja administrativo ou judicial, pois, como ensinam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ‘O tipo de processo (civil, penal ou administrativo) é que determina a forma e o conteúdo da incidência do princípio’".

O devido processo legal, em decorrência de sua importância e imprescindibilidade, foi objeto de definição formulada pelo doutrinador Moraes (2005) [50], que o fez da seguinte forma:

"O devido processo legal configura dupla proteção ao indivíduo, atuando tanto no âmbito material de proteção ao direito de liberdade, quanto no âmbito formal, ao assegurar-lhe paridade total de condições com o Estado-persecutor e plenitude de defesa (direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, de produção ampla de provas, de ser processado e julgado pelo juiz competente, aos recursos, à decisão imutável, à revisão criminal)".

Da análise dos trechos colacionados ao norte, extrai-se a conclusão de que sendo o contribuinte impedido de praticar algum dos atos a ele atribuídos como de direito pela Constituição Federal ou pelas leis esparsas, a conduta da Administração Pública estará eivada de irregularidade, ensejando a nulidade dos atos posteriores ao vício constatado.

Tal efeito, frisa-se, é aplicável não apenas quando nos deparamos com violação ao princípio do devido processo legal, mas a todos os princípios, sejam os discorridos alhures ou aqueles somente mencionados como inerentes ao Processo Administrativo Fiscal/Tributário.

Daí advém, também, a conclusão acerca da extremada relevância da existência dos princípios no ordenamento jurídico vigente em nosso país, pois se traduzem em consolidadas garantias de proteção aos direitos dos administrados em relação ao Ente tributante.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Gustavo Coelho Cavaleiro de Macedo Pereira

Advogado. Pós-Graduando em Direito Tributário pela FGV.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Gustavo Coelho Cavaleiro Macedo. Possibilidade de revisão pelo Judiciário das decisões finais contrárias à Administração proferidas no processo administrativo tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2149, 20 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12909. Acesso em: 18 abr. 2024.

Mais informações

Título original: "Análise da possibilidade de revisão pelo Poder Judiciário das decisões finais contrárias à Administração Pública proferidas no processo administrativo tributário".

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos