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Sobre o caráter provisório da execução embargada de título extrajudicial

08/06/2009 às 00:00
Leia nesta página:

1.Título executivo e amplitude da defesa do devedor

A execução de título extrajudicial diferencia-se daquela fundada em título judicial, sobretudo, quanto à amplitude da defesa do executado. Sendo o título extrajudicial um papel cujo conteúdo não está imune à jurisdição (ao contrário do que se passa com uma sentença judicial transitada em julgado, que é praticamente inatacável, em razão mesmo da eficácia preclusiva da coisa julgada), é natural que um processo executivo fundado nesse tipo de documento esteja mais vulnerável à atividade defensiva do devedor, que poderá valer-se de qualquer matéria que poderia alegar na contestação de uma ação cognitiva (CPC, art. 745, V).


2.Execução de título instável: a execução provisória

A legislação processual sempre procurou cercar o devedor de garantias adicionais quando a execução está lastreada em um título instável, tendo em consideração a probabilidade de reversão do conteúdo desse título em desfavor do credor. O instituto da execução provisória foi concebido precisamente com o objetivo de conjugar, de maneira apropriada, os interesses de um credor que tem um título judicial ainda não acobertado pelo manto da coisa julgada e os de um devedor sujeito à execução calcada nesse tipo de título. Do ponto de vista prático, por meio da execução provisória, admite-se que o credor adiante certos procedimentos tendentes a satisfazer seu crédito, mas se veda que a atividade executiva seja levada até seu termo (especialmente em caso de haver necessidade de expropriação de bens do devedor ou levantamento de dinheiro), enquanto ainda pende alguma defesa do devedor.

Sob esse aspecto, a execução fundada em título extrajudicial sempre causou celeuma quanto à sua natureza, se definitiva ou provisória.

Alcides de Mendonça Lima, sob a redação original do Código, explicava o motivo pelo qual a execução desse tipo de título era definitiva:

"O título extrajudicial, porém, não aguarda nenhum ato após sua constituição para ser executado por um modo ou por outro. Ele vale por si mesmo, independentemente de qualquer ato posterior, salvo, é evidente, a realização de condição a que estiver sujeito ou a ocorrência de termo que deva se verificar. Mas, normalmente, atingida a situação de ser executado (correspondendo à publicação da sentença com intimação das partes), ele não carece de qualquer ato para dar-lhe eficácia ou determinar o modo desta eficácia (como ocorre com a sentença). Se, portanto, nenhum ato posterior ao momento em que se torna exigível se faz necessário, que possa tornar a execução provisória (que é uma forma de ser condicional), é porque somente poderá ser definitiva, ao contrário da sentença que está sujeita às duas alternativas, conforme o que possa acontecer posteriormente ao momento em que passou a ter eficácia."

O credor, munido de título extrajudicial e forte em sua presunção de legitimidade, de fato não pede execução provisória, mas sim definitiva. Sucede que se o devedor vier a opor embargos, o título fica submetido à instabilidade própria de qualquer pretensão sub judice (e, como dito acima, o devedor pode alegar qualquer matéria de defesa, donde a probabilidade de reversão ser razoavelmente grande). Na sistemática anterior à Lei 11.382/06, rejeitados que fossem os embargos, mesmo que houvesse apelação, a execução poderia continuar, visto que a apelação somente deveria ser recebida no efeito devolutivo (CPC, art. 520, V c/c art. 521). Discutia-se se ela continuaria em caráter provisório ou definitivo. O Superior Tribunal de Justiça, após muita discussão, acabou por decidir-se pelo caráter definitivo da execução nesse caso (Súmula 317/STJ – "É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos"). O argumento central dessa tese arrimava-se no fato de que, em semelhante hipótese, o que se estava executando era o título extrajudicial, não a sentença dos embargos (esta, sim, pendente do julgamento de recurso sem efeito suspensivo), daí não fazer sentido a execução provisória, reservada para títulos judiciais ainda não recobertos pela autoridade da coisa julgada— o que não fica suspenso com a interposição de apelação contra a sentença que rejeita os embargos do devedor, por força da regra do art. 520, V, CPC, dizia-se, é o efeito desta sentença — cuja natureza, aliás, é declaratória — coisa que em nada esmaece a eficácia executiva do título extrajudicial.

Adriano Perácio de Paula, a partir de premissas semelhantes, extrai conclusão diametralmente oposta. Segundo esse autor, como o efeito suspensivo dos embargos não se confunde ou sequer se relaciona com o efeito suspensivo da apelação, a interposição desta em nada afeta a eficácia suspensiva dos embargos, que se projeta sobre o procedimento executivo enquanto pender os embargos de julgamento definitivo. Assim, ainda segundo esse autor, o que poderia ser objeto de "execução provisória" seria a sentença contra a qual foi interposta apelação sem efeito suspensivo (no caso a sentença que rejeita os embargos). Difícil é imaginar, excetuado o capítulo referente à sucumbência, o que se poderia executar com base numa sentença declaratória negativa

O que o legislador quis dizer, seguramente, foi que a eficácia declaratória negativa da sentença dos embargos autoriza desde logo que se ponham em prática os atos executivos, afastado o efeito suspensivo dos embargos. Quando se relaciona o efeito suspensivo da apelação com o dos embargos, evidentemente não se os equipara. O que se quer dizer é que a rejeição dos embargos por meio da sentença recrudesce a presunção de legitimidade e higidez do título executivo, restando ilógico e desproporcional conferir ao devedor imunidade contra a atividade executiva (efeito suspensivo dos embargos), quando dois atos jurídicos com presunção de legitimidade (título executivo e sentença de rejeição dos embargos) já reconheceram a correção do crédito. A falta de efeito suspensivo à apelação contra a sentença de rejeição dos embargos, portanto, teria sido uma maneira eloqüente, embora tecnicamente imperfeita, de que o legislador se utilizou para afirmar a possibilidade de continuação da atividade executiva. Como se pode constatar a partir dos precedentes que deram origem à Súmula 331 do STJ ("A apelação interposta contra sentença que julga embargos à arrematação tem efeito meramente devolutivo"), tem sido esse o entendimento da jurisprudência, e é nesse aspecto que os dois "efeitos suspensivos" interagem.

Mas não se pode negar que o título extrajudicial, nessa circunstância, apresenta uma instabilidade semelhante, se não maior, que a de uma sentença submetida a recurso, por isso a aplicação analógica da execução provisória mostra-se como uma solução também plausível, mas não a mais conveniente, já que privilegia demasiadamente o devedor.

A se considerar provisória a execução do título extrajudicial embargado, fica a pergunta: em que, então, um título extrajudicial favorece o credor? Aguardar o trânsito em julgado da sentença dos embargos para ver satisfeito o direito é, em tudo e por tudo, como aguardar o trânsito em julgado de uma ação de conhecimento. Logo, o título extrajudicial funcionaria praticamente como apenas um documento comprobatório de crédito, sem vantagem apreciável para o credor, exceto a "segurança do juízo" que o devedor está obrigado a fazer.


3.A execução de título extrajudicial após a Lei 11.382/06

A Lei 11.382/06 procurou aperfeiçoar a solução legislativa para esse assunto. O art. 587 do CPC passou a ter a seguinte redação:

"Art. 587.  É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739). (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006)."

Ou seja: a execução de título extrajudicial continua sendo, a princípio, sempre definitiva, conforme o entendimento consagrado na Súmula 317 do STJ. Se houver embargos e lhes for atribuído efeito suspensivo, a execução deve parar (CPC, art. 791); uma vez julgados improcedentes esses embargos, o efeito suspensivo a eles atribuído naturalmente cessa, mas a execução somente continuará como provisória. Acresce que o efeito suspensivo aos embargos não é mais automático e somente poderá ser atribuído ope judicis, a requerimento do embargante, quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes (CPC, art. 739-A, §1º, e não art. 739, como faz crer a remissão erroneamente feita pelo novo art. 587).

E mais: a) a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram; b) quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante; e c) a concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante (CPC, art. 739-A, §§2º, 3º e 4º).

Em suma, a execução de título extrajudicial hoje tanto pode ser definitiva (se não houver embargos ou estes não tiverem efeito suspensivo), como provisória (se os embargos com efeito suspensivo forem rejeitados). A novidade fica por conta da possibilidade de embargos sem efeito suspensivo, que não existiam na sistemática anterior. Isso foi um avanço. Em compensação, a atribuição do caráter provisório à execução de título extrajudicial submetida a apelação contra sentença que rejeitou embargos com efeito suspensivo foi um retrocesso e fez caducar, parcialmente, a Súmula 317 do STJ. Melhor seria que tivesse simplesmente havido a consagração legislativa desse enunciado do STJ, deixando as situações de excepcional risco para o devedor serem resolvidas, caso a caso, mediante a concessão de tutelas de urgência, se necessário até na via extraordinária, conforme sugere muito apropriadamente o Ministro Teori Zawascki.


4.A execução provisória após a Lei 11.382/06 e sua aplicação analógica à execução de título extrajudicial

É fato que a Lei 11.382/06 procurou, de outra parte, reforçar a eficácia da execução provisória de sentença (rigorosamente, por fidelidade terminológica, dever-se-ia falar em "cumprimento provisório de sentença") e isso, em certo sentido, compensou a timidez da atribuição de caráter provisório à execução embargada de título extrajudicial.

Com efeito, como não há no Código disciplina específica para a execução provisória de título extrajudicial, é de aplicarem-se para esses casos, por analogia, as regras da execução provisória de sentença, previstas no art. 475-O do CPC, por isso mesmo que o aperfeiçoamento dessas regras reduziu um pouco os efeitos negativos da atribuição de caráter provisório à execução de título extrajudicial embargado. Eis o art. 475-O, verbis:

"Art. 475-O. A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 1º No caso do inciso II do caput deste artigo, se a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 2º A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

§ 3º Ao requerer a execução provisória, o exeqüente instruirá a petição com cópias autenticadas das seguintes peças do processo, podendo o advogado valer-se do disposto na parte final do art. 544, § 1º: (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

I – sentença ou acórdão exeqüendo; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

II – certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

III – procurações outorgadas pelas partes; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

IV – decisão de habilitação, se for o caso; (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)       

V – facultativamente, outras peças processuais que o exeqüente considere necessárias. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005)

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Algumas adaptações interpretativas precisam, naturalmente, ser feitas, como em toda analogia, para aplicar esse artigo à execução de título extrajudicial. Segue adiante texto que promove essas adaptações e que poderia, de lege ferenda, integrar o CPC (feitas as críticas pertinentes), como art. 587-A (as partes sublinhadas indicam as alterações sugeridas):

"Art.587-A. A execução provisória do título extrajudicial far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

I – corre por iniciativa, conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se o título extrajudicial for anulado ou de qualquer modo tornado ineficaz, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

II – fica sem efeito, sobrevindo acórdão que anule ou torne ineficaz o título extrajudicial, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento;

III – o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos.

§ 1º No caso do inciso II do caput deste artigo, se o título extrajudicial for anulado ou tornado ineficaz apenas em parte, somente nesta ficará sem efeito a execução.

§ 2º A caução a que se refere o inciso III do caput deste artigo poderá ser dispensada:

I – quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do salário-mínimo, o exeqüente demonstrar situação de necessidade;

II – nos casos de execução provisória em que penda agravo de instrumento junto ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça (art. 544), salvo quando da dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.

§ 3º Ao requerer a execução provisória, o exeqüente instruirá a petição com cópias autenticadas das seguintes peças dos embargos do devedor, podendo o advogado valer-se do disposto na parte final do art. 544, § 1º:

I – sentença que rejeitou os embargos, acórdão que a manteve, ou acórdão que reformou a sentença que os acolheu;

II – certidão de interposição do recurso não dotado de efeito suspensivo;

III – procurações outorgadas pelas partes;

IV – decisão de habilitação, se for o caso;

V – facultativamente, outras peças processuais que o exeqüente considere necessárias."

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Sobre o autor
Nazareno César Moreira Reis

juiz federal da Seção Judiciária do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Nazareno César Moreira. Sobre o caráter provisório da execução embargada de título extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2168, 8 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12932. Acesso em: 24 abr. 2024.

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