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Direitos fundamentais como direitos subjetivos

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24/06/2009 às 00:00

Resumo:


  • Os direitos fundamentais são essenciais para garantir a autodeterminação individual e proteger o indivíduo de interferências indevidas, especialmente em uma sociedade globalizada e fragmentada.

  • A Teoria Analítica de Robert Alexy, ao dividir os direitos subjetivos em direitos a algo, liberdades e competências, oferece uma compreensão tridimensional dos direitos fundamentais, integrando aspectos normativos, empíricos e analíticos.

  • As competências positivadas na Constituição ampliam a margem de ação do indivíduo, sendo protegidas por institutos jurídicos que impedem o legislador de revogar certas competências, assegurando assim a efetividade dos direitos fundamentais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4 TEORIA ANALÍTICA: uma tríplice divisão de posições

Para a teoria analítica de Alexy os direitos ocupam uma tríplice divisão das posições: direitos a algo, a liberdades e a competências.

O objeto do direito a algo é uma ação do destinatário e decorre da relação triádica entre um titular, um destinatário e um objeto, é a razão do destinatário fazer parte dessa relação, assim descrita: A (titular) tem em face de B (destinatário) um direito a G (objeto).

Dessa estrutura básica surgem diversas outras questões, a depender do titular ser uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, bem como de quem vem a ser o destinatário, que pode ser o Estado ou um particular e, ainda, o objeto, que pode ser uma ação positiva ou uma abstenção. Ressalta-se que, para Alexy, é exatamente o objeto o principal diferencial entre os direitos.

O direito a ações negativas do Estado, também chamado de direito de defesa, consiste em que o Estado não impeça ou dificulte determinadas ações do titular do direito, não afete determinadas características ou situações do titular e, ainda, que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas desse titular.

Importante nessa esteira revisitar a teoria dos quatro status de Jellinek, desenvolvida no século passado, na qual se analisa a posição do indivíduo em face do Estado e as situações dela decorrentes quanto aos direitos e deveres.

Em breve síntese, Jellinek [21] identifica o status passivo quando o indivíduo está em situação de subordinação aos poderes públicos, consistente na detenção de deveres para com o Estado. O status negativo decorre da necessidade de se salvaguardar algum âmbito de liberdade para o homem em face do império do Estado. Quando o indivíduo tem o direito de exigir uma prestação do Estado em seu favor, estamos diante do status positivo. E, em se tratando de direitos políticos, em que a pessoa goza de competência para influir sobre a formação da vontade do Estado, encontramos o status ativo.

A partir dessa teoria, que foi recebendo depurações ao longo do tempo, afirma Paulo Gustavo Gonet Branco [22] que se podem decalcar as espécies de direitos fundamentais mais freqüentemente assinaladas – direitos de defesa (ou direitos de liberdade) e direitos a prestações (ou direitos cívicos), bem como a dos direitos de participação.

Das pluralidades de conceitos para o direito à liberdade, partindo-se de uma perspectiva superficial, a liberdade é uma qualidade que pode ser atribuída a pessoas, ações e sociedades.

Para Alexy [23] a base do conceito de liberdade é constituída por uma relação triádica entre um titular de uma liberdade (ou de uma não-liberdade), um obstáculo à liberdade e um objeto da liberdade.

Ao tratar de liberdade jurídica, que é uma manifestação especial do conceito amplo de liberdade, está a se falar quando o objeto da liberdade for uma alternativa de ação, o que significa dizer uma "liberdade negativa".

Nesses termos, a distinção entre liberdade positiva e a negativa está no fato de na primeira o objeto da liberdade ser uma única ação, já na segunda o objeto consiste em uma alternativa de ação.

Assim, para a criação de uma situação de liberdade jurídica é necessária apenas uma abstenção estatal, quer seja, uma ação negativa.

No entender de Alexy [24] a liberdade negativa em sentido estrito equivale à concepção liberal de liberdade. Uma liberdade negativa em sentido estrito é sempre uma liberdade negativa em sentido amplo, mas nem toda liberdade negativa em sentido amplo é também uma liberdade negativa em sentido estrito:

Se a transformação da situação de não-liberdade econômica em uma situação de liberdade econômica tiver que ocorrer de uma forma juridicamente garantida pelo Estado, então, a ele pode ser concedido um direito a uma prestação em face do Estado, ou seja, um direito a uma ação estatal "positiva". Já para a criação de uma situação de liberdade jurídica é necessário, ao contrário, apenas uma abstenção estatal, ou seja, uma "ação negativa". Para a garantia da liberdade não é necessário um direito a prestação, apenas, um direito de defesa.

