Resumo: O presente artigo visa definir determinados aspectos do judiciário e compreender até que ponto eles podem influenciar nas decisões das empresas, atraindo ou afastando investimentos do país. Fala-se em adicional do risco judiciário como o elemento a ser levado em consideração por empresas. Inferimos, ainda, sobre o efeito dos problemas do judiciário e das suas possíveis soluções sobre a economia.
1. Introdução.
Há muito vem se perdendo a velha concepção de que a economia depende unicamente do humor do mercado. Cada vez mais se consolida a ideia de que o desempenho da economia é, dentre outros aspectos, diretamente proporcional ao desempenho das instituições. Se elas são saudáveis, a economia é saudável (logicamente, não existe economia totalmente alheia às oscilações do mercado).
Instituições, nos dizeres de Fábio Nusdeo, vêm a ser as "regras do jogo" destinadas a conferir um mínimo razoável de estabilidade, previsibilidade e segurança nas relações entre os cidadãos [01]. Aparece então a ligação entre a economia de um país e a qualidade de seu poder judiciário, a qual será detalhada mais adiante.
Nesse momento, inevitavelmente, vem à tona a antiga discussão acerca da reforma das instituições, notadamente o judiciário. O Poder Judiciário é uma das bases da economia de mercado. Num ambiente onde as leis e obrigações não são cumpridas, as pessoas e empresas têm medo de perder dinheiro, por isso fazem menos negócios.
É histórica a deficiência do poder judiciário brasileiro. Sem tirar o mérito dos novos institutos que visam garantir a celeridade processual (como as súmulas vinculantes, penhora on-line etc.), do processo virtual e da Emenda Constitucional nº45/04, os quais têm valioso papel no aumento da qualidade, o nosso judiciário ainda se encontra em um estado insatisfatório.
Seja em virtude do sistema em si ou da massiva quantidade de processos novos que surgem todo ano, o fato é que os processos não andam como deveriam, causando prejuízos excessivos à sua finalidade: a justiça. A cultura de judicialização da realidade não ajuda muito nesse ponto. Qualquer briga de vizinhos gera uma ação, qualquer desavença enseja dano moral, enquanto, contraditoriamente, outras demandas não vão à justiça por conta da descrença da sociedade no mesmo.
Tanto o fenômeno é notório que grande parte dos novos processos que chegam anualmente à justiça, mais do que discutir a existência de direitos, apenas visa se utilizar da morosidade como arma que chancele o inadimplemento ou, ao menos, o retardamento do cumprimento das obrigações.
A questão da influência do judiciário na economia surge como uma grande luz no fim do túnel para muitos operadores do direito que defendem argumentos pelos quais a efetiva reforma do judiciário deveria ser prioridade para o país. Nas palavras de Armando Castelar Pinheiro: [02]
"O judiciário é uma das instituições cuja importância para o bom funcionamento de uma economia de mercado, garantindo direitos de propriedade e fazendo cumprir contratos, apenas recentemente foi adequadamente reconhecida. E esse reconhecimento tem levado a um maior interesse dos economistas por um tema historicamente tratado apenas pelos chamados operadores do direito."
Sendo assim, passamos a explicitar os pontos mais relevantes para a compreensão da ideia que se defende.
2. Panorama do judiciário.
Certo é que o judiciário não tem como função precípua o mercado e seu bom funcionamento, mas sim assegurar o cumprimento da ordem legal e constitucional, sempre defendendo os direitos humanos. Contudo, para os fins do artigo, tratar-se-á principalmente da função econômica que, no nosso entender, é paralela e consequência direta do objetivo de dar eficácia aos comandos da Carta Magna.
Assim, partindo das idéias iniciais, é imperioso que se tenha um entendimento detalhado sobre como o judiciário pode, de fato, afetar o desenvolvimento econômico do país. A verdade mais evidente é que para que o mercado opere adequadamente, ele deve seguir uma série de regras. Essas regras devem ter seu cumprimento assegurado por uma instituição que tenha total capacidade para tal. Aí entra o judiciário e seu papel fundamental como o último recurso quando as regras são ignoradas.
Um judiciário deficiente pode gerar uma série de problemas para a economia. Decisões falhas fazem com que não sejam asseguradas as prerrogativas que a legislação confere às pessoas de direito. Esse clima de incerteza afasta possíveis investidores do país, restringindo o desenvolvimento da economia, bem como a capacidade de concorrência e inovação das empresas.
Em contraponto, um poder judiciário de qualidade pode tornar o país mais atrativo aos investidores e, consequentemente, ajudar na expansão da economia.
2.1. O que é um judiciário de qualidade?
Pergunta-se: o que faz o judiciário ser de qualidade?
De acordo com o Banco Mundial, em seu Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial em 1997, três são as características do bom judiciário: a) independência; b) capacidade de implementar suas decisões e c) eficiência gerencial.
A independência, em princípio, não seria um problema no caso brasileiro, eis que a Constituição Federal dispõe em seu artigo 2º que "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário". Inclusive a própria Constituição cria mecanismos para assegurar essa independência.
Notemos que a independência do judiciário se dá em dois momentos, um político e outro administrativo. A independência política se destina a garantir o exercício da função jurisdicional – de julgar e executar o julgado - exclusivamente por esse poder, sem que sofra influências externas. A independência administrativa, ou autogoverno da magistratura, consiste na competência do Judiciário de gerenciar os elementos imprescindíveis ao exercício da função jurisdicional.
A respeito da independência, o Brasil até mesmo recebeu elogios do Banco Interamericano de Desenvolvimento. [03] No entanto, especificamente no campo da independência política, muitas são as críticas sobre a maneira com que os juízes são, por vezes, influenciados a decidir em favor de determinada parte, em troca de alguma vantagem pessoal. Vários estudos já trataram da corrupção do judiciário. Contudo, parece ser bem difícil evitá-lo por completo. Naturalmente, a situação é menos alarmante do que se imagina, eis que normalmente o lado negativo costuma receber mais destaque na mídia que o positivo, deixando de ser reconhecido o trabalho de inúmeros juízes exemplares.
Quanto à capacidade de implementar suas decisões, avanços vem ocorrendo. É comum, até hoje, o famoso "ganha, mas não leva", eis que apesar da sentença favorável, era difícil fazer as palavras transcenderem o papel e se tornarem realidade.
Todavia, com a implementação do BACENJUD (penhora on-line), RENAJUD (bloqueio on-line de veículos), dentre outros instrumentos processuais, tais como a multa do art. 475-J do CPC, fica mais fácil a concretização dos mandamentos judiciais, pelo que se espera que passem a ocorrer melhoras. Mesmo assim, ainda falta muito para avançar nessa área. Mesmo com o progresso que vem tendo, o poder de coerção do judiciário ainda não se encontra em nível satisfatório.
Por último, a eficiência gerencial. A capacidade de solucionar um litígio de maneira célere e eficaz é o que pretende essa terceira condição. Para tanto, deve ser assegurado um número considerável de juízes e auxiliares da justiça (secretários, oficiais de justiça etc.), de modo que seja cada causa tome o menor tempo possível, mesmo sem jamais sacrificar a atenção e qualidade dos julgados por conta da celeridade.
Elemento de difícil aplicação, a eficácia gerencial se mostra tendo também algum progresso nos tribunais pátrios, em virtude, principalmente, dos avanços tecnológicos.
Além das três características enumeradas pelo Banco Mundial, observamos mais uma que é essencial: a acessibilidade da justiça.
A existência da justiça itinerante, atingindo cidades e vilas de interior que ficam longe de qualquer sede judiciária (apesar de, teoricamente, estarem englobadas por uma comarca) é um importante instrumento de defesa dos direitos muitas vezes cerceados dos cidadãos que vivem mais afastados dos grandes centros. Além disso, a acessibilidade pressupõe custos adequados para a promoção da justiça, bem uma defensoria pública eficiente e gratuidade, nos casos em que seja cabível.
Em resumo, utilizando as palavras de Armando Castelar Pinheiro, o bom judiciário deve ter baixo custo e decisões justas, rápidas e previsíveis (no sentido da segurança jurídica), em termos de conteúdo e prazo.
2.2. Os problemas do judiciário brasileiro.
Uma falha na Justiça tem consequências drásticas. Além de pôr em cheque o Estado de Direito e a Democracia, eis que afeta negativamente a esfera individual das partes, compromete o crescimento econômico, pelas razões que serão esclarecidas adiante.
São três os problemas comumente apontados nos nossos tribunais: ineficiência dos processos, incerteza quanto às decisões e acesso desigual.
Observa-se a ineficiência pelo fato dos procedimentos serem lentos e caros. Em seu relatório, o Banco Mundial notou que um processo levava em média 1500 dias para ser concluído em países como Brasil e Equador, contra apenas 100 dias na França. [04] Longas demoras aumentam os custos da resolução de disputas e podem bloquear o acesso ao judiciário por parte de potenciais usuários. A respeito dos processos de execução, diz Newton de Freitas, em seu artigo "Judiciário e Economia":
"O problema dos processos de execução não é só a morosidade, mas também a sua não conclusão. De acordo com pesquisa do Banco Mundial divulgada em jul. 2003 (Report 26261-BR), 70% dos processos simplesmente desaparecem, uma parte devido a acordo extrajudiciais ou ao pagamento, mas a maior parcela porque o credor não encontra bens e desiste; 48% dos processos não vai além do pedido inicial, porque o credor não dá continuidade (acordo extrajudicial ou desistência por falta de possibilidade de o devedor efetuar o pagamento) ou porque a justiça não encontra o devedor para a citação; 41% dos processos com continuidade não conseguem penhorar os bens, em geral por dificuldade em encontrá-los; 57% dos processos com penhora efetivada foram embargados" [05]
As quantias gastas com o pagamento de custas, expedição de mandados e ofícios, realização de perícias são absurdas, se comparadas com a qualidade do serviço recebido. Isso sem mencionar honorários advocatícios. Tais fatores afastam as pessoas do judiciário, principalmente em questões que envolvem quantias relativamente baixas em dinheiro. Parece ser muito mais fácil abrir mão de um direito do que aguardar vários anos por uma mera possibilidade de tê-lo assegurado pelo Estado.
Nesse ponto, a evolução é obstada muito pela falta de investimentos mais abundantes, principalmente no que tange à infra-estrutura conferida ao judiciário.
A incerteza das decisões, pelo fato dos juízes, apesar das garantias de independência, estarem sujeitos às influências externas, se mostra também como um elemento a distanciar a população do judiciário, trazendo muitas pessoas de volta à época da vingança privada, quando se fazia justiça com as próprias mãos, ao invés de recorrer ao judiciário.
Ademais, se os custos de acesso ao poder judiciário são altos, uma grande parcela da população sequer pode utilizá-lo, ficando a mercê da gratuidade da justiça e da defensoria pública.
No campo prático, os grandes problemas enfrentados são: a dificuldade de citação do devedor em processos de execução, a dificuldade de localização dos mesmos pelo credor, o excesso de causas repetitivas atolando os tribunais (ainda não se pode avaliar os resultados práticos da lei de recursos repetitivos), os altos custos das taxas judiciais e a cultura da recorribilidade.
Tudo gira em torno de uma grande e única observação: o judiciário é gerenciado por juízes (desembargadores, ministros...), ou seja, em geral, não são pessoas com formação em administração ou com conhecimentos técnicos para tanto. O presidente de cada tribunal, além das atribuições judiciais, é responsável por liderar os atos administrativos de gerenciamento, tais como treinamento, desenvolvimento de tecnologias, manutenção do espaço físico e todos os aspectos relacionados. Não parece certo. Vai de encontro aos melhores conceitos de administração.
Tendo em vista que, no Brasil e no mundo, quase nenhum juiz tem treinamento ou experiência em administração de negócios, conclui-se que são quase amadores. Sendo eleitos para um mandato na presidência do tribunal, eles aprendem fazendo. A necessidade os faz exercer uma tarefa para a qual não dispõem de conhecimentos específicos, na maioria das vezes. Ao fim do mandato, vem um novo juiz, o qual deverá passar pelo mesmo processo de aprendizagem e adaptação. A consequência disso é o que vemos todos os dias: tribunais mal administrados e falhos em seus procedimentos. O fenômeno é visível não somente na esfera dos tribunais, mas também das varas.
Não culpemos os juízes. O sistema lhes é imposto. Poucas organizações de tamanho, complexidade e importância comparável são administradas por não experts. Sabe-se que naquelas economias mais desenvolvidas, administradores profissionais dão auxílio e continuidade à administração do judiciário, sob supervisão dos juízes. Dessa maneira, resta-lhes mais tempo para fazer aquilo para o que estudaram: julgar.
A criação do Conselho Nacional de Justiça tem um importante papel para tentar assegurar a qualidade dos tribuinais e dos julgados.
3. A influência do judiciário na economia.
O impacto do judiciário sobre a economia é maior do que geralmente se reconhece. É recente a compreensão de que o judiciário e suas mazelas, mais do que uma moléstia isolada, são um dos grandes fatores que seguram o crescimento da economia do país. Aqui nomeamos de "adicional do risco judiciário" o elemento que as empresas devem incluir – e o fazem – em suas pesquisas de investimento, levando em consideração a qualidade do sistema judicial no local em que pretendem investir.
O judiciário já não preocupa mais somente pelas injustiças que causa, principalmente àqueles mais pobres, mas também pelo seu alto custo econômico. Armando Pinheiro [06] destaca quatro canais pelos quais o judiciário impacta o desempenho econômico do país. São eles: o progresso tecnológico, a eficiência das firmas, o investimento e a qualidade da política econômica.
De plano é fácil dizer que, se um país não possui instituições fortes que assegurem o direito de propriedade intelectual, por óbvio que os investimentos em pesquisa serão reduzidos. Um adicional do risco judiciário pesado é intolerável para as empresas que trabalham com tecnologia de ponta e P&D.
Um estudo promovido pelo professor Robert M. Sherwood entre 1992 e 1996 [07] para o Banco Interamericano de Desenvolvimento deu notas à sistemas de defesa da propriedade intelectual em dezoito países em desenvolvimento. O regime brasileiro, em uma escala de 0 a 100 ficou com 49. Para efeitos de comparação, o regime da Guatemala teve nota 13, da Argentina, 39. Ficamos atrás do Chile (62), México (69) e Coréia do Sul (74).
Essas gradações são relevantes na medida em que tornam mais previsível o futuro de um investimento em cada país. Naqueles com conceitos mais baixos, percebe-se que a economia se caracteriza por vendas, manufatura de partes (aproveitando a mão de obra abundante e barata), dentre outras.
No entanto, somente naqueles países com as notas mais altas é que se vê abundância de manufaturas complexas, produtos sofisticados, além de investimentos mais intensos em P&D. Somente nos níveis mais altos de proteção (onde o adicional do risco judiciário é mais baixo) que, segundo Sherwood, a pesquisa e o desenvolvimento são apoiados e até mesmo influenciados pela iniciativa privada e governos.
Sem dúvida que nos países com instrumentos mais frágeis de defesa da propriedade intelectual a pesquisa se torna um ramo menos atrativo. Nesses casos, somente se inova quando é estritamente necessário para superar uma dificuldade surgida e, ainda assim, as criações são rapidamente copiadas e aplicadas – ainda que de forma sutil - pelos concorrentes, sem que a justiça, mesmo provocada, consiga intervir a tempo e de modo efetivo.
Certamente um judiciário forte traria uma realidade nova às economias em desenvolvimento, como o Brasil. Seria um negócio altamente atrativo o investimento em pesquisas para melhorar técnicas de produção e criar novos produtos. As perdas desses países são inestimáveis por conta dessa falta de auxílio governamental [08].
Mesmo com legislações cada vez mais avançadas, como o CDC e a Legislação Ambiental, se esbarra na lentidão do judiciário na hora da aplicação.
É interessante perceber, nesse ponto, que a crítica das grandes empresas ao judiciário não se resume à lentidão. No caso da Justiça do Trabalho, tem-se vivenciado um avanço enorme, com o aumento da proteção ao trabalhador. Com isso, surgem as afirmações de que tal especializada seria parcial e de que já se conhece o resultado do processo antes mesmo do final. Assim, resta claro que, por mais que tais progressos sejam excelentes sob a ótica do social e da justiça em si, eles trazem consigo um elemento que – juntamente com outros, como o avanço tecnológico - pode dificultar a contratação de empregados no Brasil, pelos encargos que traz consigo e pelo suposto paternalismo excessivo da Justiça do Trabalho.
Não se trata aqui de defender a visão da empresa ou do trabalhador, mas sim de constatar fatos notórios. A atual etapa do direito do trabalho torna muito oneroso ter um empregado, o que favorece o trabalho ilegal e a tentativa de mascarar o contrato de trabalho sob a forma de prestação de serviços. É óbvio que a Justiça Especializada é uma grande arma em prol da afirmação dos mandamentos constitucionais, mas é tida como uma quase-inimiga por algumas empresas.
Armando Castelar Pinheiro, comentando sobre como os atributos do judiciário influencia os investidores diz que:
"Ex-post, eles influenciam a decisão dos agentes de recorrer ao judiciário ou a outro método de resolução de disputa. Ex-ante eles influenciam as decisões de produção, investimento e contratação em geral, na medida em que, sendo a ida à justiça algo que pode ocorrer em qualquer negócio, a forma como essa funciona ajuda a determinar o retorno esperado do negócio."
O judiciário ineficiente prejudica o crescimento da economia em virtude do já comentado adicional do risco judiciário. Por exemplo, tomemos o caso do spread bancário. [09]
O processo de execução é falho. Isso é evidente. O atraso na cobrança de créditos líquidos e certos consubstanciados por títulos executivos é conhecido de todos. Essa dificuldade na recuperação do crédito, no caso de um eventual inadimplemento, gera algo em torno de 17% do spread cobrado pelos bancos em suas operações. [10]
Isso se daria pelo fato de que uma execução extrajudicial no valor de R$50.000,00, dura, em média, um ano e gera uma perda de 17% do valor da causa. Naturalmente o banco não vai arcar com essa possibilidade de perda, transferindo ao consumidor o adicional do risco judiciário. Informe-se que os bancos representam 39% dos credores em execuções extrajudiciais.
No caso de não haver título extrajudicial, deverá o credor propor uma ação de cobrança, onde a situação é ainda pior: em média 8 a 10 anos de duração.
Essa situação é espelhada pelos grandes empresários quando da decisão sobre onde e quanto investir. No caso brasileiro, alguns dados comprovam a informação. Vejamos a seguinte tabela [11]:
O mau funcionamento do judiciário prejudica a economia? |
O mau funcionamento do judiciário prejudica o desempenho de sua empresa? |
|
Prejudica seriamente |
50,2 |
25,4 |
Prejudica um pouco |
45,9 |
66,3 |
Não prejudica |
3,9 |
7,5 |
Sem opinião |
0,0 |
0,7 |
Total |
100,0 |
100,0 |
A interpretação dos dados mostra uma contradição aparente. Mais da metade dos entrevistados responderam que o mau funcionamento do judiciário prejudica a economia, no entanto, apenas pouco mais de um quarto afirmou ter o desempenho de sua própria empresa afetada pela justiça.
Para o autor do estudo, a razão dessa contradição passa, necessariamente, pela tentativa das grandes empresas de fugir dos tribunais para a resolução de conflitos. Com isso em mente, os dados fazem sentido. O judiciário lesa a economia por afastar as empresas do país. Mas aquelas que se estabelecem, fogem do judiciário, tentando evitar que ele as possa ser prejudicial.
Mesmo com o judiciário não funcionando da forma que lhes seria mais favorável, até porque isso seria inaceitável em um Estado Democrático de Direito, as companhias ainda precisam fazer negócios. Assim criam redes de empresas que, formando compartimentos fechados, transacionam entre si. Essa relação de confiança é a garantia necessária de que seus contratos serão cumpridos, as obrigações adimplidas, etc. A palavra de ordem parece ser "distância". A mentalidade: fiquemos longe do judiciário!
Esse modelo, definido como Social Network Transaction por Robert Sherwood torna difícil a entrada de novas empresas no mercado. Negocia-se apenas com aquelas que são notoriamente robustas e sérias. Descumprir uma obrigação é como um suicídio negocial. Todos saberão. Todos se afastarão. Negócios são perdidos.
Em uma pesquisa realizada no Peru [12], 32% das empresas afirmaram que não negociariam com um novo fornecedor, independente de quanto mais barata fosse a sua oferta, 47% indicaram que não negociariam se fossem economizar menos de 30% e 65% não aceitariam se economizassem menos de 20% com a transação.
O tamanho de uma firma, nesse padrão, é limitado pelo tamanho de sua rede, de seu grupo. Teme-se realizar negócios fora desse círculo de segurança. Esses limites não existem (ou melhor: são muito mais sutis) em economias com judiciário eficiente. Reduzido o adicional do risco judiciário, fica mais seguro negociar com qualquer firma. Caso a transação não dê certo, o judiciário poderá ser chamado a intervir, com a segurança de que sua atuação trará de volta a normalidade às relações.
Essa fuga do judiciário tem outras implicações. Tomando por exemplo o comércio internacional, a grande tendência da atualidade é a arbitragem internacional. Num quadro em que tempo, mais do que nunca, é dinheiro, a comunidade internacional busca uma solução rápida e especializada para dirimir controvérsias sobre seus contratos, fugindo da dispendiosa e lenta via judiciária.
As empresas tomam suas decisões sempre de olho no judiciário, inclusive deixando de fechar negócios se o adicional do risco judiciário for tão grande que o deixe pouco atrativo.
Da mesma forma, o judiciário (e legislação) excessivamente protetor – por vezes até tendencioso – em prol do trabalhador minimiza oferta de empregos. As empresas preferem comprar máquinas a contratar empregados, visto que a qualquer momento pode-se trocar o equipamento sem ter que enfrentar uma ação judicial. Essa mentalidade um tanto perversa acaba por se concretizar em um panorama em que, para muitos, tudo o que vale é o lucro, independente dos custos sociais das decisões empresariais.
