A extorsão qualificada pela morte é crime hediondo (artigo 1º, III, da Lei 8072/90) e ainda tem o acréscimo de pena do artigo 9º da Lei 8072/90 nos casos da vítima estar nas condições do artigo 224, CP.
O advento da Lei 11.923/09 trouxe mais um problema ao já conturbado arcabouço jurídico – penal brasileiro, especialmente no relacionamento entre a matéria codificada e a abundante legislação esparsa.
Ocorre que a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8072/90) prevê como crime hediondo a extorsão qualificada pela morte, especificando em parênteses que tal se refere ao artigo 158, § 2º., CP (artigo 1º., III, da Lei 8072/90). Também prevê a sobredita causa de aumento de pena em seu artigo 9º., fazendo referência novamente ao disposto no artigo 158, § 2º., CP. Com o advento da Lei 11.923/09 e a criação do § 3º., do artigo 158, CP, para tratar das extorsões com restrição da liberdade da vítima, inclusive daquelas com resultado morte ou lesões graves, o legislador ensejou uma contradição lamentável, mas cuja solução somente seria possível mediante uma violação ao "Princípio da Legalidade".
A legislação empresta um tratamento mais rigoroso à extorsão mediante restrição da liberdade da vítima, mas ao mesmo tempo passa a extorsão qualificada pela morte sem restrição da liberdade a ser crime hediondo (artigo 1º., III, da Lei 8072/90), enquanto que a extorsão com o mesmo resultado e ainda praticado mediante cerceamento de liberdade não o é. Além disso, a extorsão qualificada seja por lesões graves ou morte contra pessoa nas condições do artigo 224, CP, enseja aumento de pena (artigo 9º. da Lei 8072/90), enquanto a extorsão com os mesmos resultados gravosos, perpetrada mediante restrição da liberdade não possibilita o aumento de pena enfocado. Isso porque a Lei 8072/90 explicita em parênteses somente o artigo 158, § 2º., CP, não fazendo obviamente menção ao § 3º., do mesmo dispositivo pela nítida razão de que somente passou a existir com a Lei 11.923/09.
Certamente haverá aqueles que pretenderão indicar a tipificação hedionda para os casos de morte do § 3º., bem como justificar o aumento de pena para os casos de lesões graves ou morte do mesmo dispositivo, estando a vítima nas condições do artigo 224, CP. Os argumentos serão possivelmente o fato de que o legislador cometeu um lapso ao não ajustar a Lei 8072/90 à nova realidade e de que este não poderia ter em 1990 previsto os casos de um § 3º., que somente adveio em 2009. Ademais, a determinação final do § 3º., do artigo 158, CP, de aplicação das mesmas penas do crime de extorsão mediante sequestro qualificado (crime sem nenhuma dúvida hediondo, inclusive em sua forma simples), levaria à conclusão de equiparação das situações, justificando a qualificação hedionda da extorsão qualificada pela morte com restrição de liberdade, bem como a aplicação do aumento de pena para a extorsão qualificada pela morte ou lesões graves, praticada com restrição da liberdade da vítima. A própria contradição que destrói toda a sistemática legal estaria a apontar a possibilidade de uma interpretação ampliativa nesses casos.
Embora tais argumentos apresentem certa coerência e possam ser construídos na tentativa de colmatar uma lamentável lacuna legal e reconstruir uma sistemática coerente, não devem ser acatados, pois que implicariam numa nítida violência ao "Princípio da Legalidade". Com o advento da Lei 11.923/09 as extorsões com restrição da liberdade qualificadas pela morte não são hediondas, bem como não se pode cogitar da aplicação do aumento de pena do artigo 9º. , da Lei dos crimes hediondos aos casos de extorsão com cerceamento da liberdade e lesões graves ou morte perpetrados contra pessoa nas condições do artigo 224, CP. Isso simplesmente porque a lei assim não prevê, restringindo a aplicabilidade dos dispositivos dos artigos 1º. III e 9º., da Lei 8072/90 aos casos específicos do § 2º., do artigo 158, CP. Normas penais restritivas devem ser interpretadas restritivamente. Não admitem ampliação de seu conteúdo e nem analogia. Cabe ao legislador, obedecendo a estrita legalidade, alterar a Lei 8072/90 para adequá-la à nova realidade. Não cabe aos intérpretes ou aplicadores do Direito violar o "Princípio da Legalidade" para consertar os equívocos do legislador. Admitir essa hipótese seria extremamente pernicioso ao sistema garantista erigido constitucionalmente, conflitando com a própria conformação de um Estado Democrático de Direito.