Nestes termos, o conceito negativo e democrático de liberdade está baseado em possibilidades, enquanto a liberdade em sentido positivo está atrelada a realidade e implica na participação efetiva do cidadão em sociedade, compartilhando responsabilidades.

Quando Alexy fala em concepção liberal de liberdade, mister se faz esclarecer o que é a liberdade segundo a doutrina liberal, pela qual o termo é utilizado como um estado de não-impedimento, caracterizada pela ampliação da esfera de permissões e pela diminuição das obrigações.

Bobbio [25] recolhe as lições dos clássicos, a exemplo de Montesquieu, Rousseau, Benjamin Constant e, especialmente, Kant, para estabelecer os dois modos predominantes de se entender a palavra "liberdade", afirmando que

ora é a faculdade de cumprir ou não certas ações, sem o impedimento dos outros que comigo convivem, ou da sociedade, como complexo orgânico ou, mais simplesmente, do poder estatal; ora o poder de não obedecer a outras normas além daquelas que eu mesmo impus.

A partir dessas duas visões, Bobbio [26] esclarece os respectivos significados advindos da doutrina liberal e da doutrina democrática, da seguinte forma:

O primeiro significado é aquele recorrente na doutrina liberal clássica, segundo a qual "ser livre" significa gozar de uma esfera de ação, mais ou menos ampla, não controlada pelos órgãos do poder estatal. O segundo significado é aquele utilizado pela doutrina democrática, segundo a qual "ser livre" não significa não haver leis, mas criar leis para si mesmo. De fato, denomina-se "liberal" aquele que persegue o fim de ampliar cada vez mais a esfera das ações não-impedidas, enquanto se denomina "democrata" aquele que tende a aumentar o número de ações reguladas mediante processos de auto-regulamentação. Donde "Estado liberal" é aquele no qual a ingerência do poder público é o mais restrita possível; "democrático", aquele no qual são mais numerosos os órgãos de autogoverno.

Depreende-se desses ensinamentos que do ponto de vista da doutrina liberal há uma ampliação da esfera da autodeterminação individual, restringindo-se a esfera do poder coletivo, enquanto que na visão da doutrina democrática há uma ampliação da esfera da autodeterminação coletiva, na qual ocorre restrição da esfera individual. Observa-se, assim, que no Estado moderno temos uma interação das duas correntes doutrinárias.

Bobbio [27] identifica em Kant o conceito para liberdade jurídica, alertando que na teoria kantiana há coincidência dos conceitos de liberdade e autonomia política, a saber: "Melhor é definir a minha liberdade externa (isto é, jurídica) como a faculdade de não obedecer a outras leis externas senão àquelas às quais eu pude dar a minha anuência". Portanto, Kant endente por liberdade jurídica o poder de dar coletivamente leis a si mesmos, quer seja, a faculdade de não obedecer a outra lei senão àquela com a qual o cidadão consentiu.

As liberdades jurídicas podem estar ou não protegidas, segundo classifica Alexy.

As liberdades não-protegidas estão relacionadas à permissão no sentido de negação de deveres e proibições, podem ser tanto um fazer quanto um não fazer. Assim, a liberdade não-protegida consiste na mera ligação entre a permissão de um fazer e a de um não-fazer, uma combinação de negações do dever-ser.

Importante frisar que as liberdades não-protegidas não implicam o direito de não ser embaraçado no gozo dessas liberdades, é distinta de uma combinação de permissões, porque a partir do momento que esse direito é passível de restrições, a liberdade antes não-protegida se transmuda em liberdade protegida.

As normas de direitos fundamentais são normas permissivas explícitas, a partir do momento em que por meio delas algo é permitido. A importância dessa afirmação está em que essas normas estabelecem "os limites do dever ser" em relação às normas hierarquicamente inferiores, que por sua vez, serão tidas como inconstitucionais caso ordenem ou proíbam algo que uma norma de direito fundamental permite fazer ou deixar de fazer.

A liberdade protegida está associada a normas objetivas que garantem ao titular do direito fundamental a viabilidade de praticar a ação permitida.

Em síntese, o direito negativo de liberdade em face do Estado está na junção de uma liberdade jurídica, um direito contra o Estado, a um não-embaraço e uma competência para questionar judicialmente a violação desse direito.

Por sua vez, uma proteção positiva de uma liberdade em face do Estado deflui da soma de uma liberdade com um direito a uma ação positiva.

A Constituição programática inclui em seu texto os direitos sociais, os quais geram direitos a prestações por parte do Estado para que se torne possível a fruição daquele direito.

Alexy esclarece que utiliza o termo competência não no sentido organizacional, mas no sentido de "poder", o que abrange o poder jurídico, autorização, capacidade, direito formativo e capacidade jurídica, uma vez que esses demais termos podem por si só levar a outras concepções.

