O presente trabalho tem por objetivo tratar de assunto que surge com força no cenário jurídico brasileiro, o estudo das faixas de domínio rodoviárias.
No decorrer da explanação, será discorrido sobre as faixas de domínio e, principalmente, sobre a possibilidade de a Administração Pública, por meio do órgão gestor desses espaços, cobrar pelo seu uso.
Essa possibilidade de ônus pelo uso de bem público será exposta levando em consideração, exclusivamente, as concessionárias de serviço público.
As faixas de domínio rodoviárias são espaços que possibilitam inúmeras vantagens para aqueles que desejam usá-las, como as concessionárias de serviço público, dentre elas, a facilidade de locomoção.
Entretanto, as referidas concessionárias vêm se opondo à cobrança pelo uso desses espaços alegando que, por prestarem serviço público, estariam isentas da mesma.
Inicialmente, serão expostos breves conceitos de bem público e de bens de uso comum do povo, classificações nas quais se enquadram as faixas de domínio rodoviárias.
Por fim, discutir-se-á especificamente sobre esses espaços públicos, a possibilidade de seu uso oneroso, os entes competentes por seu gerenciamento e a cobrança pela utilização por parte das concessionárias de serviço público que usufruem das referidas faixas.
2. BENS PÚBLICOS
Bens públicos podem ser definidos como aqueles que pertencem à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às respectivas autarquias, lembrando que, mesmo quando não pertencerem, de fato, às pessoas jurídicas de direito público, são considerados como tal se afetados por elas para prestação de um determinado serviço público (Gasparini, 2008, p. 864).
Considerando o entendimento de Di Pietro (2001, p. 531), os bens de domínio público são: "o conjunto das coisas móveis e imóveis de que é detentora a Administração, afetados quer a seu próprio uso, quer ao uso direto ou indireto da coletividade, submetidos a regime jurídico de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum".
Segundo Meirelles (2007, p. 520): "Bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais".
No que tange às faixas de domínio, as mesmas são consideradas bem público quando se tratam de espaços desapropriados, bem como quando apenas limitam administrativamente a propriedade particular.
2.2 CLASSIFICAÇÃO
Os bens públicos classificam-se como de uso comum do povo, de uso especial e dominicais. Tem-se que as faixas de domínio enquadram-se na classificação de bens de uso comum do povo.
As faixas de domínio são consideradas parte integrante das rodovias, portanto, bens de uso comum do povo que, como o próprio nome sugere, têm-se como aqueles em que as condições estão abertas para utilização, ocorrendo a concorrência igualitária e harmoniosa (Meirelles, 2007, p. 522).
Sobre o tema, o nobre doutrinador Meirelles (2007, p. 522) trata dessa classificação afirmando que: "bens de uso comum do povo ou do domínio público: como exemplifica a própria lei, são os mares, praias, rios, estradas, ruas e praças. Enfim, todos os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo".
2.3 FAIXA DE DOMÍNIO RODOVIÁRIA
Depois de tratar brevemente dos bens públicos e sua classificação, cabe abordar especificamente sobre as faixas de domínio rodoviárias.
Em sucinto conceito, as faixas de domínio rodoviárias são áreas lindeiras à via pública cujo uso obedecerá às condições de segurança do trânsito estabelecidas pela autoridade competente (Rizzardo, 2007, p. 153).
Quando o Estado decide abrir determinado espaço para a construção de uma rodovia, o faz mediante a publicação de um Decreto de Utilidade Pública, que declarará aquele trecho como sendo de utilidade pública e no qual estará prevista a largura máxima da faixa de domínio (Salles, 2006, p. 191).
A área a ser utilizada para a execução da via é estipulada em um projeto de engenharia rodoviária, considerada bem público sob competência do órgão rodoviário.
Esse espaço será calculado com fundamento em dados técnicos de engenharia, sempre buscando a segurança dos usuários da futura rodovia, bem como dos moradores lindeiros.
O enquadramento das faixas de domínio como bem público é corroborado por Neto (2002, p. 350) quando afirma que: "Todas as terras destinadas à viação pública, federais, estaduais ou municipais, são necessariamente, bens públicos, por força da afetação ao uso comum".
Nesse contexto, cabe reforçar esse pensamento com conceito elaborado por Silva (2008, p. 194): "O sistema rodoviário nacional, portanto, constitui-se só de estradas públicas, pois a ordenação jurídica brasileira inclui as estradas entre os bens públicos de uso comum do povo".
Portanto, não resta dúvidas de que as faixas de domínio, como parte integrante das rodovias, são consideradas bens públicos.
2.4 POSSIBILIDADE DE USO ONEROSO DAS FAIXAS DE DOMÍNIO RODOVIÁRIAS
Depois de conceituar e estabelecer as faixas de domínio rodoviárias como bens públicos, imperioso se faz expor a possibilidade de seu uso, inclusive oneroso, por concessionárias de serviço público.
A possibilidade de regramento desses espaços é possível, segundo entendimento de Oliveira (2008, p. 166): "Os bens de uso comum caracterizam-se, exatamente, pelo fato de ter, como destinação especifica, o uso pelo povo em geral. [...] Isso não exclui, entretanto, a disciplina do Poder Público quanto à forma de utilização".
Sendo possível o uso, alerta-se à necessidade de disciplina na regulamentação das faixas de domínio, haja vista constituírem áreas lindeiras à rodovia, passíveis de terem seu uso restringido e limitado, muitas vezes proibido, para que assim se verifique maior segurança aos usuários da via (Rizzardo, 2007, p. 153).
Trata-se, consequentemente, do exercício da Administração, quanto ao gerenciamento desses espaços que, para exercê-lo de maneira mais eficiente, abre a possibilidade de permitir seu uso oneroso.
No que se refere à cobrança pela utilização de bem público, colhe-se da doutrina a afirmação de Diniz (2006, p. 97) quando confirma tal presunção:
Uso gratuito ou oneroso de bens públicos: Os bens podem ser utilizados gratuita ou onerosamente, conforme for estabelecido, por lei, pela entidade a cuja administração pertencerem. A regra geral é o seu uso gratuito, dado que são destinados ao serviço do povo ou da comunidade, que para tanto paga impostos. Todavia, não perderão a natureza de bens públicos se leis ou regulamentos administrativos condicionarem ou restringirem o seu uso a certos requisitos ou mesmo instituírem pagamento de retribuição.
A retribuição pelo uso de bens públicos está prevista na lei, mais especificamente no art. 103 do Código Civil de 2002: "O uso comum dos bens públicos pode ser gratuito ou retribuído, conforme for estabelecido legalmente pela entidade e a cuja administração pertencerem".
É perfeitamente justificável a onerosidade do uso das faixas de domínio rodoviárias, conforme leciona Diniz (2008, p. 147): "Há certas razões excepcionais que requerem o uso oneroso de determinados bens públicos, como a sua conservação ou a realização de melhoramentos, pois o Estado, para fazer frente às despesas prementes e vultosas, precisará recorrer à contribuição popular. Em tais casos é evidente a legitimidade da cobrança".
É público e notório que as rodovias brasileiras necessitam de melhoramentos e o eficiente gerenciamento desses espaços certamente permitirá melhores resultados quanto à conservação.
2.5 COMPETÊNCIA PARA O GERENCIAMENTO DESSES ESPAÇOS
Demonstrada a possibilidade de onerar o uso das faixas de domínio rodoviárias, cabe neste item tratar de quem é competente para gerir esses espaços.
É certo que a utilização das faixas de domínio deve obedecer às condições de segurança do trânsito estabelecidas pela autoridade competente. Esta, também, deve gerenciar e regulamentar esse uso (Rizzardo, 2007, p. 153).
Neste sentido Mitidiero (2005, p. 396) afirma que: "Faixa lateral de domínio ou simplesmente faixa de domínio [...], delimitada por lei específica e sob responsabilidade do órgão ou entidade de trânsito competente com circunscrição sobre a via", e ainda (2005, p. 397): "As faixas laterais de domínio só podem ser utilizadas [...], mediante rigorosa obediência aos ditames de segurança de trânsito estabelecidos pelo ente executivo viário com circunscrição sobre a via".
O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 95, também trata do assunto quando prevê que todo o particular que pretenda construir na vizinhança de vias de circulação de veículos deverá pedir permissão prévia ao órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via: "Art. 95 CTB. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via".
Tanto é assim que a jurisprudência reconhece a competência do órgão com circunscrição sobre a via, exigindo a permissão do mesmo para quaisquer interferências na área objeto de ocupação:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO PODER CONCEDENTE PARA A PASSAGEM DA REDE DE DUTOS PARA GÁS NATURAL CANALIZADO PELO SUBSOLO DE PARTE DA FAIXA DE DOMÍNIO DE FERROVIA OBJETO DE CONCESSÃO. - Ausente a autorização do poder concedente, deve ser cassada a antecipação dos efeitos da tutela que garantiu, independentemente do pagamento de qualquer preço, a passagem da rede de dutos para gás natural canalizado pelo subsolo de parte da faixa de domínio da ferrovia objeto de concessão. - Agravo provido. (TRF4, AG 2002.04.01.057574-9, Terceira Turma, Relator Maria de Fátima Freitas Labarrère, publicado em 11/06/2003).
Para Meirelles (2007, p. 152): "Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada".
Parece mais que correto afirmar, portanto, que os órgãos rodoviários, com circunscrição sobre a via, são os responsáveis pelo gerenciamento desses espaços e certo também que as concessionárias rodoviárias gozam de igual privilégio.
2.6 DA NECESSIDADE DA OBSERVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO
É sabido que o uso das faixas de domínio é extremamente vantajoso para as concessionárias de serviço público porque, dentre outros motivos, se ocupassem propriedades privadas, certamente teriam dificuldades na manutenção de seus serviços.
Desta forma, num momento inicial, cabe alertar sobre a natureza da atividade prestada pela empresa concessionária de serviço público, exposta por Meirelles (2007, p. 387): "A atividade do concessionário é atividade privada, e assim será exercida, quer no tocante à prestação do serviço, quer no que entende com o seu pessoal".
Nesse sentido manifesta-se Gasparini (2008, p. 368):
O procedimento que visa outorgar a um interessado a execução e a exploração de certo serviço público exige a manifestação de duas pessoas; uma, a Administração Pública, que outorga a concessão, outra, o particular, que a recebe. De fato, de um lado acha-se a Administração Pública [...]. De outro lado, encontra-se o interessado, particular desejoso de obter a execução e exploração do serviço público, que, se outorgadas, chamar-se-á concessionário. O concessionário é uma pessoa jurídica privada, ou seja, uma empresa comercial, industrial ou de prestação de serviços.
Indispensável a menção da relação estabelecida entre a Administração Pública e o concessionário de serviço público considerada, apenas, de caráter patrimonial, conforme Harada (2006, p. 80):
É o que acontece, por exemplo, quando o Estado, mediante lei especifica, promove, a título oneroso, a concessão de uso de bem público, ou a concessão de direito real de uso. Nessas hipóteses, haverá mera relação de propriedade, de sorte que a prestação pecuniária percebida pelo Estado ingressará no Tesouro a título de receita pública corrente, de natureza patrimonial.
Assim, vislumbra-se que o interesse da concessionária em prestar o serviço é privado, enquanto o da Administração em gerir o bem é público, conforme dispõe Mello (2006, p. 87): "Ora, a Administração está, por lei, adstrita ao cumprimento de certas finalidades, sendo-lhe obrigatório objetivá-las para colimar o interesse de outrem: o da coletividade".
Sobre o interesse econômico da concessionária quando ocupa as faixas de domínio, expõe Mello (2005, p. 29):
Sem dúvida, é obvio o interesse econômico de uma prestadora de serviços públicos em ficar liberada dos dispêndios pelo uso especial do bem entregue à exploração de uma concessionária de obra pública, que isto minoraria seus custos. Mas é igualmente óbvio o interesse econômico quer da entidade pública a que está afeto o bem, quer da concessionária da exploração dele em serem remunerados por tal uso. Estas partes, sem dúvida, têm interesses econômicos a argüir.
O atual governo optou por um sistema no qual os prestadores de serviço ou da obra exploram economicamente; isto é: ganham dinheiro com os serviços e obras públicas. É com este ganho que custeiam e que realizam o próprio lucro: aquilo que os mobilizou e que lhes justifica a relação travada com o Estado. Assim, independentemente das respectivas obrigações em relação à atividade pública, o fato é que são empresas privadas, entidades prepostas a ganhos econômicos, que estão confrontadas na hipótese de passagem de cabos nas faixas de domínio.
Agasalhando-se no princípio da supremacia do interesse público é que a Administração Pública fundamenta a cobrança pelo uso de suas faixas de domínio por concessionárias de serviço público.
Lembro que tal fundamentação à cobrança é perfeitamente estendida às concessionárias que administram as rodovias brasileiras quando assumem o lugar da administração direta, entretanto, esse é assunto para um debate específico.
Quanto à administração do patrimônio público, é certo afirmar que aquele que detém competência para gerir esses espaços deve observar o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado.
Administrar o bem, neste caso, especificamente, as faixas de domínio rodoviárias, se sobrepõe ao interesse das concessionárias de serviço público, que é o lucro.
Neste sentido, expõe Meirelles (2007, p. 103): "A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral".
Considerando, ainda, as explanações de Meirelles (2007, p. 103), entende-se que o responsável pelo gerenciamento dos espaços públicos está destinado a cumprir as determinações da legislação, considerando a função primordial da via, qual seja, o fluxo de tráfego, ao passo que as faixas de domínio têm como prioridade garantir a segurança de seus usuários:
Do princípio da supremacia do interesse público, decorre o princípio da indisponibilidade do interesse público, segundo o qual a Administração Pública não pode dispor desse interesse geral nem renunciar a poderes que a lei lhe deu para tal tutela, mesmo porque ela não é o titular do interesse público, cujo titular é o Estado.
Obviamente, ao tutelar a segurança do usuário das rodovias, demonstra-se a obediência à supremacia do interesse público, conforme dispõe Rizzardo (2007, p. 153): "faixas laterais de domínio são essas áreas que fazem divisa com a via pública. [...], o seu uso obedecerá às condições de segurança do trânsito estabelecidas pela autoridade competente".
3 CONCLUSÃO
Pode-se afirmar que as faixas de domínio rodoviárias, desapropriadas ou não, tratam-se de bens públicos, classificadas como de uso comum do povo.
Seu uso pode ser permitido e, fundamentado na legislação citada, onerado àqueles que têm interesse em usufruir desse bem.
Tal interesse na utilização desses espaços, mesmo por concessionárias de serviço público, é privado, enquanto a administração das rodovias obedece a interesse público, visando precipuamente a segurança de seus usuários.
É certo que nossas rodovias necessitam de melhoramentos e a administração de suas faixas de domínio auxiliará no alcance desse objetivo.
Portanto, a cobrança pela utilização desses bens coaduna-se com o interesse público que se sobrepõe privado daqueles que os ocupam, independentemente da atividade que prestam, visto que mantêm, sob sua ótica, relação de cunho patrimonial.
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