Metade das empresas ouvidas pelo estudo de Armando Castelar Pinheiro afirmaram evitar contratar empregados por conta da justiça do trabalho. Esse fator também deve ser levado em consideração, eis que o desemprego é um dos grandes problemas com que nos deparamos no mundo tecnológico, em que reina o desemprego estrutural.
A elevação do judiciário a um papel tão relevante para a economia pode parecer ilusória, no entanto, é fato comprovado por dados. Por conta do judiciário as empresas deixam de contratar, realizar investimentos, terceirizar, firmar outros contratos, tudo por medo de que, no futuro, venham a ser prejudicadas pela ineficiência deste em assegurar o cumprimento das obrigações.
Os investimentos não só são prejudicados de maneira indireta, mas também diretamente, eis que mais de oitenta por cento das empresas entrevistadas responderam que já precisaram aprovisionar recursos em juízo. Esses depósitos judiciais acabam por reduzir o capital que a empresa disporia para investimentos e outros gastos regulares, trazendo atraso para os planos de expansão de qualquer corporação.
Um inquietante modo de influência, especialmente presente no Brasil, é apontado por SHERWOOD [13], quando, ao destacar implicações do sistema judicial não só sobre as partes de um conflito, mas também a sociedade, diz que:
"A falha em disciplinar agentes governamentais que abusam do poder discricionário tem uma vasta influência econômica. Onde o suborno ou favorecimento por parte de agentes não é punido/disciplinado, não se leva em conta a competência como indicador para a escolha de quem irá prover produtos e serviços ao público." [14]
Os serviços fornecidos pelo governo são essenciais para a atração de investimentos. Uma boa infra-estrutura de energia e escoamento de produção, por exemplo, são fatores decisivos para grandes empresas.
Portanto, os dados nos fazem concluir que o desempenho do judiciário tem, sim, uma influência agigantada sobre a economia. Por via direta ou reflexa, acaba por afastar investimentos no país, investimentos dos quais o Brasil, por sua condição de economia em desenvolvimento, não pode se dar ao luxo de abrir mão. A própria prestação de serviços pelo governo, como se vê, fica prejudicada diante de um judiciário ineficiente.
Assim sendo, mais do que nunca a reforma do judiciário tem papel relevante e prioritário para a sociedade. Tendo que uma economia saudável é pro bem de todos, o bom encaminhamento dos processos será de inestimável valia à sociedade, desde as camadas mais baixas até aquelas localizadas no topo da pirâmide social.
Deixe-se claro que a idéia que defendemos não é a de um judiciário totalmente favorável às grandes empresas, sacrificando o trabalhador individual ou o microempresário em prol do desenvolvimento econômico cego. Deve-se compatibilizar interesses, de modo a fortalecer a instituição que vem tomando um relevante papel nos acontecimentos contemporâneos, de modo que cumpra não um papel somente econômico, mas sim para justiça social e como um todo. Somente assim, ao nosso ver, o país poderá ter um crescimento econômico robusto e devidamente acompanhado pela evolução social.
É mais fácil propor do que fazer. Todavia, já entendemos que as recentes reformas no processo civil irão, nos próximos anos, mostrar um efeito bastante positivo e mostrarão que estamos no rumo certo para, uma vez resolvidos os problemas recorrentes com que todos se deparam ao acessar os tribunais, chegar a um status superior no conceito dos investidores externos. Contudo, a lei, sozinha, não muda a realidade. Quando muito, da um direcionamento e cria esperanças.
3.2. A repercussão econômica das soluções.
Há de se analisar concretamente o proposto, sob pena de tomar uma aventura ideológico-jurídica de impacto irrelevante, tornando ainda mais distantes os objetivos.
Que tipo de solução adotar? Pareceu simples detectar os sintomas que provam que o judiciário é falho. Mas e as causas? Podem existir infindáveis causas para as mazelas que observamos diariamente. Apontamos aqui o que cremos ser algumas delas, mas é muito fácil que ser iludido, pensando ter encontrado a fonte dos problemas, quando na verdade encontramos apenas outro sintoma.
As soluções, para valerem seu custo (não somente o custo financeiro, mas também o tempo dedicado ao estudo e implementação de novas técnicas), devem agir especificamente sobre os elos fracos da corrente, tendo um impacto significativo e positivo. Reformas judiciárias já foram tentadas em diversos países, com resultados distintos. É interessante o estudo das experiências de outras nações para, aprendendo com erros e acertos, aprimorar técnicas que aumentem o a eficiência da reforma. Dentre elas, todas são válidas, seja como bom ou mau exemplo.
3.2.1. Reforma judiciária comparada.
Diante da interpretação desses institutos, e de seus resultados na economia dos países em que foram implementados, voltamos ao foco essencial: qual o impacto dessa reforma na economia?
Após o estudo pioneiro de A.C. Pinheiro, realizado no Brasil, vários outros pesquisadores seguiram a mesma linha (com as inevitáveis e ligeiras variações), entrevistando grandes empresas para mapear o impacto econômico do judiciário.
Por exemplo, calculou-se que uma significativa melhora no sistema judicial do Peru traria um aumento de até 9,4% nos investimentos realizados no país, juntamente com uma taxa 8,2% maior de empregados, 20,4% mais alta em volume de negócios (vendas), 17,5% em volume de negócios com o setor público e índice de terceirização 13,8% mais alto.
Na Argentina, o impacto seria ainda mais drástico, com aumento de 28% nos investimentos, 18% em empregos e 10% em volume de negócios. Da mesma forma ocorreria em Portugal, com aumentos de 9,9%, 6,9% e 9,3% nos níveis de investimentos, empregos e negócios, respectivamente. [15]
Curioso observar que, no Canadá, caso houvesse uma melhora do judiciário, as modificações apontadas seriam insignificantes. Isso se dá pelo fato do sistema Canadense ser eficiente, recebendo poucas críticas. Dessa maneira, uma melhora teria pouco impacto no cotidiano das empresas, trazendo resultados quase irrelevantes para a economia.
A partir de estimativas e aproximações, chegou-se à conclusão de que a taxa de crescimento do PIB de países como a Argentina poderia ser 35% maior caso as reformas fossem implementadas. Não foram feitas estimativas no Peru, mas em Portugal essa taxa de crescimento seria 11% maior. Já no Canadá, justamente por já ter uma instituição eficiente, o aumento seria de apenas 2,5%.
3.2.1. O que esperar no caso Brasileiro?
No Brasil, uma reforma eficiente do judiciário, caso consiga sobrepor-se aos óbices econômicos e políticos, poderá ter consequências altamente positivas.
Os efeitos mais relevantes seriam uma maior contratação de trabalhadores, maior índice de terceirização e, principalmente, negociação fora das redes tradicionais.
Estudos realizados por Pinheiro [16] mostram que, o volume anual de investimentos poderia ser 13,7% maior com um judiciário eficiente, o que mostra que o país seria mais atrativo. O volume de negócios aumentaria em 18,5% e as empresas perderiam parte do medo de contratar, aumentando a quantidade de empregados em 12,3%. Com base em dados fornecidos em 2004 pelo IBGE, o Brasil possuía 46,7 milhões de empregados (empregados formais, excluindo domésticos, conta própria, não remunerados e outros). Sendo assim, uma melhora no judiciário representaria um aumento de mais de cinco milhões e setecentos mil empregos, número bastante expressivo.
Logicamente esses aumentos não se dariam da noite para o dia, mas sim paulatinamente. Também com o aumento da eficiência das intervenções do judiciário, a terceirização seria 13,9% maior e o volume de negócios com o setor público cresceria 13,7%.
Esses números mostram o quanto poderia ser melhor a situação do país. De acordo com dados aproximados de Sherwood, alcançados a partir dessas constatações, a taxa de crescimento do PIB brasileiro poderia ser de 20 a 25% maior, com um judiciário eficiente. Esses números não são negligenciáveis. O Brasil cresce cerca de 20% mais devagar por culpa do judiciário atrasado.
Muitos apontavam uma melhora no judiciário como importante para que fosse alcançado pelo Brasil o tão almejado Investment Grade da agência Standard & Poor''s. Com os esforços que temos tido nesse sentido, alcançamos o objetivo. Hoje o Brasil possui classificação BBB- pela agência, a primeira do grau de investimento, o que representa um reconhecimento externo da solidez da economia brasileira.
Na atualidade, o efetivo cumprimento da lei pode, além da função de garantir a ordem disposta na Carta de 88, auxiliar a economia a se sustentar em patamares seguros. O papel do judiciário nesse contexto não poderia ser mais claro, como instituição garantidora dos direitos.
Portanto, a reforma do judiciário no Brasil, além do conteúdo social, trará grande apoio à economia, razão pela qual, mais do que nunca, deve ser vista com muita atenção e bons olhos.
5. Conclusões.
Com a certeza de que o judiciário tem grande influência sobre a economia é possível concluir que é melhor passarmos a ter consciência disso e agir como tal, julgando não apenas de olho nas leis, mas também na repercussão social e econômica das decisões para o país.
Lembremos, aqui, que uma economia forte não é, por si só, o objetivo do Estado Democrático de Direito. A finalidade é sempre o social, a qualidade de vida, a valorização do ser humano e o respeito à sua dignidade. Por certo que só se alcançará tal objetivo por meio de uma boa economia. A economia é meio, não fim. Assim, não se pode almejar qualquer avanço que deixe de lado esses objetivos, atropelando a responsabilidade social e ambiental que um país da dimensão do Brasil possui.
Uma vez comprovado que o judiciário pode ser uma das cordas invisíveis que refreiam o avanço da economia do país, ele deve ser encarado com mais seriedade. Maneiras ágeis e eficientes de solução de conflitos são o primeiro passo a ser tomado rumo à evolução. A evasão das empresas do judiciário é algo perigoso, um grande indicador de que algo não vai bem.
Novamente pregamos que a reforma deve produzir impactos positivos não apenas na economia, mas em todos os setores. Daí a entendemos que mais interessante para o país seria uma reforma que vise, principalmente, a compatibilização entre econômico e social. Como já dito, almejar o desenvolvimento econômico cego é como brincar com fogo. Desenvolvimento sem bases institucionais sólidas é uma grande enganação, sujeita a um grande evento inesperado (o "Cisne Negro" de que fala Nassim Taleb [17]) que, a qualquer momento, poderá destruir tudo aquilo que se pensou ter conseguido.
Quando deixarmos de ter uma visão restrita e passarmos a olhar para a repercussão do adicional do risco judiciário em escala geral, estaremos no rumo certo. No momento em que a resolução dos conflitos se der por métodos menos traumáticos, com os juízes analisando o impacto de suas decisões não somente sobre as partes do processo, mas sobre todos, e essas decisões forem tomadas de maneira rápida e eficiente, teremos chegado lá.
Notas
- NUSDEO, Fábio. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico – 5 ed. rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
- PINHEIRO, Armando Castelar. Economia e Justiça: Conceitos e Evidência Empírica. Julho de 2001.
- ALSTON, Lee J. [et al.], Political institutions, policymaking processes and policy outcomes in Brazil. Research Network Working Paper #R-509, Março de 2006.
- Informação extraída de: Pinheiro, Armando Castelar. Direito e Economia num Mundo Globalizado: Cooperação ou Confronto? Fevereiro de 2003.
- . Disponível em http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=245
- PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e Economia num Mundo Globalizado: Cooperação ou Confronto? - Fevereiro de 2003.
- SHERWOOD, Robert M., Intellectual Property Systems and Investment Stimulation: The Rating of Systems in Eighteen Developing Countries, 37 IDEA: The J. Law and Tech. 261, 261-370 (1997). Disponível em <http://www.kreative.net/ipbenefits>.
- Ressalte-se que o auxílio aqui não se trata de mero incentivo financeiro, mas também de uma efetiva reforma nas instituições, tal como a que ora se propõe.
- Spread é o lucro dos bancos. É a diferença entre quanto pagam e quanto recebem por um empréstimo, por exemplo.
- FREITAS, Newton de. Judiciário e Economia. Texto disponível em: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=245
- Fonte: PINHEIRO, Armando C. (org.), 2000, Judiciário e Economia no Brasil, Ed. Sumaré.
- Instituto APOYO (1993) "Actitudes Empresariales ante el Poder Judicial." Lima.
- SHERWOOD, Robert M., The Unseen Elephant: What Blocks Judicial System Improvement?; Sem informações de publicação. Cópia fornecia pelo autor.
- Tradução livre do autor a partir de: "Failure to discipline government officials who abuse their discretionary authority has broad economic influence.Where bribe taking or favoritism by officials goes undisciplined, competence is displaced as the indicator of who will provide services and goods to serve the public".
- SHERWOOD, Robert. M., Judicial Performance: It’s Impact in Seven Countries. Sem informações de publicação.
- PINHEIRO, Armando C. (org.), 2000, Judiciário e Economia no Brasil, Ed. Sumaré.
- TALEB, Nassim Nicholas, A Lógica do Cisne Negro: o Imacto do Altamente Improvável; Tradução de Marcelo Schildm – Rio de Janeiro: Best Seller, 2008.