A principal característica para estabelecer se estamos diante de uma competência é a capacidade de alterar as posições jurídicas dos sujeitos de direito submetidos à norma. Por sua vez, uma permissão de praticar um determinado ato não gera individualmente obrigações e deveres passíveis de reclamação judicial, a exemplo de um contrato firmado por um incapaz legalmente. Nada proíbe de firmá-lo, contudo não é capaz de fazê-lo no sentido jurídico, quer seja, não tem poder, não tem competência.

A competência é um acréscimo à capacidade do indivíduo que lhe é conferida pelo ordenamento jurídico, mediante regras jurídicas, que originariamente por sua própria natureza, o indivíduo não possui, e nisso diferem de meras normas de conduta.

Para Alexy a garantia de institutos de direito privado é, sobretudo, uma proibição endereçada ao legislador, contra a eliminação de determinadas competências dos cidadãos.

Daniel Sarmento [28] sustenta, inclusive, a necessidade de extensão dos direitos humanos à esfera das relações entre particulares, para que os indivíduos não fiquem desprotegidos diante de atores privados cada vez mais poderosos. Nesse viés, fundamenta sua tese na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, determinante para uma interpretação que venha a fortalecer esses direitos, afirmando que

A dimensão objetiva justifica também a idéia de que o Estado deve não apenas abster-se de violar os direitos humanos, mas também defendê-los ativamente de ameaças e agressões provenientes de terceiros, inclusive particulares. Esta concepção vale também para os direitos individuais clássicos – que eram vistos tradicionalmente como meros direitos de defesa em face dos poderes públicos – e enseja o enriquecimento do seu conteúdo.

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Para restringir um direito fundamental, a teoria de Alexy [29] se utiliza da "lei do sopesamento", colocada nos seguintes termos: quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro.

Por meio da referida lei se torna necessário fundamentar, quer seja, se utilizar da argumentação jurídica, para justificar o enunciado de preferência que representa o resultado desse processo, correspondente ao grau de afetação e importância.

Concluindo, o que se propõe é um modelo fundamentado na argumentação jurídica no sentido de otimizar os princípios e não os colocar em conflito.


CONCLUSÃO

Os direitos fundamentais na ótica trazida correspondem aos direitos humanos reconhecidos e positivados constitucionalmente numa determinada comunidade jurídica.

O constitucionalismo moderno está calcado no equilíbrio entre os poderes transferidos para as mãos do Estado e o respeito e conseqüente realização dos direitos fundamentais.

As diversas funções exercidas pelos direitos fundamentais qualificam as espécies desses direitos, dentre as quais a liberdade e a igualdade, como direitos de defesa do indivíduo.

Na teoria de Alexy, por meio do reconhecimento das competências há um ganho de expansão na margem de ação do indivíduo, no exercício dos direitos subjetivos.

Para que as liberdades, no sentido jurídico, estejam a salvo, é imprescindível fortalecer os institutos, para garantir e aumentar a efetividade dos direitos subjetivos positivados na ordem constitucional.

É importante ressaltar que os institutos são endereçados ao legislador para que este não suprima competências do indivíduo. O difícil é estabelecer até onde vai a autonomia privada e a intromissão institucional autorizada.

No atual estágio da sociedade, cada vez mais plural e complexa, nos termos do Estado Social Democrático de Direito adotado pela Constituição brasileira, percebe-se a aproximação das esferas públicas e privadas, consistente em uma ampliação da esfera da autodeterminação individual, restringindo-se a esfera do poder coletivo, noção absorvida da doutrina liberal, bem como, agregando-se à doutrina democrática, pela qual ocorre uma extensão da esfera da autodeterminação coletiva, podendo resultar em restrições do ponto de vista meramente individual. Para tanto, é necessário um trabalho hermenêutico de ponderações.

O que se coloca como reflexão no presente artigo é quanto do âmbito privado de liberdade de cada indivíduo permanece inviolado.

Pelo que foi exposto, a liberdade individual vem sendo reduzida e a saída para a não institucionalização total da liberdade, consistente em atitudes ora negativas ora positivas, tanto do ser humano quanto do Estado, é lutar firmemente pela a expansão das competências, ou seja, a força de permanecer com o poder de decidir e participar das decisões da vida em sociedade como ser livre da coerção das outras pessoas.


BIBLIOGRAFIA

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Sobre a autora
Janete Ricken Lopes de Barros

bacharel em Direito, analista judiciário, Diretora da Vara Cível, de Família e de Órfãos e Sucessões do Núcleo Bandeirante/DF, pós-graduada em Processo Civil pelo IDP, mestre em Direito Constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Janete Ricken Lopes. Direitos fundamentais como direitos subjetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2184, 24 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13032. Acesso em: 26 dez. 2024.

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