1-INTRODUÇÃO
O Brasil tem uma faixa costeira contínua de mais de oito mil quilômetros de extensão e águas continentais que comportam baías, lagos, rios, açudes etc. Nesse contexto, as relações de trabalho existentes são diversificadas, onde há grande número de pessoas que, como meio de subsistência e de forma rudimentar, exploram a pesca individualmente ou com o auxílio de membros da família ou de terceiros, sem relação de emprego. Há, também, as que exploram a pesca com a utilização da força de trabalho de outrem, mediante uma relação que a realidade fática demonstra que é de emprego.
O objeto do presente estudo centra-se nos aspectos legais, doutrinários e jurisprudenciais que norteiam a atividade pesqueira no Brasil, especificamente, no que diz respeito às relações de emprego sob o prisma das normas de proteção ao trabalho. Nesse sentido é feita análise crítica do contrato de parceria hodiernamente utilizado.
Com o advento da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009, oriunda de um projeto de lei do ano de 1995, surge novo ordenamento para atividade pesqueira que, certamente, trará mudanças significativas e novas concepções que proporcionarão melhorias para o setor pesqueiro nacional.
Inicialmente, para melhor compreensão do tema, é imperioso conhecer como se desenvolve a atividade pesqueira e alguns conceitos legais que lhe são inerentes. Em seguida, adentrar-se-á no cerne do estudo que está dividido nos seguintes tópicos: Pesca e pescador. Definição legal. Pescador profissional e pescador artesanal. Diferenciação e relação de emprego; A parceria como forma de contratação de pescadores. Titularidade do contrato de trabalho de acordo como o tipo de contrato de arrendamento da embarcação; Aspectos legais relativos à operação de embarcações de pesca de bandeira estrangeira e contratação de trabalhadores brasileiros; Fatores impeditivos para efetivação de direitos sociais dos pescadores; Condições de vida e de trabalho a bordo de embarcações de pesca e Considerações finais.
2-PESCA E PESCADOR. DEFINIÇÃO LEGAL. PESCADOR PROFISSIONAL E PESCADOR ARTESANAL. DIFERENCIAÇÃO E RELAÇÃO DE EMPREGO.
Na acepção da Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009 [01], toda operação, ação ou ato tendente a extrair, colher, apanhar, apreender ou capturar recursos pesqueiros são definidos como pesca, que se classifica em comercial e não comercial. A pesca comercial poderá ser explorada de forma artesanal ou industrialmente. A não comercial poderá ser praticada com fins científico, amador ou de subsistência.
O novel ordenamento instituído pela supracitada lei prevê que a pesca artesanal poderá ser praticada por pescadores profissionais, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, podendo utilizar embarcações de pequeno porte. Já a pesca industrial poderá ser praticada por pessoa física ou jurídica e envolver pescadores profissionais nas embarcações de pequeno, médio ou grande porte [02].
Pescador profissional, no dizer do artigo 2º, XXII, da Lei nº 11.959/09, é a pessoa física, brasileira ou estrangeira residente no país que, licenciada pelo órgão público competente, exerce a pesca com fins comerciais, atendidos os critérios estabelecidos em legislação específica.
São condições essenciais para o exercício da pesca, o registro geral da atividade pesqueira - RGP, bem como o Cadastro Técnico Federal - CTF e, quando embarcado, a devida habilitação em cursos certificados pela Diretoria de Portos e Costa da Marinha do Brasil, haja vista que ao regulamentar a Lei nº 9.537/97 (Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário – LESTA), o Decreto nº 2.596/98 dita que os pescadores são aquaviários [03] tripulantes que exercem atividade a bordo de embarcação de pesca.
Diversamente do pescador profissional, o pescador artesanal [04] explora a pesca de forma autônoma ou em regime de economia familiar [05], com ou sem o uso de embarcação. Se utilizar embarcação, de acordo as recentes disposições da Lei nº 11.959/09, ela deverá ter até 20 AB [06]. O contexto ambiental em que a pesca artesanal se realiza é diversificado, pode ser no mar, rios, açudes, lagos, estuários ou em mangues para a captura de peixes, mariscos, crustáceos etc. Os petrechos utilizados variam em função desses elementos, são rudimentares e tradicionais, como anzol, espinhel, rede, tarrafa, manzuá, currais [07] etc. Dessa forma, os pescadores de estuário capturam caranguejos e mariscos. Os de águas interiores fazem suas capturas em açudes, barragens e rios. Os da pesca comercial oceânica fazem suas capturas em águas marítimas profundas e os extrativistas em viveiros.
À luz do Direito do Trabalho, a relação dos pescadores profissionais não artesanais com o armador [08] da embarcação é de emprego [09], por subsunção ao preconizado pelo artigo 3º da Consolidação das Leis Trabalho, ou seja, ele põe sua força de trabalho à disposição, de forma não-eventual, mediante remuneração e subordinação jurídica. Tal relação é reforçada pelo artigo 7º, parágrafo único, da Lei 9.537/97, o qual prescreve que o embarque e o desembarque do tripulante submetem-se às regras do seu contrato de trabalho e, também, no Decreto nº 64.618/69 que dita no artigo 3º que o armador da embarcação de pesca, seja ou não proprietário dela, é empregador.
Reveste-se de fundamental importância a constatação, in loco, de como o trabalho é realizado e o porte da embarcação para se distinguir o autêntico pescador artesanal do verdadeiro pescador profissional, para fins de caracterização da relação de emprego, posto que os próprios pescadores e até alguns armadores de pesca se consideram artesanais, quando na realidade, o trabalho que desenvolvem não se enquadra nos pressupostos legais de pescador artesanal, mas de pescador profissional.
In casu, iniciada a prestação de serviço do pescador profissional não artesanal ou a de qualquer outro empregado, a Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) deverá ser assinada no prazo de 48 horas, previsão contida no artigo 29 da CLT. A data da assinatura do contrato de trabalho na CTPS poderá ou não coincidir com a data de embarque constante na Carteira de Inscrição e Registro [10] (CIR), já que o pescador, em alguns casos, poderá ser contratado em cidade diversa, antes de embarcar, tendo que se deslocar para o porto de estadia da embarcação, o que se configura como tempo à disposição do empregador, a contar como efetivo tempo de serviço (artigo 4º da CLT). As anotações de embarque e desembarque feitas na CIR, que é documento de habilitação profissional expedido pela autoridade marítima, não garantem direitos trabalhistas [11], mas constituem importante meio de prova da relação de emprego. O documento hábil é a Carteira de Trabalho e Previdência Social. Além da assinatura da CTPS, em face das condições especiais em que o trabalho é desenvolvido, pode-se firmar contrato de trabalho escrito à parte para reger a relação empregatícia. Especificamente para embarcações de pesca, o Decreto nº 64.618/69 disciplina o regime de trabalho a bordo. A Consolidação das Leis do Trabalho, nos artigos 248 a 252 traz, também, algumas disposições sobre o trabalho a bordo de embarcações.
Quanto à duração, o contrato de trabalho poderá ser por prazo determinado ou indeterminado. Mas, em face do princípio da continuidade da relação de emprego adotado pela doutrina laboral, presume-se que todo empregado é contratado sem fixação de tempo, salvo nas restritas hipóteses de contratação por prazo determinado respaldadas pelo artigo 443, parágrafo 2º da CLT, quais sejam: a) serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório; c) de contrato de experiência.
É comum a contratação de pescadores profissionais para fazerem apenas uma viagem (viagem redonda, do porto de origem ao porto de origem) ou uma viagem para buscar ou entregar uma embarcação em determinado porto. Situações que, salvo melhor juízo, justificam e se enquadram na supracitada alínea "a" do parágrafo 2º do artigo 443 da CLT.
Relativamente ao contrato de trabalho por experiência, é digno de registro que o pescador profissional poderá ser admitido pelo prazo máximo de até 90 (noventa) dias e deverá ter sua carteira de trabalho assinada. Essa forma de contratação não decorre exclusivamente da profissão do empregado, mas do caráter personalíssimo da relação de emprego, no sentido do empregado se adaptar ao trabalho e ao ambiente em que se realiza, principalmente embarcado. Isso quer dizer que, mesmo que um pescador tenha vários anos de experiência ele poderá ser contratado dessa forma. Todavia, se ele já trabalhou para o mesmo armador, em período anterior, não é cabível contratá-lo outra vez por experiência.
3- A PARCERIA COMO FORMA DE CONTRATAÇÃO DE PESCADORES. TITULARIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO EM DECORRÊNCIA DO ARRENDAMENTO DA EMBARCAÇÃO.
Aspecto merecedor de destaque, em face de sua larga utilização na atividade pesqueira, é a parceria como meio de contratação de pescadores profissionais, que se constitui, no entender deles e de muitos armadores de pesca como única forma de contraprestação pelo penoso trabalho executado a bordo das embarcações. Ou seja, substitui-se por meio dela direitos sociais, como se fosse salário complessivo [12], pelo qual se remunera todos direitos trabalhistas [13], tais como a assinatura da carteira de trabalho, gratificação de natal, férias, descanso semanal, entre outros. Mas, o que ocorre de fato é uma relação de emprego, independentemente da rotulação que as partes derem ao avençado [14]. Nesse sentido, Altamir Pettersenm e Nilson Marques prelecionam "O que distingue a parceria da falsa parceria não é o fato do trabalhador receber sua remuneração parte em dinheiro e parte em frutos. A falsa parceria é a clara intenção de ocultar por trás de um suporto contrato de parceria o que em realidade é um contrato de trabalho. Na falsa parceria existe subordinação jurídica e econômica do falso parceiro". (in Uso e Posse Temporária da Terra – Arrendamento e Parceria. Editora Pró-Livro. 1980. pag. 35).
O que se chama de parceria na pesca nada mais é do que o pagamento feito aos pescadores pelo armador de pesca após converter em dinheiro o pescado capturado numa ou mais viagens, normalmente, na proporção de 80% para ele e o restante (20%) que é repartido entre os pescadores em cotas, por exemplo, o patrão de pesca (comandante ou mestre da embarcação) fica com 10% e a sobra é dividida entre os demais de acordo com a função desempenhada a bordo. Às vezes, a cota individual de cada pescador, em determinado mês, não corresponde ao salário mínimo. Há flagrantes desequilíbrios em desfavor do pescador nessa forma de parceria. Aliás, é de se registrar que não há um contrato de parceria exclusivo para a pesca. O modelo atualmente utilizado é uma versão distorcida do contrato de parceria rural. Na autêntica parceria não há relação de emprego, em face da ausência de um dos seus elementos caracterizadores, que é a subordinação, nesse sentido, a jurisprudência tem se manifestado, são exemplos, os acórdãos abaixo transcritos.
Parceria Rural. Critério Distintivo da Relação de Emprego. O principal critério utilizado para distinguir a parceria do contrato de trabalho é a subordinação jurídica, existente neste último, como decorrência do poder diretivo do empregador. Caracterizada a autonomia na exploração do prédio pelo parceiro cessionário, bem assim a divisão dos lucros, não há como reconhecer a relação de emprego. (TRT 13ª Reg. – Ac. 30977/96 – Rel. Juiz Tarcísio de Miranda Monte – DJ 07/12/96).
Contrato de parceria. Caracterização. Ausência de Subordinação Jurídica. Diferenciação da Relação de Emprego. O contrato de parceria não se confunde com a relação de emprego, visto que o parceiro-cessionário explora a atividade econômica sem que o cedente intervenha inexistindo, portanto, a subordinação jurídica, elemento caracterizador, por excelência, do contrato de trabalho. (TRT 20ª Reg. Ac. 2591/98 – Relª Juíza Ismênia Ferreira Quadros – DJ 28/10/98).
Falsa parceria. Vínculo empregatício. Caracterização. Evidenciado nos autos que o contrato de parceria firmado entre as partes foi celebrado com vistas a lesar o empregado, impedindo e fraudando a aplicação dos preceitos consolidados, há de ser mantida a decisão que declarou nulo aquele contrato, havendo o período de seu cumprimento como sendo de trabalho subordinado. Recurso a que se nega provimento." (TRT 23ª Região, RO-1262/99, Ac. T.P. 2543/99, Rel. Juiz Roberto Benatar, DJMT 13/10/99).
Agravo de Instrumento. Vínculo empregatício. Contrato de parceria. Com relação ao tema, o entendimento do Regional, baseado no conjunto fático-probatório, foi no sentido de que o contrato de parceria é inválido e que ficou caracterizada a prestação de trabalho, uma vez que ficou provada a subordinação e o recebimento de salário, que são incompatíveis com o contrato de parceria. Assim, diante da natureza fática da matéria em análise, inviável o revolvimento de fatos e provas para se chegar a entendimento diverso, ante a incidência da Súmula 126 deste Tribunal. Nego provimento. PROC. TST-AIRR - 18977/2002-900-04-00.5. Acórdão. 2ª Turma. Pub. 22/06/2005.
Marcos Jatobá Lôbo [15], em brilhante estudo intitulado "Do contrato de parceria. Conceito, espécies e análise do art. 96 e incisos da lei nº 4.504/66 – Estatuto da Terra" faz a seguinte abordagem acerca da configuração da relação de emprego nos contratos de parceria:
Da configuração de relação empregatícia no contrato de parceria:
O parágrafo único do art. 96 do E.T. traz importante disposição acerca da possibilidade de o contrato de parceria ser desconfigurado para uma relação de cunho empregatício, se restarem caracterizados os requisitos essenciais do contrato laboral.
Assim dispõe o citado dispositivo legal:
"Parágrafo único - Os contratos que prevejam o pagamento do trabalhador, parte em dinheiro e parte percentual na lavoura cultivada, ou gado tratado, são considerados simples locação de serviço, regulada pela legislação trabalhista, sempre que a direção dos trabalhos seja de inteira e exclusiva responsabilidade do proprietário, locatário do serviço a quem cabe todo o risco, assegurando-se ao locador, pelo menos, a percepção do salário-mínimo no cômputo das duas parcelas". (grifos nossos)
Portanto, observamos que o primeiro fator que colabora para a desconfiguração do contrato de parceria vem a ser o pagamento parcial em dinheiro ao parceiro-outorgado.
Ora, é sabido que o contrato de parceria só admite o pagamento do parceiro-outorgado em percentual da produção. Desta forma, a percepção em dinheiro, fornecido pelo parceiro-outorgante, já delineia um dos requisitos do contrato de trabalho, qual seja, a remuneração de salário pelo trabalho desempenhado.
A direção dos trabalhos, mediante inteira e exclusiva responsabilidade do parceiro-outorgante traz consigo outros requisitos da relação empregatícia, a saber: a) subordinação, caracterizada pela direção e inteira responsabilidade dos trabalhos pelo parceiro-outorgante, e b) pessoalidade, que é a estrita relação do parceiro-outorgado com o parceiro-outrogante, caracterizada pela exclusividade que este tem na direção dos trabalhos.
Ocorrendo, concomitantemente, estas hipóteses, a relação de parceria cederá lugar à relação empregatícia, razão pela qual as regras aplicáveis serão as constantes na legislação trabalhista.
O Projeto de Lei nº 687/95, que originou a Lei nº 11.959/09, ao dispor sobre pescadores trazia no artigo 14 a possibilidade de contratá-los sob o regime da legislação trabalhista, comercial ou sob contrato de parceria. No artigo 15 havia a previsão de que na pesca industrial, o armador de pesca poderia celebrar com pescadores profissionais contrato de parceria por cotas partes, previsto em convenção coletiva de trabalho, com cláusulas dispondo sobre as condições relativas à responsabilidade pela embarcação, na forma da legislação específica. O parágrafo 3º desse artigo aventava a possibilidade dos parceiros contribuírem para o empreendimento, com a embarcação apta a operar, com equipamentos, materiais e com o trabalho, ou só com este, conforme se ajustar no contrato, repartindo os ganhos ou perdas ao término de cada viagem. Mais adiante, o artigo 17 condicionava a validade do contrato de parceria à homologação do sindicato das categorias envolvidas. Tais artigos (14 a 17) foram vetados.
A redação desses dispositivos é preocupante, haja vista a possibilidade do congresso nacional rejeitá-los. Eis os motivos:
1) Quanto a possibilidade de contratação de pescadores sob o regime da legislação comercial, um verdadeiro absurdo. Nada a comentar.
2) Na hipótese de haver um contrato de parceria revestido das formalidades legais, aplicável na atividade pesqueira, a relação entre parceiros não é de emprego. Então, como seria possível disciplinar uma relação que não é de emprego por meio de convenção coletiva de trabalho [16], já que esse instrumento destina-se a regular condições de trabalho aplicáveis às relações individuais de trabalho, ou seja, a relação entre empregado e empregador?
3) A realidade dos fatos demonstra que a parceria já é utilizada na atividade pesqueira, mas de forma distorcida, em desfavor do pescador. Então, que tipo de parceria o projeto de lei se reportava e porque o legislador não a disciplinou diante da realidade fática existente, de maneira a proporcionar segurança jurídica para os armadores de pesca e garantia de efetiva participação dos pescadores nos resultados da pesca?
4) A embarcação é o meio que dispõe o armador para explorar a pesca com fins comerciais. Há todo um ordenamento legal a discipliná-la que vai desde sua construção, inscrição, operação e tráfego. Dispor em convenção coletiva de trabalho sobre condições relativas à responsabilidade pela embarcação seria o mesmo que transferir para o pescador o risco da atividade econômica;
5) Condicionar a validade da parceria à homologação do sindicato é contra senso. A relação entre autênticos parceiros é autônoma e independe de filiação sindical. Nesse sentido, em recente decisão o STF fulminou o item IV do artigo 2º da Lei nº 10.779/03 que trata do seguro desemprego do pescador artesanal por ferir o preceito constitucional que ninguém é obrigado a filiar-se ou manter-se filiado a sindicato;
6) Por fim, nenhum pescador quer repartir perdas com ninguém. Tampouco nenhum armador de pesca quer repartir ganhos seja lá com quem for. Ademais, fico a imaginar como seria a repartição das perdas numa embarcação de pesca oceânica com tripulação de 12 homens e despesas de armação, por exemplo, de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e que após 25 dias de pesca em alto mar, o pescado capturado rendesse somente R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais). In casu, os pescadores ficariam endividados por um bom tempo. Em sentido contrário, se a quantidade de pescado capturado fosse de 50 toneladas de atuns, por exemplo, ao custo de R$ 7.000,00 (sete mil reais) por tonelada, perfazendo o montante de R$ 350.000,00 (trezentos e cinqüenta mil reais), a repartição dos ganhos deixaria os pescadores muito bem de vida por um bom tempo.
Ao se compulsar o inteiro teor do PL nº 687/95 vê-se que o legislador, nos aspectos atinentes às atuais relações de trabalho desenvolvidas na atividade pesqueira, notadamente no que diz respeito à parceria, perdeu ótima oportunidade para discipliná-la e adequá-la à realidade existente. Relativamente às condições de vida e de trabalho a bordo foi omisso, sequer fez menção a alguma melhoria nesse aspecto, em face das precaríssimas condições de das embarcações de pesca e do alto risco a que estão expostos os pescadores. Tais omissões não se coadunam com o desenvolvimento sócio-econômico, cultural e profissional dos que labutam na pesca, como prevê o artigo 1º, IV da Lei nº 11.959/09.
No entanto, em leitura mais acurada no texto legal, vê-se que a parceria originariamente prevista no PL 687/95 foi mantida na exploração da pesca comercial artesanal (o que é admissível) e na industrial (o que à luz do Direito do Trabalho não é admissível). Todavia, há curiosidades, posto que ao classificar a pesca artesanal o legislador utilizou a expressão "mediante contrato de parceria" e na industrial, "em regime de parceria por cotas-partes". É o que se depreende da literalidade do artigo 8º, I, "a" e "b" da citada Lei, in verbis:
Art. 8º Pesca, para os efeitos desta Lei, classifica-se como:
I – comercial:
a) artesanal: quando praticada diretamente por pescador profissional, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, com meios de produção próprios ou mediante contrato de parceria, desembarcado, podendo utilizar embarcações de pequeno porte;
b) industrial: quando praticada por pessoa física ou jurídica e envolver pescadores profissionais, empregados ou em regime de parceria por cotas-partes, utilizando embarcações de pequeno, médio ou grande porte, com finalidade comercial; (sublinhamentos não constantes no texto original)
Diante do permissivo legal acima mencionado poderá ocorrer um retrocesso nas relações de emprego desenvolvidas na pesca comercial industrial, com a reversão dos atuais contratos de trabalho em contratos de parceria. A realidade dos fatos demonstra que a parceria, da forma como foi e como é hoje, não trouxe e não trará participação nos resultados da pesca ou melhorias para os sacrificados pescadores.
Portanto, em respeito às normas de proteção ao trabalho, é admissível a parceria na atividade pesqueira concomitantemente com um contrato de trabalho, mas apenas como forma de remuneração pelo trabalho, desde que seja respeitado o piso salarial da categoria, quando existente, ou o salário mínimo vigente, nunca como substituidora de direitos sociais constitucionalmente garantidos.
Parceria concomitante com contrato de emprego. Nada impede que as partes mantenham, concomitantemente, contratos de trabalho e de parceria agrícola, considerando-se, principalmente, que o tempo despendido pelo reclamante nos trabalhos desenvolvidos na pequena lavoura, objeto do contrato de parceria, não o impede de cumprir as suas obrigações na fazenda." (TRT 23ª Região, RO nº 2852/94, Ac TP nº 365/95, Relator Juiz Diogo Silva, DJMT 04.05.95, página 08).
A caracterização da relação de emprego do pescador profissional é de fácil identificação, em face da natureza do trabalho e, também, da subordinação legal ao patrão de pesca [17] que, por sua vez, é subordinado ao armador ou ao proprietário da embarcação. Ou seja, o patrão de pesca e demais pescadores são, necessariamente, empregados. Entretanto, nas embarcações arrendadas eles serão empregados de quem? A resposta dependerá do tipo de contrato de arrendamento (a casco nu, por tempo ou por viagem). No arrendamento a casco nu, a embarcação é cedida, por tempo determinado, ao arrendatário, pessoa física ou jurídica que fica com sua posse e controle nos aspectos de gestão náutica e de pessoal, mas desprovida de tripulação. O arrendatário a casco nu tem o direito de designar o patrão de pesca e a tripulação, atraindo para si a responsabilidade pela contratação deles nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho.
Os contratos de arrendamento por tempo e por viagem são poucos usuais na atividade pesqueira. O arrendamento por tempo é caracterizado pela entrega do todo ou parte da embarcação completamente armada, tripulada, equipada e em condição de navegabilidade à disposição do arrendatário, por tempo determinado, que assume a posse e o controle da mesma. Já o contrato de arrendamento por viagem caracteriza-se pela obrigação do arrendador em colocar parte ou o todo da embarcação, com tripulação, à disposição do arrendatário para realização de uma ou mais viagens. Ambos são contratos de utilização dos serviços da embarcação. Assim, a tripulação é empregada do arrendador ou proprietário, diferentemente do contrato a casco nu. Essa abordagem refere-se às embarcações de pesca de bandeira brasileira, haja vista que nas estrangeiras, notadamente na pesca oceânica comercial, há particularidades adiante abordadas.