Artigo Destaque dos editores

Tempo e forma: nulidades do ato processual

Leia nesta página:

É algo comum no cotidiano forense depararmo-nos com atos processuais, tais como citações e penhoras, realizados em dias não úteis e também fora do horário legalmente estabelecido, sem qualquer autorização judicial.

Esse quadro, usual em algumas comarcas, não se compatibiliza com o texto legal que impõe a observância a limites de ordem cronológica e temporal para a prática de atos processuais.

Primeiramente, até para uma melhor compreensão do tema, cumpre elucidar o que é um ato processual. Segundo Carlos Eduardo Ferraz de Mattos Barroso "ato processual é todo aquele praticado no processo visando à criação, modificação ou extinção da relação jurídica processual".

Como espécie do ato jurídico, para sua constituição saudável e plena, deve atender a forma presente na legislação, aqui se entendendo a maneira normativamente indicada para sua criação.

O agente público possui atividade vinculada, daí porque deve atuar rigorosamente dentro dos contornos previamente fixados pela legislação, incorrendo em abuso de poder ou autoridade e nulidade quando sua conduta venha a ser praticada em sentido contrário.

No que tange à prática de atos processuais, o Código de Processo Civil, em seu art. 172, estabelece o seguinte:

Art. 172. Os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6 (seis) às 20 (vinte) horas.

Conforme alude o art. 172 do Código de Processo Civil, a regra é que os atos processuais sejam praticados das 6 (seis) às 20 (vinte) horas e em dias úteis, sendo que a prática de atos em dias não úteis e fora dos horários ali previstos constituem excepcionalidade à regra.

A regra acima mencionada busca evitar que os atos processuais sejam praticados em horários não habituais, longe do alcance dos olhos dos cidadãos e do próprio judiciário, fato que dificultaria o controle dos atos processuais e poderia dar ensejo à transgressão a direitos constitucionais, principalmente os inerentes à vida privada.

O Código de Processo Civil, especialmente no que tange à citação e à penhora, alberga hipótese que excepciona a regra contida no caput do art. 172, sendo que o § 2º, do mesmo artigo, reza o seguinte:

Art. 172. (...)

§ 2º A citação e a penhora poderão, em casos excepcionais, e mediante autorização expressa do juiz, realizar-se em domingos e feriados, ou nos dias úteis, fora do horário estabelecido neste artigo, observando o disposto no artigo 5, inciso XI, da Constituição Federal.

Assim, a citação e a penhora podem ser realizadas aos domingos e feriados, bem como fora do horário estabelecido no caput do art. 172 do Código de Processo Civil. Porém, em razão de se tratar de uma situação excepcional, a própria legislação estabeleceu alguns requisitos para que elas possam ocorrer fora da hipótese prevista no caput do art. 172, quais sejam: autorização expressa do juiz, com observância ao disposto no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal, mediante evidente excepcionalidade.

A excepcionalidade da situação deve ser demonstrada por meio de petição da parte ou certidão exarada pelo oficial de justiça, sendo que, em ambas as situações, deverão ser apresentadas as razões que tornam necessária a realização da citação em dias não úteis ou fora do horário previsto no caput do art. 172 do Código de Processo Civil.

Com efeito, a decisão que autoriza a citação ou a penhora em horário especial ou em dia não útil deve ser devidamente motivada e fundamentada.

Constata-se que a citação ou penhora realizada fora do horário estabelecido em lei exige para sua legalidade que haja solicitação da parte ou do oficial de justiça, demonstrando a excepcionalidade do caso e a urgência da medida, autorização expressa do juiz, bem como que seja observada a inviolabilidade domiciliar, prevista no art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal.

Em razão da proteção às garantias constitucionais da privacidade e da intimidade, a legislação estabeleceu, como requisito de validade para a citação promovida fora do horário ou dos dias estabelecidos na lei, a autorização expressa do juiz para o cumprimento de mandado citatório em horário ou dia diverso do legalmente estabelecido.

Essa exigência, totalmente adequada às determinações constitucionais, é destinada a evitar que o oficial de justiça cumpra o mandado a qualquer hora, sem que haja determinação do juiz nesse sentido, bem como objetiva proteger o cidadão contra a tirania e arbitrariedade estatal.

É inconcebível, inimaginável e totalmente contrário aos paradigmas constitucionais do Estado Democrático de Direito que um oficial de justiça, na calada da noite ou em pleno dia não útil, sem qualquer determinação judicial expressa nesse sentido, promova a citação de uma pessoa ou efetive a restrição sobre bens e direitos.

Deve ser gizado que a realização do ato citatório fora do horário regular (06 às 20 horas) ou em dias não úteis, sem o preenchimento dos requisitos contidos no art. 172, § 2º, do Código de Processo Civil, viola frontalmente os princípios do devido processo legal e o da legalidade.

O devido processo legal é violado na medida em que há desrespeito às regras de desenvolvimento válido do processo. De outro lado, no tocante à legalidade, sua violação ocorre, pois estar-se-ia obrigando uma pessoa a receber uma citação desprovida de respaldo legal, portanto, obrigando a fazer algo em desacordo com a lei.

Vale ressaltar que a decisão que autoriza a promoção da citação em dias e horários excepcionais deve ser devidamente fundamentada, ainda que de forma sucinta, pois a devida fundamentação das decisões judiciais é corolário basilar do nosso ordenamento jurídico.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nesse diapasão, estabelece a Constituição Federal em seu art. 93, inciso IX, in verbis, o seguinte:

Art. 93. (...)

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

A exigência legal do atendimento dos requisitos do §2º do art. 172 restaria inócua se não houvesse qualquer consequência jurídica para a violação das regras procedimentais e legais que orientam o ato citatório, deste modo, a lei tratou de prever, além de determinados requisitos, consequências jurídicas para a inobservância das formalidades nela previstas.

A consequência jurídica de uma citação realizada em desacordo com o que prescreve o art. 172 do Código de Processo Civil vem trazida no art. 247 do mesmo diploma legal, que assim dispõe:

Art. 247. As citações e as intimações serão nulas, quando feitas sem observância das prescrições legais.

Conclui-se, deste modo, que a citação, assim como os demais atos processuais, deve ser cumprida, como regra, em dias úteis e no horário estatuído no caput do art. 172, ou seja, das 06 (seis) às 20 (vinte) horas.

Entretanto, a citação poderá ser realizada fora do horário regular e em dias não úteis, desde que seja aludida conduta autorizada de forma fundamentada pelo juiz, mediante solicitação da parte ou do oficial de justiça, e cumprida com observância ao princípio da inviolabilidade domiciliar. A inobservância de qualquer destes requisitos acarreta a nulidade da citação e consuma evidente violação aos princípios constitucionais da legalidade e do devido processo legal.

O reconhecimento da nulidade, em razão de ser de ordem pública, pode e deve ser promovido pelo magistrado que preside o feito, seja ou não acionado pelas partes.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.

BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 10ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009.

GOUVÊA, José Roberto F; NEGRÃO, Theotonio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 38ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2006.

JÚNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil. 47ª Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 18ª Edição. São Paulo: Atlas, 2005.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Valério César Milani e Silva

Advogado, Procurador do Município de Cacoal - RO, formado pela Universidade Federal de Rondônia - UNIR, pós-graduando em direito tributário pela Universidade Gama Filho

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Valério César Milani. Tempo e forma: nulidades do ato processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2202, 12 jul. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13131. Acesso em: 27 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos