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O ISSQN e o conflito entre municípios.

Quem pode cobrar? A quem recolher?

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25/06/2009 às 00:00
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Poderíamos concluir este estudo afirmando que a exigência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza caberá sempre ao município onde ocorrer o seu fato gerador. Tal assertiva, porém, parece zombar da inteligência do leitor, na medida em que esta é frase corrente e batida entre os aplicadores do direito tributário e não conduz à tão esperada solução para os impasses vivenciados diariamente.

A solução proposta requer uma visão ampla sobre a legislação pertinente e também sobre os fatos tributáveis, de modo a, principalmente, evitar-se as confusões conceituais, hoje tão comuns e desastrosas, entre "local da efetiva prestação do serviço" com "município sede do tomador do serviço".

Pressuposto preliminar reside no entendimento de que a cobrança do ISSQN pelos municípios deve harmonizar-se com a Constituição da República e com as normas gerais tributárias, sendo-lhes vedado, portanto, definir fato gerador ou aspectos dele de forma diferente da previsão contida em lei complementar nacional, a quem compete também e em caráter exclusivo, a solução dos conflitos de competência entre os entes tributantes.

Do mesmo modo, é vedado aos municípios agir na cobrança do imposto adotando interpretação equivocada ou, o que é pior, utilizar as palavras da lei e/ou da jurisprudência distorcendo-as, ora empregando-as num sentido, ora noutro, para obter vantagem indevida. A vedação aqui expressa estende-se, por óbvio, ao sujeito passivo tributário.

Outra premissa básica a fixar é que, conforme disposição expressa da LC 116/2003, o critério material da hipótese de incidência do ISSQN corresponde à "prestação" de serviços, não à sua destinação ou fruição. O momento da concretização do fazer determinará o critério temporal do fato gerador tributário, decorrendo dele, por conseqüência, o aspecto espacial.

Os serviços, por sua vez, apresentam características próprias que indicam o local de sua prestação. Merece atenção especial o fato de que alguns podem ser executados pelo mesmo prestador, ora em seu estabelecimento, ora no estabelecimento do tomador, ora em outro lugar qualquer.

Classificando os serviços tributáveis a partir do local de sua possível prestação, identificamos três espécies, sendo: a) serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá no estabelecimento prestador; b) serviços cuja prestação necessariamente ocorrerá fora do estabelecimento prestador; c) serviços que em tese podem ser prestados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou mesmo em qualquer outro lugar, a escolha do prestador.

O imposto sobre os serviços incluídos no grupo a será, sem sombra de dúvida, devido ao município em que esteja localizado o estabelecimento prestador, posto que somente neles o fato gerador poderá concretizar-se.

Quanto aos serviços indicados no grupo b, entendemos que estes correspondem às regras específicas listadas pelo art. 3º da LC 116/2003 e o imposto deve ser recolhido para o município indicado pelo dispositivo legal, local onde ocorre a materialização da hipótese de incidência, que não se confunde com o município sede do tomador do serviço.

Em relação aos serviços contidos no grupo c, o imposto deve ser recolhido conforme a regra geral disposta na lei, qual seja, ao município que hospedar o estabelecimento prestador, local da ocorrência dos fatos tributáveis, por presunção legal, que servirá, nestes casos, para afastar o conflito de competências entre os entes tributantes, orientando igualmente o sujeito passivo tributário.

Em outras palavras, o fato gerador do ISSQN dar-se-á indubitavelmente e concretamente no estabelecimento prestador, para os serviços cuja prestação demanda a existência de base física imóvel, e presumidamente para aqueles que podem ser executados tanto no estabelecimento prestador quanto no estabelecimento ou domicílio do tomador do serviço ou ainda em um terceiro lugar qualquer, cujo controle foge ao alcance do poder público, assim como a ninguém transparece.

A lei complementar nacional, ao utilizar o instituto da presunção para definir o estabelecimento prestador como local da ocorrência do fato gerador tributário para os serviços cuja identificação dos aspectos espacial e temporal será sempre questionável e facilmente mascarada por meio da fraude fiscal, o fez dentro dos limites de seus poderes e de sua competência.

A conduta adotada por muitos municípios e pelos próprios sujeitos passivos, de conferir a exigência do imposto indiscriminadamente para o município sede do tomador do serviço não nos parece correta, especialmente porque implica em considerar ocorrido o fato tributário segundo a destinação ou fruição do serviço, o que desvirtua o critério material da hipótese de incidência - a prestação do serviço.

As regras legais definidoras do aspecto espacial do ISSQN estão em sintonia com os princípios constitucionais da territorialidade e da autonomia municipal, com a competência para planejar e organizar a cidade e com o uso do poder de polícia para disciplinar o exercício das atividades econômicas em seu território.

Para a correta aplicação da lei, o estabelecimento deve ser entendido como a unidade econômica ou profissional onde o prestador desenvolva sua atividade fim, de modo permanente ou temporário, observando-se que a existência do estabelecimento independe da sua formalização jurídica, de estar legalizado, em forma de sede, filial, sucursal, etc., e deve ser caracterizado segundo as manifestações do ânimo de permanecer estabelecido.

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A solução do conflito exige, portanto, que tanto os municípios quanto os sujeitos passivos tributários orientem-se pela regra estabelecida pela Lei Complementar Federal 116/2003, estatuto legal que, cumprindo o papel atribuído pela Constituição Federal e sem extrapolar seus poderes, dirimiu conflitos de competência e fixou as normas gerais relativas ao fato gerador do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 12ª edição rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006. 512 p.

BRASIL. Código Civil. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172/1966. 31ª edição. São Paulo, Saraiva, 2002. 1034 p.

BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/LCP/Lcp116.htm.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª ed.rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2002. 544 p.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Anotações ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 2000. 796 p.

FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no Direito Tributário. 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2005. 318 p.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28ª Edição. São Paulo: Malheiros, 2007. 560 p.

CEZAROTI, Guilherme. O Fato Gerador e o Aspecto Espacial do ISS. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães, MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). ISS, LC 116/2003. Curitiba: Ed. Juruá, 2004, 670 p.

MARTINS, Ives Gandra da Silva, RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. O ISS e o Local da Prestação do Serviço. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães, MARTINS, Ives Gandra da Silva (org.). ISS, LC 116/2003. Curitiba: Ed. Juruá, 2004, 670 p.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Temas Atuais de Direito Tributário. São Paulo: Ed. Elevação Jurídica, 2001, 186 p.


Notas

  1. O jornal "Folha de São Paulo", já em 2002, dava o tom dos acontecimentos: "Interessadas em aumentar a arrecadação do ISS (Imposto Sobre Serviços), algumas cidades da grande São Paulo estimulam a criação de empresas dentro dos limites de seus territórios sem que elas desenvolvam qualquer atividade econômica no município. Isso ocorre porque as empresas recolhem o imposto no local onde, pelo menos oficialmente, estão instaladas. Como as alíquotas desses vizinhos da capital paulista são, muitas vezes, bem menores – 0,3% em Carapicuíba, por exemplo, contra 5% em São Paulo-, a transação interessa a empresários e prestadores de serviço. Para que a companhia não necessite transferir de fato a sua sede para fora da capital, a tática é a seguinte: para usufruir da alíquota menor, ela adota o endereço de um escritório, geralmente de contabilidade, como domicílio fiscal. Com isso, torna-se uma ‘empresa virtual’ e funciona em um ‘escritório virtual’. O resultado tem sido positivo para esses municípios (espécie de paraísos fiscais) e incomoda a Prefeitura de São Paulo, que promete pedir uma ação do Ministério Público contra essa prática. Em São Paulo, o ISS foi responsável por 50,98% da receita tributária da prefeitura em 2001" (Folha de São Paulo. Ed. 24/04/2002. Reportagem de Chico de Góis. Disponível em <http://www.gcontrol.com.br> Acesso setembro/2008).
  2. É o que mostrou a Revista Veja com a reportagem "Tem firma com sede até no cemitério" onde o destaque foi um jovem município do Estado de São Paulo que aprovou alíquota de 0,5% de ISS para prestadoras que para lá migrassem ainda que só no papel e, para atender a demanda, permitiu o uso de endereços notadamente falsos, como o ginásio de esportes municipal, o edifício-sede da prefeitura, um lago e até o cemitério. O prejuízo aos municípios chegava, na época, a 800 milhões de reais anuais, beneficiando principalmente profissionais liberais e grandes empresas. Segundo a reportagem, a guerra fiscal entre os municípios seria ainda mais interessante e segura se comparada com a guerra fiscal dos estados porque: "Quando o objeto do incentivo era o ICMS, a empresa precisava transferir de verdade fábricas e operações para o estado que oferecia a vantagem. No caso do ISS, a mudança ocorre, na maioria das vezes, apenas no papel. Arranja-se um endereço na cidade que dá desconto de ISS e transfere-se a sede para lá. Em geral, a alteração é só de fachada e não implica nenhum custo administrativo permanente, como aluguéis e funcionários. Não raro, a nova sede resume-se a uma caixa postal." (Revista Veja, Ed. nº 1938, de 11 de janeiro de 2006. Reportagem de Fábio Portela. Disponível em <http://www.fazenda.gov.br/resenhaeletronica/MostraMateria.asp?page=&cod=256565> Acesso setembro/2008)
  3. Código Tributário Nacional, art. 116, I.
  4. Alínea c incluída pela LC 100/1999.
  5. No mesmo sentido: AgRg EDcl no Ag 468.839/DF; AgRg no REsp 299.838/MG; e AgRg no Ag 336.041/MG.
  6. Ver decisão do AgRg no Ag 903224 / MG, Ministra Eliana Calmon, DJ 07.02.2008 p. 1.
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Sobre a autora
Márcia Zilá Longen

Auditora Fiscal Tributária do Município de Blumenau/SC, Atua como Julgadora da Unidade de Julgamento Singular - Contencioso Administrativo Tributário,Pós-Graduação em Gestão Pública

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LONGEN, Márcia Zilá. O ISSQN e o conflito entre municípios.: Quem pode cobrar? A quem recolher?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2185, 25 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13046. Acesso em: 23 dez. 2024.

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