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Considerações para a compreensão dos direitos individuais, dos direitos sociais e dos direitos de solidariedade

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13/06/2009 às 00:00
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O presente artigo tem a finalidade de realizar considerações sobre os direitos individuais, sobre os direitos sociais e sobre os direitos de solidariedades com fundamento em teorias históricas, filosóficas e sociológicas. Ressalve-se, porém, que em razão da extensão do tema, serão apontados apenas os principais momentos e elementos caracterizadores.

Para o ordenamento do desenvolvimento utilizaremos o método das chamadas "gerações de direitos".

Além disso, utilizaremos, a exemplo da delimitação realizada por Sérgio Resende de Barros e por José Murilo de Carvalho [01], a determinação de sobre quais povos recaem as assertivas realizadas, restringindo-se, assim, ao sistema ocidental.

Assim deve ser entendido o sistema aqui demarcado: é ocidental, porque nele a civilização dominante é a ocidental e não porque se reduza a ela, já que as potências que o lideram projetam sua influência sobre as demais civilizações admitidas por Huntington, destacadamente sobre a ortodoxa, a hindu, a japonesa, a latino-americana e a possível civilização africana. Todas essas – acrescentando-se às matrizes: Europa Ocidental e Estados Unidos, bem como Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Israel e outros países formam o sistema ocidental. [02]

Será identificada, também, a localização espacial e temporal a que se referem as afirmações e considerações, ponderando que os direitos do homem são produtos históricos.

Ressalve-se, contudo, que nossa exposição não pretende demonstrar um desenvolvimento evolucionista e continuísta dos direitos, mas rechaçar tal afirmação.

Ponderaremos ainda que...

...o pesquisador deve usar sua realidade como instrumento de comparação para identificar semelhanças e diferenças com experiências passadas. Dito de outra forma, devemos permanecer abertos a sistemas de valores radicalmente diferentes, evitando considerar o passado com a lente do presente. [03]

E, acompanhando o entendimento da mesma autora citada, utilizaremos datas e eventos históricos como marcos históricos, meros referenciais. Vale observar a citação que complementa nossa afirmação:

A história não é composta exclusivamente por grandes momentos, decisões políticas, guerras e rupturas revolucionárias, da mesma forma que o direito não é exclusivamente composto por normas escritas impostas pelo legislador. [04]

Assim, iniciando nosso desenvolvimento, necessário tecer considerações sobre a nomenclatura "gerações de direitos", pois, em sua origem, com Karel Vasak em 1979, a nomenclatura "gerações de direitos" tinha objetivo único: didático [05].

Karel Vasak, utilizando-se de meio didático, organizou uma palestra que foi ministrada em França, na cidade de Estrasburgo, organizando sua exposição em conformidade com o lema da Revolução Francesa, ou seja, "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", valendo-se, assim, de uma visão histórico-retrospectiva do processo de formação dos direitos.

Contudo, com a propalação da nomenclatura, que se deu especialmente nos países que não adotam o regime da common law, passou-se a desenvolver erroneamente uma idéia que a palavra "geração" transmite, ou seja, de que o desenvolvimento dos direitos humanos faticamente admite tal divisão – em gerações plenamente identificáveis e divisíveis –, com direitos próprios e únicos que as caracterizam.

A afirmação de que "surgiram gerações de direitos humanos" não pode ser entendida de tal forma, como uma divisão que denote estanqueidade entre os seus respectivos conteúdos, além de que não se pode admitir que "surgiram" gerações de direitos, pois se desconsiderará a interação existente entre os direitos afirmados (declarados) e o processo histórico de sua formação.

E, essa visão equivocada do desenvolvimento histórico sobre a história dos direitos, foi rechaçada por diversos autores, inclusive tratando de assuntos próximos, como o desenvolvimento da cidadania.

