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Conduzir veículo de placa estrangeira no território nacional é crime?

04/07/2009 às 00:00
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Pelo menos uma vez por ano a Receita Federal ou a Polícia Federal apreendem veículos com placas estrangeiras nas regiões de fronteira. A justificativa é sempre a mesma, como a que foi noticiada no jornal "O Estado do Paraná" que dizia que: "A Polícia Federal explica que o brasileiro ou estrangeiro residente no Brasil que possui um veículo com placa estrangeira, está praticando crime de descaminho".

Então, pessoas residentes no Brasil que trafegam em território nacional com veículo de placa paraguaia cometem o crime de descaminho? Nem sempre. Com todo o respeito às opiniões contrárias, mas este posicionamento não merece prosperar.

Veja-se que a legislação aduaneira permite a circulação de veículos estrangeiros no Brasil sem qualquer formalidade, somente aos veículos comunitários do MERCOSUL, de uso particular e exclusivo de turistas. O que não significa dizer que todas as demais hipóteses de internação temporárias estejam vedadas. Aqui está o equívoco da Polícia Federal e da Receita Federal, pois ignoram o atual estágio de integração do MERCOSUL e os objetivos do Tratado de Assunção.

Existem algumas situações que permitem a livre locomoção no território nacional de veículo estrangeiro mesmo quando conduzido por brasileiro que possua domicílio em seu país, quais sejam quando existirem razões concretas para o trânsito entre os países, tais como vínculos de natureza familiar e negocial.

Nestes termos: "O proprietário de veículo estrangeiro tem direito à livre locomoção no território brasileiro, desde que seja ele domiciliado no país de procedência do bem ou, ainda, que também tenha domicílio no Brasil, existirem razões concretas para o trânsito entre os países, tais como vínculos de natureza familiar e negocial. 2 - A Portaria nº 16/95, que permite o ingresso de veículos comunitários do MERCOSUL, de uso particular e exclusivo de turistas, não esgota as possibilidades de internação temporária (TRF4, AC 2002.70.02.001360-6, Segunda Turma, Relator Eloy Bernst Justo, D.E. 24/10/2007)".

É a chamada situação do duplo domicílio. De acordo com o art. 71 e seguintes do Código Civil pode considerar-se domicílio qualquer das residências ou dos centros de ocupações habituais da pessoa que os tenha em mais de um lugar.

Resta claro que "admite nossa legislação civil, em seu art. 71 a pluralidade domiciliar", conforme ensina Maria Helena Diniz em seu curso de direito civil brasileiro.

Feitas as considerações necessárias, é possível concluir que o duplo domicílio impede a configuração do crime de descaminho.

Veja-se que são duas as figuras típicas previstas pelo art. 334 do Código Penal: 1. Importar ou exportar mercadoria proibida (contrabando) e 2. Iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida (descaminho).

O verbo nuclear do descaminho (iludir) significa enganar, burlar, fraudar. Segundo Luiz Flávio Gomes: "No descaminho, o agente busca iludir, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, o pagamento de direito ou imposto devido em face da entrada ou saída da mercadoria não proibida (GOMES, Luiz Flávio e CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal – São Paulo: RT, 2008, v. 3, p. 411)".

Logo, tal crime se configura pela fraude empregada para evitar o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada ou saída da mercadoria não proibida. O que evidentemente não ocorre quando há a internação temporária de veículo motivada pela situação do duplo domicílio, a qual afasta a intenção de introduzir, com animo definitivo, o veículo em território nacional.

Para aclarar a questão, veja-se:

"Além do requisito objetivo - procedência estrangeira da mercadoria - para a perfectibilização do ilícito insculpido no artigo 334 do CP é necessária a presença do elemento subjetivo do tipo, circunstância ausente nos autos. Os veículos, embora de origem paraguaia, eram utilizados pelo acusado em constantes viagens entre Brasil e Paraguai, uma vez que possui residência nos dois países, não havendo provas de que agiu com a intenção deliberada de atingir o bem jurídico tutelado pela norma penal. 2. Absolvição mantida. (TRF4, ACR 2002.72.08.004271-8, Oitava Turma, Relator Élcio Pinheiro de Castro, DJ 26/02/2004)".

"1. Não há evidências nos autos de que o acusado se utilizasse do veículo de fabricação estrangeira para trafegar, com ânimo definitivo, no território brasileiro. Somente dessa forma estaria presente o dolo do tipo do art. 334 do Código Penal. 2. Atipicidade da conduta imputada ao denunciado. 3. Apelação improvida. (TRF4, ACR 2000.04.01.136665-5, Sétima Turma, Relator Fábio Bittencourt da Rosa, DJ 16/01/2002)".

Muito embora o tipo não exija o dolo específico, é evidente que o sujeito deve dirigir a sua vontade com o ânimo definitivo de introduzir o veículo no território nacional, o que não ocorre nas situações de duplo domicílio.

Portanto, conduzir um veículo com placa estrangeira no território nacional somente será considerada uma conduta criminosa se ocorrer a internação definitiva do veículo no Brasil, o que não ocorre pelo simples trânsito motivado pelo exercício de atividade profissional ou vínculos de natureza familiar.

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Sobre o autor
Diogo Bianchi Fazolo

Advogado do escritório DBF Advocacia, em Foz do Iguaçu (PR).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAZOLO, Diogo Bianchi. Conduzir veículo de placa estrangeira no território nacional é crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2194, 4 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13105. Acesso em: 19 abr. 2024.

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