Artigo Destaque dos editores

Os universitários e os direitos humanos.

O que pensam os estudantes universitários de Direito do Centro de Educação Biguaçu da Universidade do Vale do Itajaí em relação aos direitos humanos?

Exibindo página 1 de 2
21/06/2009 às 00:00
Leia nesta página:

RESUMO: Esta pesquisa objetiva investigar qual é o grau de conhecimento que os estudantes universitários de Direito do Centro de Educação Biguaçu da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) têm a respeito dos direitos humanos e a sua opinião sobre a aplicação de direitos civis, políticos e sociais a uma minoria social: os criminosos. A metodologia usada é a pesquisa descritiva e exploratória com associações.

PALAVRA-CHAVE: direitos humanos, cidadania, estudantes de Direito.


1. INTRODUÇÃO

Os direitos humanos são hoje um dos temas de maior importância nas discussões políticas. O respeito àqueles direitos mais relevantes à vida das pessoas está inevitavelmente no centro de qualquer concepção sobre a melhor forma de se organizar uma sociedade. Tanto que não seria de grande ousadia, por exemplo, a afirmação de que na maior parte dos autores os direitos humanos sequer aparecem mais como uma ideia política, mas como um valor paradigmático.

No entanto, se no plano doutrinário a necessidade do respeito aos direitos humanos é quase um consenso, na prática, eles ainda são fonte de grandes divergências. Por sua vez, não há como negar que a causa de tais divergências se dá também pelo fato de que sua criação repercute diretamente nos diferentes interesses de classe. É por isso também que embora sejam os direitos humanos defendidos retoricamente quase com unanimidade pela maioria, na prática, a sua concretização encontra grandes oposições de setores da sociedade e discordâncias quanto ao seu processo de construção.

Mas o que se quer chamar a atenção aqui é que os direitos humanos não são estáticos, no sentido de que uma vez alcançados por uma determinada sociedade, estaria encerrado seu processo de construção. Até porque para que o seu processo de construção chegasse a um final, haveria também de se pensar nos direitos humanos de uma forma fixa e limitada. Pelo contrário, os direitos humanos são variáveis conforme as contingências sociais, de maneira que se os direitos humanos são criáveis e modificáveis, qualquer esforço no intuito de aprofundá-los coincide também com o processo ininterrupto de criação/modificação do Direito, dentro de uma lógica política.

Obviamente que tal dinamicidade decorrente de sua natureza, por conseguinte, depende de determinado nível de consciência por parte da população dos seus próprios direitos, pois não há ativismo político se o povo não possuir conhecimento de sua própria condição. Para a emancipação do povo não basta que este apenas conheça os seus direitos já existentes, urge necessário ainda a consciência de que novos direitos possam ser instituídos e a consciência de que este processo de construção, como exposto antes, não cessa nem encontra limites.

Por seu turno, a possibilidade de novos direitos se dá através do exercício cidadania. Como afirma Celso Lafer [01], em sua interpretação dos direitos humanos no pensamento de Hanna Arendt, a cidadania, enquanto considerado como o direito a exigir novos direitos, surge como um princípio substantivo: o ponto de partida que permite estabelecer o ser humano como sujeito político, visto como indivíduo ativo numa sociedade plural.

Assim, não basta que existam apenas alguns direitos fundamentais respeitados pelo Estado, pois isso representaria uma sociedade limitada a esses mesmos direitos já concedidos, dependendo sempre do arbítrio estatal a instituição de novas normas. Depende sim, da cidadania, pois o povo adquire o status de sujeito protagonista na edificação da sociedade por meio dela. É através desse núcleo mínimo de garantias de participação que caracteriza a cidadania que há a possibilidade substancial de se estabelecer a igualdade em dignidade dos seres humanos.

Com efeito, o processo de democratização de uma sociedade também se acha estritamente interligado à cidadania, já que a participação política somente é possível quando respeitados aqueles direitos mínimos que garantam ao indivíduo o acesso ao espaço público. E, de outra face, é também verdade que no próprio exercício da democracia há a possibilidade do alargamento dos meios de participação. É no sentido dessa interconexão entre direitos humanos - abrangendo aqui a idéia de cidadania - e democracia que José Joaquim Gomes Canotilho [02] afirma:

Tal como são um elemento constitutivo do estado de direito, os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático. Mais concretamente: os direitos fundamentais têm uma função democrática [...] Realce-se esta dinâmica dialética entre os direitos fundamentais e o princípio democrático. Ao pressupor a participação igual dos cidadãos, o princípio democrático entrelaça-se com os direitos subjectivos de participação e associação, que se tornam, assim, fundamentos funcionais da democracia. Por sua vez, os direitos fundamentais, como direitos subjectivos de liberdade, criam um espaço pessoal contra o exercício de poder antidemocrático, e, como direitos legitimadores de um domínio democrático, asseguram o exercício da democracia mediante a exigência de garantia de organização e de processos com transparência democrática (princípio maioritário, publicidade crítica, direito eleitoral). Por fim, como direitos subjectivos a prestações sociais, económicas e culturais, os direitos fundamentais constituem dimensões impositivas para o preenchimento intrínseco, através do legislador democrático, desses direitos.

Em conclusão, uma sociedade que deseja aprofundar a questão dos direitos humanos necessita ser incentivada ao exercício de sua cidadania; precisa participar politicamente. Do contrário, os direitos humanos não passarão de uma retórica idealista, estagnados naqueles direitos já concedidos pelo Estado, senão mesmo retrocedendo conforme as conjunturas políticas. Aliás, tais processos de retrocesso não são raros na História. Basta que se mencione o Nazi-fascismo ou as Ditaduras Latino-americanas, por exemplo.

Por tudo isso, o conhecimento dos indivíduos da sua própria condição na sociedade, ou seja, dos direitos já existentes e dos que podem vir a serem estabelecidos, dependem, em análise última, de uma formação educacional politizada, que possibilite a compreensão dos fenômenos sociais, econômicos, políticos e suas inevitáveis relações.

O sistema de ensino, destarte, tem um papel fundamental na consolidação da cidadania, já que é nas escolas e nas universidades o local onde se constrói a identidade dos indivíduos. É nesses espaços onde existe a possibilidade mais estruturada de formação de cidadãos conscientes de sua historicidade e com uma visão bem clara dos direitos civis, políticos, sociais, coletivos e transindividuais.

Os cursos de Direito, em especial, são um espaço próprio para que a temática dos direitos humanos e da cidadania seja abordada de forma mais integrada aos projetos político-pedagógicos, às grades curriculares e às atividades extracurriculares. No entanto, tal assertiva não parece refletir a realidade. Esse dado pôde ser confirmado em pesquisas realizadas no Brasil acerca da compreensão dos direitos humanos e da cidadania, onde não necessariamente estudantes dos cursos de Direito apresentaram maior conhecimento do que estudantes de outros cursos [03]. Pelo contrário, o que se pôde perceber nessas pesquisas é que os universitários bem como os estudantes dos cursos de Direito, em grande parte, possuem uma compreensão bastante deturpada, sendo que algumas confusões parecem mesmo estar disseminadas no pensamento dos discentes.

Entre as distorções mais comuns estão: a de associar os direitos humanos a privilégios de bandidos; a da crença na repressão como único meio possível de pôr fim à violência; a do desconhecimento das liberdades civis e dos limites do Estado; a divisão do País entre ricos e pobres, sendo que o tratamento desigual por parte do Estado não é fator de indignação; a ausência dos requisitos básicos de sobrevivência - como educação, saúde, habitação, transporte etc - para boa parte da população é considerada normal; o sentimento inconsciente de que as elites são as "donas do poder" e concessionárias de direitos às classes marginalizadas; a descrença nas instituições democráticas para resolver os conflitos, seja nas entidades do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário [04].

Enfim, é justamente com base neste descompasso entre a necessidade de ativismo político para a concretização dos direitos humanos – que por sua vez pressupõe conhecimento por parte da população, em especial dos estudantes, já que estes muito provavelmente irão compor as elites intelectuais e políticas do País – e a constatação de que os universitário, de modo geral, parecem estar pouco entrosados com o assunto, que se encontra fundamento para uma pesquisa no sentido de averiguar com mais detalhe o que pensam de fato os estudantes universitários a respeito dos direitos humanos, a fim de tentar detectar a origem do problema.

Partindo desta premissa, questionou-se, então, acerca dos alunos de Direito do Centro de Educação Biguaçu da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). O que estes pensam a respeito dos direitos humanos em geral e, mais especificamente, em relação às minorias sociais, como os presos e os pobres [05]?

Assim, aplicou-se aos estudantes um questionário sobre direitos humanos, sendo que o presente artigo, portanto, nada mais é do que o relato dos resultados somado às nossas próprias considerações a respeito deles. Quanto às nossas considerações, procuramos fazê-la sempre à luz de nossa ordem jurídica vigente e daquilo que tem se entendido sobre o assunto – pelo menos majoritariamente – nesses tempos mais recentes. É importante ressaltar, todavia, que nossos comentários não impedem que o leitor possa tirar suas próprias conclusões.

Importante ainda frisar que, embora a pesquisa tenha se limitado a um alvo bastante reduzido e específico – já que foram questionados somente os alunos do curso de Direito do Centro de Educação Biguaçu da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) –, ainda assim consideramos sua validade como contribuição a essas diversas outras pesquisas que vêm sendo feitas no País, já que a análise em conjunto desses vários trabalhos fornece uma visão genérica da situação. Obviamente que o ideal seria um estudo que abrangesse um número maior de universidades, cursos e alunos, porém, para tal amplitude seriam necessários mais tempo e mais recursos do que os obtidos para a presente pesquisa.

Em suma, a finalidade última foi a de analisar esses dados colhidos e chegar a uma conclusão sobre o padrão de respostas apresentado pelos alunos, na perspectiva de se contribuir para um maior esclarecimento da situação dos direitos humanos nas universidades brasileiras, e a partir deste marco, encontrar mecanismos que possam aprofundar o tema nos meios acadêmicos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

2. DIREITOS HUMANOS

Não é o objetivo deste trabalho uma abordagem sobre a garantia dos direitos humanos, de uma discussão sobre o seu processo de vivência e de suas diversas correntes políticas.

Entretanto, julgou-se importante que antes do relatório dos dados colhidos pelo questionário aplicado, uma breve análise do nascimento dos direitos humanos e das etapas vivenciadas pela humanidade até os tempos atuais daria mais consistência aos objetivos propostos pela pesquisa.

2.1 O trinômio direitos humanos, cidadania e democracia: do jusnaturalismo à corrente histórica

Foi na inversão histórica do modelo de Estado organicista para o individualista, após as Revoluções Burguesas, com destaque para as experiências inglesa, francesa e americana, o início do reconhecimento jurídico dos direitos humanos. Foi essa nova roupagem jurídica que possibilitou a ascensão do homem enquanto ser autônomo e detentor de direitos, em oposição aos regimes anteriores, onde prevaleciam sempre os interesses do Estado frente aos do indivíduo [06].

Conforme esse novo modelo individualista emergido das Revoluções, o Estado passou a ser considerado pela soma de seus indivíduos, de modo que a limitação do poder estatal abriu espaço para a liberdade e a realização pessoal, subtraindo a antiga visão organicista do Estado, como um todo indivisível, onde o homem prescindia de sua liberdade a fim de viver para a coletividade, pois desse modo, acreditava-se, ser possível evitar a desintegração do Estado e se atingir o progresso.

No entanto, ressalta-se que embora tenha sido nos modelos de Estados liberais - republicano e parlamentar – o início do reconhecimento jurídico dos direitos humanos, foi a partir da ascensão da burguesia nos Estados Modernos, que respaldada nas idéias jusnaturalistas do homem livre e possuidor de direitos inatos à sua própria condição (portanto, fala-se em direitos universais, atemporais e inalienáveis), a justificativa encontrada para o fim das monarquias, ou pelo menos, uma limitação dos poderes do Rei, como ocorreu na Inglaterra. Por isso de se dizer que os direitos humanos estão intimamente ligados aos Estados Modernos, como bem assevera Denise Lacerda [07]:

Tal como para os gregos, também no mundo medieval não há distinção entre o social e o natural; é o nascimento que determina o lugar que cada se insere, na hierarquia de uma pirâmide social, em cujo topo se encontra o rei.

Com a consolidação de uma nova ordem social, construída a partir dos valores de uma nova classe ascendente, a burguesia, o "indivíduo" ganha plena autonomia.

É importante frisar que os jusnaturalistas da época usaram as teorias contratualistas como meio de proteger os "súditos" das arbitrariedades dos "soberanos". Para Bobbio [08], a idéia contratualista de que nas sociedades primitivas os homens viviam em um "estado de natureza", ou seja, sem Estado, o que os colocava em uma situação de permanente conflito e condenados à lei do mais forte, foi usada como ficção doutrinária (já que não há evidências científicas de sua existência) para a necessidade de um contrato, entre todos os indivíduos, que organizasse a vida em sociedade. Todavia, o caos representado pelo "estado de natureza", por si só, servia simplesmente para chamar a atenção da necessidade da figura do Estado, contudo, sem discriminar que tipo de Estado, podendo ser monárquico (monarquia constitucional) ou republicano. O diferencial do pensamento jusnaturalista foi o argumento de que no "estado de natureza" o homem precedeu a sociedade e, por isso, a sociedade deveria servir ao homem e não o oposto, idéia que era obviamente incompatível com as monarquias despóticas de então.

As idéias jusnaturalistas, no entanto, viriam a ser duramente criticadas no século XIX, já que com o desenvolvimento do capitalismo industrial, surgiu uma nova classe social: o proletariado. Daí que as normas de caráter programático e garantista das Cartas constitucionais dos Estados liberais não mais atendiam às necessidades desta nova classe marginalizada, que via no liberalismo econômico e no excesso de abstração das normas, benefícios da classe burguesa. O que saltava os olhos à época era justamente essa incompatibilidade entre as Cartas idealistas de inspiração jusnaturalista e os fenômenos sociais aviltantes decorrentes da Revolução Industrial O proletariado reivindicava direitos concretos, que longe dos ideais liberais, pudessem de fato estabelecer uma nova realidade.

Foi neste período de exploração dos trabalhadores o nascimento doutrinário do positivismo jurídico. Pois, a nova realidade social que se formou requisitava novos direitos, mais específicos àquela situação deplorável que se encontrava o proletariado, de maneira que se questionou a universalidade e a eternidade dos direitos humanos, conforme o pensamento jusnaturalista. Nesse sentido, Celso Lafer [09] alerta:

A afirmação, pelo jusnaturalismo moderno, de um Direito racional, universalmente válido, teve efeitos práticos importantíssimos, seja na teoria constitucional, seja na obra de codificação que vieram a caracterizar a experiência jurídica do século do século XIX. Estes efeitos, no entanto, contribuíram para corroer o paradigma que os inspirou.

De fato, a codificação terminou por constituir-se em ponte involuntária entre o jusnaturalismo e o positivismo jurídico.

De fato, a concepção jusnaturalista encontra dificuldades para firmar-se como uma teoria totalizante dos direitos humanos.

Para Norberto Bobbio, há quatro barreiras na busca por um fundamento absoluto dos direitos humanos. A primeira deriva da relatividade do termo direitos humanos. Qualquer definição dos direitos do homem esbarra em definições tautológicas ou de conteúdo programático e, por conseguinte, carecem de uma realidade objetiva [10].