O surgimento seqüencial dos direitos sugere que a própria idéia de direitos, e, portanto, a própria cidadania, é um fenômeno histórico. O ponto de chegada, o ideal da cidadania plena, pode ser semelhante, pelo menos na tradição ocidental dentro da qual nos movemos. Mas os caminhos são distintos e nem sempre seguem linha reta. Pode haver também desvios e retrocessos, não previstos por Marshall. [06]

Nesse passo, há que se considerar a nomenclatura "gerações de direitos" como classificação didática de determinados resultados do processo histórico de formação dos direitos. Nesse sentido, podemos apontar as liberdades, originariamente oponíveis ao absolutismo dos reis, os direitos econômicos, sociais e culturais, em razão do desgaste que o liberalismo aliado ao capitalismo causou, e, por fim, os direitos de solidariedade, em razão dos acontecimentos ocorridos no século XX, como as grandes guerras.

Contudo, o raciocínio exposto no parágrafo anterior é simplista e incompleto, pois, considerando-se somente esse conteúdo se poderia concluir que, em razão de elementos únicos e isolados como absolutismo, liberalismo e capitalismo e as grandes guerras, os direitos humanos foram criados pelo homem. Surgiram na história. Não se trata disso, o objetivo foi meramente ilustrativo.

Vale frisar que há autores que rejeitam a nomenclatura "gerações de direitos" essencialmente pelas razões acima expostas, adotando a nomenclatura "dimensões dos direitos fundamentais" [07].

Ademais, "Em que pese o dissídio na esfera terminológica, verifica-se crescente convergência de opiniões no que concerne à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais", ou seja, que se trata de processo que teve "sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal-burguesa", sendo que tais direitos estão em constante processo de transformação [08].

Para fomentar ainda mais a controvérsia acerca da nomenclatura mais adequada, Karel Vasak em 1978 foi o organizador geral de um livro intitulado "Les dimensions internationales des droits de l’homme - Manuel destiné à l’enseignement des droits de l’homme dans les universités" [09], ou seja, o título da obra utiliza a nomenclatura "dimensões", ao contrário da nomenclatura que ele utilizou pouco tempo após (1979) em sua célebre palestra em Estrasburgo.

Porém, dado o uso corrente da nomenclatura "gerações", e considerando o modo como deve ser entendida, a utilizaremos em nosso desenvolvimento.

Na seqüência, há que se ponderar que os direitos que caracterizam cada uma das gerações coexistem, se complementam e interagem. Nessa esteira, vale a síntese e complemento:

Na realidade, os direitos humanos são um produto histórico-social íntegro. Resultam da própria evolução da sociedade humana, marcada pelo progresso moral expresso no aprimoramento constante e contínuo das regras de conduta, no interior e no exterior das nações contemporâneas. Nesse contínuo histórico, os novos direitos vão surgindo em meio aos anteriores e, na realidade em que progridem, constituem evolução uns dos outros ou de uns para os outros, ao longo do crescente aumento da complexidade social, o que torna difícil distingui-los e dispô-los em gerações sucessivas. [10]

Desta forma, não adotamos a posição formalista sobre a compreensão dos direitos humanos, como fazem Jorge MIRANDA e Péres LUÑO, que entendem que direitos fundamentais, são somente os positivados na Constituição [11]. Trataremos de tais direitos sob a nomenclatura direitos humanos, ou direitos fundamentais, ambas correspondendo à uma abreviação de direitos humanos fundamentais, consoante magistério de FERREIRA FILHO [12].

Feitas essas considerações, breves comentários sobre o surgimento e evolução destas gerações serão realizados, iniciando-se pela primeira: as Liberdades.

Visto isso, e sem perder de vista que "O entendimento do direito positivo dos direitos das liberdades implica o conhecimento do processo histórico de seu funcionamento." [13], há que se apontar o primeiro produto desse processo, as Declarações de Direitos [14], sendo que estas se desenvolveram, na concepção contratualista, a partir do pacto social.

Para Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO "O pacto social prescinde de um documento escrito. Entretanto, nada proíbe que seja reduzido a termo, em texto solene.", e tal providência possui "a vantagem da clareza e da precisão, bem como o caráter educativo.". Contudo, adverte o autor, que esse documento não é a Constituição que o presume existente, é a declaração de direitos [15].

Em complementação, o mesmo autor afirma:

Não é por mera coincidência que cada uma das antigas colônias inglesas da América do Norte, ao romper seus laços com a metrópole, tem o cuidado de formular desde logo a sua Declaração de Direitos. Não é por capricho que essas colônias adotam declarações (a primeira, da Virgínia, em 1776), antes de estabelecer as próprias Constituições, e muito antes de se unirem pelas instituições confederativas (em 1781) e federativas (em 1787), com a Constituição dos Estados Unidos da América. [16]

Em que pese a referência aos textos norte americanos, A "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", da França, é a mais relevante delas [17], sem desconsiderar a "Declaração de Direitos do Bom Povo da Virgínia" ou o "Bill of Rights" dos ingleses. Porém, gize-se, as declarações de direitos possuem características comuns marcantes.

A principal característica é a posição que ocupam em relação ao regime absolutista do Estado em período pós-feudal [18], ou Estado Absoluto. Elas se opõem ao absolutismo, e não à monarquia, daí a passagem da Inglaterra, pelo processo da Revolução Gloriosa, da monarquia absoluta para a monarquia limitada e, posteriormente, para a monarquia constitucional, por meio de rearranjo dos poderes.

Culmina-se, em razão da oposição ao absolutismo, na conclusão de que o valor tutelado pelas declarações, nesse momento histórico, como já afirmado, é a liberdade, garantida por um governo de leis e não de homens. Daí a fundamental importância das leis nesse momento histórico e no contexto das declarações de direitos.

Note-se, porém, que não se alcança com isso a democracia ou a república, que se desenvolvem em processo histórico posterior.

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Retomando, trata-se de declaração e não constituição de direitos, é ato de reconhecimento, por isso precede as constituições dos Estados. Verifica-se tal situação na "Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão", na seguinte assertiva que precede a enumeração dos direitos: "Em razão disto, a Assembléia Nacional reconhece e declara, na presença e sob a égide do ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão:" [19] (grifo nosso).

Contemporaneamente as declarações de direitos estão inseridas nas constituições codificadas, seguindo o exemplo da França.

Duas são as principais declarações de direitos. A primeira declaração foi a da Virgínia, no atual Estados Unidos da América, e, posteriormente, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, na França, ambas tutelando as liberdades, mas com características próprias, especialmente quanto à natureza dos direitos reconhecidos.

Nesse sentido, complemente-se que a natureza dos direitos declarados e reconhecidos deriva do desenvolvimento histórico e da necessidade de declará-los. Assim ocorreu na França, na Inglaterra, e no atual Estados Unidos da América.

Na Inglaterra, os direitos dos ingleses foram reconhecidos em razão da tradição, ou seja, em diversos momentos históricos foram opostos direitos imemoriais aos reis, que este não poderia revogar, pois tais direitos não derivam de seu poder, bem como por serem a ele oponíveis [20]. Daí a origem tradicionalista dos direitos dos ingleses [21].

Na França, os direitos ali declarados se fundamentaram essencialmente no jusnaturalismo [22], afirmando-se que todos os homens nascem com estes direitos, dando, com isso, um caráter universal aos direitos declarados, ao contrário do que ocorria na Inglaterra onde se reconheciam direitos dos ingleses. Dispõe o artigo 2º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: "Art. 2º A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência à opressão.".

Nos Estados Unidos da América, com Thomas Jefferson, em razão da condição de ex-colonia inglesa, foram afirmados os direitos imemoriais dos ingleses, dos quais se consideraram herdeiros, e também declararam os direitos naturais enunciados pelos franceses. Foram aliadas as naturezas tradicionalista e naturalista, denotando pragmatismo [23].

Outro ponto marcante das declarações de direitos, que se pode verificar na França, nos Estados Unidos da América e nos demais Estados que seguiram o modelo francês, é a presença da separação dos poderes do Estado, que é entendida como a separação das funções executiva, legislativa e judiciária, em razão da indivisibilidade do poder do Estado, a que faz menção o artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 [24].

Necessário afirmar que vários foram os precedentes das declarações de direitos, especialmente na Inglaterra, salientando que precedentes históricos são os enunciados anteriores ao século XVIII que continham, de alguma forma, o reconhecimento de direitos pelo Rei, que não podem ser considerados declarações de direitos na forma que expusemos.

Em razão da relevância, podemos citar a Magna Charta Libertatum, além de forais e cartas de franquia, que, por serem cartas com características tipicamente feudais e com destinatários certos e restritos, os ingleses, são mais pactos com o rei do que efetivamente declarações de direitos na forma como modernamente surgiram [25].

Com relação aos direitos declarados, pode-se citar como exemplos, além da questão organizacional do Estado que também foi contemplada, da liberdade em geral, liberdade de locomoção, liberdade de opinião e expressão, direito à segurança, direito à propriedade entendido como liberdade de usar e dispor de seus bens, entre outros [26].

Na tradição francesa, os direitos declarados no século XVIII possuem as seguintes características: são naturais, abstratos, imprescritíveis, inalienáveis, individuais e universais.

São naturais [27], pois derivam da natureza humana, sendo que a declaração já os presume existentes, especialmente porque foram "deduzidos racionalmente, a partir da contraposição do estado de natureza ao estado de sociedade, posta como fórmula de raciocínio político." [28]

Em razão de se vincularem à natureza humana, são abstratos, pois não pertencem aos franceses, pertencem a todo o gênero humano. Tratam de direitos de todas pessoas.

São imprescritíveis pois não se perdem com o passar do tempo, estando ligados à essência humana. Perder esses direitos, nessa tradição, significa desnaturar a sua personalidade humana.

São inalienáveis, pois a ninguém é dado o poder/direito de abdicar de sua natureza humana.

São individuais, especialmente em razão do foco e do sujeito de direito que se busca tutelar, daí a nomenclatura liberdades individuais, ou, como adotou o Brasil, direitos individuais.

São universais, pois não deixam qualquer ser humano fora de seu alcance.

Finalizando nossos apontamentos sobre a primeira geração de direitos, é de se notar que o desenvolvimento do ideário iluminista no plano da sociedade civil teve como contrapartida econômica o desenvolvimento do liberalismo econômico, e, desse movimento dialético, nasce a necessidade histórica que justifica e fundamenta os direitos de segunda geração [29].

Sobre eles, os direitos de segunda geração, é de se notar que foram positivados primeiramente na Constituição de alemã de Weimar de 1919, que ganhou notoriedade e serviu de modelo aos demais Estados. Contudo, diversos precedentes são relevantes como a Constituição Francesa de 1848, a Constituição do México em 1917, a Declaração Russa de 1918 e o Tratado de Versalhes de 1919 [30].

Observe-se que o impulso, ou seja, a necessidade histórica que motivou tais positivações reside, de forma extremamente simplista, na chamada "Questão Social".

A Questão Social representa um conjunto de condições a que foi submetida a classe trabalhadora, especialmente nos séculos XIX e XX, onde o liberalismo econômico, aliado a um capitalismo selvagem, deteriorou de tal forma o quadro social, e, se assim pode ser chamada, também a qualidade de vida. "Numa síntese, talvez demasiado simplificadora, pode-se dizer que, paralelamente ao avanço do liberalismo político e econômico, o período acima referido assistiu à deterioração do quadro social..." [31].

Além disso, o período histórico referido é marcado pela chamada "crise das liberdades públicas", pois os autores franceses se questionavam: "Estariam em declínio ou em crise as liberdades públicas? Progresso ou crise? "Essor" ou "crise" – como perguntam os doutrinadores franceses" [32].

Estes questionamentos foram realizados em razão dos diversos regimes políticos que permearam os anos de 1900, regimes esses absolutamente contrários aos direitos, como o nazismo e o fascismo.

Contudo, atualmente, com relativa perspectiva histórica, podemos verificar que se trata, no fundo, de movimentos que motivaram a transformação e extensão dos direitos inicialmente garantidos, motivando a terceira geração de direitos (direitos de solidariedade).

Essa transformação também possui ligação umbilical com o liberalismo econômico e, de acordo com ele, com o mercado, pois "Neste(Naquele) universo o mercado possuirá relevância ímpar, afinal, é por meio dele que se dá o processo vital de venda e compra e a apropriação, circulação e acúmulo de bens da vida.", e, em razão disso, é no seu seio que os indivíduos poderão exercer grande parte das suas liberdades. Ora, sendo o mercado indispensável para os negócios humanos, e como algo tão perfeito não poderá sofrer intervenções, "as primeiras regras a serem inequivocamente seguidas serão impostas por sua "mão invisível"; o mercado passa a assumir contornos de algo consciente, algo capaz de prever e obter os melhores resultados." [33].

Desses contornos abstrai-se que "Toda uma teoria será construída para defender a idéia de que seria plenamente possível alcançar o bem geral pelo individualismo.", sem perder de vista que isso se dá por se ter consolidado a crença de que "os fatores de produção irão ajustar-se na medida das satisfações e necessidades individuais e não o contrário." [34]. Nesse passo, se legitima econômica e doutrinariamente o laissez-faire.

E, na base social, que integra a mesma infraestrutura que a deteriora, os trabalhadores foram imersos na miséria, com péssimas condições de trabalho nas fábricas e minas, estando ausente proteção corporativa, além de a mecanização crescente ter gerado massas de desempregados e baixos salários.

Vale notar que, em contrapartida, também ocorreu acúmulo de riqueza em proporções e velocidade nunca vistas, e apenas para poucos, os empresários.

E, no mesmo período desse contexto econômico-social, o contexto político era marcado sistema representativo que possuía o voto censitário como ponto vulnerável. Afinal, "Por mais hábil que fosse a argumentação dos que o justificavam, como Sieyès, ela não se sustentava em face dos princípios de 1789, ou seja, de que "os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos."(art. 1º)." [35]

Assim, não tardou para se iniciar o processo de busca do direito ao voto, acabando com o voto censitário e atingindo o sufrágio universal que, já se adiante, num primeiro momento não foi "tão universal" quanto se pretendia. "Obviamente isso deu força crescente aos movimentos e partidos que logravam conquistar o apoio e os votos desses novos cidadãos." [36].

E, para os autores franceses que se questionavam sobre a "crise das liberdades públicas", esse momento foi marcante, pois

O aparecimento, no decorrer do século dezenove, do denominado fenômeno de massa, é apontado como a primeira causa determinante da crise das liberdades públicas. Quando as massas penetram definitivamente na vida política e começam a participar do sufrágio universal, tais ajuntamentos, por natureza intolerantes e violentos, elegem líderes que oprimem a minoria da oposição. Guiadas mais por impactos emocionais do que por equilíbrio, reflexão, tolerância e indulgencia, as multidões transmitem aos chefes sentimentos opostos aos necessários para a formação da atmosfera propícia ao desenvolvimento das liberdades públicas, como ocorreu, por exemplo, na Alemanha do nacional – socialismo, na Itália da época do fascismo e nos regimes comunistas inaugurados logo depois da segunda guerra mundial que, durante o período estalinista, reprimiram com brutalidade inaudita todo tipo de liberdade de manifestação do pensamento. [37]

Nesse contexto, os direitos econômicos, sociais e culturais foram positivados.

Na Constituição de Weimar se destacam a sujeição da propriedade à função social, a proteção ao trabalho, o direito à sindicalização, à previdência social, entre outros.

Esses direitos são direitos categoriais, direitos coletivos, que buscam equalizar relações entre diferentes, estando num dos pólos um hipossuficiente, superando assim a fórmula liberal da igualdade formal. Tem como objetivo promover uma igualdade material.

E, isso se deve à mudança da perspectiva do Estado Liberal para o Estado Social.

O Estado Social deixa de ser apenas o mero government by law e pretende se transformar no complexo governnment by policies, na medida em que pretende preocupar-se com certos fins a serem alcançados, metas sociais e não apenas econômicas. O papel a que se propõe é superar suas funções tradicionais de "proteção" e "repressão", legislando para o futuro e adotando nova técnica de controle social: a promocional. [38]

Em razão dessas características, os sujeitos de direito são os membros de determinada categoria, decorrência do fenômeno de massas, assentando a origem destes direitos no Estado e sendo a ele opostos como obrigações de fazer, culminando-se, portanto, num critério de Justiça Distributiva.

Sobre os direitos de terceira geração, é de se notar que foi Karel Vasak que intitulou, além da divisão em gerações, os direitos sobre os quais realizaria a sua palestra de direitos de solidariedade, naquela mesma oportunidade já tratada.

A chamada terceira geração de direitos humanos se desenvolveu no século XX, e foi positivada após a segunda grande guerra.

Acerca da razão histórica para o seu desenvolvimento, vale citar que:

Na medida em que o gênero humano se mostrou técnica e moralmente capaz de se autodestruir, suscitou a solidariedade de todos os indivíduos e categorias da sociedade humana diante de uma possível destruição da humanidade, seja gradativamente, pela lenta degradação das condições necessárias à vida humana, seja sumariamente, pela abrupta supressão dessas condições. [39]

Note-se, também, que se trata da expressão da dignidade humana, caracterizando-os, desta forma, como direitos difusos, exigíveis e oponíveis a todos, cujo desenvolvimento e positivação se deram inicialmente no cenário internacional, sendo o direito à paz, direito ao desenvolvimento, direito ao meio ambiente, direito ao patrimônio comum da humanidade os direitos que o compõe esta geração.

Além disso, como afirma Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, a gama de direitos de terceira geração tem se ampliado, incluindo-se o direito à autodeterminação dos povos, alimentação básica, e tantos outros direitos que a cada dia se tornam mais direitos de todos [40].

O mesmo autor realiza ressalva quanto à nomenclatura "direitos de solidariedade" ou "direitos de fraternidade", pois ela sofre críticas, especialmente porque solidariedade e fraternidade propriamente ditas estão presentes em outros direitos humanos, e, segundo, critica-se a divisão em gerações de direitos, que conduzem a equívocos como considerar que existe superposição entre os direitos ou que os direitos que integram cada uma das gerações não se comunicam de forma alguma com os demais.

Feitas essas breves considerações sobre os direitos, não podemos perder de vista que se trata de uma evolução, um aprimoramento, sendo que as declarações de direitos buscam assegurar e garantir os direitos lá enunciados.

A questão que se apresenta na evolução das declarações de direitos foi a de assegurar sua efetividade através de um conjunto de meios e recursos jurídicos, que genericamente passaram chamar-se garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Tal exigência técnica, no entanto, determinou que o reconhecimento desses direitos se fizesse segundo uma formulação jurídica mais caracterizadamente positiva, mediante a sua inscrição no texto das constituições, visto que as declarações de direitos careciam de força e mecanismos jurídicos que lhe imprimisse eficácia bastante. [41]

Nesse passo, em que pese tratar das liberdades, cuja promoção se dá essencialmente pelo não-fazer do Estado, a Declaração de 1789 trazia disposição no seu artigo 12 de que "A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada.". É certo que a finalidade do dispositivo se vincula ao momento histórico e busca repelir abusos de poder perpetrados por autoridades, numa postura de abstenção do Estado. Porém, doutro lado, também revela a preocupação inicial em garantir, assegurar os direitos declarados de forma a torná-los efetivos. Esse apontamento tem a finalidade de demonstrar a preocupação em se garantirem os direitos declarados, de forma a demonstrar esta constante nas declarações de direitos.

E é com o intuito de efetivar os direitos sociais que BOBBIO, em célebre passagem, assim se manifesta:

É supérfulo acrescentar que o reconhecimento dos direitos sociais suscita, além do problema da proliferação dos direitos do homem, problemas bem mais difíceis de resolver no que concerne àquela "prática" de que falei no início: é que a proteção destes últimos requer uma intervenção ativa do Estado, que não é requerida pela proteção dos direitos de liberdade, produzindo aquela organização dos serviços públicos de onde nasceu uma nova forma de Estado, o Estado Social. Enquanto os direitos de liberdade nascem contra o superpoder do Estado – e, portanto, com o objetivo de limitar o poder -, os direitos sociais exigem, para a sua realização prática, ou seja, para a passagem da declaração puramente verbal à sua proteção efetiva, precisamente o contrário, isto é, a ampliação dos poderes do Estado. [42]

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Sobre o autor
Luiz Eduardo de Almeida

Advogado, mestrando em Direito na Universidade Metodista de Piracicaba, bolsista da CAPES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Luiz Eduardo. Considerações para a compreensão dos direitos individuais, dos direitos sociais e dos direitos de solidariedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2173, 13 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12981. Acesso em: 22 nov. 2024.

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