Na segunda, os direitos humanos são variáveis e surgem no decorrer da História, de acordo com o desenvolvimento tecnológico e as novas realidades sociais. Os direitos sociais, por exemplo, surgiram durante a exploração dos trabalhadores durante a Revolução Industrial, o que prova, por sua vez, a inexistência dos direitos naturais [11].

Já na terceira, os direitos humanos constituem uma classe heterogênea, podendo, inclusive, conflitarem entre si. O direito de liberdade de imprensa, por exemplo, em alguns casos adentra a esfera de proteção à intimidade [12].

Por último, os direitos humanos são antinômicos. Assim, se de um lado as liberdades civis dependem da abstenção de certos comportamentos por parte dos cidadãos e mesmo dos órgãos públicos em relação a cada cidadão, os direitos sociais exigem certas obrigações por parte dos cidadãos e dos órgãos públicos, de maneira que o aumento dos poderes dos indivíduos implica na diminuição da liberdade dos mesmos indivíduos [13].

Por todas essas dificuldades que encontrou o jusnaturalismo no plano doutrinário e em decorrência das contingências sociais e das constantes modificações do poder no plano político no século XIX, o jusnaturalismo, que havia sido causa da codificação, foi através da mesma, desacreditada doutrinariamente – conforme expôs Celso Lafer. Eis que surge, destarte, a necessidade de uma nova explicação para o fenômeno jurídico, que naquela circunstância culminou no positivismo jurídico.

Para esta nova corrente, a perspectiva paradigmática do Direito estava no Estado/poder, abstrato e imparcial, que detinha em suas mãos o comando de toda a sociedade [14].

Por outro lado, o positivismo jurídico também logo encontrou limitações doutrinárias. No positivismo normativista de Kelsen, considera-se o Estado como fonte central de todo o Direito e a lei como sua única expressão, a formar, como se nota, um sistema fechado e coerente; uma ciência completa e auto-suficiente. Não obstante isso, o fenômeno jurídico, se entendido como processo histórico em construção, carece de uma afirmação do Direito que leve em conta também os fenômenos sociais, políticos e econômicos [15].

É com esse fundamento que Maria Eliane Menezes de Farias [16] afirma:

Como nenhuma das duas teorias, tanto o jusnaturalismo quanto o juspositivismo, respondiam com inteireza a indagação fundamental – o que é Direito? – exatamente porque insuficientes para explicar o fenômeno jurídico na sua totalidade, os juristas passaram a fundamentar a eficácia das normas na própria experiência da sociedade, inaugurando uma visão concreta, aglutinadora e totalizante do fenômeno jurídico – a concepção dialética. Isto por que tanto mais divorciados da realidade social, quanto mais os juristas encaminharam-se por declarar os princípios jurídicos de forma dogmática, e, de conseqüência tanto mais distanciados ficaram da avaliação crítica do conflito social, omitindo a influência ideológica, não reconhecendo a existência de normas jurídica não-estatais e a evidência da pluralidade de ordenamentos a disputar hegemonia.

Com base neste fundamento, é que finalmente podemos afirmar o nascimento doutrinário da corrente histórica dos direitos humanos, que possui uma concepção mais ampla do que o juspositivismo; a aproximar-se, por assim dizer, de uma sociologia do Direito, embasada no discurso crítico, no conflito de interesses e que via cidadania se materializa historicamente.

Pela corrente histórica dos direitos humanos, os direitos não são tão-somente fonte do Estado, diversamente disso, surgem no decorrer da História a partir das demandas das classes sociais, que encontram nas lutas emancipatórias o meio de ampliá-los cada vez mais.

Sobremais, é inegável só ser possível falar na historicidade dos direitos humanos em um regime que tenha o ser humano no ápice dos interesses do Estado, pois num regime que aniquila o ser humano enquanto sujeito político, diluindo-o na unidade do Estado, não há que se falar em lutas emancipatórias e ampliação de direitos. Vale lembrar que os direitos humanos se realizam conforme o trinômio direitos humanos, cidadania e democracia, corolário do Estado de Direito que havia emergido das Revoluções Burguesas. Por isso a afirmação de Bobbio de ter sido as Revoluções a tábua de viragem de toda a humanidade e, por conseguinte, dos direitos humanos.

Mas não é só. A esta altura o leitor pode estar se perguntando, o fato dos direitos humanos transformarem-se no decorrer da História e se consolidarem através dos consensos da maioria, não traz consigo nenhuma consistência do que sejam os direitos humanos, pois se estes não formam uma classe definível, como podemos descrevê-los? Que tipo de direito é considerado um direito do homem?

É que os direitos humanos, embora não sejam estáticos, adquirem certa solidez, fundamentada em evidências históricas e em princípios norteadores. Só assim podemos falar em direitos humanos, pois do contrário, nem mesmo a terminologia "direitos humanos" faria algum sentido, além de que se correria o risco de poder se legitimar qualquer direito como um direito do homem. Nesse sentido, Johan Galtung [17] ensina:

Mas, antes, uma conceptualização dos DH é indispensável. [...] protegendo o que há de mais essencial na existência humana. Existe uma ligação às necessidades humanas básicas que, potencialmente, tornariam os direitos humanos aplicáveis aos seres humanos em toda a parte.

Por isso a diferenciação que se faz entre direitos do homem e direitos fundamentais. Os direitos do homem são aqueles reconhecidos historicamente ou por meio de documentos jurídicos de diversos países muito embora não sejam incorporados por todos os ordenamentos jurídicos dos Estados. Já os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos positivados nas diversas Constituições com características diferenciadas das outras normas constitucionais ou infraconstitucionais, tendo em vista os seus mecanismos de alteração/produção que não são os mesmos.

Podemos concluir, de resto, que mesmo para a corrente histórica os direitos humanos podem ser considerados uma classe de direitos reconhecível, traduzidos em direitos que versam sobre a condição humana, dentro de um limite espacial e temporal. Não se confunde, porém, com uma concepção racionalista, posto a condição humana se alterar na História, tanto de ser possível a classificação dos direitos humanos conforme o seu surgimento.

Paulo Bonavides, por exemplo, classifica os Direitos humanos em quatro gerações.

Como direitos de primeira geração, o referido autor aponta os derivados da liberdade, os direitos civis e políticos, que "têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico [...] são os direitos de resistência ou de oposição perante o Estado" [18].

Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos decorrentes do lema da igualdade, enquadrando-se nestes "os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social, depois que germinaram por obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século" [19].

O ambiente propício para a normatização destes direitos foi o período pós Segunda Guerra Mundial, em que os liberais, temendo novas revoluções socialistas, conseguiram gestar uma nova ideologia que possibilitou a conjugação dos direitos de liberdade e igualdade no binômio social-democracia [20].

Os direitos fundamentais de terceira geração (Fraternidade), para Paulo Bonavides [21],

têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta [...] Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade [...] o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

Os direitos fundamentais da quarta geração dizem respeito à democracia, ao direito à informação e ao pluralismo. Para Bonavides [22], esses direitos estão diretamente relacionados a uma idéia de globalização da democracia e possível universalização dos direitos fundamentais.

Os direitos humanos, em suma, obedecem a certos critérios, sem que com isso sejam limitados por uma teoria final ou por direitos já consagrados nos ordenamentos jurídicos. Eles se ampliam dentro das possibilidades históricas e não cessam de trabalhar em pró da dignidade humana.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rafael Caetano Cherobin

estudante, graduando em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) - Santa catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHEROBIN, Rafael Caetano. Os universitários e os direitos humanos.: O que pensam os estudantes universitários de Direito do Centro de Educação Biguaçu da Universidade do Vale do Itajaí em relação aos direitos humanos?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2181, 21 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13010. Acesso em: 23 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos